Ética, Moral e Bioética


Pormarina.cordeiro- Postado em 21 março 2012

Autores: 
COSTA, Denise Silva
GAMA, Janaína Diniz da
SOUZA, Lourdes Cacilda Alves de
ALMEIDA, Ricardo Monteiro de
DINIZ, Ricardo Tadeu Bacelar
SOUZA, Rodrigo Costa de

 


A felicidade consiste em conhecer seus limites e amá-los. 

(Romain Rolland)



 

 


SINOPSE

 

O presente trabalho procura abordar os vocábulos ética e moral sob um enfoque filosófico e um tanto prático, onde procura-se delinear as suas diferenças e similitudes. Delineou-se, também, uma abordagem sobre o tema "bioética".

Tem-se a Ética como a ciência da conduta. Entretanto, enfaticamente, não determina o modo de agir; este, faz parte do campo Moral. Embora o objeto de estudo seja o mesmo, e freqüentemente os termos sejam confundidos, o enfoque dado é diferente: o campo ético é o teórico e campo moral é o prático.

Ponto específico e tema relativamente novo, a Bioética, muito mais do que uma "ética da vida", conduz à reconsideração sobre o complexo das relações do ser humano com a vida, sob nova perspectiva. Seus princípios estão presente no campo ético da saúde. 



 


 

 


INTRODUÇÃO 

 

A sociedade moderna assiste a um progresso tecnológico jamais imaginado, que ultrapassa as previsões dos mais perspicazes futurólogos. O extraordinário progresso técnico-científico, principalmente na área médico-biológica, e o avanço econômico-social, não são suficientes para deter no homem contemporâneo uma certa angústia, que o afasta de si, do outro e da auto-realização.

Deve-se isto à massificação da informação, através dos meios de comunicação e da informática, que por sua vez traz como corolário, uma "desagregação de certos valores que de alguma forma vinham conduzindo a maioria das pessoas e grupos humanos nos seus posicionamentos morais básicos."(1)

 

Esta crise, em fins do século XX, é o reflexo da conturbação moral, em que homem adota uma posição relativista em torno da vida; os juízos de valores e as normas éticas são consideradas meramente uma questão de preferência de cada um, sem qualquer validade objetiva.

É objeto deste trabalho realizar a distinção entre os vocábulos Ética e Moral; autores há que usam os termos indistintamente, enquanto que para outros, considera-se Moral como tradução latina de Ética. Percebe-se que historicamente há diferenças; procuramos, deste modo, analisar a diferença que existe entre os temas.

Pretende-se neste estudo, além de se buscar a distinção dos termos Ética e Moral, fazendo breve análise, também, da Bioética, tema novo que abarca as ciências médicas e biológicas;

Hodiernamente, a crise dos valores chega a ameaçar a vida, a integridade e a dignidade do ente humano, questionando até que ponto é vantajoso os benefícios da tecnologia e do desenvolvimento. Deste modo, toda contribuição ética é bem vinda, uma vez que as discussões que envolvem os problemas éticos passam, necessariamente, pelas vias acadêmicas. 



 


 

 


DA ÉTICA E DA MORAL 

 

Muitos sabem, ou pelos menos intuem o que seja Ética; todavia, explicá-la é tarefa difícil. Além do mais, tentar defini-la seria nos privar de toda a amplitude de seu significado que pode ainda advir, fruto do desenvolvimento do pensamento humano.

Etimologicamente, o termo ética deriva do grego ethos que significa modo de ser, caráter. Designa a reflexão filosófica sobre a moralidade, isto é, sobre as regras e os códigos morais que norteiam a conduta humana. Sua finalidade é esclarecer e sistematizar as bases do fato moral e determinar as diretrizes e os princípios abstratos da moral. Neste caso, a ética é uma criação consciente e reflexiva de um filósofo sobre a moralidade, que é, por sua vez, criação espontânea e inconsciente de um grupo.

Pode ser entendida como uma reflexão sobre os costumes ou sobre as ações humanas em suas diversas manifestações, nas mais diversas áreas. Também, pode ser ela tida como a existência pautada nos costumes considerados corretos, ou seja, aquele que se adequar aos padrões vigentes de comportamento numa classe social, de determinada sociedade e que caso não seja seguido, é passível de coação ao cumprimento por meio de punição. Em suma, temos a ética como estudo das ações e dos costumes humanos ou a análise da própria vida considerada virtuosa.

Pode ser considerada ainda como a parte da filosofia que tem como objeto o dever-ser no domínio da ação humana. Distingue-se da ontologia cujo objeto é o ser das coisas. Propõe-se, portanto, a desvendar não aquilo que o homem de fato é, mas aquilo que ele "deve fazer" de sua vida. Seu campo é o do juízo de valor e não o do juízo de realidade, ou da existência. Estuda as normas e regras de conduta estabelecidas pelo homem em sociedade, procurando identificar sua natureza, origem, fundamentação racional. Em alguns casos, conclui por formular um conjunto de normas a serem seguidas; em outros, limita-se a refletir sobre os problemas implícitos nas normas que de fato foram estabelecidas.

As noções decorrentes de ações advindas de uma ou mais opções entre o bom e o mau, ou entre o bem e o mal, relacionam-se com algo a mais: o desejo que todos têm de serem felizes, afastando a angústia, a dor; daí, ficamos satisfeitos conosco mesmos e recebendo a aceitação geral.

Para que exista a conduta ética, é necessário que o agente seja consciente, quer dizer, que possua capacidade de discernir entre o bem e o mal (cabe observar agora que agir eticamente é ter condutas de acordo com o bem. Todavia, definir o conteúdo desse bem é problema à parte, pois é uma concepção que se transforma pelos tempos). A consciência moral possui a capacidade de discernir entre um e outro e avaliar, julgando o valor das condutas e agir conforme os padrões morais. Por isso, é responsável pelas suas ações e emoções, tornando-se responsável também pelas suas conseqüências.

Os valores podem se entendidos como padrões sociais ou princípios aceitos e mantidos por pessoas, pela sociedade, dentre outros. Assim, cada um adquire uma percepção individual do que lhe é de valor; possuem pesos diferenciados, de modo que, quando comparados, se tornam mais ou menos valiosos. Tornam-se, sob determinado enfoque, subjetivos, uma vez que dependerão do modo de existência de cada pessoa, de suas convicções filosóficas, experiências vividas ou até, de crenças religiosas. Do que foi dito, as pessoas, a sociedade, as classes, cada qual têm seus valores, que devem ser considerados em qualquer situação.

A consciência se manifesta na capacidade de decidir diante de possibilidades variadas, decorrentes de alguma ação que será realizada. No processo de escolha das condutas, avalia-se os meios em relação aos fins, pesa-se o que será necessário para realizá-las, quais ações a fazer, e que conseqüências esperar.

Assim, para poder deliberar, realizar constantemente as escolhas, é condição básica a liberdade. Para isso, não se pode estar alienado, ou seja, destituído de si, privado por outros, preso aos instintos e às paixões.



 


 

 


ÉTICA E MORAL: SIMILITUDES E DIFERENÇAS

 

A coexistência é uma imposição a que todos as pessoas são submetidas. Todavia, a convivência é uma necessidade, esta como conseqüência daquela. É a necessidade de convivência que faz surgir a Moral, aquela reunião de regras que são destinadas a orientar o relacionamento dos indivíduos numa certa comunidade social.

Freqüentemente, os termos "ética" e "moral" são empregados como sinônimos, mas entendemos que se reserva a este último apenas o próprio fato moral, enquanto o primeiro designa a reflexão filosófica sobre o mesmo.

Etimologicamente, Moral, do latim mos, mores significa costume, conjuntos de normas adquiridas pelo homem. "Moral é a moral prática, é a pratica moral. É moral vivida, são os problemas morais. É a moral reflexa. Os problemas morais, simplesmente morais são restritos, nunca se referindo a generalidade. O problema moral corresponde a singularidade do caso daquela situação, é sempre um problema prático-moral. Os problemas éticos são caracterizados pelas generalidades, são problemas teórico-éticos"(2).

Assim, conforme se depreende do que foi dito acima, quando se indaga o que é correto, definir o que é bom, sendo a indagação de caráter amplo e geral, o problema é teórico, ou seja, simplesmente ético. Temos a moral como ação; a ética é a norma, já que ela não cria a moral, sendo, antes, uma abordagem científica da moral. É a ciência do comportamento moral dos homens na sociedade, ou melhor, um enfoque do comportamento humano cientificamente.

Sendo moral o que é vivido, é, então, o que acontece. Já a ética, é o que deve ser ou, pelo menos, o que deveria ser (conforme já salientamos, o objeto é o dever-ser). A ética estuda, aconselha, e até ordena. A moral é como expressão da coexistência. Tanto a ética como a moral relacionam-se a valores e a decisões que levam a ações com conseqüências para nós e para os outros. Podem os valores variarem, todavia todos relacionam-se com um valor de conteúdo mais importante, estando até mesmo, subentendido nos outros: o valor do bom ou o valor do bem.

No mesmo sentido, a Moral pode ser conceituada como "o conjunto de regras de conduta consideradas válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada. Esse conjunto de normas, aceito livre e conscientemente, regula o comportamento individual e social das pessoas"(3). Deste modo, tem-se como moral o conjunto de costumes, normas e regras de conduta estabelecidas em uma sociedade e cuja obediência é imposta a seus membros, variando de cultura para cultura e se modifica com o tempo, no âmbito de uma mesma sociedade.

Os dois vocábulos se referem a qualidades humanas: o modo de ser ou o caráter de cada um, em que se baseiam os costumes ou as normas adquiridas, o que vai pautar o comportamento moral do homem. Podemos dizer que a Ética analisa as regras e os princípios morais que são destinados a orientar a ação humana; tem em si uma estrutura capaz de analisar diferentes opções para se ter referência sobre o que é ou não correto em determinado momento.

O desrespeito a alguma das regras morais pode provocar uma tácita ou manifesta atitude de desaprovação. Apesar de haver em cada indivíduo uma reação instintiva contra regras e obediências a qualquer autoridade, até hoje nenhum grupo ou comunidade pode existir sem normas constrangedoras da moral.

Se, por uma parte, elas molestam o indivíduo, por outra, preservam e salvam a sociedade em que ele vive. Agem como um mecanismo de autodefesa e preservação do grupo. Como os indivíduos só podem viver em função da comunidade, ficam assim compensados do sacrifício pessoal que fazem.

A Ética, como a Moralidade, não se situa no campo puramente apreciativo dos valores. A sociedade cria determinados valores e as ações humanas começam desde logo a se cristalizar em regras que se orientam pela obtenção e realização dos mesmos. Hodiernamente, a Ética se detém, sobretudo, na pesquisa e no estudo dos valores morais. Estes, determinam o impulso moral e impelem à ação dos indivíduos. Somente aquelas atitudes e coisas que levam ao próprio aperfeiçoamento e ao bem comum do grupo é que possuem valor moral. Todas as vezes que o homem encontra um dilema, são o valores pró ou contra que vão determinar a sua escolha.



 


 

 


DA BIOÉTICA

 

O interesse pelos temas relativos à moral, e por conseguinte, à ética, existem há séculos, tendo sua origem no mundo grego antigo. Entretanto, o termo bioética, também denominado ética biomédica, juntamente com a disciplina que o designa, são novos.

Ocupa-se a ética biomédica com aqueles temas morais que se originam na prática da medicina ou na atividade de pesquisa biomédica. Surgiu a partir de um movimento que tem por finalidade a conciliação da medicina com os interesses éticos e, ao mesmo tempo, humanísticos. Os homens que fazem parte deste movimento tentam, com uma visão crítica, examinar os princípios gerais éticos e o modo como estes princípios se aplicarão à ciência contemporânea e à prática da medicina.

Estas pessoas, com formação nas áreas de medicina, filosofia, sociologia, teologia, dentre outras, ao abordarem estes aspectos, realizam, outrossim, uma recuperação de valores do passado que, por diversos motivos, haviam sido negligenciados.

A bioética propicia o entendimento das relações do homem com a vida sob outro enfoque: é responsável pelas escolhas boas ou más, o que é justamente o ponto de vista ético. Assim, surgem palavras essenciais que, conforme visto, foi objeto de reflexo ética da humanidade: "bem", "mal", "justo", "injusto". Foi criado pelo oncologista e biólogo americano Van Rensselaer Potter.

Conforme Mário López, "segundo a Encyclopedia of Bioethicus, bioética é o estudo sistemático da conduta humana nas áreas das ciências da vida e dos cuidados da saúde, à medida que tal conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais"(4). A bioética está assentada em três princípios:

 


BENEFICÊNCIA

 

Caracteriza-se pela obrigação da promoção do bem-estar dos outros. É essencial levar em conta os desejos, necessidades e os direitos de outrem. Assim, devem ser atendidos os interesses do paciente e devem ser evitados danos, pois qualquer tentativa de se fazer um bem alguém, envolverá o risco em prejudicá-lo.

 


AUTONOMIA

 

O médico, deve respeitar a vontade, a crença e os valores morais do paciente. Conforme salientamos em Kant, as pessoas nunca devem ser tratadas como meios para fins de outras pessoas. Devem os homens ter direito às suas autonomias. Deve-se deixar claro que o direito à autonomia é limitado quando entra em conflito com o direito de outras pessoas, inclusive o do próprio médico. O que pontuará a conduta são os valores morais.

 


JUSTIÇA

 

Nos dias em que se passam a bioética, apresenta-se como algo a procura de uma conduta responsável da parte de quem deve decidir o tipo de tratamento e de pesquisas com relação à humanidade. Como conhecimento novo, a contribuição da bioética deve caminhar para respostas equilibradas ante os conflitos atuais e os do próximo século. Conflitos estes, relativos aos pacientes, médicos e profissionais afetos na assistência, que estão sendo debatidos na atualidade são tratados pela bioética: transplantes, engenharia genética, reprodução humana assistida com embriões, início e fim da vida, dentre outros temas.



 


 

 


CONCLUSÃO

 

A reflexão ética contemporânea encontra-se num franco processo de revisão, única solução possível para uma sociedade que se vê confrontada com descobertas e as possibilidades atuais de intervenções até então nunca pensadas, em conseqüência da tecnociência, como as abertas pela genética molecular, e discussões ético-jurídicas (aborto, eutanásia, reprodução humana), dentre outras.

O homem é a soma de dois determinismos que se reúnem: o determinismo biológico e o determinismo social. O comportamento, em determinados casos, é ensinado e utilizado como exemplo, como cultura que se apodera de cada um de nós, de maneira insensível, mas que, entretanto, determina a nossa conduta.

A ética, através das normas de conduta, norteia qual o caminho a ser seguido. O homem é livre; diante de uma situação concreta é obrigado a escolher entre dois caminhos. Nesta escolha, surge a ética surge como limitação da liberdade de cada um, em face da liberdade do outro. Uma vez aceita a escolha, nasce a responsabilidade, que é elemento moral de qualquer conduta.

Ao longo da história o parâmetro da discussão ética sempre passou pela questão da busca pelo Bem. Entretanto, nos dias em que se passam, se pergunta: o que é que hoje serve ou não ao "bem" da humanidade? Ampliando o debate, a quem é dado definir, para todos nós, o que o avanço tecnológico nos trará de bom? Qual opção que temos?

Os juristas, os cientistas, os filósofos devem dar a sua contribuição para a busca da justiça, da vida, da liberdade, para que possamos, eticamente, formar nossas consciências e as consciências das pessoas que participarão do debate que ora se forma. É necessário que a humanidade reflita sobre o princípio da responsabilidade científica e social e que a racionalidade ética caminhe a passos largos, disputando palmo a palmo, um espaço junto ao progresso científico e tecnológico. 



 


 

 


NOTAS

 

(1) Volnei GARRAFA, A dimensão da ética em saúde pública, pág. 5.

(2) Júlio Arantes Sanderson de QUEIRÓZ In: Alcino Lázaro SILVA, Temas de Ética Médica, pág. 23.

(3) Mário LÓPEZ, Fundamentos da Clínica Médica: a relação paciente-médico, pág. 215.

(4) Mário LÓPEZ, Fundamentos da Clínica Médica: a relação paciente-médico, pág. 218.



 


 

 


BIBLIOGRAFIA

 

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 1994.

GARRAFA, Volnei. A dimensão da ética em saúde pública. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública/USP, 1995.

LÓPEZ, Mário. Fundamentos da Clínica Médica; a relação paciente-médico. Rio de Janeiro: Medsin Editora Médica e Científica, 1997.

NOVAES, Adauto. (org). Ética. São Paulo: Cia das Letras, 1992.

PEREIRA, Araci Carmem. O ethos da enfermagem; aspectos fenomenológicos para uma fundamentação da deontologia da enfermagem. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 1981. (Dissertação, mestrado em filosofia).

SAMICO, Armando H. R., MENEZES, José Dilson V. de, SILVA, Moacir da. Aspectos éticos e legais do exercício da odontologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Odontologia, 1994.

SILVA, Alcino Lázaro. Temas de ética médica. Belo Horizonte: Cooperativa Editora de Cultura Médica, 1982.

VALLS, Álvaro L. M. O que é Ética. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. (Coleção Primeiros Passos).