Acesso à Justiça e as vias alternativas para solução de controvérsias: mediação, conciliação e arbitragem


Porrafael- Postado em 28 novembro 2011

Autores: 
JR., Evaldo Rosario de Oliveira

Acesso à Justiça e as vias alternativas para solução de controvérsias: mediação, conciliação e arbitragem

É preciso que haja uma maior divulgação dos meios alternativos de solução de controvérsias, para que mais pessoas possa neles confiar. Deixemos os tribunais com as causas mais complicadas.

Sumário 1. Apresentação; 2. Introdução; 3. Conceitos preliminares e Características Básicas; 3.1. Jurisdição; 3.2. Lide; 3.3. Parte processual; 4. Vias alternativas de Solução de Controvérsias; 4.1. Mediação; 4.2. Conciliação; 4.3. Arbitragem; 4.3.1. A “inconstitucionalidade” da Lei de Arbitragem; 4.3.2. Arbitragem como solução de conflitos; 4.4. Outros equivalentes jurisdicionais; 4.4.1. Autotutela; 4.4.2. Autocomposição; 4.4.3. Acordos Extrajudiciais - O relevante papel da Defensoria Pública; 5. Conclusão; 6. Referências Bibliográficas; 6.1. Sítios Eletrônicos (internet)

1. Apresentação Hoje cerca de 70 milhões de processos tramitam nas Varas do Poder Judiciário[1], sendo certo que muitos deles poderiam ser evitados caso as partes fizessem uso de vias extrajudiciais para solucionarem as lides. Por ano, 1 milhão de novas peças processuais (sendo que, desses, 148 mil são novos casos) sobem ao Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.[2] Essa enxurrada de processos consome milhões de reais dos cofres públicos – dinheiro que poderia ser usado em tantas áreas sociais, mas que acaba sendo gasto em ações judiciais muitas vezes desnecessárias.[3]

No presente estudo, será realizado um apanhado geral de conceitos processuais, como “jurisdição”, “lide”, “partes” etc. Após essa leitura preliminar, será mostrado como o conceito de jurisdição pode ser modificado para o bem da população; para que a Justiça (em sentido amplo) possa realmente acontecer, sem que haja anos de espera e sem pilhas intermináveis de processos nos Cartórios dos fóruns.


2. Introdução

Segundo preleciona MAURO CAPPELLETI, nenhum aspecto de nossos sistemas jurídicos modernos é perfeito; tampouco, imune a críticas.[4] Essas, por natural, são fruto da conscientização social que, sobretudo a partir do século XX, se fez em torno da cidadania[5] e da concepção de seus vínculos com a garantia do efetivo acesso à justiça. Cada vez mais cidadãos passaram a perceber a existência e a importância dos direitos subjetivos e que, quando esses fossem ofendidos ou ameaçados, poderiam recorrer ao Poder Judiciário para terem reparação de suas perdas. As queixas logo se coletivizaram e os cidadãos se voltaram contra a baixa e insatisfatória qualidade prática dos serviços jurisdicionais.[6] Esse fato incontestável é trazido à baila por CAPPELLETTI e GARTH com o questionamento “como, a que preço e em benefício de quem esses sistemas de fato funcionam?”. Tal indagação, como os próprios mestres ensinam, é fundamental e já produz inquietação não apenas em operadores do Direito, como Magistrados, Defensores Públicos, advogados, Membros do Ministério Público e juristas, mas também em sociólogos, antropólogos, economistas, cientistas políticos, entre outros. São profissionais que “invadiram” o campo forense, muito embora devamos não resistir a eles, mas sim reagir de forma criativa.[7] Esses profissionais tentam, a partir de inúmeros estudos, entender como e por que processos judiciais demoram tanto para terminarem; por que são tão caros e, por óbvio, quem paga a conta.

Nesse cenário, tornou-se indispensável que, em resposta cívica, o Estado passasse a legitimar vias alternativas de solução de controvérsias frente à patente impossibilidade de prestar jurisdição em todos os casos que surgiam. Isto porque a sociedade aprendeu a litigar nos Tribunais e passou a fazê-lo num ritmo sempre crescente e muito superior à capacidade de vazão dos organismos jurisdicionais. Nada obstante isso, novos mandamentos legislativos conferem, a cada dia que passa, mais direitos aos jurisdicionados. O cidadão passou, em última análise, a conhecer mais seus direitos. Leis deixaram de ser meros enunciados normativos à medida que os jurisdicionados passaram a exigir do Estado providências e real aplicação da norma. Prova-se isso, por exemplo, com as incontáveis ações judiciais instruídas com base no direito do consumidor.

A partir dessa idéia introduzida por CAPPELLETTI, vê-se a necessidade indiscutível do uso das vias alternativas para que se alcance, o quanto antes, solução para as mais diversas e variadas controvérsias, vez que a demanda judicial aumenta a cada dia que passa. É sob essa ótica que se apresenta este trabalho, com o intuito, modesto, de mostrar como são importantes as vias alternativas.


3. Conceitos preliminares e Características Básicas

3.1 Jurisdição

Para que se faça uma abordagem minimamente didática acerca das vias extrajudiciais de solução de controvérsias, importante relembrar o conceito de jurisdição; afinal, controvérsias só são dirimidas, em última análise, quando um terceiro, imparcial “diz o direito” aplicável ao caso concreto.

Nos ensinamentos de FREDIE DIDIER JR, “jurisdição” é a função atribuída ao terceiro imparcial de realizar o Direito de modo imperativo e criativo, reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas concretamente deduzidas, em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível.[8] Em uma definição mais enfática, ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO explicam que “jurisdição” é uma das funções do Estado, mediante a qual este substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve.[9] Sob essa ótica, jurisdição seria, ao mesmo tempo, poder, função e atividade[10], sendo, em última análise, um monopólio do Estado.


3.2 Lide

A partir das definições dos festejados processualistas, podemos verificar que a jurisdição sempre é provocada a partir da existência de uma lide. Lide, como mui didaticamente ensina DINAMARCO, é um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.[11]


3.3 Parte processual

Então, quando um indivíduo percebe (ou pensa ter percebido) que um direito subjetivo seu foi afetado por outrem, socorre-se ao Judiciário e dá início a um longo e turbulento processo judicial. Esse indivíduo tornar-se-á parte em um processo, ou seja, será um dos sujeitos do contraditório instituído perante o juiz;[ 12] será, portanto, um interessado na relação processual.[13]

Feitas essas ressalvas técnicas, pergunta-se: Será que TODAS as causas, indistintamente, devem ser apreciadas pelo Estado-Juiz ou, em algumas hipóteses, pode-se fazer uso de vias alternativas para solucionar a lides e evitar que anos sejam perdidos com a instrução de uma ação judicial? Parecendo ser positiva essa resposta, quais seriam, então, essas vias extrajudiciais? Como elas funcionam? E mais: Seriam elas judicialmente legitimas?


4. Vias alternativas de Solução de Controvérsias

Como já bem ensinava o jurista RUY BARBOSA “a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça, qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o Direito escrito das partes, e assim as lesa no patrimônio, honra e liberdade".[14] Sob esse pensamento, os Professores MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH, ao nos apresentarem o movimento pelo acesso à Justiça em sua ‘terceira onda renovatória’, ressaltam a importância da substituição, quando possível, da Justiça contenciosa estatal por outra, que denominam de Justiça co-existencial, baseada em formas conciliatórias.[15] O processualista LEONARDO GRECO aponta que o acesso à justiça depende, em grande parte, da estruturação e do fortalecimento de várias modalidades de tutela jurisdicional diferenciada[16], a qual abarca os meios alternativos de conflitos, como a mediação, a conciliação e a arbitragem.[17]

Os maiores progressos, no Brasil, aconteceram no tocante ao direito processual civil, com a Reforma do Código de Processo Civil, com a criação dos Juizados Especiais Cíveis[18], o advento da nova lei de arbitragem, o Termo de Ajustamento de Conduta, instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, ainda, a reforma do processo trabalhista, dentre outras medidas dinamizadoras do sistema processual brasileiro. Essas iniciativas se caracterizam pela apresentação de diferentes tipos de alternativas de solução de conflitos, com sistema diferenciado, menos custo e mais rapidez.

Várias tem sido as designações que as doutrinas pátria e estrangeira vem utilizando para se referir aos modos alternativos de solução de conflitos, como por exemplo: justiça amigável, justiça convencional, consensual, concentrada, alternativa e privada. As chamadas “vias alternativas” são, nas palavras de DIDIER JR., equivalentes jurisdicionais; ou seja, são formas não-jurisdicionais de solução de conflitos. São chamados de equivalentes porque, não sendo jurisdição propriamente dita, funcionam como técnica de tutela dos direitos, sanando conflitos ou certificando situações jurídicas.[19] Entre elas, destacam-se a mediação, a conciliação. Não são, em regra, dotadas de definitividade, pois podem ser submetidas ao controle jurisdicional, uma vez que somente à jurisdição cabe dar a última palavra, qual seja, a sentença[20] judicial.[21] Seguindo as lições de DIDIER JR., em seu Curso de Direito Processual Civil, não abordaremos a arbitragem como um mero equivalente jurisdicional. O renomado processualista ressalta que a arbitragem é, na verdade, uma forma de exercício de jurisdição por autoridade não-estatal. Portanto, não é equivalente a jurisdição porque é a própria jurisdição.[22]


4.1 Mediação

O vocábulo “mediação” vem do latim mediatio – mediationis, no seu genitivo, e significa "intervenção com que se busca produzir um acordo" ou ainda "processo pacífico de acerto de conflitos, cuja solução é sugerida, não imposta às partes".[23] A mediação é uma das técnicas não-estatais de solução de lides, através da qual um terceiro se coloca entre os contendores e tenta conduzi-los à solução autocomposta.[24] Esse terceiro denomina-se mediador, o qual é um profissional qualificado que tenta com que os próprios litigantes descubram as causas do problema e tentam dirimi-las. JOÃO ROBERTO SILVA ensina que na mediação “não há imposições de sentenças ou laudos; o mediador auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e preservá-los num acordo criativo onde as duas partes ganham.”[25] Em última análise, pode-se dizer que a mediação se presta tanto às soluções dos conflitos de direito privado quanto às de Direito Público Internacional, cuja solução é proposta e não imposta pelo mediador às partes.

A mediação tem como função básica tentar encontrar um ponto de equilíbrio na controvérsia, aproximando as partes e captando os interesses que ambas têm em comum. A finalidade é objetivar uma solução que seja a mais justa possível para as mesmas. É uma tentativa de um acordo possível entre as partes, sob a supervisão e auxílio de um mediador. Uma das grandes vantagens da Mediação é que ela pode evitar um longo e desgastante processo judicial, pois a mesma se dá antes que as partes se definam por uma briga nos tribunais, resolvendo suas diferenças de forma extrajudicial, levando ao Judiciário apenas aquelas questões que não podem ser resolvidas de outra forma. Como exemplos práticos de mediação pode-se destacar os conflitos de vizinhança, separação, divórcio, conflitos trabalhistas etc.

Consoante os ensinamentos de LEONARDO GRECO, a mediação vem progredindo no Brasil como conseqüência da crise da administração da Justiça. Nessa monta, seja na figura dos conciliadores ou dos juízes leigos. Recentemente, o legislador infraconstitucional passou a prever em lei conciliação prévia das ações judiciais. O sucesso desses mecanismos, como comenta GRECO, depende, sobretudo, de sua credibilidade, isto é, de sua aptidão de gerar soluções que satisfaçam aos contendores.[26]


4.2 Conciliação

A palavra “conciliação” tem origem latina: conciliatione, que significa “ato ou efeito de conciliar; ato de harmonizar litigantes ou pessoas divergentes; congraçamento; acordo; concórdia.” O Professor LUIZ GUILHERME MARINONI anota que a conciliação é notoriamente privilegiada nos Juizados Especiais, "onde é estabelecida a tentativa de conciliação como pressuposto necessário e inarredável para a passagem à fase de instrução e julgamento.[27] Consiste na intercessão de algum sujeito entre os litigantes, com vista a persuadi-los à autocomposição.[28] DINAMARCO qualifica a conciliação em extraprocessual, quando ocorre antes do processo e com o intuito de evitá-lo e endoprocessual, quando promovida no curso do processo. A mediação é a própria conciliação, quando conduzida mediante concretas propostas de solução a serem apreciadas pelos litigantes (ela é objeto de normas específicas em países como a França e a Argentina).[29] Ensina o processualista CÂNDIDO DINAMARCO que a conciliação extraprocessual pode levar as partes à renúncia, à submissão ou à transação e, quando obtida alguma dessas soluções, ela é suscetível de ser homologada pelo juiz competente ou referendada pelo Ministério Público, em atos que têm a eficácia de título executivo (LJE, art. 57). Isso significa que, tratando-se de avença que dependa de cumprimento futuro e não sendo cumprida, o credor dispõe da via da execução forçada para obter a satisfação (CPC, arts. 583, 584, inc. IIl, 585, inc. II, 586 etc.; LJE, arts. 14, 51, 53 etc.).[30]

Em consonância com as lições do mestre DINAMARCO, preleciona VITOR LENZA que a única diferença existente entre conciliação e mediação é que nesta, ainda que as partes não cheguem a um consenso após a interferência do terceiro conciliador, a mediação é considerada realizada, segundo a qual a lide é resolvida com a intermediação de terceiro, alheio às partes, o qual tenta conduzi-los a um entendimento final, a um consenso comum ou, não sendo possível o acordo, tenta transferir o conflito para um estado meramente potencial ou latente com vistas ao seu desaparecimento futuro.[31]

Simplificadamente, o objetivo primordial da conciliação é harmonizar e ajustar, de maneira amigável a questão controvertida entre duas ou mais pessoas, acerca de um negócio, um contrato ou uma estipulação qualquer. Pode ela se dar tanto na via judicial quanto amigavelmente em momento anterior ao ajuizamento de uma demanda judicial.


4.3 Arbitragem

Outra forma de justiça parajurisdicional[32] é a Arbitragem. Trata-se de uma técnica de solução de conflitos mediante a qual os conflitantes buscam em uma terceira pessoa, de sua inteira confiança, a solução amigável e imparcial do litígio.[33] Ou seja, A Arbitragem é um meio extrajudicial de resolução capaz de dirimir contendas entre particulares, podendo ser determinada na elaboração do contrato, pela cláusula arbitral ou depois do surgimento da questão controvertida, pelo compromisso arbitral, ambos dando início ao que se convencionou chamar de juízo arbitral, sendo também obrigação das partes a indicação de um ou mais terceiros para serem árbitros.[34] Nos sábios ensinamentos de CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER, pode-se afirmar que essa interferência, em regra, era confiada aos sacerdotes, cujas ligações com as divindades garantiam soluções acertadas, de acordo com a vontade dos deuses; ou aos anciãos, que conheciam os costumes do grupo social integrado pelos interessados.[35]


4.3.1 A “inconstitucionalidade” da Lei de Arbitragem

Muito já se questionou acerca da constitucionalidade da arbitragem sob o argumento erroneamente constitucional de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou grave ameaça a direito”.[36] Dessa forma, afirmava-se que a jurisdição caberia única e exclusivamente ao Estado, mais especificamente ao Poder Judiciário. Haveria inconstitucionalidade na lei porque a arbitragem, em tese, impediria o exame do juiz das demandas submetidas. Baseados no que prevê a Carta da República, alguns autores entendiam que tal interpretação deveria atingir, por analogia, outros meios de resolução de controvérsias extrajudiciais. No campo oposto, é de superlativa importância ressaltar a opinião de FREDIE DIDIER JR., para quem não haveria qualquer inconstitucionalidade na instituição da arbitragem, a qual não é compulsória.[37] Para o renomado processualista, a arbitragem é, em última análise, uma opção conferida a pessoas capazes para solucionar problemas relacionados a direitos disponíveis, não se admitindo, portanto, arbitragem em causas penais, por exemplo. Nada obstante isso, DIDIER JR. nos lembra que a própria Carta da República, em sua Emenda nº 45/04, consagra a arbitragem em nível constitucional no âmbito trabalhista (CF/88, art. 114, § § 1º e 2º)38

Se assim fosse, qualquer ato de resolução de pendências como, por exemplo, uma renegociação, uma transação extrajudicial, uma confissão ou uma cessão de direitos somente seria válida se homologado ou mesmo decidido pelo juiz. Exatamente contra esse (equivocado) pensamento, outros tantos insignes doutrinadores, entre eles DEMÓCRITO RAMOS REINALDO, já vinham afirmando que nada diferencia a arbitragem destes outros meios extrajudiciais a ponto de ser tratada de forma diferente por alguns juristas.[39] Toda a discussão doutrinária e jurisprudencial nasceu com mudança introduzida ao juízo arbitral, pela Lei n. 9307/96, com a introdução da execução compulsória da cláusula arbitral, a dispensa da homologação por juiz togado da decisão do árbitro e a irrecorribilidade da sentença arbitral, antes inexistentes no ordenamento jurídico brasileiro. A Lei de Arbitragem, para alguns, estaria desacordo com lei princípios constitucionais como o da inafastabilidade do controle judicial, a garantia do devido processo legal, o da ampla defesa e da dupla instância de julgamento, o princípio que impossibilita a criação de juízo ou tribunal de exceção e, ainda, o do juiz natural.[40]

Aqui, vale citar LUÍS ROBERTO BARROSO, que, com o brilhantismo que lhe é peculiar, ensina que nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. E a falta de validade traz como conseqüência a nulidade ou a anulabilidade. No caso da lei inconstitucional, aplica-se a sanção mais grave, que é a nulidade. Ato inconstitucional é ato nulo de pleno direito[41], posto que a Constituição goza de Supremacia.[42]

Após anos de discussão, o Excelso Supremo Tribunal Federal julgou, incidenter tantum, no julgamento da homologação de sentença estrangeira SE 5.206-7, a constitucionalidade do parágrafo único do art. 6º ; do art. 7º e seus parágrafos; do art. 41, e do art. 42, todos da Lei de Arbitragem (L. nº 9.307/96), pondo termo aos debates acerca da matéria.


4.3.2 Arbitragem como solução de conflitos

Regulamentada pela Lei Federal nº 9.307/96, a arbitragem é constituída por meio de um negocio jurídico chamado “convenção de arbitragem”, a qual, bem com preceitua o art. 3º da referida lei, compreende tanto a clausula compromissória quanto o compromisso arbitral propriamente dito. Este é o acordo de vontades para submeter uma controvérsia concreta, isto é, já existente, ao juízo arbitral, prescindindo do Poder Judiciário. Trata-se, portanto, de um contrato por meio do qual se renuncia à atividade jurisdicional estatal, relativamente a uma controvérsia especifica e não simplesmente especificável; ao passo que aquela é a convenção e que as partes resolvem que as divergências advindas de certo contrato serão dirimidas pela arbitragem previa e abstratamente; aqui as partes, antes de o litígio acontecer, determinam que, ocorrendo, a sua solução, qualquer que seja ele, desde que decorra de certo negocio jurídico, dar-se-á pela arbitragem.[43]

A arbitragem brasileira guarda algumas características próprias, quais sejam, (i) - há possibilidade de escolha da norma de direito material a ser aplicada. Dessa forma, podem as partes escolher qual regra será aplicada, podendo, ainda, convencionar que o julgamento se realize com base nos princípios gerais do Direito, nos costumes e nas regras internacionais de comércio; (ii) – árbitro: dois são os requisitos exigidos pela lei para o exercício das funções de árbitro: ser pessoa física e capaz. Os árbitros tem status de juiz de direito e, de fato, sendo equiparados aos servidores públicos para efeitos penais; (iii) – exclui-se a necessidade de homologação judicial das sentenças arbitrais, as quais produzem efeitos imediatamente; (iv) - a sentença do árbitro é título executivo judicial e, por fim, (v) – possibilidade de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais produzidas no exterior.[44]


4.4 Outros equivalentes jurisdicionais

4.4.1 Autotutela

Trata-se de solução do conflito de interesses que se dá pela imposição da vontade de uma das partes, em detrimento do interesse do outro. É, portanto, uma solução egoísta e parcial do litígio. O “juiz” da causa é uma das partes.

Em regra, a autotutela é vedada pelos ordenamentos jurídicos dos povos civilizados. É uma conduta tipificada como CRIME, pois o exercício arbitrário das próprias razões (se for um particular) e exercício arbitrário ou abuso de poder (se for o Estado, em sentido amplo).[45] Como mecanismo de solução de conflitos, entretanto, ainda vige em alguns pontos do ordenamento, como, por exemplo, ocorre na legitima defesa, no direito de greve, no direito de retenção e no privilégio do poder público de executar os seus próprios atos, o que se dá o nome de autoexecutoriedade, a qual é um princípio da Administração Pública.[46]


4.4.2 Autocomposição

Quando se fala de “autocomposição”, está-se falando de uma forma de solucionar um conflito a partir do consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar o interesse próprio (em todo ou em parte) em favor do interesse de outrem. É, em última análise, uma solução altruísta do litígio. Nas palavras do mestre DIDIER JR. “Autocomposição é o gênero do qual são espécies: a) Transação: concessões mútuas; b) Submissão de um à pretensão do outro; reconhecimento da procedência do pedido; c) Renúncia da pretensão deduzida”.[47]


4.4.3 Acordos Extrajudiciais - O protagonismo da Defensoria Pública48

Não raro, pessoas procuram a Defensoria Pública, que tantos processos tem de lidar por dia, para ajuizar ações de baixo (às vezes baixíssimo) valor; questões simples que, com uma boa conversa, poderiam ser resolvidas de forma gratuita, simples, rápida e justa, nos Juizados Especiais. Ou ainda, buscam da Defensoria para realizar acordo em questões se superlativa importância, como pedido de alimentos[49]

Nesse mister, urge exaltar o entendimento da Terceira Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o qual, ao analisar um processo onde a mãe de um menor, face ao pedido de prisão pelo não pagamento de pensão por parte do pai, decidiu ser cabível a prisão civil por inadimplemento de pensão alimentícia decorrente de acordo extrajudicial realizado entre as partes através da Defensoria Pública Estadual e referendado por Defensor Público, ou seja, aquele não baseado em decisão da Justiça. A primeira instância extinguiu o processo porque o título executivo extrajudicial, em tese, não poderia ser executado, uma vez que deveria ter sido homologado por um Juiz. O Eg. Tribunal de Justiça mineiro, por sua vez, negou provimento ao pedido por entender que a execução da dívida exigiria título judicial, ou seja, sentença ou decisão que concedeu o pagamento liminar em ação de alimentos.

No STJ, a mãe argumentou que a transação assinada perante a Defensoria Pública seria um instrumento adequado para execução de alimentos. O relator, ministro Massami Uyeda, havia admitido que, na execução de obrigação alimentar estipulada por meio de acordo extrajudicial, não seria possível impor a pena de prisão civil, mas um pedido de vista da ministra Nancy Andrighi modificou o entendimento do relator. Para a ministra, o artigo 733 do Código de Processo Civil (CPC) não faz referência ao título executivo extrajudicial, “porque, na época em que o CPC entrou em vigor, a única forma de se constituir obrigação de alimentos era por título executivo judicial. Ocorre que, posteriormente, foram introduzidas alterações no ordenamento jurídico permitindo a fixação de alimentos em acordos extrajudiciais, dispensando-se a homologação pelo Poder Judiciário”. O entendimento que passou a prevalecer na Terceira Turma, depois do voto-vista da ministra Nancy Andrighi. Conforme a análise da ministra, “o entendimento de que o acordo realizado fora do processo afasta o uso da prisão civil é um incentivo à desídia do devedor de alimentos que optou pela via extrajudicial e viola o direito fundamental do credor de receber, regularmente, os valores necessários à sua subsistência”.[50] Esse entendimento, além do mais, assinalou a ministra, está em harmonia com a tendência do ordenamento jurídico de incentivar a resolução de conflitos pela autocomposição. Em votação unânime, a Terceira Turma determinou o prosseguimento da execução.

Destarte, pode-se ver que o STJ vem tentando, paulatinamente, dotar os acordos extrajudiciais de legitimidade jurídica, o que, por óbvio, é um grade passo para a aceitação dos meios alternativos. Temos, por enquanto, um motivo para comemorar e parabenizar o entendimento (corretíssimo, registre-se) da Ministra e, por conseqüência, da Terceira Turma do Colendo STJ.


5. Conclusão

Conforme dito na Introdução deste trabalho, não se quis, aqui, se apresentar um trabalho minucioso acerca dos meios alternativos de solução de controvérsia; até porque, seria essa uma pretensão demasiadamente vazia e irresponsável, haja vista os inúmeros autores que, com muito mais autoridade e talento, escrevem incontáveis livros, artigos e pareceres sobre o tema. Seria, portanto, um desrespeito para com esses verdadeiros mestres e estudiosos da matéria.

Por outro lado, o que se quis, em verdade, foi mostrar um breve, mas não torpe, relatório sobre esses meios ainda não muito divulgados e, por conseqüência, usados. E, assim, o que se percebeu com esses estudo, foi que muitos (muitos MESMO) dos processos que hoje abarrotam o Poder Judiciário poderiam ser evitados se as pessoas optassem por meios alternativos para dirimir suas controvérsias. É preciso se entender que enquanto Magistrados, Presentantes do Ministério Público e Membros da Defensoria Pública vêem-se com pilhas e mais pilhas de ações judiciais para, respectivamente, julgar, opinar e ajuizar, muitos desses processos poderiam ter sido evitados, caso as partes tivessem tido o bom senso de, em vez de mobilizar toda a máquina do Judiciário[51], tivessem se valido da arbitragem, por exemplo. Não obstante essa crítica, há que se relevar a ignorância das pessoas acerca dos meios alternativos. Estes ainda não são de conhecimento da maioria. Aliás, muitas das pessoas sequer sabem que podem se valer do serviço dos Juizados Especiais para ver, em bem menos tempo e de forma bem mais simples, seus problemas serem resolvidos.

É preciso, portanto e por fim, que haja uma maior divulgação dos meios alternativos de solução de controvérsias; que eles não sejam restritos aos grandes escritórios de advocacia e de insignes empresários. Devemos fazer, todos nós operadores do Direito, que mais e mais pessoas conheçam, confiem e, por conseqüência, comecem a fazer uso desses meios. Só assim, com divulgação, é que arbitragem, conciliação, mediação e os outros, serão conhecidos e utilizados pelos demais como sendo a forma mais simples de solucionar lides simples. Deixemos os Tribunais com as causas deveras complicadas. Essas sim necessitam ser apreciadas, estudadas minuciosamente pela Magistratura, opinadas pelo MP e ajuizadas, quando for o caso, pela Defensoria Pública. O que simples for, de forma simples deve ser solucionado; ao passo que, o que complicado venha a ser, de forma mais detalhada e, portanto, demorada, deve ser julgado.


6. Referências Bibliográficas

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