Agências Reguladoras: vantagens e desvantagens


PorAna Carolina- Postado em 28 setembro 2012

Autores: 
Ana Carolina Melo Coelho Sabino

 

AGÊNCIAS REGULADORAS: VANTAGENS E DESVANTAGENS

 

1 - INTRODUÇÃO

 

Com a crise econômico-financeira de 1929 acreditava-se que a organização da economia poderia ser efetuada pelo Estado, o que acarretou no intervencionismo estatal. Alguns anos depois se observou que os custos da intervenção foram maiores do que os que teriam ocorrido caso se tivesse deixado o mercado organizar-se e reordenar-se pelos seus próprios mecanismos. Isto se, principalmente, em razão do excessivo crescimento dos órgãos estatais encarregados de intervir na economia, e também pela ineficiência provocada pelo esgotamento da capacidade estatal de investir em novas tecnologias, causando a deterioração do serviço público a ser prestado.

A partir de então, surgiu a concepção do Estado mínimo, no qual houve uma reabilitação do mercado, reordenando  a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público. O Estado não é eliminado, mas assume funções novas, atuando como garantidor da coerência e da segurança dessa nova forma de regulamentação dos comportamentos humanos.

A atuação governamental no domínio econômico perdeu o nível de atuação direta com o artigo 173 da Constituição Federal, mas continuou sendo o sustentáculo de atividades econômicas deficientes ou mesmo atenuador das situações e períodos de crise. O marco para essa nova fase se deu com a previsão do artigo 175 da Constituição Federal que prevê a prestação de serviços públicos sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação. Na seqüência vieram as leis 8.987/95 e 9.074/95, dispondo sobre o regime de concessão e permissão.

Na medida em que os serviços públicos passam a ser executados pelas empresas, ao Estado é atribuída outra função, agente normativo e regulador da atividade econômica, conforme determina o artigo 174 da Constituição Federal. Tendo em vista que as atividades econômicas privatizadas são de grande diversidade e de especialidades bem demarcadas, o Estado criou as chamadas agências reguladoras também diversificadas e especializadas para o exercício das incumbências constitucionais.

Para esse fim, as agências exercem diversas funções, entre as quais normalmente se incluem:

(a) o controle de tarifas, de modo a assegurar o equilíbrio econômico e financeiro do contrato;

(b) a universalização do serviço, estendendo-o a parcelas da população que deles não se beneficiavam por força da escassez de recursos;

(c) o fomento da competitividade, nas áreas nas quais não haja monopólio natural;

(d) a fiscalização do cumprimento do contrato de concessão;

(e) o arbitramento dos conflitos entre as diversas partes envolvidas: consumidores do serviço, concessionários, poder concedente, toda a comunidade, os investidores potenciais etc.

O presente trabalho tratará especificadamente acerca das vantagens e desvantagens das Agências Reguladoras.

 

2 - VANTAGENS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

 

2.1) Diálogo entre os agentes sujeitos à atividade regulatória

 

É fundamental na moderna regulação que o ente regulador estatal dialogue e interaja com os agentes sujeitos à atividade regulatória, buscando não apenas legitimar a sua atividade, como tornar a regulação mais qualificada porquanto mais aderentes às necessidades e perspectivas da sociedade.

Desta forma, o Estado difere dos seus objetivos porque, contrariamente ao que ocorre na intervenção direta, os objetivos se deslocam dos interesses do Estado-Nação e passam a se identificar mais com os interesses da sociedade (tanto os interesses dos cidadãos – consumidores efetivos ou potenciais de bens econômicos quanto os interesses subjacentes às relações econômicas).

 

2.2) Equilíbrio no setor regulado

 

A partir do momento em que se aceita a possibilidade de intervenção estatal, indireta em face da ordem econômica, sem excluir a atuação da iniciativa privada, não há como a ação estatal possa se dar exclusivamente pela prática de atos de força ou pela interdição da exploração de uma atividade à iniciativa privada.

Isso posto, a ação estatal passa a depender do equilíbrio entre os interesses privados (competição, respeito aos direitos dos usuários, admissão da exploração lucrativa de atividade econômica) com as metas e objetivos de interesse público (universalização, redução de desigualdades, modicidade de preços e de tarifas, maiores investimentos, etc.).

 

2.3) Especialização das agências

 

É típico da atividade regulatória que o ente regulador seja detentor de profundo conhecimento sobre o setor regulado e que, portanto, sua atuação seja focada na sua área de especialidade. Nesse sentido, a especialidade garante maior eficiência regulatória e se torna um instrumento para reduzir a assimetria informacional.

 

2.4) Neutralidade Política

 

As agências reguladoras objetivam garantir a neutralidade política da gestão administrativa que desempenham, assegurando que o setor sobre o qual atuam se desenvolva de acordo com suas próprias regras, as regras e os critérios técnicos do setor em causa. A agência reguladora deve atuar mantendo eqüidistância dos interesses verificados no setor regulado, de modo a exercer com prudência e proporcionalidade, suas competências de forma a melhor atingir aos objetivos visados com a regulação.

 

2.5) A Autoridade das Agências

 

As agências exercem a autoridade que lhes foi cometida de modo um tanto diverso da tradição administrativa brasileira. As agências são dirigidas por órgãos colegiados, o que discrepta da tradição administrativa brasileira. Isso ocorre pela necessidade de se tentar evitar que a ampla gama de poderes conferidos ao regulador recaia sobre um só agente público.

Ademais, a direção colegiada permite um maior pluralismo de representação dentro dos órgãos reguladores (com membros indicados por distintas forças políticas ou mediante alternância dos processos de nomeação), além de assegurar que o órgão regulador observe as mudanças no cenário político gradualmente, sem rupturas ou alterações bruscas na orientação regulatória (o que se consegue com o descasamento dos mandatos, que só é possível num cenário de direção colegiada).

 

2.6) A Capacidade técnica das agências

 

A capacidade técnica das agências se dá em dois momentos. Primeiro, no recrutamento de seus agentes (não só dirigentes, mas também os seus funcionários), para os quais devem ser levados em consideração fatores de capacidade específica, conhecimento técnico e, eventualmente, experiência no setor regulado. E também na preservação de condições para que a agência mantenha-se permanentemente atualizada e informada, dispondo de meios e instrumentos não só para exigir dos regulados informações e conhecimentos por ele detidos, como também para acervar estudos, consultorias, pesquisas e para manter seu pessoal permanentemente incentivado e treinado.

 

2.7) Independência das Agências e a Quarentena

   

O órgão regulador deve ter total independência perante os agentes econômicos exploradores da atividade regulada. Perder tal independência seria negar a própria razão de ser da regulação.

As agências reguladoras possuem autonomia, que se concretiza pelo mandato fixo de seus dirigentes, pela captação de receita própria, pela isenção de regras salariais do setor público, e pelo período de transição por que devem passar seus dirigentes.

São compostas por um conselho diretor com cinco membros; secretaria executiva; câmaras técnicas especializadas e uma unidade fiscalizadora das relações mantidas entre usuários e concessionários, que funciona como instância superior dos serviços de ouvidoria das concessionárias.

Para que a diretoria das agências possua legitimidade seus membros devem ser indicados pelo Chefe do Poder Executivo, devendo ser aprovados pelo Poder Legislativo, quando serão nomeados com mandato fixo.

Não poderá haver perda do cargo se os requisitos legais forem cumpridos sendo eles: a indicação do Chefe do Executivo, aprovação pelo Poder Legislativo, reputação ilibada do profissional e a notória especialização no setor regulado.  

Um dos principais elementos para a efetivação desta independência são os mecanismos de impedimento do recrutamento pelos regulados de quadros dirigentes do órgão regulador (a chamada QUARENTENA). Com efeito, a possibilidade de o agente regulador passar, de inopino, a ocupar posição de relevo no regulado, coloca seriamente em risco a independência do órgão. A quarentena ao menos obsta o fluxo de informações no sentido do regulador para o regulado e permite uma demarcação de períodos entre a atuação do agente no âmbito do regulador e, após, no mercado.

Cabe ressaltar que, os dirigentes das agências não são agentes administrativos, mas sim agentes políticos que se submetem aos critérios definidos em leis, limitando a liberdade do administrador na sua exoneração. Esta lei é de iniciativa do Poder Executivo, não podendo ser de iniciativa do Poder Legislativo, sob pena de inconstitucionalidade.

Os dirigentes só perdem seu cargo se cometerem falta grave, apurada em processo administrativo e judicial, assegurada a ampla defesa e o contraditório, isto por causa da segurança jurídica que deve ser aplicada aos investimentos envolvidos e à autonomia das agências.

Também será extinto o mandato no caso de extinção das agências, pois os dirigentes não gozam de direito adquirido para o exercício do cargo para o qual foram nomeados.

Assim, com a garantia do mandato os dirigentes das agências reguladoras terão garantidas a sua autonomia e independência que são necessárias para lhes permitir julgar com imparcialidade, até mesmo contra interesses políticos ou econômicos, configurando a essência da política regula tórias e fortalecendo a segurança jurídica dos investimentos.

Também possuem autonomia financeira através da instituição de taxa de regulação devida pelos concessionários diretamente a agencia competente, esta taxa tem relação direta com o proveito financeiro obtido com a concessão, com isso as agências não dependem de verbas orçamentárias para seu custeio.

 

2.8) Controle pelo Tribunal de Contas

 

Os contratos realizados e o controle financeiro das agências serão fiscalizados pelo Tribunal de Contas que anualmente apreciarão o balanço, os contratos e todas as atividades realizadas por ela.

Por fim, cabe ressaltar que, o controle do Tribunal de Contas se restringe à gestão de recursos financeiros, não podendo ser exercido em nenhuma outra atividade das agências.

 

 

3 - DESVANTAGENS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

 

3.1) Distância entre o órgão regulador e o órgão encarregado da função central de política

 

A distância entre os órgãos regulador e o encarregado da função central de política pode acabar gerando negligência da autoridade do regulador para com outros fortes atores políticos do Executivo ou Legislativo e reduzir a confiança na força da entidade e na significância do seu trabalho.

 

3.2) A força das Agências reguladoras

 

Há possibilidade de a agência tornar-se tão forte que venha a se comportar quase como um poder independente dentro do Estado e ir além do seu papel.

 

3.3) O sacrifício da legitimidade democrática

 

A independência em excesso precisa ser balanceada com supervisão executiva, requerimentos de procedimento estrito, obrigação de prestar contas, consulta pública e revisão judicial substantiva, caso contrário a legitimidade democrática pode restar comprometida.

 

3.4) A incoerência com o Governo

 

A inconsistência entre as agências e órgãos do governo no exercício de políticas públicas pode resultar na incoerência com a vontade do Governo.

 

3.5) A usurpação dos poderes tradicionais

 

As agências reguladoras são entidades híbridas (Meio Estado, Meio Sociedades). Sua identidade é ainda precária. São, por um lado, híbridos de funções legislativas, executivas e judiciárias, como se fossem um quarto poder emergente, que anuncia uma maneira nova de olhar a coexistência dos poderes tradicionais, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Tal amplitude de poderes traz alguma perplexidade para parte da doutrina que não aceita que um órgão administrativo reúna funções administrativas com outras que seriam típicas dos outros poderes (a função “quase legislativa” – normativa – e a função “quase jurisdicional” – composição de conflitos e imposição coercitiva de condutas).

 

3.6) Falsa Independência

 

A falsa independência consistiu na subordinação politicamente da agência reguladora, seja de direito, pela criação de tutelas políticas indevidas sobre os dirigentes colegiados ou pela supressão das garantias de seus mandatos, seja de fato, pela pressão que o governo exerce indiretamente.

 

3.7) Deficiente Deslegalização

 

A deficiente deslegalização consistiu na instituição de um conjunto normativo incoerente, sem clara atribuição de competências e de responsabilidades, o que causou perplexidade e indefinição decisória, e até mesmo a omissão por parte das agências reguladoras que evitam confronto com escalões ministeriais e secretarias que possuem competências indevidamente concorrentes.

 

3.8) Fraca participação

 

A fraca participação deixa um déficit na legitimação da atuação dos entes reguladores e que tanto desestimula o cidadão de concorrer para o aperfeiçoamento da república, alimentando a inércia cívica.

 

 

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O Estado Econômico brasileiro sofreu, nos últimas décadas, inúmeras transformações estruturais, empreendidas por meio de emendas à Constituição e edição de legislação infraconstitucional, que podem ser classificadas em três grandes categorias: a extinção de determinadas restrições ao capital estrangeiro; a flexibilização de monopólios estatais e as privatizações.

As reformas econômicas modificaram drasticamente o papel do Estado brasileiro que, em lugar de protagonista na execução dos serviços, passou a concentrar suas atividades nas funções de planejamento, regulamentação e fiscalização.

Nesse contexto histórico, surgiram as agências reguladoras, autarquias especiais criadas por lei, tanto em âmbito federal como estadual, com o fim de regular e fiscalizar determinados setores da ordem econômica. Para tanto, a lei ordinária traçou um regime especial para as agências reguladoras, cuja principal característica está na existência de mecanismos que lhes conferem autonomia político-administrativa e econômico-financeira, em relação aos particulares e aos demais órgãos do Poder Público.

No entanto como se pode perceber no presente trabalho as agências reguladoras apresentam vantagens e desvantagens como todo e qualquer órgão público.

Para garantir o efetivo desempenho de suas atribuições e a realizar o ambicioso e esperado projeto nacional de melhoria da qualidade dos serviços públicos, as agências reguladoras precisam ser preservadas de ingerências externas inadequadas, inclusive por parte do Poder Público.  

Assim para que o Estado Regulador funcione é necessário que o modelo seja adequado e aplicado corretamente sem distorções, sem falsas agências reguladoras independentes com conjuntos normativos mal articulados e com má definição de competências.

 

 

5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

- CARVALHO, Cristiano Martins de. Agências Reguladoras. Jus Navigandi, Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2654>. Acesso em: 2 de outubro de 2007;

 

- FERREIRA, Luciana de Carvalho Mesquita. Agências Reguladoras e Gestão de Pessoas: um estudo do caso da Agência Nacional do Petróleo. 3 rd International Conference of Iberoamerican Academy of Management, São Paulo, 2003;

 

- FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

 

- MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências Reguladoras Independentes: Fundamentos e seu Regime Jurídico. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005.

 

- VALÉRIO, Marco Aurélio Gumieri. Reforma regulatória e Sistema Financeiro Nacional. Jus Navegandi disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3333/reforma-regulatoria-e-sistema-financeiro-nacional/3>. Acesso em: 29 de setembro de 2007.