A árvore do conhecimento - Maturana, p. 171 - 266


PoreGov- Postado em 17 abril 2015

publicar os comentários

CAPÍTULO VII

Sistema Nervoso e Conhecimento

 

O comportamento está presente em qualquer unidades num meio de perturbações e matem a organização perante ao que elas desencadeiam. Num organismo com sistema nervoso o movimento é essencial, pois ele varia e espécie para espécie mas observa-se que estão relacionados a ele a reprodução, a alimentação e sua interação com o meio.

Os autores apontam vários exemplos do acoplamento entre superfícies sensoriais e motoras como nas amebas, protozoários e bactérias unicelulares. Esta correlação se faz no interior da célula por meio de transformações metabólicas.

Nos organismos metacelulares, os neurônios (células nervosas) tem papel essencial. Eles tem “ramificações citoplasmáticas de formas especificas que se estendem por enormes distâncias, da ordem de dezenas de milímetros no caso das maiores”. Todos os organismos dotados de sistema nervoso possuem essas características neurais. As formas neurais permitem conexões e interações, por exemplo, a descarga elétrica e o transporte de substancias, que são a base do funcionamento do sistema nervoso.

Os neurônio se conectam a quase todos os tipos celulares, mas a formação de dendritos ou axônios -  a ligação entre outros neurônios – é a mais comum. Os contatos, denominados de sinapses, ocorrem entre zonas e corpo celulares. Elas são o ponto de influência mutua do acoplamento entre neurônicos, mesmo quando as interações ocorrem entre grupos celulares distantes. Nesses locais, as membranas expelem moléculas especiais, os neurotransmissores, que cruza o espaço entre as membranas e produz a alteração elétrica na célula seguinte.

               A organização de um sistema nervoso é basicamente a mesma entre diferentes espécies, o que muda são os tipos neurais. O sistema nervoso expande as interações de um organismo pelo acoplamento de superfícies sensoriais e motoras, mediante a rede neuronal. Desta forma as perturbações externas são equilibradas no interior do organismo.

“o efeito de projetar uma imagem sobre a retina não é como ligar de uma linha telefônica para um receptor. É mais como uma voz (perturbação), que se soma ás muitas vozes de uma agitada sessão de transações numa bolsa de valores (relação de atividade interna entre todas as projeções convergentes), na qual cada participante ouve o que lhe interessa.” (p.181)

 

               Observa-se que o comportamento não é criado pelo sistema nervoso, ele é expandido através dele. Conforme os autores “o comportamento é a descrição – feita por um observador – das mudanças de estado de um sistema em relação a um meio, ao compensar as perturbações que dele recebe”. Em busca do equilíbrio externo, o sistema nervoso funciona como uma rede fechada de mudanças internas nas relações de seus componentes.

               Ao longo da história do desenvolvimento do sistema nervoso, a formação do cordão neural e a cefalização. O aumento da massa cefálica amplia a plasticidade do cérebro, que é fundamental para a aprendizagem. As alterações estruturais – representadas pela aprendizagem -  ocorrem não nos níveis dos componentes e sim das sinapses. O funcionamento do sistema nervoso é circular, e enriquece a unidade autônoma. Por isso os autores indicam que o ato de conhecer é vinculado com o equilíbrio interno do ser, “viver é conhecer”.

Destaca-se que para os autores, o conhecimento é um ato do observador sobre um comportamento efetivo num contexto assinalado. Seria dizer que ambos os conceitos, conhecimento e comportamento possuem uma visão externa do processo?

                A riqueza plástica não é a representação das mudanças e sim a sua capacidade de continua transformação, resultantes das interações com o meio. Estas mudanças ocorrem por meio de um mecanismo de seleção que permite manter o equilíbrio interno.  Desta forma é possível dizer que a conduta (e não o comportamento) é determinado pela estrutura do organismo. Quando as estruturas são independentes da interação e pertencem a determinada espécie elas são genéticas, mas quando dependem da interação são ontogenéticas, ou seja, são aprendidas.

               Por fim, verifica-se que a presença de um sistema nervoso determina a diversidade cognitiva do ser. No homem, o organismo nervoso é extremamente vasto. Suas interações permitem acoplamentos estruturais e fenômenos diversos, que propiciaram o surgimento da linguagem e da autoconsciência humana.

              

 

CAPÍTULO VIII

Os fenômenos sociais

 

               Neste capitulo os autores tratam do fenômeno que ocorre quando dois organismos com sistemas nervosos desenvolvidos interagem num contexto de acoplamento estrutural mas matem cada um sua individualidade – acoplamento de terceira ordem. 

Este é um fenômeno universal que ocorre com diferentes espécies, inclusive a humana, e é importante para a realização da reprodução quando ela é sexuada. No insetos por exemplo, este acoplamento é químico, denominado de trofolaxe, se faz por intercambio de substancias. Mas os processos e mecanismos variam entre castas, raças e espécies.

Nos vertebrados, com o aumento da estrutura física e do desenvolvimento do sistema nervoso, maior diversidade de estados e comportamentos.

Os fenômenos sociais fazem parte das unidades de terceira ordem.  Embora varie muito entre as espécies, o comum é que todas gerem fenomenologia interna decorrentes dos acoplamentos de terceira ordem. Em outras palavras os participantes dos acoplamentos mútuos satisfazem suas ontogenias individuais.

Neste cenário a comunicação é apontada como o desencadeamento mútuo de comportamentos coordenados entre os membros de uma unidade social. “Desta forma entendemos como comunicação uma classe particular de condutas que acontece com ou sem a presença do sistema nervoso, no funcionamento dos organismos nos sistemas sociais.” Observa-se que a imitação é uma tendência nos vertebrados, ela permite que um certo modo de interação perpetue entre gerações sucessivas.

Assim como nos comportamentos instintivos e adquiridos, a comunicação também pode adquirir forma filogenética ou ontogenética e ocorre no acoplamento social.  “Como observadores, chamamos de comunicativos os comportamentos que ocorrem num acoplamento social, e de comunicação à coordenação comportamental que observamos do resultado dela”. A cultura é um fenômeno é um caso especifico de comportamento comunicativo. A conduta cultural representa as configurações comportamentais adquiridas ontologicamente na dinâmica comunicativa de um meio social, através de gerações.

Os autores questionam a metáfora do tubo que sugere a comunicação como um processo que leva a informação de um ponto ao outro. Para eles, do ponto de vista biológico a comunicação ocorre “cada vez que há coordenação comportamental num domínio de acoplamento estrutural”. Também questionam a ideia de que o animal é um ser naturalmente egoísta. Conforme o texto, a história aponta a inviabilidade dessa concepção individualista dos indivíduos, e evidencia a natureza altruísta dos animais.

Os sistemas sociais humanos, além da clausura operacional dos componentes, representa um sentido de unidade no sentido da linguagem. Em outras palavras, assim como para o organismo estabilidade operacional de seus componentes é essencial, a plasticidade operacional (comportamental) é essencial para a existência de um sistema social humano. No caso deste ultimo, é necessário que os acoplamentos estruturais se desenvolvam dentro de um domínio linguístico.

CAPÍTULO IX

Domínios Linguísticos e Consciência Humana

 

               Neste capitulo os autores ressaltam que os comportamentos comunicativos ontogênicos, percebidos como semânticos por um observador, trata o elemento comportamental como uma palavra que relaciona conduta à linguagem. Essa conduta constitui um domínio linguístico compartilhado entre os organismos participantes.

               “E outros termos, quando descrevemos as palavras como designadoras de objetos ou situações no mundo, fazemos, como observadores, uma descrição de um acoplamento estrutural que não reflete o funcionamento do sistema nervoso, pois este não funciona como representações do mundo”.

Este não é o caso das condutas comunicativas instintivas, como a “linguagem” das abelhas, por exemplo, que se refere a uma conduta comportamental filogenética.

Neste contexto, o importante não é como são essas interações, ou os acoplamentos estruturais onde ocorrem os comportamentos, e sim como as estruturas envolvidas as acolhem numa situação de deriva cultural.

               Destaca-se que o domínio linguístico encontra-se mais presente em humanos do que em qualquer outra espécie. A influencia da linguagem no comportamento humano, permite uma serie de fenômenos como a reflexão e a consciência, num ato de descreve-se a si mesmo e à sua circunstancia.

               Contudo a linguagem não é exclusiva da nossa espécie. Pesquisa com orangotango e outras espécies de macacos e golfinhos, como as do casal Gardner, revelaram que estes animais têm uma linguagem bem desenvolvida ou capacidade de desenvolvê-la.

               O desenvolvimento da linguagem na espécie humana esta relacionado as interações interpessoais afetivas associadas à coleta e à partilha dos alimentos, a fim de estabelecer uma cooperação e coordenação comportamental ontogênica.

               Essa singularidade da “vida social humana e seu intenso acoplamento linguístico” propiciaram o desenvolvimento da mente e da consciência. Os estudos com pessoas que sofrem de epilepsia que passaram por uma neurocirurgia que desconecta os hemisférios do cérebro serviu de fundamento para a compreensão sobre a capacidade reflexiva da mente.  Verificou-se o desenvolvimento de uma coerência descritiva que um hemisfério, separado do outro, é capaz de realizar para justifica as ações que vira ocorrer.

Ou seja, nossas experiências acerca de domínios linguísticos, se organizam baseadas numa variedade desconhecida do sistema nervoso, de maneira que elas se encaixem na coerência de nossa deriva ontogênica. Em outras palavras, “tudo isso nos mostra que, na rede de interações linguística na qual nos movemos, mantemos uma contínua recursão descritiva – que chamamos de “eu” -, que nos permite conservar nossa coerência operacional linguística e nossa adaptação no domínio da linguagem”.

Nossas interações recorrentes nos permitem um acoplamento estrutural interpessoal, onde compartilhamos um mundo especificado por meio de nossas ações. Apenas quando esse acoplamento fracassa nos damos conta de ate que ponto nossa coordenação comportamental e nossa comunicação são inseparáveis da nossa experiência. Nossa vida é uma “filigrana de especificidades na coordenação comportamental”.

               A mente e a consciência se tornam dinâmicas em seu acoplamento social e seleciona o nosso caminho numa deriva estrutural ontogênica. Somos geradores de interações linguísticas que fazem de nós o que somos. Portanto, a linguagem não descreve o mundo, ela o faz.

 

CAPÍTULO X

A Arvore do Conhecimento

              

Observou-se que não existe um ponto de referencia fixo e absoluto. Afirmar que o mundo é pura relatividade é afirmar que tudo é possível. O que os autores sugerem é a percepção da experiência acoplada ao mundo vivenciado com regularidades biológicas e sociais. Estas regularidades são próprias de um acoplamento de um grupo social e sua cultura. As tradições são formas de ver e agir e também de ocultar.

“Todo o conhecer humano pertence a um desses mundos e é sempre vivido numa tradição cultural”.

O conhecimento do conhecimento no obriga a reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade. A partir deste ponto dos conscientizamos eticamente sobre nossa interação social e sobre a consciência da situação de forma mais abrangente. Isso implica em conhecer e respeitar nosso ponto de vista como o de outros seres humanos. Essa condição nos remete a experimentarmos o amor genuíno, de respeito e de aceitação mútuos.

Por fim, verificou-se que os fenômenos sociais, fundamentados no acoplamento linguístico, são origem a linguagem. Neste contexto, os autores tinham dois objetivos que podem ser cumpridos com o livro: remeter o leitor a consciência de que ele faz parte desses fenômenos, e de que nosso mundo só é o que é pela interação com os outros, e que o amor – aceitação e respeito - é fundamental para que ela ocorra e para que nosso mundo desenvolva.  

                             

Juliana Clementi

A Árvore do Conhecimento

Sistema nervoso auta como agente equilibrador entre organismo e meio, partindo do pressupost que suas ações não são inventadas, mas sim compreendidas e voltadas à manutenção da vida do organismo para com o meio ao qual está inserido.
Dentro desta perspectiva, atrai-se a conclusão de que todo o fazer promovido pelo nosso sistema é baseado em algum tipo de conhecimento, ou seja, nenhuma ação é tomada sem algum embasamento em algo que já tenha sido feito antes ou em algum motivo instintivo ou intuitivo.
A manutençao do sistema nervoso se dá de maneira que ele se adapte ao organismo inserido, promovendo sua conservação. Desta forma, as pequenas e particulares mudanças são mais notáveis, concluindo-se que os seres de mesma espécie possuem uma grande linha tênue onde se encontram característica semelhantes, mas possuem diferenciações em suas individualidades.
Assim como uma pedra jogada à água gera muitas ondas, cada ação, cada interação promovida pelo meio ao sistema, sejam elas físicas, químicas, sonoras ou visuais, dentr outras, gera várias mudanças estruturais. Qualquer experiência ou ato vivido, nos carrega de informações e nos desencadeia novas percepções. Viver é Conhecer! Cada sistema possui um tipo de complexidade, que determinará a complexidade dos organismos e de suas condutas/comunicações inseridos nele.
Tratando de linguagem, podemos dizer que se trata do principal meio evolutivo, e que a comunicação exercida entre os seres, de forma com que cada um receba de forma clara e entendedora as mensagens passadas, sejam acoplamentos estruturais cognitivos do domínio linguístico. As "consequências" da linguagem são infinitas, e a partir da compreensão desta forma de compunicação exercida entre os seres, tomamos conta de que possupimos uma mente cognitiva.
Cada ato por nós praticado é baseado na carga vivencial que produzimos ao decorrer do tempo. Entender que cada ser tomará seus atos de acordo com o que sua mente e seu sistema nervoso conduz, é primordial para a compreensão de fatores que possam ser tachados de inexplicáveis.
Vivemos num mundo com que a gente quer viver. Temos que mudar esta percepção. Vivemos no mundo que ele o é. Cada organismo interpreta os fatos de acordo com que quer ver, e daí surge preconceitos e formas deturpadas de ações. Temos que saber que sabemos e aplicar isso ao mundo em que estamos.

Jean C R Pereira
48-91190043

Administrador   &

Breve anotação: A árvore do conhecimento

MATURANA, Humberto R. e VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athenas, 2001

O livro traz muitos conceitos da biologia, que são novos para mim. Por está razão, achei o livro interessante, porém difícil. Acredito que entendi o seu objetivo, mas sua linguagem técnica,  apesar de fundamental para entendermos o objetivo final, foi um pouco cansativa.

Começaremos  as anotações pelo capítulo 7, pois este traz o conceito e o desenvolvimento do sistema nervoso e do conhecimento. P. 157.

O livro trabalha a coordenação sensório-motora unicelular - 167, passando sensório motora multicelular - 168 até à estrutura neuronal – 171-174. Nesta última, destaca-se o conceito de sinapses, que efetivamente produzem a influência mútuas no acoplamento entre um neurônio e outro. “As sinapses, portanto, são as estruturas efetivas que permitem ao sistema nervoso a realização de interações específicas entre grupos celulares distantes.”

Interneurônios – acopla as superfícies sensoriais e motoras, mediante uma rede de neurônios cuja configuração pode ser muito variada. P. 177.

Sistema nervoso – dotado de cláusula operacional. P. 183

História natural do sistema nervoso – interessante – sobre a evolução do sistema nervoso. P. 184.

O sistema nervoso está em contínua mudança estrutural – tem plasticidade. P. 186.

O cérebro e o computador – p. 188

Existem comportamentos inatos, que desenvolve uma estrutura independente  das peculiaridades de sua história de interação – instintivos. P. 191. Ao contrário, se as estruturas que tornem possíveis determinadas condutas nos membros de uma espécie se desenvolvem somente se há uma história particular de interação, com estruturas ontogenéticas e condutas aprendidas.

Conhecimento – 193-195- “falamos em conhecimento toda vez que observarmos um comportamento efetivo (ou adequados) num contexto assinalado. Ou seja, num domínio que definimos com uma pergunta (explicita ou implícita) que formulamos como observadores”. P. 195.

Quando em um organismo existe um sistema nervoso tão rico e vasto como o do homem, seus domínios de interação permitem a geração de novos fenômenos, ao possibilitar novas dimensões de acoplamento estrutural. Foi isso, em última análise, que tornou possível a linguagem e a autoconsciência humanas. P. 196.

Os fenômenos sociais – quandoos acoplamentos acontecem entre organismos com sistema nervoso, o resultado é uma fenomenologia peculiar: os acoplamentos de terceira ordem. O autor começa mostrando que, na natureza, nem sempre é a fêmea que cuida dos filhos201-205.

Traz exemplos de insetos sociais – p. 205. A página 207 mostra o interessante mecanismo de acoplamento dos insetos sociais. Mas também há vertebrados sociais, como nos exemplos das páginas 209 – 2013.

Na página 214 – trabalha o conceito de comunicação – desencadeamento mútuo de comportamentos coordenados que se dá entre os membros de uma unidade social. Uma classe particular de condutas que acontece com ou sem a presença do sistema nervoso, no funcionamento dos organismos nos sistemas sociais.

Diferença entre fenômeno social e comunicação.  O primeiro está ligado a participação dos organismos na constituição de unidades de terceira ordem. Comunicativos são o comportamento que ocorre num acoplamento social. Comunicação é a coordenação comportamental que observamos como resultado dela. p. 217

A comunicação não permite a recursividade. A linguagem, ao contrário, traz a capacidade do jogo semântico através da recursividade. A linguagem se tornou o mundo humano – p. 229 e 254.

O conceito de egoísmo e altruísmo também é trazido na página 219.

Nas páginas 235 traz as interações linguísticas interespecíficas.

As características únicas da vida social humana e seu intenso acoplamento linguístico geraram um fenômeno novo, ao mesmo tempo tão próximo e tão distante de nossa própria experiência:  a mente e a consciência. 245.

Utiliza a técnica do espelho para contrastar a experiência dos primatas com a humana. P. 246.

Na página 254 trabalha o mental e a consciência: “mantemos uma contínua recursão descritiva – que chamamos de ‘eu’ - , que nos permite conservar nossa coerência operacional linguística e nossa adaptação ao domínio da linguagem”. P. 254-255

Outro aspecto interessante: “o mental não é algo que está dentro de meu crânio. Não é um fluido do meu cérebro: a consciência e o mental pertencem ao domínio de acoplamento social, e é nele que ocorre a sua dinâmica. É também nesse domínio que o mental e a consciência funcionam como seletores do caminho que segue nossa deriva estrutural ontogênica. Além disso, dado que pertencemos a um domínio de acoplamento humano, podemos considerar-nos como fonte de interações linguísticas seletoras de nossa devir”. P. 256.

No último capítulo, a árvore do conhecimento, os autores trabalham a ideia que: a teoria do conhecimento deveria mostrar como o fenômeno do conhecer gera a pergunta que leva ao conhecer.

O primeiro papel do livro era seduzir o leitor aos fenômenos do saborear, preferir, rejeitar ou conversar. Os autores trazem a recursividade – caráter circular nos sistemas. Não há um ponto de referência fixo. P. 262.

Círculo cognitivo – recursividade – a bagagem de regularidades próprias do acoplamento de um grupo social é sua tradição biológica e sua cultura, p. 264-265.

Explicação singular: ao pretender conhecer o conhecer, encontramo-nos nitidamente com o nosso próprio ser. P. 265.

O conhecimento do conhecimento obriga a assumir uma atitude de permanente vigília contra a tentação da certeza, a reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade, como se o mundo que cada um vê fosse o mundo e não um mundo que construímos juntamente com os outros. Ele nos obriga, porque ao saber que sabemos não podemos negar que sabemos. P. 267.

Como seres humanos só temos o mundo que criamos com os outros. P. 268. Este fato só é possível através do amor, ou, se buscarmos uma palavra menos forte, pela aceitação do outro junto a nós. P. 269.

Afirmamos que, no âmago das dificuldades do homem atual, está seu desconhecimento do conhecer. P. 270.

Para evoluirmos, precisamos nos conhecer e para isso, precisamos deixar certos padrões, limparmos nossos condicionamentos e estarmos abertos para descobrirmos o novo. Metáfora da Shah. P. 271.

 
 
Maturana e Varela
 
 
A árvore do Conhecimento
 
 
Páginas 177 a 266
 
O Sistema nervoso da Cognição
 
Trabalha a história natural do movimento
 
 
 
Formação histórica dos neurônios A partir do sistema mais básico que é da Hidra. 
 
Comparando a formação de nódulos neurais em diferentes, sinapses. 
 
Formação da porção cefálica.
 
 
 
Plasticidade 
 
A plasticidade é a capacidade de mudanças na estrutura neurológica/cognitiva. 
 
As mudanças no estado do sistema ocorre não nas conexões que unem grupos de neuronios, e sim nas características locais dessas conexões.
 
Todo sistema nervoso conhecido apresenta algum grau de plasticidade. 
 
As mudanças no estado do sistema ocorre não nas conexões que unem grupos de neuronios, e sim nas características locais dessas conexões.
 
 
A falsa metáfora do computador. 
 
Condutas inatas e condutas aprendidas
 
O Sistema nervoso e o processo de cognição, interação com o meio e equilíbrio interno de acordo com as perturbações externas. 
 
Acoplamentos de terceira ordem. 
 
Relações sociais diferentes entre espécies diferentes: pinguins, insetos possuem formas de cuidado parental distintas.  
 
O mecanismo de acoplamento entre a maior parte dos insetos sociais se dá por meio do intercãmbio de substáncias, sendo assim um acoplamento químico. 
 
 
Vertebrados sociais 
 
 
Toda vez que há um fenômeno social, há um acopla- mento estrutural entre indivíduos. 
 
 
os organismos participantes satisfazem suas ontogenias individuais, fundamentalmente, se- gundo seus acoplamentos mútuos na rede de interações recípro- cas que formam ao constituir as unidades de terceira ordem. 
 
 
o cultural 
 
Comunicação entre os pássaros.
 
Os vertebrados possuem a conduta de imitação. A imitação amplamente adotada é a cultura. 
 
 
A comunicação ocorre toda vez em que há coordenação comportamental num domínio de acoplamento estrutural. 
 
A existencia da vida depende de conservação da adaptação. 
 
 
Em sociedades humanas os componentes possuem ampla autonomia. 
A conduta Linguistica
 
 
Conduta linguistica é a intersecção da conduta ontogênica com a conduta comunicativa, domínio lingüístico entre os organismos participantes. 
 
É um ato cognitivo e uma forma de acoplamento. 
 
”não há um desígnio, e sim um arcabouço ad hoc que vai se fazendo com os elementos disponí- veis a cada momento.” 
 
 
Dos experimentos com Chimpanzés conclui-se que a interação é fundamental na formação linguistica. 
 
Conhecimento do conhecimento compromete.
 
Reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade,
 
mundo que cada um de nós vê é produzido com outros. 
 
O Mundo humano é uma criação social. 
 
 
 
 
 
 
 
 

Thiago S. Araujo. 
Doutorando em Engenharia e Gestão do Conhecimento - UFSC: www.egc.ufsc.br 

Fichamento, A Árvore do conhecimento. Maturana e Varella

 

O CONHECER O E O CONHECEDOR: A circularidade.

Percebe-se na leitura deste capítulo que há um itinerário circular que parte da experiência própria a experiência da vida social conjunta.

Dessa maneira os fenômenos sociais- fundamentados num acoplamento linguístico- dão origem à linguagem. Verifica-se também que a Linguagem, partindo de nossa experiência cotidiana do conhecer nela, nos permite gerar a explicação de sua origem. O começo é o final.

Neste sentido, a teoria do conhecimento deveria mostrar como o fenômeno do conhecer gera pergunta, a pergunta que leva ao conhecer.

Estamos continuamente imersos de forma circular em uma interação cujos resultados dependem da história. Todo fazer leva a um novo fazer: é o círculo cognitivo que caracteriza o nosso ser, num processo cuja a realização está imersa no modo de ser autônomo do ser vivo.

Por meio dessa contínua recursividade, todo mundo produzido oculta necessariamente suas origens. Do ponto de vista biológico, não há como descobrir o que nos aconteceu para que obtivéssemos as regularidades do mundo com as quais estamos acostumados, desde os valores ou preferencias até as tonalidades das cores e dos odores.

O mecanismo biológico nos indica que que uma estabilização operacional na dinâmica do organismo não incorpora a maneira como ele se originou. Nossas visões de mundo e de nós mesmos não guardam registro de suas origens.

Tudo aquilo que, como seres humanos, temos em comum, é uma tradição biológica que começou com a origem da vida e se prolonga até hoje nas variadas histórias dos seres humanos deste planeta.

Ranieri Aguiar

Ranieri Roberth Silva de Aguiar

A ÁRVORE DO CONHECIMENTO

 

Capítulo 7 – Sistema Nervoso e Conhecimento

Conhecimento: conduta efetiva (ou adequada) em um contexto assinalado

Conduta: descrição feita por um observador das mudanças de estado de um sistema em relação a um meio

                -Inatas: independentes da história estrutural do sistema

-Aprendidas: desenvolvidas em razão do desenvolvimento histórico da estrutura do sistema.

Aprendizagem: acoplamento estrutural, que sempre  manterá uma compatibilidade entre o operar do organismo e o meio

 

O sistema nervoso não ‘inventa’ condutas, apenas as expande de forma drástica, vez que o Sistema Nervoso nada mais é do que o acoplamento entre pontos nas superfícies sensoriais e pontos nas superfícies motoras, realizados através de uma rede de neurônios, que fazem a mediação destes acoplamentos, ampliando o campo de possíveis correlações SENSÓRIO-MOTORAS do organismo e expandindo assim o domínio das CONDUTAS.

Desta forma, pode-se definir o Sistema Nervoso como um dispositivo que conserva as constâncias internas essenciais para a organização do organismo como um todo, ou seja, como uma SISTEMA FECHADO DE MUNDANÇAS DE RELAÇÕES DE AFINIDADE ENTRE SEUS COMPONENTES que busca manter o sistema vivo (operante).

Assim, todo processo de conhecer funda-se necessariamente no organismo como uma unidade e no fechamento operacional de seu sistema nervoso, donde se extrai que TODO CONHECER É FAZER, como correlações sensório-efetoras nos domínios de acoplamento estrutural em que o sistema nervoso existe.

Existe uma plasticidade do Sistema Nervoso em relação aos acoplamentos, de forma que a mudança estrutural do SN, somada a deriva estrutural do organismo, deve ocorrer de forma a CONSERVAR sua adaptação. Por esta razão as mudanças se dão entre pequenas linhas de conexão, ou seja, são mudanças nas características locais das conexões, enquanto as grandes linhas costumam ser invariantes e iguais entre os membros de uma mesma espécie.

Toda interação, todo acoplamento afeta o operar do Sistema Nervoso devido a mudanças estruturais que desencadeia nele. Toda experiência particulamente nos modifica, ainda que as mudanças não sejam de todo visíveis. Assim, TODA INTERAÇÃO de um organismo e toda conduta observada podem ser descritas como um ATO COGNITIVO. O Viver – enquanto conservação ininterrupta do acoplamento estrutural como ser vivo – é o conhecer no âmbito do existir. Logo, VIVER É CONHECER.

 

Capítulo 8 – Os Fenômenos Sociais

Acoplamentos de 3ª ordem: além dos acoplamentos estruturais da dinâmica interna do sistema e os acoplamentos que este realiza com o meio, existe ainda um terceiro nível de interações possíveis. Do ponto de vista da dinâmica interna do organismo, o Outro representa uma fonte de perturbações indistinguíveis daquelas que provém do meio inerte. No entanto, é POSSÍVEL que tais interações entre organismos adquiram um caráter RECORRENTE, estabelecendo assim um acoplamento estrutural que permita a manutenção da individualidade de ambos na prolongada sucessão de interações.

Existem variadas formas de acoplamento estrutural de terceira ordem, que permitem as interações sociais – acoplamentos  químicos, visuais, sonoros – porém, comum a todos é que as unidades resultantes deste acoplamento geram uma fenomenologia interna particular em que os organismos participantes satisfazem suas ontologias individuais, fundamentalmente,  segundo seus acoplamentos mútuos na rede de interações recíprocas que formam ao constituir estes acoplamentos de 3ª ordem.

(A complexidade dos organismos determina a complexidade das condutas. Os insetos, por exemplo, possuem sistemas nervosos com um grau de complexidade menor que os mamíferos, razão pela qual apresentam formas menos variadas de condutas em suas interações sociais quando comparados à diversidade de condutas presentes em aves e mamíferos, por exemplo. Nos sistemas humanos, a complexidade da organização do sistema nervoso permitiu desenvolver um tipo de comunicação baseada em simbolos e sinais linguísticos que expressam significados socialmente definidos.)

A estas condutas coordenadas e mutuamente desencadeadas entre os membros de uma unidade social dá-se o nome de COMUNICAÇÃO, sendo esta peculiar não por resultar de um mecanismo distinto do restante das condutas, mas apenas por ocorrer no domínio de acoplamento social.

O fenômeno da comunicação não depende daquilo que se fornece (informação própriamente dita), mas sim dos efeitos que desencadeia no receptor. Não se pode dizer, portanto, que comunicação seja o mero ‘transmitir informação’. Da mesma forma, evolução não depende da competição, mas sim da CONSERVAÇÃO DA ADAPTAÇÃO.

Assim, a própria identidade do SISTEMAS SOCIAIS HUMANOS depende da conservação da adaptação dos seres humanos não só como organismos, mas também como componentes dos domínios linguísticos que constituem. Assim como or organismos requerem um acoplamento estrutural não-linguístico entre seus componentes, os sistemas humanos requerem componentes acoplados estruturalmente nos domínios linguísticos onde eles (os componentes) podem operar com linguagem e observadores. Consequentemente, enquanto para o operar de um organismo o central é o próprio organismo, que restringe ele mesmo as possibilidades de seus componentes, PARA O OPERAR DE UM SISTEMA SOCIAL HUMANO O CENTRAL É O DOMÍNIO LINGUÍSTICO que seus componente geram e a ammpliação de suas propriedades – condição necessária para a realização da LINGUAGEM, que é SEU DOMÍNIO DE EXISTÊNCIA. O organismo restringe a criatividade individual das unidade que o integram, pois estas exister por causa dele. O sistema social humano AMPLIA a criatividade individual de seus componentes, pois o sistema existe por causa deles.

CONDUTAS CULTURAIS: fenômeno da conduta comunicativa onde há estabilidade transgeracional de configurações comportamentais adquiridas na dinâmica comunicativa de um meio social.

 

Capítulo  9 – Domínios linguísticos e consciência humana

Para os observadores, o estabelecimento ontogênico de um domínio de condutas comunicativas pode ser descrito como o estabelecimento de um domínio de condutas coordenadas associáveis a TERMOS SEMÂNTICOS. Ou seja, como se o que determinasse a coordenação comportamental assim produzida fosse o significado que o observador atribui às condutas, e não o acoplamento estrutural dos participantes. É essa qualidade das condutas comunicativas ontogênicas poderem aparecer como semânticas a um observador, que trata cada elemento comportamental como se fosse uma palavra, que permite realcionar tais condutas à linguagem humana.

Desta forma, as condutas linguísticas humanas pertencem de fato a um domínio de  acoplamento estrutural ontogênico recíproco, que os seres humanos estabecem e mantêm como resultado de suas ontogênias coletivas. Ou seja, quando descrevemos as palavras como designadoras de objetos ou situações no mundo, fazemos, como observadores, uma descrição de um acoplamento estrutural que não reflete a operação do sistema nervoso na percepção do fenômeno, posto que este não opera com representações do mundo.

Por contraste, as condutas comunicativas instintivas, cuja estabilidade depende da estabilidade genética da espécie e não da estabilidade cultural, não constituem um domínio linguístico.

Existe ainda uma característica-chave da linguagem, que permite modificar de modo radical os domínios comportamentais humanos, possibilitando novos fenômenos como a reflexão e a consciência. Tal característica é que A LINGUAGEM PERMITE A QUE OPERA NELA DESCREVER-SE A SI MESMO E ÀS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS.

O fundamental no caso humano é que, para o observador,as descrições podem ser feitas tratando as outras descrições como objetos ou elementos do domínio de interações. Ou seja, o próprio domínio linguístico passa a fazer parte do meio de interações possíveis. SOMENTE QUANDO SE PRODUZ TAL REFLEXÃO LINGUÍSTICA É QUE EXISTE LINGUAGEM, surgindo então o observador e levando os organismos participantes a operar em um domínio semântico. E é somente quando isso ocorre que o domínio semântico paassa a fazer parte do meio de conservação de adaptação de seus participantes.

A partir da existência da linguagem, não há limites para o que podemos descrever, imaginar, relacionat. Ela permeia de modo absoluto toda a nossa ontogenia como indivíduos, desde o caminhar e a postura até a política e a filosofia.

As características únicas da vida social humana e seu intenso acoplamento linguístico foram capazes de gerar um fenômeno, ao mesmo tempo tão distante e tão próximo de nossa própria existência: MENTE E CONSCIÊNCIA.

A riqueza e diversidade das interações recorrentes foi o que possibilitou a individualização do Outro na coordenação linguística, tornando possível a linguagem e determinando seu caráter e amplitude. Desta forma, no homem, a linguagem torna a capacidade de reflexão inseparável de sua própria identidade, demonstrando que o operar recursivo da linguagem é condição sine qua non para a experiência que associamos ao mental. Por outro lado, essas experiências fundadas no linguístico se organizam com base em uma variedade de estados do sistema nervoso. Como observadores, não temos necessariamente um acesso direto a tais estados, mas estes ocorrem sempre de maneira a manter a coerência de nossa deriva ontogênica.

Em outras palavras, na rede de interações linguísticas em que nos movemos, mantemos uma contínua recursão descritiva que chamamos de ‘eu’, e que nos permite conservar nossa coerência operacional linguística e nossa adaptação ao domínio da linguagem.

Um ser vivo se conserva como unidade sob contínuas pertubações do meio e de seu próprio operar. O sistema nervoso produz uma dinâmica comportamental ao gerar relações internas de atividade em sua clausura oeracional. O sistema vivo, em todos os níveis, se organiza de forma a gerar regularidades inernas. No domínio do acoplamento social e da comunicação produz-se o mesmo fenômeno. Mas a coerência e estabilização da sociedade como unidade operacional dependerá nesse caso de mecanismos tornados possíveis pelo operar linguístico e sua ampliação na linguagem. Essa nova dimensão de coerência operacional de nosso linguajar é o que experimentamos como consciência e como ‘nossa’ mente.

Assim, o surgimento da linguagem humana, bem como todo contexto social em que esta aparece, gera o fenômeno inédito do mental e da consciência de si como a experiência mais íntima do homem. Ao mesmo tempo, como fenômeno do linguajar na rede de acomplamento social e linguístico, o mental não é algo que está dentro de meu crânio, não é um fluído de meu cérebro: a consciência e o mental pertecem ao domínio do acomplamento social, e é neste que se dá sua dinâmica. É a rede de interações linguísticas que nos torna o que somos.

É dentro do linguajar mesmo que o ato de conhecer, na coordenação comportamental que é a linguagem, produz um mundo. Realizamos a nós mesmos em um mútuo acoplamento linguístico, não porque a linguagem nos permita dizer o que somos, mas porque somos na linguagem, num contínuo existir nos mundos linguístico e semântico que produzimos com os outros. Encontramos a nós mesmos neste acoplamento, não como a origem de uma referência, nem referência a uma origem, MAS SIM EM CONTÍNUA TRANSFORMAÇÃO NO VIR-A-SER DO MUNDO LINGUÍSTICO QUE CONSTRUÍMOS COM OS OUTROS SERES HUMANOS.

 

Capítulo 10 – A árvore do conhecimento

O conhecimento do conhecimento compromete.  Compromete-nos a tomar uma atitude de permanente vigilância contra a tentação da certeza, a reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade, como se o mundo que cada um de nós vê fosse o mundo, e não um mundo, que produzimos com outros. Compromete-nos porque, ao saber que sabemos, não podemos negar o que sabemos. E se sabemos que nosso mundo é sempre o mundo que construímos com outros, toda vez que nos encontrarmos em contradição ou oposição a outro ser humano com quem desejamos conviver, nossa atitude não poderá ser a de reafirmar o que vemos do nosso próprio ponto de vista, e sim a de considerar que nosso ponto de vista é resultado de um acoplamento estrutural dentro de um domínio experiencial tão válido como o de nosso oponente, ainda que o dele nos pareça menos desejável.

O que a biologia está mostrando, se o que foi dito no livro é correto, é que a unicidade do ser humano, seu patrimônio exclusivo, encontra-se nessa percepção de um acoplamento socioestrutural em que a linguagem tem um papel duplo: por um lado, o de gerar as regularidades próprias do acoplamento estrutural social humano, que incui, entre outros fenômenos, a identidade pessoal de cada um de nós; por outro, o de construir a dinâmica recursiva do acoplamento socioestrutural.

A esse ato de ampliar nosso domínio cognitivo reflexivo só podemos chegar pelo raciocínio motivado pelo encontro com o Outro, pela possibilidade de olhar o outro como um igual, num ato que habitualmente chamamos de amor: a aceitação do outro ao nosso lado na convivência. Esse é o fundamento biológico do fenômeno social. Sem amor não há aceitação do outro, não há socialização, e sem socialização não há humanidade. Tudo o que limite a aceitação do outro – seja competição, posse ou certeza ideológica – restringe ou destrói a ocorrência do fenômeno social e, portanto, também o humano, porque destrói o processo biológico que o gera.

Não prestar atenção no fato de que todo conhecer é fazer, não ver a identidade entre ação e conhecimento,  não ver que todo ato humano, ao construir o mundo pelo linguajar, tem caráter ético, porque se dá no domínio social,  equivale a não se permitir ver que as maçãs despencam no chão. É uma cegueira fundamental, que impede de nos darmos conta de que só temos um mundo que criamos com o outro e que só o amor nos permite criar esse mundo em comum.

Cegos diante da transcendência de nossos atos, fingimos que o mundo tem um vir-a-ser independente de nós, justificando assim nossa irresponsabilidade e confundindo a imagem que buscamos projetar, o papel que representamos, com o ser que verdadeiramente construímos em nosso viver diário.

.

O SISTEMA NERVOSO E A COGNIÇÃO

 

De que maneira o sistema nervoso expande os domínios de interação de um organismo:

-  Movimento: os organismos móveis baseiam no movimento não só sua reprodução, como também sua alimentação e modos de interação com o meio. É para esses seres vivos, cuja deriva natural levou ao estabelecimento da mobilidade, que o sistema nervoso adquiriu importância;

-  Coordenação motora: correlação entre superfície sensorial e motora;

-   Sistema nervoso: coloca em contato elementos celulares de diferentes partes do corpo;

 

Neurônios:

acoplam, de muitos modos diferentes, grupos celulares que de outra maneira só poderiam acoplar-se mediante a circulação geral das substâncias internas do organismo. A presença física de um neurónio permite o transporte de substâncias entre duas regiões através de um caminho muito específico, que não afeta células vizinhas, e sua entrega local. [p. 183]

é comum ouvirmos que o sistema nervoso é um órgão que funciona à base de trocas elétricas. Mas isso é apenas parcialmente correto, já que os neurônios não só interagem por meio de trocas elétricas, mas também, e de modo constante, por meio de substâncias que se transportam no interior do axônio. [p. 184]

A que tipo de células os neurônios se conectam? Na verdade, a quase todos os tipos celulares de um organismo, embora o mais comum é que cheguem com suas expansões até outros neurônios. Essas expansões nervosas muito especialiIzadas são conhecidas como "dendrites" e "terminais axônicos". Entre essas zonas e os corpos celulares estabelecem-se contatos conhecidos como "sinapse", que é o ponto onde se produzem efetivamente as influências mútuas no acoplamento entre um neurônio e o outro com que fez contato. [p. 184]

 

Cérebro humano:

se pensarmos que no cérebro humano existem certamente mais de 1010, e talvez mais de 10 11 neurônios (dezenas de bilhões), e que cada um deles recebe cantatas múltiplos de outros neurônios que, por sua vez, se conectam com muitas células, a combinatória de possíveis interações é mais que astronômica. [p. 185]

o efeito de projetar uma imagem sobre a retina não é como uma linha telefônica ligada a um receptor. [p. 191]

A plasticidade se traduz nos seguintes termos: o sistema nervoso, ao participar por meio dos órgãos sensoriais e efetores dos domínios de interação do organismo que selecionam a mudança estrutural deste, participa da deriva estrutural do organismo com conservação de sua adaptação.

Mas a mudança estrutural do sistema nervoso normalmente não ocorre sob a forma de mudanças radicais em suas grandes linhas de conexão. Estas, em geral, são invariantes e costumam ser as mesmas em todos os indivíduos de uma espécie. [p. 194]

 

Para o operar do sistema nervoso, não existe fora nem dentro, e sim apenas a manutenção das correlações próprias que estão em contínua mutação (como os instrumentos indicadores do submarino do nosso exemplo)

[...] o sistema nervoso não "capta informações" do meio, e sim produz um mundo ao especificar que configurações do meio são perturbações e que mudanças estas desencadeiam no organismo. [p. 195]

A plasticidade do sistema nervoso explica-se pelo fato de os neurónios não estarem interligados como se fossem cabos com suas respectivas tomadas. Os pontos de interações entre as células são delicados equilíbrios dinâmicos, modulados por um sem-número de elementos desencadeadores de mudanças estruturais locais. [p. 196]

a avaliação quanto a se há ou não conhecimento se dá sempre num contexto relacional, em que as mudanças estruturais que as perturbações desencadeiam no organismo parecem ao observador como um efeito sobre o meio. [p. 201]

 

OS FENÔMENOS SOCIAIS

 

A maioria das formigas de um formigueiro desse tipo não participa absolutamente da reprodução, que está restrita à rainha e aos machos. No entanto, todos os indivíduos de um formigueiro estão estreitamente acoplados em sua dinâmica estrutural fisiológica.
O mecanismo de acoplamento entre a maior parte dos insetos sociais se dá por meio do intercâmbio de substâncias, sendo assim um acoplamento químico. [p. 211]

Toda vez que há um fenômeno social, há um acoplamento estrutural entre indivíduos. Portanto, como observadores, podemos descrever uma conduta de coordenação recíproca entre eles. Chamaremos de comunicação [...] [p. 216]

Portanto, entendemos como comunicação uma classe particular de condutas que ocorrem, com ou sem a presença do sistema nervoso, no operar dos organismos em sistemas sociais. [p. 217]

cada pessoa diz o que diz e ouve o que ouve segundo sua própria determinação estrutural. Da perspectiva de um observador, sempre há ambigüidade numa interação comunicativa. [p. 219]

Pode-se dizer que, quando o antílope fica para trás e se arrisca mais do que os outros, é o grupo que se beneficia, e não o animal diretamente

[...] Para o grupo como unidade, os componentes individuais são Irrelevantes, já que todos são, em princípio, substituíveis por outros que possam cumprir as mesmas relações. Para os componentes como seres vivos, por outro lado, a Individualidade é condição de existência.

[...] É "altruistamente" egoísta e "egoistamente" altruísta, porque sua realização individual depende de sua presença no grupo que Integra [p. 220-221]

assim como a existência do organismo requer a estabilidade operacional de seus componentes, a existência de um sistema social humano requer a plasticidade operacional (comportamental) de seus componentes. [p. 224]

Chamaremos as configurações comportamentais adquiridas ontogenicamente na dinâmica comunicativa de um meio social, e mantidas estáveis através de gerações, de condutas culturais. O nome não deve surpreender, já que se refere precisamente a todo o conjunto de interações comunicativas de determinação ontogênica que permitem uma certa invariância na história do grupo. [p. 225]

A imitação e a contínua seleção comportamental intragrupal desempenham aí um papel essencial, pois tornam possível o acoplamento dos jovens com os adultos, especificando uma certa ontogenia que se expressa no fenômeno cultural. [p. 226]

 

DOMÍNIOS LINGUÍSTICOS E CONSCIÊNCIA HUMANA

 

fazemos descrições das descrições que fazemos... (como o faz esta sentença). Somos observadores e existimos num domínio semântico criado pelo nosso operar lingüístico.

[...] A partir da existência da linguagem, não há limites para o que podemos descrever, imaginar, relacionar. Ela permeia de modo absoluto toda a nossa ontogenia como indivíduos, desde o caminhar e a postura até a política. [p. 234]

 

A linguagem nunca foi inventada por um sujeito isolado na apreensão de um mundo externo e, portanto, não pode ser usada como ferramenta para revelar um tal mundo. Ao contrário, é dentro do linguajar mesmo que o ato de conhecer, na coordenação comportamental que é a linguagem, produz um mundo. [p. 252]

 

A ÁRVORE DO CONHECIMENTO

 

[Analogia entre o conhecer o conhecer e o quadro A Galeria de quadros, de Escher:]

Não sabemos onde situar o ponto de partida: fora ou dentro? A cidade ou a mente do rapaz? O reconhecimento dessa circularidade cognitiva, no entanto, não constitui um problema para a compreensão do fenômeno do conhecer, já que funda o ponto de partida que permite sua explicação cientifica. [p. 261]

O conhecimento do conhecimento compromete. Compromete-nos a tomar uma atitude de permanente vigilância contra a tentação da certeza, a reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade, como se o mundo que cada um de nós vê fosse o mundo, e não um mundo, que produzimos com outros.

[...] Uma ética que emerge da consciência da estrutura biológica e social dos seres humanos, que brota da reflexão humana e a coloca no centro como fenômeno social constitutivo.

[...] Se sabemos que nosso mundo é sempre o mundo que construímos com outros, toda vez que nos encontrarmos em contradição ou oposição a outro ser humano com quem desejamos conviver, nossa atitude não poderá ser a de reafirmar o que vemos do nosso próprio ponto de vista, e sim a de considerar que nosso ponto de vista é resultado de um acoplamento estrutural dentro de um domínio experiencial tão válido como o de nosso oponente, ainda que o dele nos pareça menos desejável. [p. 262]

 

a linguagem tem um papel duplo: por um lado, o de gerar as regularidades próprias do acoplamento estrutural social humano, que inclui, entre outros fenômenos, a identidade pessoal de cada um de nós; por outro, o de constituir a dinâmica recursiva do acoplamento socioestrutural.
Esse acoplamento produz a reflexividade que permite o ato de mirar a partir de uma perspectiva mais abrangente [...]A esse ato de ampliar nosso domínio cognitivo reflexivo, que sempre implica uma experiência nova, só podemos chegar pelo raciocínio motivado pelo encontro com o outro, pela possibilidade de olhar o outro como um igual, num ato que habitualmente chamamos de amor - ou, se não quisermos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro ao nosso lado na convivência. [p. 263]

 

Não é o conhecimento, mas o conhecimento do conhecimento o que nos compromete. Não é saber que a bomba mata, e sim o que queremos fazer com a bomba que determina se a usaremos ou não. [...] Cegos diante da transcendência de nossos atos, fingimos que o mundo tem um vir-a-ser independente de nós, justificando assim nossairresponsabilidade e confundindo a imagem que buscamos projetar, o papel que representamos, com o ser que verdadeiramente construímos em nosso viver diário. [p. 264] 

Lahis Pasquali Kurtz

Mestra em Direito

A árvore do conhecimento

 

O sistema nervos e o conhecimento - Estrutura neuronal

Após apresentar os aforismos-chave do livro (Todo fazer é um conhecer e todo conhecer é um fazer; e Tudo que é dito é dito por alguém) e descrever sobre a evolução dos seres vivos até o desenvolvimento do sistema nervoso, permeado por conceitos biológicos e comportamentais que favoreceram a geração de um sistema nervoso complexo como o dos seres humanos.

Com a complexidade do cenário devidamente explicada os autores passam para uma visão detalhada de um dos principais componentes do cérebro: o neurônio. São apresentados os seus componentes (dendritos e axônios) e suas funcionalidades (sinapse). Tais células se interconectam, por meio dos dendritos e axônios) formando uma rede de neurônios que através de impulsos elétricos realizam a troca de estímulos. Esta rede se acopla a diversas superfícies motoras e sensoriais, permitindo assim ampliar a interação do sistema nervoso com o meio, mantendo a clausura operacional do cérebro mas permitindo a interação com demais funcionalidades essenciais aos seres vivos, e apesar desta configuração continua mantendo a plasticidade.

Alguns comportamentos, fenômenos relacionais, se desenvolvem de forma independentes do processo de interações durante a história do indivíduo, tais são denominados instintivos. No outro sentido existem condutas que são aprendidas durante o intercurso.

O conhecimento, definidos pelos autores como o comportamento adequado para um determinado contexto, é um fenômeno que apresenta um ato cognitivo cotidiano. Tal ato possui como estrutura o sistema nervoso, participando na ampliação de do domínio dos estados possíveis do organismo acarretado pela diversidade de configurações sensório-motoras. Outro efeito que engrandece este relacionamento é a abertura que o organismo possui para novas dimensões de acoplamento

 

Fenômenos sociais

Por meio de perturbações é possível que alguns organismos adquiram características recorrentes que permitam novos acoplamentos estruturais durante a ontogenia destes, sendo estes acoplamentos determinados de terceira-ordem, capacidade fundamental para a continuidade da linhagem de organismos com reprodução sexuada. Além do sexo existem outros comportamentos que apresentam acoplamento, tais como fenômenos sociais, apresentados desde insetos até nos seres humanos. Nos insetos é realizado por meio de trocas químicas, trofolaxe. Nos vertebrados, devido à possibilidade da visão e adição, o domínio dos fenômenos sociais são mais amplos e variados, devido em parte ao seu maior desenvolvimento do sistema nervoso central.

A diversidade comportamental como a, latentemente, a aparecer em símios, principalmente  babuínos, devendo o indivíduo passar continuamente por adaptações para se adequar ao convívio social. Tais comportamentos evoluem para o que hoje chamamos de comunicação, sendo esta a coordenação de diferentes comportamentos coordenados que podem ser tanto com a presença de um sistema nervos quanto na ausência deste, devendo ser dintinguido o comportamento instintivo do aprendido.

A cultura, acarretada pela característica nata dos vertebrados de imitação, é a configuração comportamental adquirida ontogenicamente na comunicação de um meio social. Tal configuração pode ser mantida estável através de gerações caracterizando assim o fenômeno como uma aplicação particular do comportamento comunicativo.

 

Domínios linguísticos e consciência humana

As descrições semânticas podem aparecer como um domínio linguístico formado entre indivíduos participantes de uma sociedade para padronizar a comunicação entre os participantes, gerando um acoplamento social mais refinado e complexo. A linguística é definida pelos autores como uma conduta comunicativa ontogênica, um comportamento acarretado pelo acoplamento estrutural entre organismos. O domínio linguístico pode variar ao longo da ontogênia. A linguagem permite ao indivíduo modificar os domínios comportamentais humanos, possibilitando a fenômenos como a reflexão e a consciência. Com a evolução da linguagem descrições passam a ser efetuadas por meio de descrições anteriores, caracterizando assim estas como se fossem objetos ou elementos do domínio de interações. A linguagem só pode ser assim denominada quando existe uma reflexão linguística sobre o objeto de estudo, passando por uma avaliação do domínio semântico associado.

A própria linguagem humana foi objeto de evolução, observada em reiterados exemplos de interação com diferentes símios, entre eles o chipanzé. Devido a impossibilidade da fala foram realizados estudos com a utilização do Ameslan (linguagem de sinais). A linguagem humana teve como fomentadores o andar ereto e a capacidade craniana aumentada. Além disso a formação dentária e a substituição de ciclos estrais por menstruais também favoreceram a evolução da espécie.

Com as constantes evoluções da vida social e do acoplamento da linguística surgiram novas características aos humanos: a noção de mente e o conceito de consciência, amplificando assim a utilização do sistema nervoso para termos abstratos e filosóficos. Esta capacidade de ter consciência de sua existência foi fundamental para a evolução da espécie, passando assim a realizar atividades exclusivas de socialização e de condutas não apresentadas nas demais espécies. A consciência apresenta uma contínua recursão descritiva do que chamamos de “eu”, permitindo assim observar e conservar nossa coerência operacional e a nossa adaptação ao domínio da linguagem.

 

A árvore do conhecimento

Um conceito chave gerado pelo livro está no fato de apresentar que a teoria do conhecimento acaba por gerar o fenômeno de questionar o conhecer por meio do questionamento que leva ao conhecer, gerando assim um ciclo capaz de retroalimentar a si mesmo com novos questionamentos. Para os autores o objetivo do livro é que o leitor se veja como possuidor das mesmas características do fenômeno do conhecimento, não deixando o indivíduo com um ponto de referência fixo, compreendendo assim a natureza em sua dinâmica estrutural, caminhando assim sobre o fio da navalha, sem adoção de uma visão representacionista ou solipsista. O ato de ampliar o domínio cognitivo reflexivo acaba gerando experiências novas, entre elas o amor e a aceitação do outro. Outro efeito colateral a ser destacado é a ética, derivada do humano, advindo da convivência com o outro, ou seja, com a interação homem-homem, legitimando a presença do outro.

A afirmação final do livro apresenta que o âmago das dificuldades do homem atual reside no desconhecimento do conhecer, deixando tais indivíduos cegos diante da transcendência do atos.

 

Robson Junqueira da Rosa

...Compromete-nos porque, ao saber que sabemos, não podemos negar o que sabemos.

Não é possível aprender a nadar com uma “carga de repolhos”.

Responsabilidade de fazer do conhecimento do conhecimento a substância de nossa ação.

Prefacio Rolf Behncke - Ao pé da Árvore

Há necessidade de nos conhecermos: Para que os homens possam embelezar suas almas, é preciso que conheçam sua natureza. Ciências sociais - processos que geram as condutas humanas.

Risco real de extinção de nossa civilização. Não só a destruição sistemática da vida do planeta como a da vida interior.

Em que os nossos economistas, os educadores sociais, os nossos políticos e os meios de informação estão empregando o seu tempo? Cruzamento de curvas de ofertas, urgência de liquidez em curto prazo, segurança interna, geopolítica, transmissão de conhecimentos e informação de acontecimentos. Mas onde esta o essencial? Processo de aprendizagem como parte da natureza sociobiológica do ser humano.

Por acaso existe a possibilidade de recorrer a algum mecanismo efetivo para o entendimento social que nos permita afastarmo-nos do pântano de areia movediça que e a tentação do uso da forca para ter razão implica?

Fala-se e exorta-se a que realizemos uma quimérica unidade só efetiva em termos de uma aliança ideológica. Proliferação sobre todo tipo de teoria sobre o comportamento humano. A solução não pode estar em nenhuma espécie de fanatismo ideológico.

Qual é a organização básica de todo sistema social? Quais são e como surgem as relações comportamentais que originam toda cultura?

O universo de conhecimentos, de experiências, de percepções do ser humano não é passível de explicação partir de uma perspectiva independente desse mesmo universo. Só podemos conhecer o conhecimento humano a partir dele mesmo. Responder a essas perguntas a partir da perspectiva das ciências naturais. Como surge a propriedade de autodescrição e de autoconsciência humana? Circularidade cognoscitiva.

Participação geradora de cada ser humano. Fenômeno do conhecer pode ser explicado como fenômeno biológico. Participação do observador na geração do conhecido. Conhecimentos altamente necessários para a sociedade cujas características são a transculturalidade, a transdisciplinaridade e por isso mesmo a transideologicidade.

 

Impulso biológico de cooperação e faculdade de reflexão consciente. Nova perspectiva sobre a natureza humana. Confirmação de validade experiencial universal. Novo cume a partir do qual podemos visualizar coerentemente o próprio vale onde vivemos.

Ampliar a escala de ação desses magníficos impulsos. E em tal expressão de nossa natureza social que radica a esperança de nos tornarmos verdadeiramente humanos, com toda a carga ética que essa expressão implica. Criar o conhecimento, o entendimento que possibilita a convivência humana, é o maior, mais urgente e mais difícil desafio com que se depara a humanidade atualmente.

Lutar por certa forma de estabilidade social, no caso em que esta é conquistada pelo chamamento à negação dos outros é uma falácia em sua própria natureza.  

Brotos de inspiração

Teoria científica dos processos de aprendizagem social. O conhecer autoconsciente é a coroação evolutiva dos processos cognoscitivos dos seres vivos.

Experiência com o macaco em três situações - livre, numa jaula e com eletrodos ligados ao cérebro. Triangulo observador, organismo observado e ambiente. Para o observador tradicional, conhecer é um adquirir informação de um ambiente cuja natureza é operacionalmente independente do fenômeno do conhecer, num processo cuja finalidade é permitir ao organismo adaptar-se a ele (ao ambiente).

Armadilháachar que terei uma visão mais objetiva da natureza se tiver mais informação acerca dela. Não existe ponto objetivo e independente do observador. Evitou-se uma confrontação direta com esse problema na ciência.

Como sistemas complexos se organizam? Qual é a organização do ser vivo? Qual é a organização do sistema nervoso? Qual é a organização do sistema social?

A própria atividade molecular, biológica e social é parte constituinte e geradora do fenômeno do conhecer. Como o é possível que eu mesmo possa dar conta das regularidades e variações perceptivas do meu próprio mundo, incluindo o surgimento de explicações sobre elas, se não tenho como me situar fora de minhas próprias percepções? Nesse caso, em vez do clássico triangulo observador - organismo - ambiente, o que há é um círculo com o observador no centro, em que o observar é só um modo de viver o mesmo campo experiencial que se deseja explicar. Pode o homem se conhecer a partir do homem?

 

Feedback - autorregula as atividades do próprio sistema. Cibernética de segunda ordem - dos sistemas observadores. Autonomia operacional do ser vivo individual. Explicações cientificas como proposições gerativas. Maturana trabalhava em dois campos - a percepção e a organização do ser vivo. P 34

Teoria evolutiva de Darwin e química orgânica de Frederico Kekulé. Resposta dada em um sonho. Todo conceitual e operacional indissolúvel - organização do ser vivo, conhecimento autoconsciente, operar do sistema nervoso, percepção.

Ser humano universal - nossa verdadeira condição - o fato de que atéagora a vida cultural dos diferentes povos da Terra esteja centrada na defesa das fronteiras de suas certezas particulares não é mais que um signo de que nossa humanidade ainda não se encontrou consigo mesma.(!!!!!!)

Necessidade de um fundamento comum a todas as ciências sociais.Iluminar o ser humano a partir do próprio ser humano. Com conceitos igualmente válidos para toda a escala do sistema social, desde a vida pessoal individual até a Humanidade como um todo. Campo teórico unificado das ciências da vida e das ciências sociais.

 

Fundamento operacional - condição ultima de nossa natureza e esse ser humano que se faz. Se o desenvolvimento individual depende da interação social, a própria formação, o próprio mundo de significados em que se existe é função do viver com os outros.

Reconciliarmo-nos com a própria vida, por meio de um reencontro com o restante da própria humanidade. Expansão dos impulsos naturais de altruísmo comunitário.

Mas, ao fim e ao cabo, e excetuando-se a ênfase na reflexão e não na moral, esta concepção de nossa natureza não diz nada de novo em ética que hádois mil anos não tenhásido pregado por um simples carpinteiro da Galileia.

A árvore do conhecimento - as bases biológicas do entendimento humano

Conhecendo o conhecer- figura de Cristo coroado com espinhos de Bosh. Sentido do demoníaco em contraposição ao reino dos céus. Os verdugos aparecem como quatro tipos humanos que representam tentações. Quatro estilos de alienação e perda da paz interior. Tentação da certeza. Toda experiência de certeza é um fenômeno individual, cego ao ato cognitivo do outro. Em uma solidão que somente é transcendida num mundo criado com esse outro.

 

Experiência do ponto cego de visão. A cor não e uma propriedade das coisas inseparável da maneira como a vemos. Não vemos que não vemos. Sombras coloridas - Otto von Guerigue. Dedo azul na sombra entre uma vela e o sol nascente.

Os estados de atividade neural que são desencadeados pelas diferentes perturbações em cada pessoa são determinados por sua estrutura individual, e não pelas características do agente perturbador. Aquilo que tomávamos como a simples apreensão de alguma coisa - como espaço ou cor - traz a marca indelével de nossa própria estrutura. Instabilidade do que antes lhe parecia solido.

Ao examinarmos mais de perto como chegamos a conhecer esse mundo, sempre descobriremos que não podemos separar nossa história de ações - biológicas e sociais - de como ele nos parece ser. É algo tão obvio e próximo de nos que fica muito difícil percebê- lo.

O primata mais perigoso do. Planeta. Zoológico de Bronx, NI.

A situação de conhecer como se conhece é centrada na ação, e não na reflexão, na cultura ocidental. Nossa vida pessoal é cega a si mesma. Desenho de Esher - qual das mãos é a verdadeira? Vertigem do se autoconhecer.

Todo ato de conhecer produz um mundo. Ação e experiência. Toda reflexão produz um mundo. Tudo o que é dito é dito por alguém. Não háuma descontinuidade entre o social e o humano e suas raízes biológicas. O fenômeno do conhecer é um todo integrado. A magia é tão explicativa para os que a aceitam quanto à ciência o é para quem a prefere. A diferença está no modo como se gera um sistema explicativo cientifico. Olhar o fenômeno do conhecer de uma nova forma. Nos diagramas aparecem domínios linguísticos, linguagem e consciência reflexiva.

A organização dos seres vivos. Processos enraizados no ser vivo como um todo, não só no nosso sistema nervoso.

O aparecimento dos seres vivos

Redes de reações moleculares que se produzem a si mesmas e especificam seus próprios limites. Fosseis de bactérias e algas datados de mais de três bilhões de anos. Seres vivos que se parecem morfologicamente com os de hoje. Mas como saber quando um ser é vivo? Dificuldades de apontar para uma determinada organização ao indicar objetos que compõem uma classe. Experiência de Miller - reproduziu a atmosfera primitiva e produziu moléculas típicas dos organismos celulares modernos.

Noção de organização e estrutura. Sistema autopoiético distinto do meio circundante mediante sua própria dinâmica, de modo que ambas as coisas são inseparáveis.

Os seres vivos se distinguem por sua organização autopoiética.

Diferenciam-se entre si por terem estruturas diferentes, mas são iguais em sua organização.

Autonomia e autopoiese- capazes de especificar suas próprias leis. Células e membranas - parte de um mesmo fenômeno de autoprodução. De todas as células háum sistema organizado. O aparecimento de unidades autopoiéticas sobre a face da Terra é um marco na historia do nosso sistema solar.

Historia - reprodução e hereditariedade

Mesma idade ancestral todos os seres vivos.Divisão celular - mitose. Complexo processo de reordenação dos elementos celulares. Unidade original processo que a reproduz. Uma unidade autopoiética gera outra, distinta da que se considera ser a primeira no processo de reprodução. Este não é constitutivo dos seres vivos. Os seres vivos não devem ser prensados como uma lista de propriedades. Os seres vivos são capazes de existir sem se reproduzir.

Réplica- uma fábrica produz réplicas em série de unidades de uma mesma classe. O mecanismo de produção gera elementos independentes dele próprio.

Cópia - procedimento de projeção para virar uma unidade idêntica. Tem uma unidade modelo.

Reprodução - uma unidade sofre uma fratura que resulta em duas unidades da mesma classe. Um cacho de uva é dividido em dois cachos. Mas as unidades não são idênticas entre si. No caso de um rádio ou de uma cédula de dinheiro, a fratura destrói a unidade original. Relações que os definem ao se repetirem em duas extensões. A descompartimentalização celular ocorre sem interferência na autopoiese.

Hereditariedade - conservação transgeracional de qualquer aspecto estrutural de uma linhagem de unidades historicamente ligadas.

A vida dos metacelulares

 

Ontogenia- historia da mudança estrutural de uma unidade sem que esta perca sua organização. Essa continua mudança estrutural ocorre na unidade a cada momento, desencadeada por interações com o meio onde se encontra ou como resultado de sua dinâmica interna. A ontogenia não cessa até a desintegração da unidade.

Acoplamento estrutural- interação unidade meio - perturbações recíprocas. Exemplo dos mixomicetos - a ontogenia produz resultados diferentes no ambiente seco e úmido.

Ciclos de vida - agregamento celular. - consequências profundas. Para as transformações estruturais. A riqueza e a variedade dos seres vivos sobre a Terra, incluindo nós mesmos, devem-se ao surgimento dessa variante ou desvio multicelular dentro das linhagens celulares que continuam até hoje. Sequoia cresce cem metros em mil anos. A baleia azul leva dez anos para medir quarenta metros. Apesar da assombrosa diversidade aparente, todos os organismos se reproduzem a partir de uma etapa unicelular. Os metacelulares aos compostos de sistemas autopoiéticos de primeira ordem e formam linhagens por meio de reprodução. Em nível celular.

A deriva natural dos seres vivos

Origem da evolução - associação inerente entre diferenças e semelhanças em cada etapa reprodutiva.

Determinação e acoplamento estrutural - seres vivos nascem em um meio que constitui o entorno em que se realizam e interagem. Diferença entre mudanças de estado e mudanças destrutivas. Toda mudança estrutural de um ser vivo está limitada pela conservação de sua autopoiese.

Deriva natural dos seres vivos segundo a metáfora da água. A água cai do cume de uma montanha, interagindo com diferentes ventos e condições atmosféricas. No sistema de linhagens biológicas, há trajetórias que duraram milhões de anos sem grandes variações e outras que sofreram grandes mudanças geradoras de novas formas e que se extinguiram sem produzir ramificações que chegassem ao presente.

Caso haja uma mudança significativa na temperatura terrestre, somente os organismos capazes de viver dentro do novo padrão térmico poderão continuar sua filogenia. Mas a compensação da temperatura pode se dar de diversas formas: com pêlos mais espessos, com mudanças das taxas metabólicas, com migrações geográficas em massa, etc..

 

Domínios de conduta

Que relação há entre nosso ser orgânico e nossa conduta? Entender o domínio comportamental em todas as suas possíveis dimensões.

Determinismo diferente de previsibilidade. De um estado subsequente que resultará de uma dinâmica estrutural. Hásistemas que mudam de Estado ao serem observados. Como ocorre esta espantosa riqueza na conduta dos animais dotados de sistema nervoso? Riqueza dos domínios do acoplamento estrutural.

Sapos e crianças-lobo - sapo com o olho virado comete o mesmo erro ao buscar a presa. Carneiro temporariamente afastado da mãe se comporta de modo diferente dos outros carneiros. As meninas criadas como lobos nunca se tornaram exatamente humanas. Ademais, não resistiram quando foram retiradas do contato com sua família de lobos. Se negarmos a objetividade de um mundo cognoscível, não cairemos no caos e na total arbitrariedade, em que tudo e possível?

Solipsismo - extremo da solidão cognitiva - o sistema nervoso operando num vácuo.

Representacionismo - sistema nervoso operando a partir de representações do mundo, não como um sistema autônomo, com fechamento operacional.

Encontrar uma maneira de desfazer esse nó górdio e encontrar um modo natural de evitar os dois abismos que cercam o fio da navalha. A solução, como todas as soluções de aparentes contradições, consiste em sair do plano das oposições e mudar a natureza da pergunta, passando para um contexto mais abrangente. A conduta dos seres vivos não e uma invenção do sistema nervoso, e não esta associada exclusivamente a ele, pois o observador observará condutas em qualquer ser vivo em seu meio.

O sistema nervoso e a cognição

A conduta não e uma invenção do sistema nervoso. Organização mantida como resultado das mudanças desencadeadas por perturbações.

Exemplo do flagelo que se dobra ao encontrar um obstáculo. Manutenção de certa correlação interna entre uma estrutura capaz de admitir certas perturbações - superfície sensorial - e uma estrutura capaz de gerar deslocamentos – superfície motora. Acoplamento entre superfícies sensoriais e motoras. Correlação sensória motora multicelular. A particularidade de conexões e interações que as formas neurais possibilitam são a chave mestra para o funcionamento do sistema nervoso. As influências reciprocas entre os neurônios são de muitos tipos. O mais conhecido é uma descarga elétrica que se propaga pelo prolongamento neural chamado de axônio com a velocidade de um rastilho de pólvora.  Contatos conhecidos como sinapses em expansões conhecidas como terminais axônicos. Interações efetivas entre grupos celulares distantes.

Rede interneural - universal e válida para todos os vertebrados superiores. Desse modo, há uma continua correlação sensório motora, determinada e mediada pela configuração da atividade da rede interneural. Já que pode haver um numero praticamente ilimitado de estados possíveis dentro dessa rede, as condutas possíveis do organismo também podem ser praticamente ilimitadas.

Homem - 100 bilhões de Interneurônios interconectam um milhão de neurônios motores. Dinâmica sempre em mutação. Clausura operacional do sistema nervoso - o sistema nervoso se constitui em múltiplos circuitos entremeados e conserva as constâncias internas essenciais para a organização do organismo como um todo. Sejam quais forem suas mudanças, essas geram outras mudanças dentro do próprio sistema. Seu operar consiste em manter invariáveis certas relações entre seus componentes diante das continuas perturbações tanto na dinâmica interna quanto nas interações do organismo que integra o sistema nervoso funciona como uma rede fechada de mudança de relações de atividade entre seus componentes. As mudanças estruturais ocorrem nas grandes linhas de conexão. As mudanças se dão no nível das ramificações finais e das sinapses. O nervo se recupera de sua atrofia. Todo sistema nervoso apresenta algum grau de plasticidade. Como a constante especificação do modo de interação neural provoca as mudanças bem definidas que observamos na conduta? As respostas são dadas por uma das áreas mais importantes da neurobiologia atual.

Há estruturas determinadas geneticamente. Dependem de uma historia particular de interações. Até para algo tão elementar como correr dependemos do contexto humano (meninas-lobo).

A avaliação quanto a se há ou não conhecimento se dá a partir de um contexto relacional. Toda conduta observada pode ser avaliada como um ato cognitivo. Metaforicamente, viver é conhecer. A presença de um sistema nervoso determina a descontinuidade entre organismos capazes de uma cognição limitada e aqueles capazes de uma diversidade em principio ilimitada, como o homem.

Em organismos cujo sistema nervoso é tão rico e variado como o do homem, os domínios de interação permitem a geração de novos fenômenos ao possibilitar novas dimensões de acoplamento estrutural. Foi isso que, em ultima instancia, possibilitou a linguagem e a autoconsciência humana. 192/202.

Os fenômenos sociais

Acoplamento estrutural com outros organismos. Acoplamento de terceira ordem - ao longo de sua ontogenia, tais interações adquirem caráter recorrente, estabelecendo um acoplamento estrutural que permita a manutenção da individualidade de ambos na prolongada sucessão de suas interações. Acoplamentos absolutamente necessários para a continuidade das linhagens dos organismos. O cuidado maior da mãe em relação ao filhote não é universal. De fato, a presença do sistema nervoso torna possível uma variedade imensa de acoplamentos, o que produz uma historia natural também muito variada. Devemos ter isso em mente para entender a dinâmica social humana como um fenômeno biológico.

Insetos sociais - formigas, cupins, vespas e abelhas. A rainha é o que é por sua alimentação, e não hereditariamente. Rigidez e inflexibilidade social. A vida em grupo dos animais lhes permite façanhas que não conseguiriam realizar sozinhos. Diversidade comportamental em grupos de babuínos. Alguns são irritadiços, outros sedutores, outros exploradores,...

Filogenético ou ontogênico. Há formas filogenéticas e ontogênicas de comunicação. A comunicação ocorre no domínio do acoplamento social.

O aspecto cultural

Comunicação ontogênica - quando o canto é usado para possibilitar o acasalamento de aves. A melodia especifica de cada par está limitada à vida dos indivíduos participantes.

Os vertebrados têm uma tendência essencial e única: à imitação. A imitação permite que certo modo de interação ultrapasse a ontogenia de um individuo e se mantenha mais ou menos invariante ao longo de sucessivas gerações.

Exemplo da macaca que "inventou" a lavagem das batatas. Os velhos sempre eram os mais lentos em adquirir a nova forma de conduta.

Conduta cultural- estabilidade transgeracional de configurações comportamentais adquiridas ontogenicamente na dinâmica comunicativa de um meio social. A conduta cultural é um fenômeno que existe como um caso particular de conduta comunicativa.

Domínios linguísticos e consciência humana.

 

Descrições semânticas - condutas comunicativas que podem ser descritas semanticamente. Condutas linguísticas humanas pertencem a um acoplamento estrutural. Arcabouçoad hoc que vai se fazendo com os elementos disponíveis.

O domínio linguístico do homem é muito mais abrangente e envolve muito mais aspectos de sua vida que ocorre com qualquer outro animal.

Historia natural da linguagem humana - exemplos de chimpanzés que aprenderam linguagens gestuais, como a Ameslan. A vida social e linguística não deixa fosseis, e é impossível reconstrui-la. Conduta transportadora. Bípedes. Mãos livres. Modo de vida de continua cooperação e coordenação comportamental teria constituído o âmbito linguístico.

Na intimidade das interações individuais recorrentes, que personaliza o outro com uma distinção linguística particular, que opera como vocativo individual, poderiam ter ocorrido as condições para o aparecimento da reflexão linguística.

Janelas experimentais para o mental

Fenômeno novo, a partir das características da vida social humana- ente e consciência.

No homem, a linguagem torna a capacidade de reflexão inseparável de sua identidade. O hemisfério esquerdo constrói uma história a partir de uma imagem. O direito não tem reação a uma palavra. O hemisfério linguístico é mais abrangente. Há uma porcentagem pequena de seres humanos em que a destruição de qualquer dos hemisférios não interfere com a linguagem. Neles existe apenas uma leve lateralizarão.

É a rede de interações linguísticas que nos torna o que somos. Realizamos a nós mesmos em mútuo acoplamento linguístico, não porque a linguagem nos permita dizer o que somos, mas porque somos na linguagem, num continuo existir nos mundos linguísticos e semânticos que produzimos com os outros.

O conhecer e o conhecedor

O fenômeno do conhecer gera a explicação do conhecer por meio da linguagem. Todo o nosso fazer no mundo é produto dos mecanismos descritos no livro. Ver em si a mesma natureza desses fenômenos. Não conhecemos um mundo objetivo fora de nos. Imensa quantidade de relações que tomamos como garantidas e que nos tornam cegos. Todo conhecer humano pertence a um desses mundos e é sempre vivido dentro de uma tradição cultural. Circularidade cognitiva.

 

O conhecimento do conhecimento compromete. Compromete-nos a tomar uma atitude de permanente vigilância contra a tentação da certeza, a reconhecer que. essas certezas não são provas da verdade, como se o mundo que cada um de nós vê fosse o mundo, e não um mundo, que produzimos com outros. Compromete-nos porque ao saber que sabemos não podemos negar o que sabemos.

Sem amor, sem a aceitação do outro ao nosso lado, não há socialização, e sem socialização não há humanidade. Não é o conhecimento, mas o conhecimento do conhecimento que nos compromete. Responsabilidade de fazer do nosso conhecimento a substância de nossa ação. Não é possível aprendera nadar com uma carga de repolhos!!!!!! Metáfora para as ideias adquiridas e as certezas.

1. Conhecendo o conhecer

A grande tentação

Acreditamos viver em um mundo de certezas. Acreditamos que nossas convicções nos dizem que as coisas são da maneira como as vemos e que não há ao que nos parece certo. Assim é o nosso dia-a-dia. Esta é nossa condição cultural, nosso modo de sermos humanos.

O livro [A árvore do conhecimento] é um convite a se resistir a tentação da certeza. O esforço é necessário por dois motivos: (a) por um lado, porque se o leitor não suspender suas certezas, não poderá incorporar a sua experiência o que será comunicado como uma compreensão efetiva do fenômeno da cognição; (b) por outro lado, porque este livro precisamente mostrará, que toda experiência cognitiva envolve aquele que conhece de uma maneira pessoal, enraizada em sua estrutura biológica. E toda experiência de certeza é um fenômeno individual, cego ao ato cognitivo do outro, em uma solidão que somente é transcendida no mundo criado com esse outro.

As surpresas do olho

Diversos experimentos [sobre as limitações do olhar[1]] mostram de que maneira nossa experiência esta indissociavelmente amarrada a nossa estrutura. Não vemos o “espaço” do mundo - vivemos nosso campo visual. Não vemos as “cores” do mundo - vivemos em nosso mundo cromático. Sem dúvida habitamos um mundo. Mas, ao examinarmos mais de perto como chegamos a conhecer esse mundo, sempre descobriremos que não podemos separar nossa história de ações - biológicas e sociais - de como ele nos parece ser. É algo tão óbvio e próximo de nós que fica muito difícil percebê-lo.

O grande escândalo

Ver nosso reflexo no espelho é sempre um momento muito peculiar, pois é quando tomamos consciência daquele nosso aspecto que não podemos conhecer de nenhuma outra maneira - como quando revelamos o ponto cego, que nos mostra nossa própria estrutura, ou quando suprimimos a cegueira que ela acarreta, preenchendo o vazio. A reflexão é um processo de conhecer como conhecemos, um ato de nos voltarmos sobre nós mesmos, a única oportunidade que temos de descobrir nossas cegueiras e de reconhecer que as certezas e os conhecimentos dos outros são, respectivamente, tão nebulosos e tênues quanto os nossos.

Mas devemos tentar nos conscientizar de tudo o que implica essa coincidência continua de nosso ser, nosso fazer e nosso conhecer, abandonando a atitude cotidiana de estampar sobre nossa experiência um selo de inquestionabilidade, como se refletisse um mundo absoluto.

Na base de todas as afirmações de Maturana e Varela está essa constante consciência de que o fenômeno do conhecer não pode ser equiparado a existência de “fatos” ou objetos lá fora, que podemos captar e armazenar na cabeça. A experiência de qualquer coisa “lá fora” é validada de modo especial pela estrutura humana, que torna possível “a coisa” que surge na descrição.

A circularidade entre ação e experiência, a inseparabilidade entre ser de uma maneira particular e como o mundo nos parece ser, indica que todo ato de conhecer produz um mundo. Essa característica do conhecer será invariavelmente nosso problema, nosso ponto de partida e a linha mestra de tudo o que será apresentado no transcorrer do livro. Tudo isso pode ser condensado no aforismo: “todo fazer é conhecer e todo conhecer é fazer”.

O que estamos fazendo? Estamos na linguagem, movendo-nos dentro dela, num modo peculiar de conversação: um diálogo imaginado. Toda reflexão, inclusive a reflexão sobre os fundamentos do conhecer humano, se da necessariamente na linguagem, que é nossa forma particular de sermos humanos e estarmos no fazer humano. Por esse motivo, a linguagem também é nosso porto de partida, nosso instrumento cognitivo e nosso problema.

Para tanto resumiremos tudo o que foi dito num segundo aforismo que devemos ter em mente ao longo do livro: “tudo o que é dito, é dito por alguém”. Toda reflexão produz um mundo. Sendo assim, é uma ação humana realizada por alguém em particular, num lugar em particular.

Esses dois aforismos devem ser os faróis a nos lembrar constantemente de onde viemos e para onde vamos:

(1) “Todo fazer é conhecer e todo conhecer é fazer”.

(2) “Tudo que é dito é dito por alguém.”

Os autores pretendem examinar o fenômeno do conhecer, considerando a natureza universal do fazer na cognição - esse gerar de um mundo - como nosso problema e ponto de partida, de modo a revelar seu fundamento.

Uma explicação sempre e uma proposição que reformula ou recria as observações de um fenômeno dentro de um sistema de conceitos aceitáveis para um grupo de pessoas que compartilham um critério de validação. A magia, por exemplo, é tão explicativa para os que a aceitam como a ciência o é para quem a prefere. A diferença específica entre a explicação mágica e a científica reside no modo como se gera um sistema explicativo científico, o que constitui seus critérios de validação. Sendo assim, pode-se distinguir quatro condições essenciais que devem ser satisfeitas na proposição de uma explicação cientifica. Elas não ocorrem, necessariamente, nessa sequência, mas de forma imbricada:

(a) descrição do ou dos fenômenos a serem explicados de forma aceitável para a comunidade de observadores;

(b) proposição de um sistema conceitual capaz de gerar o fenômeno a ser explicado de maneira aceitável para a comunidade de observadores (hipótese explicativa).

(c) dedução, a partir de (b), de outros fenômenos não considerados explicitamente na proposição, bem como a descrição de suas condições de observação na comunidade de observadores;

(d) observação desses outros fenômenos deduzidos a partir de (b).

Explicação do conhecer

(a) fenômeno a ser explicado: a ação efetiva do ser vivo em seu meio ambiente.

(b) hipótese explicativa: organização autônoma do ser vivo; deriva filogenética e ontogenética com conservação da adaptação (acoplamento estrutural).

(c) dedução de outros fenômenos: coordenação comportamental nas interações recorrentes entre seres vivos e coordenação comportamental recursiva sobre a coordenação comportamental.

Somente se tais critérios de validação forem satisfeitos, a explicação será considerada científica, e uma afirmação só é considerada científica quando se fundamenta em explicações cientificas.

2. Organização do ser vivo

Nosso ponto de partida foi a consciência de que todo conhecer e uma ação da parte daquele que conhece. Todo conhecer depende da estrutura daquele que conhece. Esse ponto de partida será o indicador de nosso roteiro conceitual ao longo da obra: como o conhecimento se produz na ação? Quais são as raízes e os mecanismos desse operar?

O aparecimento dos seres vivos

Quando falamos de seres vivos, já estamos pressupondo algo em comum entre eles - de outro modo, não os incluiríamos na mesma classe que designamos com o nome “vivos”. O que não foi respondido todavia é: “Qual é a organização que os define como classe?” Nossa proposta é que os seres vivos se caracterizam por, literalmente, produzirem-se continuamente a si mesmos - o que indicamos ao chamarmos a organização que os define de organização autopoiética.

Organização e estrutura

Entende-se por organização as relações que devem se dar entre os componentes de um sistema para que este seja reconhecido como membro de uma classe específica. Entende-se por estrutura os componentes e as relações que concretamente constituem uma determinada unidade e realizam sua organização.

Os seres vivos se caracterizam por sua organização autopoiética. Diferenciam-se entre si por terem estruturas diferentes, mas são iguais em sua organização.

Autonomia e autopoiese

Usamos a palavra “autonomia” em seu sentido corrente - ou seja, um sistema é autônomo se puder especificar suas próprias leis, aquilo que é próprio dele. Não estamos sugerindo que os seres vivos são as únicas entidades autônomas: certamente não o são. Mas uma das características mais evidentes dos seres vivos é sua autonomia. Estamos propondo que o modo, o mecanismo que torna os seres vivos sistemas autônomos é a autopoiese, que os caracteriza enquanto tais.

Possuir uma organização, evidentemente, e próprio não só dos seres vivos, mas de todas as coisas que podemos analisar como sistemas. No entanto, o que os distingue é sua organização ser tal que seu único produto são eles mesmos, inexistindo separarão entre produtor e produto. O ser e o fazer de uma unidade autopoiética são inseparáveis, e esse constitui seu modo específico de organização.

História: reprodução e hereditariedade

A reprodução pressupõe duas condições básicas: (a) a unidade original e (b) o processo que a reproduz. No caso dos seres vivos, a unidade original é um ser vivo, uma unidade autopoiética, e o processo deve terminar com a formação de pelo menos uma outra unidade autopoiética, distinta da que se considera ser a primeira.

Ao vermos assim o fenômeno da reprodução, afirmamos que este não é constitutivo dos seres vivos. Portanto, não desempenha um papel em sua organização. Estamos tão acostumados a pensar os seres vivos como uma lista de propriedades (sendo a reprodução uma delas) que isso pode parecer chocante a primeira vista. No entanto, estamos dizendo simplesmente que a reprodução não pode ser parte da organização do ser vivo porque, para que algo se reproduza, é preciso que antes seja uma unidade e tenha uma organização que o defina.

Modos de gerar unidades

(1) réplica: mecanismo que, ao operar, pode gerar repetidas unidades da mesma classe;

(2) cópia: unidade modelo e um procedimento de projeção para gerar uma unidade idêntica.

Agora, podemos distinguir nesta situação dois casos essencialmente diferentes: (a) se o mesmo modelo é usado para fazer várias cópias sucessivas, as cópias da série serão historicamente independentes umas das outras; (b) mas, se o resultado de uma cópia é usado para fazer a cópia seguinte, gera-se uma série de cópias historicamente relacionadas, pois o que acontece a cada uma delas no período em que se tornam individuais, antes de serem usadas como modelo, determina as características da cópia seguinte.

(3) reprodução: quando uma unidade sofre uma fratura que resulta em duas unidades da mesma classe. As unidades que resultam dessas fraturas não são idênticas a original nem idênticas entre si. No entanto, pertencem a mesma classe da original, ou seja, possuem a mesma organização. O central no processo de reprodução (diferente da réplica ou da cópia) é que tudo acontece na unidade como parte dela mesma, e não há separarão entre o sistema reprodutor e o sistema reproduzido. Tampouco se pode dizer que as unidades resultantes da reprodução preexistam ou estejam em formação antes que a fratura reprodutiva ocorra - elas simplesmente não existem.

Devido a essas características, o fenômeno da reprodução necessariamente dá origem a unidades historicamente relacionadas. Se estas sofrem fraturas reprodutivas, formam em seu conjunto um sistema histórico.

Hereditariedade reprodutiva

Os aspectos da estrutura inicial da nova unidade que avaliamos como sendo idênticos aos da unidade original são chamados hereditários e os aspectos da estrutura inicial da nova unidade que avaliamos como sendo diferentes da unidade original são chamados variação reprodutiva. Por esse motivo, cada nova unidade necessariamente inicia sua história individual com semelhanças e diferenças estruturais em relação a suas antecessoras.

4. A vida dos metacelulares

A ontogenia é a história da mudança estrutural de uma unidade sem que esta perca sua organização. Essa contínua mudança estrutural ocorre na unidade a cada momento, desencadeada por interações com o meio onde se encontra ou como resultado de sua dinâmica interna. A célula classifica e vê suas contínuas interações com o meio de acordo com sua estrutura a cada instante, que por sua vez está em contínua mudança devido a sua dinâmica interna. O resultado geral é que a transformação ontogênica de uma unidade não cessa até sua desintegração.

Acoplamento estrutural

Como também descrevemos a unidade autopoiética como tendo uma estrutura particular, fica evidente que as interações (desde que sejam recorrentes) entre unidade e meio consistirão em perturbações recíprocas. Nessas interações, a estrutura do meio apenas desencadeia as mudanças estruturais das unidades autopoiéticas (não as determina nem informa), e vice-versa para o meio. O resultado será uma história de mudanças estruturais mútuas, desde que a unidade autopoiética e o meio não se desintegrem: haverá um acoplamento estrutural.

A organização dos metacelulares

Os metacelulares são sistemas autopoiéticos de segunda ordem. Cabe então a pergunta: qual é a organização dos metacelulares? Já que as células componentes podem se relacionar de muitas maneiras diferentes, é evidente que os metacelulares admitem tipos diferentes de organização, tais como organismos, colônias e sociedades. Mas seriam alguns metacelulares unidades autopoiéticas? Ou seja, os sistemas autopoiéticos de segunda ordem são também sistemas autopoiéticos de primeira ordem?

5. A deriva natural dos seres vivos

Vimos como os seres vivos se constituem enquanto unidades, e como sua identidade é definida pela organização autopoiética que lhes é própria. Em segundo lugar, explicamos de que modo essa identidade autopoiética pode adquirir a capacidade da reprodução sequencial, e assim gerar uma rede histórica de linhagens. Por último, vimos de que modo os organismos celulares, como nos mesmos, nascem a partir do acoplamento de células descendentes de uma célula única, e como todos os organismos metacelulares, intercalados em ciclos geracionais que sempre partem do estado unicelular, não passam de variações sobre o mesmo tema.

Na verdade, a chave para entender a origem da evolução consiste na associação inerente entre diferenças e semelhanças em cada etapa reprodutiva, a conservação da organização e a mudança estrutural. Se a existência de semelhanças cria a possibilidade de uma série histórica ou linhagem ininterrupta, a existência de diferenças estruturais cria a possibilidade de variações históricas nas linhagens.

Determinação e acoplamento estrutural

A história das mudanças estruturais de um determinado ser vivo é sua ontogenia.Nessa história, todos os seres vivos começam com uma estrutura inicial que condiciona o curso de suas interações e delimita as mudanças estruturais que tais interações desencadeiam. Ao mesmo tempo, eles nascem num determinado lugar, num meio que constitui o entorno em que se realizam e interagem, e que consideramos também ser dotado de uma dinâmica estrutural própria, operacionalmente distinta do ser vivo. Esse ponto é crucial. Como observadores, destacamos o ser vivo enquanto unidade do seu pano de fundo e o caracterizamos como dotado de uma determinada organização. Dessa forma, distinguimos duas estruturas que serão consideradas operacionalmente independentes uma da outra: o ser vivo e o meio. Entre elas há uma congruência estrutural necessária (ou a unidade desapareceria). Em tal congruência estrutural, uma perturbação do ambiente não determina o que acontecerá ao ser vivo, pois é a estrutura deste que define que mudanças ocorrerão como resposta. Portanto, não se trata de uma interação instrutiva, já que não determina quais serão seus efeitos. Por isso, usamos a expressão “desencadear” um efeito. Desse modo nos referimos ao fato de que as mudanças que resultam da interação entre o ser vivo e seu meio são desencadeadas pelo agente perturbador, mas determinados pela estrutura do sistema perturbado.

Isso se torna explicito ao distinguirmos quatro domínios (ou classes) especificados pela estrutura de uma unidade:

(1) domínio de mudanças de estado: todas as mudanças estruturais que uma unidade pode sofrer sem que sua organização se modifique: ou seja, mantendo sua identidade de classe.

(2) domínio de mudanças destrutivas: todas as mudanças estruturais que causam a perda da organização da unidade, que portanto desaparece como unidade de uma certa classe.

(3) domínio de perturbações: todas as interações que desencadeiam mudanças de estado.

(4) domínio de interações destrutivas: todas as interações que resultam numa mudança destrutiva.

Ontogenia e seleção

A mudança estrutural contínua dos seres vivos com a conservação de sua autopoiese ocorre a cada instante, continuamente e de várias maneiras ao mesmo tempo. É o pulsar de tudo o que vive.

O acoplamento estrutural é sempre mútuo: tanto os organismos como o meio sofrem transformações. O acoplamento estrutural entre o organismo e o meio ocorre entre sistemas operacionalmente independentes. A manutenção dos organismos como sistemas dinâmicos em seu meio depende de uma compatibilidade entre os organismos com o meio, o que chamamos de adaptação.

A conservação da autopoiese e a conservação da adaptação são condições necessárias a existência dos seres vivos. A mudança estrutural ontogênica de um ser vivo no seu meio será sempre uma deriva estrutural congruente entre o ser vivo e o meio. Ao observador, essa deriva parecerá “selecionada” pelo meio ao longo da história de interações do ser vivo, enquanto estiver vivo.

Filogenia e evolução

Uma filogenia é uma sucessão de formas orgânicas geradas sequencialmente por relações reprodutivas. As mudanças vivenciadas ao longo da filogenia constituem a mudança filogenética ou evolutiva.

Deriva natural

Organismos e meio variam de forma independente: os organismos em cada etapa reprodutiva, e o meio segundo uma dinâmica distinta. Do encontro dessas duas variações surgirão a estabilização e a diversificação fenotípicas, como resultado do mesmo processo de conservação da adaptação e da autopoiese, dependendo de quando o encontro acontece: estabilização quando o meio se transforma lentamente; diversificação e extensão quando a mudança é abrupta. A constância e variação das linhagens dependerão, portanto, do jogo entre as condições históricas em que as linhagens ocorrem e das propriedades intrínsecas dos indivíduos que as constituem. Por esse motivo, na deriva natural dos seres vivos haverá muitas extinções, muitas formas surpreendentes e outras que podemos imaginar como possíveis, mas que nunca veremos surgir.

Mais ou menos adaptado

As comparações sobre eficácia pertencem ao domínio de descrições feitas pelo observador, e não tem relação direta com o que ocorre nas histórias individuais de conservação da adaptação. Em resumo: não há sobrevivência do mais capaz, há sobrevivência do capaz. Trata-se de condições necessárias que podem ser satisfeitas de muitas maneiras, e não de otimização de algum critério alheio à própria sobrevivência.

A evolução é uma deriva natural, produto da invariância da autopoiese e da adaptação. [...] A evolução se assemelha mais a um escultor vagabundo que perambula pelo mundo recolhendo um fio aqui, um pedaço de lata ali, um pedaço de madeira acolá, e os combinando da maneira que sua estrutura e circunstância permitem, sem mais razão do que a possibilidade de combiná-las.

6. Domínios comportamentais

É preciso distinguir claramente entre determinismo e previsibilidade. Previsão é quando consideramos o estado presente de um sistema qualquer que estejamos observando e afirmamos que haverá um estado subsequente que resultará de sua dinâmica estrutural e que também poderemos observar. Uma previsão revela o que nós, como observadores, esperamos que aconteça. A previsibilidade não é sempre possível, e não é a mesma coisa afirmar o caráter estruturalmente determinado de um sistema e afirmar sua total previsibilidade. Em outras palavras, os fenômenos que nos parecem necessários e inevitáveis nos permitem, como observadores, fazer uma previsão válida. Mas os fenômenos que vemos como casuais não permitem. a proposição de um sistema explicativo científico.

O passado, como referência de interações já ocorridas, e o futuro, como referência de interações que irão ocorrer, são dimensões valiosas para que os observadores se comuniquem entre si, mas não participam do determinismo estrutural do organismo a cada momento.

Dotados ou não de sistema nervoso, todos os organismos, incluindo o nosso, funcionam como funcionam e estão onde estão a cada instante devido a seu acoplamento estrutural. [...] Em sentido estrito, nada é acidental. Ainda assim, nossa experiência é de liberdade criativa, e temos a impressão de que o fazer dos animais superiores é imprevisível.

Sapos e crianças-lobo

Diversos experimentos revelam que para o animal não existe acima e abaixo, ou frente e trás, em relação ao mundo exterior. Existe apenas uma correlação interna entre o lugar de onde a retina recebe uma determinada perturbação e as contrações musculares o corpo do animal. A operação do sistema nervoso é expressão de sua conectividade, ou estrutura de conexões, e que a conduta é resultado das relações de atividades internas do sistema nervoso.

Todo ser vivo começa sua existência com uma estrutura unicelular particular. É seu ponto de partida. Por isso, a ontogenia de todo ser vivo consiste em sua contínua transformação estrutural. Por um lado, é um processo que ocorre sem interromper a identidade nem o acoplamento estrutural do organismo ao meio, desde o início ate a desintegração final; por outro, segue um curso particular selecionado pela sequência de mudanças estruturais desencadeadas por sua historia de interações.

Sobre o fio da navalha

A visão mais popular e corrente do sistema nervoso considera-o um instrumento por meio do qual o organismo obtém informações do meio, de modo a construir uma representação do mundo que lhe permita calcular uma conduta adequada para sua sobrevivência. Assim, o meio imprimiria no sistema nervoso as características que lhe são próprias e este as utilizaria para gerar a conduta, como quem usa um mapa para traçar uma rota.

Mas sabemos que o sistema nervoso, sendo parte de um organismo, opera com determinação estrutural. Portanto, a estrutura do meio não pode determinar suas mudanças, mas apenas desencadeá-las. Como observadores, temos acesso ao sistema nervoso e a estrutura do seu meio, o que nos permite descrever a conduta do organismo como produto do operar do sistema nervoso com representações do meio, ou como expressão de algum processo intencional ou direcionado a uma meta. Mas tais descrições não refletem a operação do sistema nervoso em si e, portanto, sua utilidade para nos é de caráter somente comunicativo, não tendo valor explicativo científico.

Se refletirmos um pouco, veremos que nossa primeira tendência ao descrever o que acontece em cada caso é utilizar, de um modo ou de outro, alguma forma da metáfora de obter “informações” do meio que são representadas no “interior”. No entanto, o uso desse tipo de metáfora contradiz tudo o que sabemos sobre os seres vivos. A situação gera grande dificuldade e resistência, já que a única alternativa a visão do sistema nervoso operando com representações parece ser a negação da realidade circundante. De fato, se o sistema nervoso não opera - e não pode operar - com representações do mundo circundante, como explicar a extraordinária eficácia operacional do homem e dos animais, nossa enorme capacidade de aprendizagem e manipulação do mundo? Se negarmos a objetividade de um mundo cognoscível, não cairemos no caos e na total arbitrariedade, em que tudo é possível?

É como caminhar sobre o fio de uma navalha. De um lado, ha uma cilada: a impossibilidade de compreender o fenômeno cognitivo se supusermos que o mundo é feito de objetos que nos informam, já que não há um mecanismo que de fato permita tal “informação”. Do outro lado, há outra cilada: o caos e a arbitrariedade da ausência de objetividade, onde tudo parece ser possível. Temos de aprender a seguir o caminho intermediário - a andar sobre o fio da navalha.

Com efeito, se cairmos na cilada de supor que o sistema nervoso funciona com representações do mundo, ficaremos cegos a possibilidade de explicar como o sistema nervoso opera de um momento a outro como um sistema determinado e com clausura operacional. Por outro lado, há a cilada de negar o meio circundante, de supor que o sistema nervoso funcione no vácuo, e que logo tudo seria válido e possível. É o extremo da absoluta solidão cognitiva, do solipsismo (dentro da tradição da filosofia clássica, a afirmação de que só existe a interioridade de cada um), que não explica a existência de uma adequação ou comensurabilidade entre o funcionamento do organismo e seu mundo.

Queremos propor uma maneira de desfazer esse aparente nó górdio e encontrar um modo natural de evitar os dois abismos que cercam o fio da navalha. A solução é manter uma clara contabilidade lógica: tudo o que é dito, é dito por alguém. A solução, como todas as soluções de aparentes contradições, consiste em sair do plano das oposições e mudar a natureza da pergunta, passando para um contexto mais abrangente.

Na verdade, a situação é simples. Como observadores, podemos ver uma unidade em domínios diferentes, dependendo das distinções que fizermos. Assim, por um lado, podemos considerar um sistema no domínio do operar de seus componentes, de seus estados internos e mudanças estruturais. Nesse caso, para a dinâmica interna do sistema, o meio não existe, é irrelevante. Por outro lado, também podemos considerar uma unidade segundo suas interações com o meio e descrever a história dessas interações. Nessa perspectiva, em que o observador pode estabelecer relações entre certas características do meio e a conduta da unidade, é a dinâmica interna que se torna irrelevante.

Nenhum desses dois domínios possíveis de descrição é problemático em si, e ambos são necessários para um entendimento completo da unidade. É o observador que os correlaciona a partir de sua perspectiva externa. É ele quem reconhece que a estrutura do sistema determina suas interações ao especificar quais configurações do meio podem desencadear mudanças estruturais no sistema. É ele quem reconhece que o meio não especifica nem informa as mudanças estruturais do sistema. O problema começa quando mudamos, sem perceber, de um domínio para o outro, e exigimos que as correspondências que estabelecemos entre eles (pois podemos vê-los simultaneamente) participem de fato do funcionamento da unidade - nesse caso, o organismo e o sistema nervoso. Se mantivermos clara nossa contabilidade lógica, a complicação se dissipa - ficaremos conscientes das duas perspectivas e as relacionaremos num domínio mais abrangente estabelecido por nós. Assim, não precisamos recorrer às representações nem negar que o sistema opera num meio que lhe é comensurável graças a sua história de acoplamento estrutural.

Conduta [comportamento] e sistema nervoso

Denominamos conduta [ou comportamento] as mudanças de postura ou posição de um ser vivo que um observador descreve como movimentos ou ações em relação a um determinado meio.

A conduta não é algo que o ser vivo propriamente faça, já que nela só acontecem mudanças estruturais internas, e sim algo que nós assinalamos. Uma vez que as mudanças de estado de um organismo (com ou sem sistema nervoso) dependem de sua estrutura, e esta de sua história de acoplamento estrutural, as mudanças de estado do organismo serão necessariamente congruentes ou comensuráveis com seu meio, não importando quais condutas ou meios descritos. Por esse motivo, a conduta, ou configuração particular de movimentos, parecerá ou não adequada dependendo do meio em que a descrevamos. O sucesso ou fracasso de uma conduta é sempre definido pelo âmbito de expectativas delimitado pelo observador. Se o leitor adotar os mesmos movimentos e a mesma postura para ler este livro no meio do deserto do Atacama, sua conduta será não só excêntrica, como também patológica.

Portanto, a conduta dos seres vivos não e uma invenção do sistema nervoso, e não esta associada exclusivamente a ele, pois o observador observará condutas em qualquer ser vivo em seu meio. O que o sistema nervoso faz é expandir o domínio de possíveis condutas, ao dotar o organismo de uma estrutura tremendamente versátil e plástica.

7. O sistema nervoso e conhecimento

Neste capítulo examina-se de que maneira o sistema nervoso expande os domínios de interação de um organismo. Vimos que a conduta não é uma invenção do sistema nervoso. Ela é própria de qualquer unidade considerada num meio, onde específica um domínio de perturbações e mantém sua organização como resultado das mudanças de estado desencadeadas pelas perturbações.

História natural do movimento

Para um observador, é evidente que o movimento tem múltiplas possibilidades, muitas das quais realizam nos seres vivos como resultado de sua deriva natural. Assim, os organismos móveis baseiam no movimento não só sua reprodução, como também sua alimentação e modos de interação com o meio. É para esses seres vivos, cuja deriva natural levou ao estabelecimento da mobilidade, que o sistema nervoso adquiriu importância.

Clausura operacional do sistema nervoso

Já dissemos que a conduta [ou o comportamento] é a descrição feita por um observador das mudanças de estado de um sistema em relação a um meio, com o fim de compensar as perturbações que recebe deste. Também dissemos que o sistema nervoso não inventa a conduta, e sim a expande de forma dramática. Agora deve estar mais claro o que queremos dizer com essa expansão - significa que o sistema nervoso surge na história filogenética dos seres vivos como um tecido de células peculiares, que se inserem no organismo de modo a acoplar pontos nas superfícies sensoriais com pontos nas superfícies motoras. Portanto, com a rede de neurônios mediando o acoplamento, amplia-se o campo de possíveis correlações sensório-motoras do organismo e expande-se o domínio de condutas.

É assim que podemos definir o sistema nervoso, quanto a sua organização, como dotado de uma clausura operacional - ou seja, o sistema nervoso constitui-se de tal forma que, sejam quais forem suas mudanças, estas geram outras mudanças dentro de si mesmo. Seu operar consiste em manter invariáveis certas relações entre seus componentes diante das contínuas perturbações que geram, tanto na dinâmica interna como nas interações do organismo que integra. Em outras palavras, o sistema nervoso funciona como uma rede fechada de mudanças de relações de atividade entre seus componentes.

O que dissemos mostra que o operar do sistema nervoso é plenamente consistente com sua participação numa unidade autônoma, em que todo estado de atividade leva a outro estado de atividade nela própria, pois seu operar é circular, dentro de uma clausura operacional. Portanto, por sua própria arquitetura, o sistema nervoso não contradiz o caráter autônomo do ser vivo, e sim o ressalta. Começamos a ver com clareza os modos como todo processo do conhecer funda-se necessariamente no organismo como uma unidade e no fechamento operacional de seu sistema nervoso. Daí que todo conhecer é fazer, como correlações sensório-efetoras nos domínios de acoplamento estrutural em que o sistema nervoso existe.

Plasticidade

Já mencionamos várias vezes que o sistema nervoso está em contínua mudança estrutural - ou seja, é dotado de plasticidade. Na verdade, essa dimensão do sistema nervoso é fundamental na sua participação da constituição de um organismo. A plasticidade se traduz nos seguintes termos: o sistema nervoso, ao participar por meio dos órgãos sensoriais e efetores dos domínios de interação do organismo que selecionam a mudança estrutural deste, participa da deriva estrutural do organismo com conservação de sua adaptação.

A plasticidade do sistema nervoso explica-se pelo fato de os neurônios não estarem interligados como se fossem cabos com suas respectivas tomadas. Os pontos de interações entre as células são delicados equilíbrios dinâmicos, modulados por um sem-número de elementos desencadeadores de mudanças estruturais locais. Estas são produzidas pela atividade dessas mesmas células e de outras cujos produtos viajam pela corrente sanguínea e banham os neurônios, tudo como parte da dinâmica de interações do organismo em seu meio.

Assim, toda interação, todo acoplamento afeta o operar do sistema nervoso devido as mudanças estruturais que desencadeia nele. Toda experiência particularmente nos modifica, ainda que as vezes as mudanças não sejam de todo visíveis.

A riqueza plástica do sistema nervoso não reside em sua produção de representações “engramas” das coisas do mundo, mas em sua contínua transformação, que permanece congruente com as transformações do meio, como resultado de cada interação que efetua. Do ponto de vista do observador, isso se mostra como uma aprendizagem adequada. Mas o que ocorre é que os neurônios, o organismo que integram e o meio em que este interage operam reciprocamente como seletores de suas correspondentes mudanças estruturais, acoplando-se estruturalmente entre si. O operar do organismo, incluindo o sistema nervoso, seleciona as mudanças estruturais que lhe permitem continuar operando sem se desintegrar.

Condutas inatas e condutas aprendidas

Dissemos muitas vezes, e é preciso frisar bem, que toda conduta é um fenômeno relacional que nós, como observadores, notamos entre o organismo e seu meio. No entanto, o âmbito de possíveis condutas de um organismo é determinado por sua estrutura, já que é esta que especifica seus domínios de interações. Por esse motivo, toda vez que se desenvolvem, nos organismos de uma mesma espécie, certas estruturas independentes das peculiaridades de suas histórias de interações, diz-se que tais estruturas são determinadas geneticamente, e que as condutas que tornam possíveis (se for o caso) são instintivas. Quando um bebê, pouco depois de nascer, suga o seio da mãe, essa ação é independente de ele ter nascido por parto natural ou cesariana, ou num luxuoso hospital da metrópole ou no interior.

Ao contrario, se as estruturas que tornam possível uma certa conduta entre os membros de uma espécie se desenvolvem somente se há uma história particular de interações, diz-se que as estruturas são ontogênicas e que as condutas são aprendidas. As meninas-lobo do capítulo anterior não viveram as interações sociais como todas as crianças, e a conduta de correr sobre os dois pés, por exemplo, não se desenvolveu. Até para algo tão elementar como correr dependemos do contexto humano, que nos cerca como o ar que respiramos.

Notem bem que as condutas inatas e as adquiridas são, como condutas, indistinguíveis em sua natureza e realização. A distinção está na história das estruturas que as tornaram possíveis e, portanto, só poderemos classifica-las como uma ou outra se tivermos acesso a história estrutural pertinente. Não podemos fazer tal distinção observando o operar do sistema nervoso no presente.

Atualmente tendemos a considerar o aprendizado e a memória como fenômenos de mudança de conduta que ocorrem quando se “capta” ou se recebe algo do meio, o que implica supor que o sistema nervoso funcione com representações. Já vimos como tal suposição obscurece e complica tremendamente o entendimento dos processos cognitivos. Tudo o que dissemos sugere que a aprendizagem é uma expressão do acoplamento estrutural, que sempre manterá uma compatibilidade entre o operar do organismo e o meio. Quando nós, como observadores, examinamos uma sequência de perturbações compensadas pelo sistema nervoso de uma das muitas maneiras possíveis, parece-nos que ele internalizou algo do meio. Mas, como sabemos, adotar essa descrição seria perder a contabilidade lógica: seria tratar algo que é útil para nossa comunicação entre observadores como um elemento operacional do sistema nervoso. Descrever a aprendizagem como uma internalização do meio confunde as coisas, pois sugere que na dinâmica estrutural do sistema nervoso há fenômenos que existem apenas no domínio de descrições de alguns organismos capazes de linguagem, como nós.

Conhecimento e sistema nervoso

Falamos em conhecimento toda vez que observamos uma conduta efetiva (ou adequada) num contexto assinalado - ou seja, num domínio que definimos com uma pergunta (explícita ou implícita), que formulamos como observadores.

Se refletirmos sobre os critérios que utilizamos para dizer que alguém tem conhecimento, veremos que o que buscamos e uma ação efetiva no domínio em que se espera uma resposta. Ou seja, esperamos uma conduta efetiva em algum contexto que delimitamos ao fazer a pergunta. Assim, duas observações do mesmo sujeito, sob as mesmas condições, mas feitas com perguntas diferentes, podem atribuir valores cognitivos distintos ao que se observa como a conduta do sujeito.

Notemos, então, que a avaliação de que se há ou não conhecimento se dá sempre num contexto relacional, em que as mudanças estruturais que as perturbações desencadeiam no organismo parecem ao observador como um efeito sobre o meio. É em relação aos efeitos esperados que o observador avalia as mudanças estruturais desencadeadas no organismo. Desse ponto de vista, toda interação de um organismo, toda conduta observada, pode ser avaliada por um observador como um ato cognitivo. Da mesma maneira, o fato de viver - a conservação ininterrupta do acoplamento estrutural como ser vivo – corresponde a conhecer no âmbito do existir. Aforisticamente, viver é conhecer (viver é ação efetiva no existir como ser vivo).

Resumindo, o sistema nervoso participa dos fenômenos cognitivos de duas maneiras complementares, relacionadas com seu modo particular de operação: como uma rede neural com clausura operacional e como parte de um sistema metacelular.

A primeira, e mais óbvia, se dá pela ampliação do domínio de estados possíveis do organismo, resultado da enorme diversidade de configurações sensório-motoras que o sistema nervoso permite, e que é a chave de sua participação no funcionamento do organismo. A segunda ocorre quando se abrem para o organismo novas dimensões de acoplamento estrutural, tornando-lhe possível associar uma grande diversidade de estados internos a diversidade de interações de que participa.

8. Os fenômenos sociais

Como no caso das interações celulares entre os metacelulares, do ponto de vista da dinâmica interna do organismo, o outro representa uma fonte de perturbações indistinguíveis daquelas que provém do meio “inerte”. No entanto, é possível que tais interações entre organismos adquiram, ao longo de sua ontogenia, um caráter recorrente, estabelecendo assim um acoplamento estrutural que permita a manutenção da individualidade de ambos na prolongada sucessão de suas interações. Quando isso se dá, acontece uma fenômenologia peculiar, de que falaremos neste capítulo e nos seguintes - a dos acoplamentos de terceira ordem.

Acoplamentos de terceira ordem

[...] foi o surgimento de organismos com sistema nervoso e sua participação em interações recorrentes que ocasionou tais acoplamentos, de complexidade e estabilidade distintas, mas como resultado natural da congruência de suas respectivas derivas ontogênicas. Como podemos entender e analisar os acoplamentos de terceira ordem? Em primeiro lugar, e preciso entender que tais acoplamentos são absolutamente necessários, em alguma medida, para a continuidade das linhagens dos organismos com reprodução sexuada, pois os gametas precisam ao menos se encontrar e se fundir. Além disso, em muitos animais que requerem um aparelho sexual para a procriação de novos indivíduos, os filhotes precisam receber algum cuidado de seus pais, de modo que é comum encontrarmos algum grau de acoplamento comportamental na geração e criação dos filhotes.

Evidentemente, não há papéis fixos entre os animais. Tampouco há nas sociedades humanas, em que ocorrem numerosos casos tanto de poliandria como de poliginia, e nos quais a divisão das tarefas da criação dos filhos varia de um extremo a outro. De fato, a presença do sistema nervoso torna possível uma variedade imensa de acoplamentos, o que produz uma história natural também muito variada. Devemos ter isso em mente para entender a dinâmica social humana como um fenômeno biológico.

Insetos sociais

Os acoplamentos de condutas sexuais e de criação dos filhotes, embora praticamente universais, não são os únicos possíveis. Há muitos outros modos de acoplamento comportamental que os incluem e vão muito além deles, pois especificam, entre os indivíduos de um grupo, coordenações comportamentais que podem durar por toda a vida.

O caso clássico e mais notável de um acoplamento tão estreito que engloba toda a ontogenia dos organismos participantes são os insetos sociais. Esses animais englobam muitas espécies entre várias ordens de insetos. Em vários deles se originaram, paralelamente, mecanismos de acoplamento muito semelhantes. Exemplos bem conhecidos de insetos sociais são as formigas, os cupins, as vespas e as abelhas.

O mecanismo de acoplamento entre a maior parte dos insetos sociais se dá por meio do intercâmbio de substâncias, sendo assim um acoplamento químico. Estabelece-se um fluxo contínuo de secreções entre os membros de uma colônia - trocam seus conteúdos estomacais todas as vezes que se encontram, o que podemos notar apenas observando uma fileira de formigas na cozinha. Esse intercâmbio químico continuo, chamado trofolaxes, resulta na distribuição, por toda a população, de uma certa quantidade de substâncias, entre elas os hormônios, responsáveis pela diferenciação e especificação de papéis. Assim, a rainha torna-se o que é pelo modo como é alimentada, e não hereditariamente. Basta tirar a rainha de seu lugar para que imediatamente o desequilíbrio hormonal causado por sua ausência produza uma mudança na alimentação diferencial de algumas larvas, que se desenvolvem como rainhas. Vale dizer, todas as ontogenias dos diferentes membros da unidade social estão atreladas a sua história contínua de interações trofoláticas seletivas, que de maneira dinâmica orientam, mantém ou mudam seu modo particular de desenvolvimento.

Fenômenos sociais e comunicação

Entendemos os fenômenos sociais como aqueles associados as unidades de terceira ordem. Apesar da variedade de estilos de acoplamento que apresentamos, os fenômenos sociais estão vinculados a um tipo particular de unidade. A forma de realização das unidades dessa ordem varia muito, desde os insetos, os ungulados, até os primatas. Comum a todas elas, todavia, é que as unidades resultantes dos acoplamentos de terceira ordem, ainda que transitórias, geram uma fenômenologia interna particular, em que os organismos participantes satisfazem suas ontogenias individuais, fundamentalmente, segundo seus acoplamentos mútuos na rede de interações recíprocas que formam ao constituir as unidades de terceira ordem. Os mecanismos segundo os quais se estabelecem essa rede e as unidades que a constituem, mantendo sua coesão, variam em cada caso.

Toda vez que há um fenômeno social, há um acoplamento estrutural entre indivíduos. Portanto, como observadores, podemos descrever uma conduta de coordenação recíproca entre eles. Chamaremos de comunicação as condutas coordenadas, mutuamente desencadeadas, entre os membros de uma unidade social. Portanto, entendemos como comunicação uma classe particular de condutas que ocorrem, com ou sem a presença do sistema nervoso, no operar dos organismos em sistemas sociais. Como ocorre com toda conduta, se podemos distinguir o caráter instintivo ou aprendido das condutas sociais, podemos também distinguir entre formas filogenéticas e ontogênicas de comunicação. A comunicação é peculiar, portanto, não por resultar de um mecanismo distinto do restante das condutas, mas apenas por ocorrer no domínio de acoplamento social. Isso vale igualmente para nós, como descritores de nossa própria conduta social, cuja complexidade não significa que nosso sistema nervoso opere de modo distinto.

A metáfora do tubo para a comunicação

Nossa discussão nos levou a concluir que, biologicamente, não ha informação transmitida na comunicação. A comunicação ocorre toda vez em que há coordenação comportamental num domínio de acoplamento estrutural. Tal conclusão só é chocante se continuarmos adotando a metáfora mais corrente para a comunicação, popularizada pelos meios de comunicação. É a metáfora do tubo, segundo a qual a comunicação é algo gerado num ponto, levado por um condutor (ou tubo) e entregue ao outro extremo receptor. Portanto, há algo que é comunicado e transmitido integralmente pelo veículo. Daí estarmos acostumados a falar da informação contida numa imagem, objeto ou na palavra impressa. Segundo nossa análise, essa metáfora é fundamentalmente falsa, porque supõe uma unidade não determinada estruturalmente, em que as interações são instrutivas, como se o que ocorre com um organismo numa interação fosse determinado pelo agente perturbador e não por sua dinâmica estrutural. No entanto, é evidente no próprio dia-a-dia que a comunicação não ocorre assim: cada pessoa diz o que diz e ouve o que ouve segundo sua própria determinação estrutural. Da perspectiva de um observador, sempre há ambiguidade numa interação comunicativa. O fenômeno da comunicação não depende do que se fornece, e sim do que acontece com o receptor. E isso é muito diferente de “transmitir informação”.

 

Altruísmo e egoísmo

Com efeito, vimos que a existência do ser vivo na deriva natural, tanto onto como filogenética, não depende da competição, e sim da conservação da adaptação. O encontro individual com o meio resulta na sobrevivência do capaz. Pois bem, podemos mudar de nível de referência em nossa observação e considerar também a unidade grupal, composta pelos indivíduos, para a qual a conservação e considerar também a unidade grupal, composta pelos indivíduos, para a qual a conservação da adaptação também é necessária em seu domínio de existência. Para o grupo como unidade, os componentes individuais são irrelevantes, já que todos são, em princípio, substituíveis por outros que possam cumprir as mesmas relações. Para os componentes como seres vivos, por outro lado, a individualidade é condição de existência. É importante não confundir esses dois níveis fenomênicos para a compreensão plena dos fenômenos sociais. A conduta do antílope ao retardar-se esta relacionada à conservação do grupo e expressa características próprias dos antílopes em seu acoplamento grupal, uma vez que o grupo existe como unidade. Ao mesmo tempo essa conduta altruísta para com a unidade grupal se realiza no antílope individual como resultado de seu acoplamento estrutural no meio que envolve o grupo, e expressa a conservação de sua adaptação como indivíduo. Portanto, não há contradição na conduta do antílope, uma vez que se realiza em sua individualidade como membro do grupo. E “altruistamente” egoísta e “egoistamente” altruísta, porque sua realização individual depende de sua presença no grupo que integra. Todas essas considerações valem também no domínio humano, embora modificadas segundo as características da linguagem como modo de acoplamento social humano.

 

Conduta cultural

Entendemos por conduta cultural a estabilidade transgeracional de configurações comportamentais adquiridas ontogenicamente na dinâmica comunicativa de um meio social.

Chamaremos as configurações comportamentais adquiridas ontogenicamente na dinâmica comunicativa de um meio social, e mantidas estáveis através de gerações, de condutas culturais. O nome não deve surpreender, já que se refere precisamente a todo o conjunto de interações comunicativas de determinação ontogênica que permitem uma certa invariância na história do grupo, indo além da história particular dos indivíduos participantes. A imitação e a contínua seleção comportamental intragrupal desempenham ai um papel essencial, pois tornam possível o acoplamento dos jovens com os adultos, especificando uma certa ontogenia que se expressa no fenômeno cultural. A conduta cultural, portanto, não representa uma forma essencialmente distinta quanto ao mecanismo que a possibilita. É um fenômeno que existe como um caso particuar de conduta comunicativa.

 

9. Domínios linguísticos e consciência humana

Descrições semânticas

Vimos no último capítulo que dois ou mais organismos, ao interagir, recorrentemente, geram um acoplamento social em que se envolvem de modo recíproco na realização de suas respectivas autopoieses. As condutas que ocorrem nesses domínios de acoplamentos sociais, como dissemos, são comunicativas e podem ser inatas ou adquiridas. Para nós, como observadores, o estabelecimento ontogênico de um domínio de condutas comunicativas pode ser descrito como o estabelecimento de um domínio de condutas coordenadas associáveis a termos semânticos. Ou seja, como se o que determinasse a coordenação comportamental assim produzida fosse o significado que o observador atribui às condutas, e não o acoplamento estrutural dos participantes. É essa qualidade das condutas comunicativas ontogênicas de poderem aparecer como semânticas a um observador, que trata cada elemento comportamental como se fosse uma palavra, que permite relacionar tais condutas a linguagem humana. Vamos ressaltar essa condição ao designar tal classe de condutas como um domínio linguístico entre os organismos participantes.

Notemos que a escolha desse termo - como a expressão “ato cognitivo” que vimos anteriormente - não é arbitrária. Equivale a afirmar que as condutas linguísticas humanas pertencem de fato a um domínio de acoplamento estrutural ontogênico recíproco, que os seres humanos estabelecem e mantém como resultado de suas ontogenias coletivas. Ou seja, quando descrevemos as palavras como designadoras de objetos ou situações no mundo, fazemos como observadores, uma descrição de um acoplamento estrutural que não reflete a operação do sistema nervoso, posto que este não opera com representações do mundo.

Nessa perspectiva, o caráter aparentemente tão arbitrário dos termos semânticos (há alguma relação entre a palavra “mesa” e o objeto mesa?) é algo completamente previsível e consistente com o mecanismo que subjaz ao acoplamento estrutural. Com efeito, são inúmeros os modos com que as interações recorrentes que levam a coordenação comportamental se estabelecem entre os organismos (“mesa”, “table”, “tafel”). Relevante é como suas estruturas efetuam essas interações, e não os modos de interação em si. Se não fosse assim, os surdos-mudos não teriam linguagem, por exemplo. Trata-se, efetivamente, de uma deriva cultural em que - como na deriva filogenética dos seres vivos - não há um desígnio, e sim um arcabouço ad hoc que vai se fazendo com os elementos disponíveis a cada momento.

Escapa a intenção deste livro fazer uma discussão aprofundada das muitas dimensões da linguagem humana - seria necessário outro livro. Mas, para nossos propósitos, queremos identificar a característica-chave da linguagem, que modifica de modo tão radical os domínios comportamentais humanos possibilitando novos fenômenos como a reflexão e a consciência. Tal característica é que a linguagem permite a quem opera nela descrever-se a si mesmo e as suas circunstâncias. É disso que nos ocuparemos neste capitulo.

Vimos que, quando observamos a conduta de outros animais (humanos ou não) num domínio linguístico, como observadores podemos tratar suas interações de maneira semântica, como se indicassem ou denotassem algo do meio. Ou seja, num domínio linguístico, podemos sempre tratar a situação como se fosse uma descrição do meio comum aos organismos em interação. No caso humano, para o observador as palavras geralmente denotam elementos do domínio comum entre os seres humanos, seja objetos, estados de espírito, intenções e assim por diante. Esse traço em si não é peculiar aos seres humanos, embora sua variedade de termos semânticos seja muito maior do que em outros animais. O fundamental no caso humano é que, para o observador, as descrições podem ser feitas tratando as outras descrições como objetos ou elementos do domínio de interações. Ou seja, o próprio domínio linguístico passa a fazer parte do meio de interações possíveis. Somente quando se produz tal reflexão linguística é que existe linguagem, surge o observador, e os organismos participantes passam a operar num domínio semântico. E é somente quando isso ocorre que o domínio semântico passa a fazer parte do meio de conservação de adaptação de seus participantes. É o que acontece com os seres humanos: existimos em nosso operar na linguagem, conservando nossa adaptação no domínio de significados resultante: fazemos descrições das descrições que fazemos... (como o faz esta sentença). Somos observadores e existimos num domínio semântico criado pelo nosso operar linguístico.

Nos insetos, como já vimos, a coesão da unidade social se dá por uma interação química, a trofolaxes. No caso dos seres humanos, a “trofolaxes” social é a linguagem, que faz com que existamos num mundo sempre aberto de interações linguísticas recorrentes. A partir da existência da linguagem, não há limites para o que podemos descrever, imaginar, relacionar. Ela permeia de modo absoluto toda a nossa ontogenia como indivíduos, desde o caminhar e a postura até a política.

Historia natural da linguagem humana

Não conhecemos os detalhes da história das transformações estruturais dos hominídeos, e talvez jamais o saibamos. Lamentavelmente, a vida social e linguística não deixa fósseis, e não é possível reconstrui-la. Mas podemos dizer que as mudanças nos hominídeos primitivos, que propiciaram o surgimento da linguagem, estão relacionadas a coleta e a partilha de sua história de animais sociais e de relações interpessoais afetivas estreitas, associadas ao colher e compartilhar alimentos. Neles coexistiam atividades aparentemente contraditórias, como fazer parte integral de um grupo muito coeso e, ao mesmo tempo, afastar-se por períodos mais ou menos longos para colher alimentos e caçar. Uma “trofolaxes” linguística, capaz de tecer uma trama recursiva de descrições, foi o mecanismo que permitiu a coordenação comportamental ontogênica, como fenômeno de caráter cultural, já que cada indivíduo podia “levar” o grupo consigo, sem necessidade de interações físicas contínuas com ele.

A linhagem de hominídeos a qual pertencemos tem mais de quinze milhões de anos. No entanto, não foi senão há cerca de três milhões de anos que se consolidaram os traços estruturais essencialmente idênticos aos atuais. Entre os mais importantes estão: o andar bípede e ereto, o aumento da capacidade craniana e uma conformação dental particular - associável a uma alimentação onívora, mas principalmente a base de sementes e nozes. Além disso, houve a passagem dos ciclos estrais de fertilidade nas fêmeas para o ciclo menstrual, o que tornou a sexualidade contínua e não mais sazonal e possibilitou os confrontamento dos rostos durante a cópula. É claro que nem todas essas mudanças que distinguem os hominídeos dos outros primatas ocorreram simultaneamente, mas sim em momentos e ritmos distintos, ao longo de vários milhões de anos. Em algum momento ao longo dessas transições, o enriquecimento do domínio linguístico, associado a uma sociabilidade recorrente, levou a produção da linguagem.

Podemos imaginar os hominídeos primitivos como seres que viviam em pequenos grupos, ou famílias extensas, em constante movimento pela savana. Alimentavam-se sobretudo do que colhiam, como sementes e nozes, mas também da caça ocasional. Como eram bípedes, tinham as mãos livres para carregar os alimentos por grandes trechos até seu grupo de base, não precisando levá-los no aparelho digestivo, como acontece com o resto do reino animal. As descobertas fósseis indicam que essa conduta de transportadores era parte integrante da conformação da vida social. Fêmea e macho, unidos por uma sexualidade permanente e não mais sazonal, como nos outros primatas, compartilhavam alimentos e cooperavam na criação dos filhos. Isso dentro do domínio das estreitas coordenações de conduta aprendidas (linguísticas) que ocorrem na contínua cooperação de uma família extensa.

Esse modo de vida de contínua cooperação e coordenação comportamental teria constituído o âmbito linguístico. A conservação deste, por sua vez, teria levado a deriva estrutural dos hominídeos a aumentar continuamente a capacidade de fazer distinções dentro desse âmbito de coordenações comportamentais cooperativas entre indivíduos em convívio estreito. Essa participação recorrente dos hominídeos nos domínios linguísticos que geram em sua socialização deve ter sido uma dimensão determinante na efetiva ampliação de tais domínios até a reflexão que deu origem a linguagem - ou seja, quando as condutas linguísticas passaram a ser objeto da coordenação comportamental linguística, da mesma forma que as ações no meio são objetos das coordenações comportamentais. Por exemplo, na intimidade das interações individuais recorrentes, que personalizam o outro com uma distinção linguística particular, que opera como vocativo individual, poderiam ter ocorrido as condições para o aparecimento da reflexão linguística.

Até onde podemos imaginar, tal foi a história da deriva estrutural dos hominídeos que levou ao surgimento da linguagem. Com essa herança e com as mesmas características fundamentais é que operamos hoje em dia, numa deriva estrutural que conserva a socialização e a conduta linguística descritas acima.

Janelas experimentais para o mental

As características únicas da vida social humana e seu intenso acoplamento linguístico foram capazes de gerar um fenômeno novo, ao mesmo tempo tão próximo e tão distante de nossa própria experiência: a mente e a consciência. Será que podemos fazer algumas perguntas experimentais que nos revelem esse fenômeno de modo mais claro? Por exemplo, poderiamos perguntar a um símio: “Como se sente sendo um macaco?” Infelizmente, parece que essa pergunta ficará para sempre sem resposta, já que não podemos construir com os macacos um domínio de convivência que admita tais distinções comportamentais (“sentir-se”) como distinções linguísticas na linguagem. É a riqueza (diversidade) das interações recorrentes que individualiza o outro na coordenação linguística, tornando possível a linguagem e determinando seu caráter e amplitude. A pergunta, portanto, permanece.

O mental e a consciência

Todos esses experimentos nos dizem algo fundamental sobre a maneira como diariamente organizamos e damos coerência à contínua concatenação de reflexões que chamamos consciência e que associamos a nossa identidade. Por um lado, nos mostram que o operar recursivo da linguagem é condição sine qua non para a experiência que associamos ao mental. Por outro, essas experiências, fundadas no linguístico, se organizam com base numa variedade de estados de nosso sistema nervoso. Como observadores, não temos necessariamente um acesso direto a tais estados, mas estes ocorrem sempre de maneira a manter a coerência de nossa deriva ontogênica.

Isso não deve surpreender a essa altura de nossa apresentação. Vimos que um ser vivo se conserva como unidade sob continuas perturbações do meio e de seu próprio operar. Vimos em seguida que o sistema nervoso produz uma dinâmica comportamental ao gerar relações internas de atividade neural em sua clausura operacional. O sistema vivo, em todos os níveis, organiza-se de forma a gerar regularidades internas. No domínio do acoplamento social e da comunicação - na “trofolaxes” linguística - produz-se o mesmo fenômeno. Mas a coerência e estabilização da sociedade como unidade dependerá nesse caso de mecanismos tornados possibilitados pelo operar linguístico e sua ampliação na linguagem. Essa nova dimensão de coerência operacional de nosso linguajar é o que experimentamos como consciência e como “nossa” mente.

As palavras, como sabemos, são ações, e não coisas que passam de lá para cá. É nossa história de interações recorrentes que nos permite um acoplamento estrutural interpessoal efetivo. Descobrimos que compartilhamos um mundo que especificamos em conjunto por meio de nossas ações. Isso e tão evidente a ponto de nos ser literalmente invisível. Só quando nosso acoplamento estrutural fracassa em alguma dimensão de nosso existir é que refletimos e nos damos conta de até que ponto a trama de nossas coordenações comportamentais na manipulação do nosso mundo e a comunicação são inseparáveis de nossa experiência.

Geralmente não nos damos conta da textura histórica por trás das coerências linguísticas e biológicas envolvidas nas ações mais simples de nossa vida social. Por exemplo: o leitor já prestou atenção na incrível textura que subjaz a conversa mais banal, aos variados tons de voz, as sequências de uso das palavras, as superposições de ações entre os interlocutores? Há tanto tempo que nos acoplamos assim que nossa ontogenia nos parece simples e direta. Na verdade, a vida ordinária, a vida de todos os dias, é uma refinada coreografia de coordenações comportamentais.

Portanto, o surgimento da linguagem humana, bem como todo contexto social em que esta aparece, gera o fenômeno inédito - até onde sabemos - do mental e da consciência de si como a experiência mais íntima do homem. Sem o desenvolvimento histórico das estruturas adequadas é impossível entrar no domínio humano - como ocorreu a menina-lobo. Ao mesmo tempo, como fenômeno do linguajar na rede de acoplamento social e linguístico, o mental não é algo que está dentro de meu crânio, não é um fluido de meu cérebro: a consciência e o mental pertencem ao domínio do acoplamento social, e é neste que se dá sua dinâmica. É também nesse domínio que o mental e a consciência operam como seletores do caminho que segue nossa deriva estrutural ontogênica. Além disso, já que pertencemos a um domínio de acoplamento humano, podemos tratar a nós mesmos como fontes de interações linguísticas seletoras de nosso vir-a-ser. Mas, como Robinson Crusoe entendeu muito bem ao manter um calendário, ler a Bíblia todas as tardes e se vestir para o jantar, comportando-se como se existissem outros ao seu redor, é a rede de interações linguísticas que nos torna o que somos. Nós, que dizemos tudo isso como cientistas, não somos diferentes.

A estrutura compromete. Nós humanos, como humanos, somos inseparáveis da trama de acoplamentos estruturais tecida pela nossa “trofolaxes” linguística permanente. A linguagem nunca foi inventada por um sujeito isolado na apreensão de um mundo externo e, portanto, não pode ser usada como ferramenta para revelar um tal mundo. Ao contrário, é dentro do linguajar mesmo que o ato de conhecer, na coordenação comportamental que é a linguagem, produz um mundo. Realizamos a nós mesmos em mútuo acoplamento linguístico, não porque a linguagem nos permita dizer o que somos, mas porque somos na linguagem, num contínuo existir nos mundos linguísticos e semânticos que produzimos com os outros. Encontramos a nós mesmos nesse acoplamento, não como a origem de uma referência, nem em referencia a uma origem, mas sim em contínua transformação no vir-a-ser do mundo linguístico que construímos com os outros seres humanos.

10. A árvore do conhecimento

Como as mãos da gravura de Escher, este livro também seguiu um itinerário circular. Partimos das qualidades de nossa experiência, comuns a nossa vida social conjunta, e desse ponto de partida fizemos um longo percurso pela autopoiese celular, a organização dos metacelulares e seus domínios comportamentais, a clausura operacional do sistema nervoso, os domínios linguísticos e a linguagem. Aos poucos fomos armando com peças simples um sistema explicativo capaz de mostrar como surgem os fenômenos próprios dos seres vivos. Assim, acabamos por mostrar como os fenômenos sociais, fundados num acoplamento linguístico, dão origem a linguagem, e como a linguagem, a partir de nossa experiência cotidiana do conhecer, nos permite gerar a explicação de sua origem. O começo é o final.

Mas esse projeto nos coloca numa situação inteiramente circular, que produz uma certa vertigem parecida com o efeito da gravura de Escher. A sensação é de não termos um ponto de referência fixo e absoluto, onde ancorar nossas descrições e assim afirmar e defender sua validez. Com efeito, a suposição de um mundo objetivo, independente de nós como observadores e acessível ao nosso conhecimento por meio de nosso sistema nervoso, não permite entender como este funciona em sua dinâmica estrutural, pois exige que o meio especifique seu operar. Mas, se não afirmamos a objetividade do mundo, parece que estamos propondo que tudo é pura relatividade, que tudo é possível, que negamos toda legalidade. Sendo assim, ficamos diante do problema de entender como nossa experiência está acoplada a um mundo que vivenciamos como contendo regularidades que resultam de nossa história biossocial.

Novamente temos de caminhar sobre o fio da navalha, evitando os extremos representational (ou objetivista) e solipsista (ou idealista). Nessa linha mediana, encontramos a regularidade do mundo que experimentamos a cada momento, mas sem nenhum ponto de referência independente de nós mesmos que garantisse a estabilidade absoluta de nossas descrições. Na verdade, todo mecanismo de geração de nós próprios como agentes de descrições e observações nos explica que nosso mundo, bem como o mundo que produzimos em nosso ser com outros, sempre será precisamente essa mescla de regularidade e mutabilidade, essa combinação de solidez e de areias movediças, tão própria da experiência humana quando examinada de perto.

Todavia, é evidente que não podemos sair desse círculo e nos evadir do nosso domínio cognitivo. Seria como mudar, por um fiat divino, a natureza do cérebro, a natureza da linguagem, a natureza do vir-a-ser - ou seja, a natureza da natureza. Estamos continuamente imersos nesse passar de uma interação a outra, cujos resultados dependem da história. Todo fazer leva a um novo fazer: é o círculo cognitivo que caracteriza o nosso ser, num processo cuja realização está imersa no modo de ser autônomo do ser vivo.

Nossas visões do mundo e de nos mesmos não conservam registros de suas origens. As palavras da linguagem (na reflexão linguística) passam a ser objetos que ocultam as coordenações comportamentais que as constituem operacionalmente no domínio linguístico. Dai que tenhamos tantos e renovados “pontos cegos” cognitivos, que não vejamos que não vemos, que não percebamos, que ignoramos. Só quando alguma interação nos tira do óbvio - por exemplo, ao sermos bruscamente transportados a um meio cultural diferente - e nos permitimos refletir, é que nos damos conta da imensa quantidade de relações que tomamos como garantidas.

A bagagem de regularidades próprias ao acoplamento de um grupo social e sua tradição biológica e cultural. A tradição é uma maneira de ver e atuar, mas também um modo de ocultar. Toda tradição se baseia no que uma história estrutural acumulou como óbvio, como regular, como estável, e a reflexão que permite ver o óbvio opera somente com aquilo que perturba essa regularidade.

Tudo o que temos em comum como seres humanos é uma tradição biológica que começou com a origem da vida e que se estende até hoje, nas variadas histórias dos seres humanos deste planeta. É devido a nossa herança biológica comum que temos os fundamentos de um mundo comum e não estranhamos que, para todos os seres humanos, o céu seja azul e o sol raie a cada manhã. De nossas heranças linguísticas diferentes surgem todas as diferenças de mundos culturais que podemos viver como seres humanos e que, dentro dos limites biológicos, podem ser tão diversas como se queira.

Todo conhecer humano pertence a um desses mundos, e é sempre vivido dentro de uma tradição cultural. A explicação dos fenômenos cognitivos que apresentamos neste livro se situa dentro da tradição da ciência e se valida por critérios científicos. No entanto, é uma explicação singular dentro dessa tradição ao mostrar como, ao tentar conhecer o conhecer, acabamos por nos encontrar com nosso próprio ser. O conhecer do conhecer não se ergue como uma árvore com um ponto de partida sólido, que cresce gradualmente até esgotar tudo o que há para conhecer.

O conhecimento do conhecimento compromete

Diz o texto bíblico que, quando Adão e Eva comeram do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, foram transformados em seres diferentes e nunca mais voltaram à antiga inocência. Antes, seu conhecimento do mundo se expressava em sua nudez. Viviam nessa nudez, na inocência do mero saber. Depois, quando souberam que estavam nus, souberam que sabiam.

Ao longo deste livro, percorremos a “árvore do conhecimento”, vendo-a como o estudo cientifico dos processos que subjazem ao conhecimento. E, se seguimos seus argumentos e internalizamos suas consequências, percebemos também que são inescapáveis. O conhecimento do conhecimento compromete. Compromete-nos a tomar uma atitude de permanente vigilância contra a tentação da certeza, a reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade, como se o mundo que cada um de nós vê fosse o mundo, e não um mundo, que produzimos com outros. Compromete-nos porque, ao saber que sabemos, não podemos negar o que sabemos.

É por isso que tudo o que dissemos aqui, esse saber que sabemos, conduz a uma ética inescapável, que não podemos desprezar. Uma ética que emerge da consciência da estrutura biológica e social dos seres humanos, que brota da reflexão humana e a coloca no centro como fenômeno social constitutivo. Equivale a buscar as circunstâncias que permitem tomar consciência da situação em que estamos - qualquer que seja - e olhá-la de uma perspectiva mais abrangente e distanciada. Se sabemos que nosso mundo é sempre o mundo que construímos com outros, toda vez que nos encontrarmos em contradição ou oposição a outro ser humano com quem desejamos conviver, nossa atitude não poderá ser a de reafirmar o que vemos do nosso próprio ponto de vista, e sim a de considerar que nosso ponto de vista é resultado de um acoplamento estrutural dentro de um domínio experiencial tão válido como o de nosso oponente, ainda que o dele nos pareça menos desejável. Caberá, portanto, buscar uma perspectiva mais abrangente, de um domínio experiencial em que o outro também tenha lugar e no qual possamos, com ele, construir um mundo. O que a biologia está mostrando, se o que dissemos neste livro está correto, é que a unicidade do ser humano, seu patrimônio exclusivo, encontra-se nessa percepção de um acoplamento sócio-estrutural em que a linguagem tem um papel duplo: por um lado, o de gerar as regularidades próprias do acoplamento estrutural social humano, que inclui, entre outros fenômenos, a identidade pessoal de cada um de nós; por outro, o de constituir a dinâmica recursiva do acoplamento sócio-estrutural. Esse acoplamento produz a reflexividade que permite o ato de mirar a partir de uma perspectiva mais abrangente, o ato de sair do que até este momento era invisível ou intransponível para ver que, como seres humanos, só temos o mundo que criamos com outros. A esse ato de ampliar nosso domínio cognitivo reflexivo, que sempre implica uma experiência nova, só podemos chegar pelo raciocínio motivado pelo encontro com o outro, pela possibilidade de olhar o outro como um igual, num ato que habitualmente chamamos de amor - ou, se não quisermos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro ao nosso lado na convivência. Esse é o fundamento biológico do fenômeno social: sem amor, sem a aceitação do outro ao nosso lado, não há socialização, e sem socialização não ha humanidade. Tudo o que limite a aceitação do outro - seja a competição, a posse da verdade ou a certeza ideológica - destrói ou restringe a ocorrência do fenômeno social e, portanto, também o humano, porque destrói o processo biológico que o gera. Não se trata de moralizar - não estamos pregando o amor, mas apenas destacando o fato de que biologicamente, sem amor, sem a aceitação do outro, não ha fenômeno social. Se ainda se convive assim, é hipocritamente, na indiferença ou ativa negação.

Ética

Todo ato humano ocorre na linguagem. Todo ato na linguagem produz o mundo que se cria com outros no ato de convivência que dá origem ao humano: por isso, todo ato humano tem sentido ético. Esse vínculo do humano com o humano é, em última análise, o fundamento de toda ética como reflexão sobre a legitimidade da presença do outro.

Não prestar atenção no fato de que todo conhecer e fazer, não ver a identidade entre ação e conhecimento, não ver que todo ato humano, ao construir o mundo pelo linguajar, tem um caráter ético porque se dá no domínio social, equivale a não se permitir ver que as maçãs despencam ao chão. Agir assim, sabendo que sabemos, seria um auto-engano e uma negação intencional. Para nós, portanto, este livro tem não apenas o propósito de ser uma pesquisa científica, mas também o de nos oferecer uma compreensão do ser humano na dinâmica social e nos libertar de uma cegueira fundamental: a de não nos darmos conta de que só temos o mundo que criamos com o outro, e que só o amor nos permite criar esse mundo em comum. Se conseguimos seduzir o leitor a fazer essa reflexão, o livro cumpriu seu segundo objetivo.

Afirmamos que no cerne das dificuldades do homem moderno está seu desconhecimento do conhecer.

Não é o conhecimento, mas o conhecimento do conhecimento o que nos compromete. Não é saber que a bomba mata, e sim o que queremos fazer com a bomba que determina se a usaremos ou não. Isso geralmente se ignora ou se finge desconhecer para evitar a responsabilidade que nos cabe em todos os nossos atos cotidianos, já que todos os nossos atos, sem exceção, contribuem para formar o mundo em que existimos e que legitimamos precisamente por meio desses atos, num processo que configura nosso vir-a-ser. Cegos diante da transcendência de nossos atos, fingimos que o mundo tem um vir-a-ser independente de nós, justificando assim nossa irresponsabilidade e confundindo a imagem que buscamos projetar, o papel que representamos, com o ser que verdadeiramente construímos em nosso viver diário.

Chegamos ao final. Que o leitor não busque aqui receitas para seu fazer concreto. A intenção deste livro foi convidá-lo a uma reflexão que o leve a conhecer seu conhecer. A responsabilidade de fazer de tal conhecimento a substância de sua ação está em suas mãos.

Era uma vez uma ilha que ficava em algum lugar, cujos habitantes desejavam intensamente ir para outra região e fundar um mundo mais saudável e digno. O problema, todavia, era que a arte e a ciência de natação e da navegação nunca haviam sido desenvolvidas, ou talvez tivessem sido esquecidas. Por isso, havia habitantes que nem sequer pensavam em alternativas à vida na ilha, enquanto outros procuravam encontrar soluções para seus problemas, sem contudo pensar em cruzar as águas. De vez em quando, alguns nativos reinventavam a arte de nadar e navegar. Também de vez em quando, algum estudante ia até eles e entabulavam um diálogo mais ou menos assim:

- O que está disposto a fazer para consegui-lo?

- Nada. Só desejo levar comigo minha tonelada de repolho.

- Que repolho?

- A comida que precisarei do outro lado, ou seja lá onde for.

- Mas há outros alimentos do outro lado.

- Não sei o que está dizendo. Não estou seguro. Tenho de levar meu repolho.

- Mas não poderá nadar com uma tonelada de repolho. É muito peso.

- Então não posso aprender. Chama meu repolho de carga, mas eu o chamo de meu alimento essencial.

Suponhamos que, em vez de repolhos, digamos ideias adquiridas, ou pressuposições, ou certezas?

- Hum... Vou levar meus repolhos para alguém que entenda minhas necessidades...



[1] O documentário “Janela da Alma” [https://www.youtube.com/watch?v=QnNziTqigG0] traz uma análise da questão da visão e de suas limitações.

Alexandre Botelho

Doutorando em Direito - UFSC