ACÓRDÃO EM OPOSIÇÃO À LEI


PorEulampio- Postado em 24 agosto 2017

Autores: 
EULÂMPIO RODRIGUES FILHO

Acórdão em oposição à Lei

 

 

Eulâmpio Rodrigues Filho

Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia

Doutor em Direito pela UMSA de Buenos Aires

Pós-Doutor em Direito, Universidade de Messina - Itália

Professor de Direito Processual Civil pela Universidade de Ribeirão Preto

Curso de Direito Civil na Universidade de Coimbra

Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Advogado

 

 

 

Não padece dúvida de que o processo aqui em referência é nulo, atingindo as raias da inexistência.

 

De fato, trata-se de ação civil pública para regularização ambiental, que teve sua proposição pelo representante do Ministério Público e andamento pelo rito sumário do CPC de 1973, em que foi relegada a citação da pretensa requerida.

 

Em primeiro plano vê-se que a ação teve sustentação num «inquérito» «civil» e «policial» presidido pelo DD. Promotor de Justiça, contra S. A. R., que não é sequer procurador da ré, procedimento que foi instruído de fls. até fls.

 

A fls., o DD. Promotor de Justiça fez uso desse inquérito relativo a terceira pessoa e que não é proprietária do imóvel em evidência, para ajuizar ação civil pública, afirmando que o referido indiciado S. não pagou multas.

 

A partir de fls., sem qualquer justificativa ou formalidade, começaram surgir autos já em nome da proprietária do imóvel.

 

A fls. foi designada a audiência de conciliação para o dia ..., às ...h., na Central de Conciliação.

 

A fls. certificou o meirinho que deixou de citar e de intimar a requerida em razão de a mesma não residir no endereço indicado pelo autor.

 

Realizada audiência, em que o autor requereu designação de nova data, no que foi atendido, realçando-se que a citação e intimação da proprietária, ocorridas posteriormente, se deram em 2 de setembro de 2011, «ut» se vê de fls. ..., a juntada do mandado cumprido em ..., ou seja, 3 (três) dias antes da audiência (fls. ...), em um processo no qual em razão do «tumulto» que o MP provocou mediante reprodução de cópias de trabalhos imensos, já gravados, nada mais, nada menos que 6 (seis) magistrados o presidiram e ninguém conseguiu detetar as nulidades.

 

A fls., a ré ingressou nos autos com petição feita com base no art. 267, § 3º do CPC/73, alegando a nulidade, que o Mmo. Juiz entendeu como Contestação normal, a despeito de tratar-se de audiência designada para comparecimento em 3 (três) dias, não obstante ser sumaríssimo o procedimento.

 

Diante disso tocou o processo até julgamento com aplicação de multas, sem atentar para o fato de que não houvera citação da ré na forma legal.

 

Aliás, para considerar desprezível tal nulidade absoluta, irrecusável, reprovável, irremissível por todo o sistema legal processual da época (2011), o Código de Processo Civil de 1973 era claríssimo ao fixar sua normalidade funcional no seu art. 214, § 2º, e ao fixar a antecedência mínima da citação, para que fosse realmente válida (CPC, art. 275 «caput»)

 

Manifestada apelação a tempo, veio julgamento pelo Egr. Tribunal.

 

 

Avaliação do acórdão proferido

 

Ao apreciar a apelação em que a ré foi veemente ao levantar a tese da nulidade em razão da citação feita na antevéspera da audiência em processo sumario, o Egr. Tribunal de Minas Gerais, fugindo aos seus costumes, e causando tremenda surpresa, talvez decorrente mais de influências ideológicas repeliu a fundamentação trazida pela ré, levantando razões inconcessas, como a de que, diante de nulidade absoluta, assim, inconvalescível, pode-se reconhecer existência ou não de «prejuízo» para decretar ou não a nulidade.

 

De fato, a decisão apropositada veio de tal modo condescendente, transigente, permissiva, que em verdade causou surpresa, sobretudo por advir da casa de Lopes da Costa, de Ronaldo Cunha Campos, deHumberto Theodoro, Ernane Fidelis, e de outros de igual nomeada.

 

Realmente, a decisão via da qual foi rechaçada a preliminar relativa à inescondível nulidade da citação da ré veio assim explanada no douto Acórdão, que, aliás foi relatado pelo Des. Renato Dresch, e que basicamente sustenta o seguinte:

 

«Da nulidade do processo pela inobservância do prazo para citação

«O prazo previsto no art. 277 do Código de Processo Civil se refere à antecedência necessária para o comparecimento das partes em audiência, nestes termos:

«Art. 277. O juiz designará a audiência de conciliação a ser realizada no prazo de trinta dias, citando-se o réu com a antecedência mínima de dez dias e sob advertência prevista no § 2º deste artigo, determinando o comparecimento das partes. Sendo ré a Fazenda Pública, os prazos contar-se-ão em dobro.

«A consequência pelo descumprimento deste prazo será a nulidade dos atos praticados em audiência, desde que resultem em prejuízo para a parte.

«Como dito anteriormente, a apelante foi citada em 02/09/2011, conforme mandado de fls. 103/104 e certidão de juntada de fl. 102v., momento em que foi intimada para a audiência de conciliação designada para o dia 05/09/2011.

«Seu procurador compareceu à audiência e, embora não possuísse poderes para transacionar, foi tentada a conciliação, que restou infrutífera. O advogado da apelante requereu a juntada de procuração e lhe foi concedido prazo para contestar.

«Verifica-se, assim, que o procurador da apelante compareceu à audiência e a ela não foram aplicados os efeitos da revelia («sic»), o que afasta a existência de nulidade em razão do não atendimento ao prazo do art. 277 do CPC/73.

«Embora constitua irregularidade, não acarreta nulidade do processo. Aliás, a conciliação pode ocorrer a qualquer tempo e dentro do princípio da instrumentalidade das formas, ausente o prejuízo para a parte («sic»), não há se falar em nulidade.

«A inobservância do prazo de citação antecedente à audiência de conciliação, por si só, não implica em nulidade do ato, mostrando-se necessária a comprovação de prejuízo para as partes em razão da inobservância do prazo.

«Pelo princípio da instrumentalidade das formas deve-se buscar o aproveitamento do ato processual cujo defeito formal não impede que seja atingida a sua finalidade ou não implique em prejuízo para as partes.

 

«É o que se extrai da doutrina de Cassio Scarpinella Bueno:

«Desde que a finalidade do ato seja alcançada, contudo, mesmo sem a observância irrestrita, completa, perfeita e acabada da forma, e desde que isto não acarrete qualquer prejuízo para as partes e seus direitos processuais e para o próprio processo, não há razão para declarar o defeito do ato processual, sua nulidade, entendida a palavra em sentido amplo, qual seja, como sinônimo de desconformidade ao direito, quer tal desconformidade se localize no plano da existência ou no plano da validade. É a admissão de que o magistrado do caso concreto pode, forte na realização do ‘modelo constitucional do processo civil’, completar a tarefa do legislador, indo além do que a letra da lei dispõe, com vistas ao atingimento maior do exercício da função jurisdicional, que é a prestação da tutela jurisdicional. (Cassio Scarpinella Bueno. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil, vol. 1, 8. ed. Saraiva, 2013. Vital Book file. p. 409).

«Deixando a apelante de indicar a existência de prejuízo decorrente do não cumprimento do prazo para a audiência previsto no art. 277 do CPC/73, não há razões para a anulação do feito.

«Rejeitotambém esta preliminar de nulidade.»

 

O invocado Dr. Cássio Scarpinella Bueno, Livre Docente, ilustre professor em São Paulo, e autor de obras sobre Processo Civil bastante prestigiadas, não se revelou ainda como guia seguro para conhecimento de Direito Constitucional ou de Hermenêutica ao ponto de um julgamento de elevado grau aceitar sua corajosa opinião em que aconselha:

 

«Desde que a finalidade do ato seja alcançada, contudo, mesmo sem a observância irrestrita, completa, perfeita e acabada da forma, e desde que isto não acarrete qualquer prejuízo para as partes e seus direitos processuais e para o próprio processo, não há razão para declarar o defeito do ato processual, sua nulidade, entendida a palavra em sentido amplo, qual seja, como sinônimo de desconformidade ao direito, quer tal desconformidade se localize no plano da existência ou no plano da validade. É a admissão de que o magistrado do caso concreto pode, forte na realização do ‘modelo constitucional do processo civil’, completar a tarefa do legislador, indo além do que a letra da lei dispõe, com vistas ao atingimento maior do exercício da função jurisdicional, que é a prestação da tutela jurisdicional.»

 

Todavia, em obra pertinente ao tema, e suficientemente autorizada pela envergadura dos seus autores: Paula Batista e Barão de Ramalho, apresentada pelo gênio de Alfredo Buzaid e de Lobo da Costa, S. Paulo, Saraiva, 1984, págs. 56 e segs.,

 

«... não há usos revogatórios da leis

«§ 55. Do que ficou dito conclui-se que o uso pode interpretar as leis, e supri-las em suas omissões, mas não revogá-las. Acima da vontade do legislador, nenhuma outra existe; conhecer bem essa vontade para cientemente obedecê-la é que é tudo.»

 

Respeitantemente ao tema, o ilustre cientista e filósofo mineiro, Prof. Alípio Silveira, invocando respeitável lição festejada à sua época, lembra:

 

«Em termos gerais – observa Carvalho Santos – são todos acordes em que, quando a interpretação literal da lei conduz a absurdas e nocivas conseqüências, ou contrariam manifestamente e sua finalidade, a sua razão de ser, deve o texto ser interpretado de acordo com aquela finalidade, com o seu espírito, desatendendo-se ou modificando-se tanto quanto necessário, a estrita letra da lei (Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. I, 7ª ed., pg. 86).» (Alípio Silveira, Hermenêutica no Direito Brasileiro, S. Paulo, RT, 1968, vol. I, pág. 24.

 

A seu turno, outro hermeneuta mineiro igualmente esplêndido, Prof. Carlos Campos, «in» Hermenêutica Tradicional e Direito Científico, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1970, pág. 29, expressa:

 

«Na interpretação extensiva, segundo toda a aparência, não há uma ficção menor. Embora o raciocínio parta de um elemento formal existente, que contém realmente o pensamento legislativo, este pensamento só verdadeiramente existe para a relação prevista e nos limites em que esta relação é prevista. Modificar, por extensão, esse elemento, sob pretexto de que, em virtude de uma razão maior, o legislador assim o teria querido, é ainda ficção, como na interpretação restritiva, que consiste em imputar ao legislador aquilo de que não cogitou, pelo menos, que só previu em sentido quantitativamente diferente.»

 

Embora discorde-se da decisão tribunalícia, evidente que não há pretensão de inculcar prática de erro crasso pelo Egr. Tribunal de Minas ou pela douta Câmara Julgadora, que expuseram razões de decidir a propósito com esteio em lição do Dr. Scarpinella Bueno, que em verdade teria praticado uma curiosidade jurídica de ensinar que:

 

«É a admissão de que o magistrado do caso concreto pode, forte na realização do modelo constitucional do processo civil, completar a tarefa do legislador, indo além do que a letra da lei dispõe, com vistas ao atingimento maior do exercício da função jurisdicional, que é a prestação da tutela jurisdicional.»

 

Ora, como admitir o texto do art. 277 do CPC/73 como vetor de absurdidades e de nocivas conseqüências, se tal dispositivo, sem criar confusão apenasmente regula a forma de citação para os termos da ação sumária então adotada no caso?

 

Aliás o Acórdão não indica qualquer eiva no texto legal, vez que apenas decreta mediante arbítrio, que a dispensa de forma legal à citação; a desobediência à lei pelo Tribunal, no caso, não acarreta prejuízo algum à ré, sem mesmo consultá-la sobre semelhante imposição de constrangimento diante de uma nulidade plena.

 

Daí por que lembra-se da severa observação feita pelo também jurista mineiro, Lúcio Delfino, Pós-Doutor na Unisinos, Rio Grande do Sul, «in» A paradoxal decisão por equidade no Estado Democrático de Direito: Apontamentos sobre o Relatório Paulo Teixeira, web:

 

«A interpretação jurídica, afinal, não é um vale-tudo, que permita ao intérprete torcer o sentido das palavras e frases para atingir respostas exegéticas que lhe soem mais aprazíveis.»

 

Contra o sentido da tese despropositada sugerida pelo Prof. Scarpinella Bueno até o Egr. STJ se insurge:

 

«RECURSO ESPECIAL Nº 1.456.632 - MG (2014⁄0127080-6)

«Relatora: Ministra Nancy Andrighi (...)

«4. A exclusividade da querela nullitatis para a declaração de nulidade de decisão proferida sem regular citação das partes, representa solução extremamente marcada pelo formalismo processual. Precedentes.

«5. A desconstituição do acórdão rescindendo pode ocorrer tanto nos autos de ação rescisória ajuizada com fundamento no art. 485, V, do CPC⁄73 quanto nos autos de ação anulatória, declaratória ou de qualquer outro remédio processual.

«6. Recurso especial conhecido e provido. (...)

«(Brasília (DF), 07 de Fevereiro de 2017 (Data do Julgamento).»