Administração Pública burocrática e Administração Pública gerencial


Porwilliammoura- Postado em 26 setembro 2012

Autores: 
BATINGA, Sybelle Morgana Macena

 

Existe atualmente um conflito entre o Direito Administrativo clássico e o Direito Administrativo moderno. Esse conflito se evidencia, principalmente, na oposição existente entre a Administração Pública burocrática e Administração Pública gerencial.

 

            A Administração burocrática é uma concepção clássica sobre o funcionamento do Estado de forma hierarquizada, que influenciou a Constituição de 1988. Nesse modelo, o Estado é um agente intervencionista que deverá atuar para reduzir as desigualdades sociais, ocupando-se, portanto, com o desenvolvimento de diversas tarefas, tais como a de fiscalizar os particulares por meio do poder de polícia, prestar os serviços públicos, promover o incentivo de determinados setores sociais, manter a defensoria pública, a previdência e a assistência social etc. É o chamado Estado providência.

 

Nessa senda, é importante acrescentar que Alexandre Mazza (2011, p.30- 31) aponta as seguintes características da administração burocrática:

 

a) toda autoridade baseada na legalidade; b) relações hierarquizadas de subordinação entre órgãos e agentes; c) competência técnica como critério de seleção pessoal;d) remuneração baseada na função desempenhada, e não pelas realizações alcançadas; e)controle de fins;  f) ênfase em processos e ritos.

 

            Pois bem. Com o aumento da máquina estatal no século passado e o consequente endividamento público, foi necessário aumentar a arrecadação dos tributos para dar conta de todos esses gastos. Surgiu, assim, o Estado Fiscal. Ocorre que, mesmo com o aumento da tributação, esse Estado Fiscal entrou em crise por não conseguir desenvolver todas as tarefas das quais estava incumbido.

 

            Dessa forma, muitos países entre os anos 70 e 80 se viram obrigados a diminuir as atribuições estatais em razão da crise do Estado social, intervencionista. Dentre eles se destacam a Inglaterra de Margaret Thatcher e os Estados Unidos de Ronald Reagan. E foi exatamente nesse período que a administração burocrática passou a ser criticada, surgindo assim, a Administração Pública gerencial.

 

            O modelo de administração gerencial tem como objetivo enxugar a máquina estatal, reduzindo as atribuições do Estado para o mínimo essencial, que seria o exercício do poder de polícia, as atividades jurisdicional e legislativa, a manutenção da previdência e alguns aspectos da assistência social.

 

            Em que pese a Constituição de 1988 não ter adotado o modelo gerencial, os dois governos de Fernando Henrique Cardoso foram fortemente influenciados pelo neoliberalismo, que defende esse Estado mínimo. Em 1998, foi aprovada a Emenda Constitucional n. 19, que introduziu institutos para a reforma administrativa no Brasil, quando houve a tentativa de implementar em nosso país o Estado gerencial, também chamado de subsidiário. Daí, conclui-se que o governo de Fernando Henrique Cardoso foi neoliberal e defensor das privatizações e da abertura do mercado nacional.

 

            Um dos principais diferenciadores entre esses dois modelos é que na Administração burocrática enfatiza-se o controle sobre o processo de tomada de decisões, enquanto no modelo de administração gerencial enfatiza-se o controle sobre os resultados (MAZZA, 2011). Nesse aspecto, cumpre observar que a EC 19 acrescentou ao caput do art. 37 o princípio da eficiência, o que corrobora a tentativa de introduzir o modelo gerencial no nosso ordenamento jurídico.

 

            Dessa forma, podemos citar como institutos da administração burocrática a licitação, o concurso público, a desapropriação, o processo administrativo disciplinar, enfim, procedimentos que objetivam uma tomada de decisão estabelecendo sua legitimidade por meio de um rito previsto em lei.

 

            Por outro lado, vários institutos típicos da administração gerencial fizeram-se presentes na EC 19, tais como o contrato de gestão, as agências executivas, a avaliação periódica dos servidores públicos estáveis, o princípio da eficiência, a ampliação do estágio probatório de dois para três anos e a criação de um limite máximo de gastos com o funcionalismo pela Administração Pública, admitindo-se até mesmo a possibilidade de perda de cargo de servidores estáveis em casos extremos, se ultrapassado esse limite.

 

            Vale registrar ainda que antes mesmo da EC 19, houve algumas tentativas de se aplicar a lógica do gerencialismo no Brasil. Um delas foi o Decreto-lei 200 de 1967, conhecida como lei da organização administrativa federal, que teve como objetivo a descentralização de atribuições estatais, ao regrar institutos como as autarquias, sociedades de economia e empresas públicas.

 

Nesse sentido, Alba Conceição Marquez dos Santos leciona que:

 

o Decreto-lei 200 promoveu a transferência das atividades de produção de bens e serviço para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, bem como a instituição da racionalidade administrativa, planejamento, orçamento, descentralização e controle de resultados como princípios (MARQUEZ DOS SANTOS, Alba Conceição. A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA GERENCIAL. Disponível em:www.seplag.rs.gov.br/uploads/AdministracaoPublicaGerencial.pdf). 

 

Como se sabe, um dos pilares do gerencialismo é justamente essa descentralização de atribuições administrativas.

 

            De acordo com os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles (1996, p. 90-91):

o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional, é o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e seus membros. Esse dever de eficiência corresponde ao dever de boa administração da doutrina italiana, o que já se acha consagrado, entre nós, pela Reforma Administrativa Federal do Decreto-lei 200/67, quando submete toda atividade do Executivo ao controle de resultado (art. 13 e 25, V), fortalece o sistema de mérito (art. 25, VII), sujeita a Administração indireta a supervisão ministerial quanto à eficiência administrativa (art. 26, III) e recomenda a demissão ou dispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso (art. 100).

 

            Outra tentativa de se introduzir o gerencialismo no Brasil foi o plano de privatizações, também posto em prática pela Lei de desburocratização nos anos 90 no governo de Fernando Henrique Cardoso. Essa lei, concebida pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, titularizado na época pelo Ministro Bresser Pereira, promoveu o ajuste fiscal, a liberalização do comércio, as privatizações e as quebras de monopólios.

 

            Em que pese zelar pela eficiência no serviço público, o gerencialismo é passível de diversas críticas. Uma delas é que sua lógica é mais compatível com a administração de uma empresa privada. O dinheiro envolvido não é particular, é público e, por esta razão, há de ser seguido o procedimento legal para a tomada de decisão. Ademais, a ideia da eficiência como um valor absoluto não se coaduna com o texto originário da Constituição de 1988, que objetiva reduzir as desigualdades sociais, seguindo os trâmites legais no processo de tomada de decisão.

 

            Assim, a EC 19 pretendeu fazer do princípio da eficiência um super princípio superior aos outros, de forma que a legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade fossem interpretados à luz da eficiência. Ocorre que, a busca de um resultado eficiente em detrimento do processo de tomada de decisão é o grande erro da concepção gerencialista, pois a eficiência não pode servir de pretexto para descumprir a lei e os ritos de controle, devendo o referido princípio ser interpretado no contexto de todos os outros princípios do Direito Administrativo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARQUEZ DOS SANTOS, Alba Conceição. A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA GERENCIAL. Disponível em:www.seplag.rs.gov.br/uploads/AdministracaoPublicaGerencial.pdf

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2011, p.30-31.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1996.