A aplicação da legislação tributária brasileira com vistas à eficiência mediante a ordem constitucional vigente


Pormathiasfoletto- Postado em 24 setembro 2012

Autores: 
PASCHOAL, Rebeca Passos

 

 

Introdução

Diante da complexidade das normas que regulam o Direito Tributário nacional, faz-se necessário ao desenvolvimento da justiça tributária a aplicação da legislação sob os fundamentos principais das normas constitucionais, trazidas estas pela Constituição de 1988. Nesse contexto, a aplicação da lei com vistas à eficiência tornaria a legislação tributária, além de sua aplicabilidade diante dos casos concretos, simplificada e justa.

Este artigo se inicia com um breve comentário sobre a constitucionalização do Direito trazida pelo neoconstitucionalismo, que colocou a Constituição Federal e seus princípios em uma condição privilegiada em relação a todas as demais normas no âmbito nacional. Após é feita uma análise da legislação tributária e a relevância dos preceitos legais sobre o tema advindos da nova ordem constitucional, além das áreas nas quais estas implicaram, bem como acerca das demais fontes do Direito Tributário, seguindo-se com um estudo sobre a necessidade de, diante dos conflitos normativos e demais desafios enfrentados pelo sistema tributário atual, aplicar a legislação vigente sempre com vistas aos ditames constitucionais e à eficiência por eles determinados para o alcance da justiça tributária.

 

1. Breves comentários sobre a constitucionalização do Direito

O novo direito constitucional, também chamado de neoconstitucionalismo, desenvolveu-se efetivamente no Brasil com a Constituição de 1988, após um debate mais consistente desenvolvido durante a década de 80, um cenário altamente complexo no que se dizia a respeito da concretização da ordem jurídica que, nos termos de uma sociedade ligada ao autoritarismo, não tinha visualização de aplicação direta e imediata. Assim, coube à nova ordem constitucional, pautada principalmente na configuração de um Estado Democrático, bem como à doutrina, às leis criadas a partir de então e ao Poder Judiciário, a tarefa de implantar esta inovação no âmbito das relações sociais em todas as suas esferas.

Nesse contexto, a interpretação conforme a Constituição passou a fazer-se necessária à efetiva aplicação das leis, especialmente aquelas criadas antes de sua vigência, tornando-se, conforme Luis Roberto Barroso [01], uma modalidade de interpretação jurídica na qual foi reconhecida a sua força normativa, ou seja, suas normas passaram a ser consideradas como efetivamente jurídicas.

Com a expansão das normas constitucionais “os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passaram a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional” [02]. Este movimento trouxe estabilidade, uma vez que todos os principais ramos do direito foram, de certa forma, abordados na Constituição, de modo que ela se tornou uma forma de analisar o Direito em suas principais áreas e trouxe princípios que o norteiam em todos os seus ramos. Nesse contexto, Barroso diz que

a Constituição figura hoje no centro do sistema jurídico, de onde irradia sua força normativa, dotada de supremacia formal e material[...] não apenas como parâmetro de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor de interpretação de todas as normas do sistema.[03]

Dessa forma, para que toda interpretação jurídica seja completa, faz-se necessário que a norma seja interpretada à luz da Constituição, de modo a priorizar a realização dos valores por ela consagrados direta ou indiretamente, devendo ser recusada a aplicação de dispositivos legais que, ao serem analisados sob o viés constitucional, sejam entendidos como inconstitucionais.

2. A legislação tributária brasileira e a Constituição de 1988

O ordenamento jurídico tributário é composto por uma integração de normas que dizem respeito, basicamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. A Constituição Federal fixa os limites ao poder de tributar, além de delimitar a competência para a criação de impostos. O Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172/1966, também complementa o Sistema Tributário Nacional e, além deste, a legislação ordinária proveniente da União, Estados, Distrito Federal e Municípios sobre o tema.

A competência para a instituição dos impostos está nos arts. 153, 155 e 156 da CRFB/1988 e, nesse contexto, é valido fazer menção ao princípio da legalidade tributária mencionado por Hugo de Brito Machado[04], segundo o qual nenhum tributo pode ser aumentado, criado, extinto ou reduzido, a não ser em virtude de lei.

À União cabe a criação de sete tributos, quais sejam de importação de produtos estrangeiros, exportação de produtos nacionais ou nacionalizados, renda e proventos de qualquer natureza, produtos industrializados, operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários e propriedade territorial rural, além do imposto sobre grandes fortunas.

Aos Estados e ao Distrito Federal cabem três, que são os impostos de transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos, operações relativas a circulação de mercadorias e sobre as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, além de impostos sobre a propriedade de veículos automotores.

Aos Municípios corresponde a instituição de impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana, sobre transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição e sobre serviços de qualquer natureza.

Além destes, ainda existem as taxas, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais, que incluem as sociais ou de Seguridade Social, de intervenção econômica, de categorias profissionais, as previdenciárias referentes aos Estados e Municípios e a de iluminação pública, todos previstos na Constituição Federal.

No Direito Tributário atual, com o neoconstitucionalismo, os princípios constitucionais tributários tem exercido papel fundamental na busca de soluções pacíficas em casos concretos. Segundo Roberto Wagner Lima Nogueira[05], merecem destaque princípios como do justo gasto do tributo afetado, da capacidade contributiva, transparência Fiscal, moralidade tributária, intributabilidade do mínimo existencial, ética fiscal pública e privada, proporcionalidade, entre outros, todos com o fim principal de promover a justiça tributária.

3. A aplicação da legislação tributária conforme a Constituição de 1988 com vistas à eficiência enquanto meio de resolução de conflitos

A busca por soluções mediante os desafios que o sistema tributário nacional tem enfrentado, após a CRFB/1988 tem encontrado um retorno positivo quando analisados sob os ditames do princípio da eficiência previsto em seu art. 37, pois o mesmo fornece alternativas para a modernização do Estado e de sua administração no âmbito dos tributos.

Tais desafios são consequência da necessidade de transformação e, por sua vez, exigem da esfera tributária posturas pautadas na ética e na disciplina. Assim, faz-se necessária a adoção de práticas que, priorizando a eficiência, aperfeiçoam resultados na esfera tributária tornando a administração mais eficaz e acessível com o aperfeiçoamento da prestação de serviços e redução da carga burocrática, por exemplo, diminuindo diversos problemas vivenciados pelos contribuintes.

Nessas circunstâncias, é imprescindível comentar que, uma das maiores fontes de discussão ensejadas pelo Sistema Tributário Nacional é a enorme quantidade de tributos existentes no Brasil. Isso gera uma complexidade suportada principalmente pelo contribuinte, de quem se exige um extremo esforço para o cumprimento de todos os encargos que lhe sobrepesam.

Outro fator que agrava o problema relatado acima é o elevado escopo legislativo tributário. Além das leis que instituem os tributos, existem outras que lhe fixam obrigações acessórias. Este excesso causa insegurança jurídica, pois torna inviável ao contribuinte o efetivo cumprimento de todos os encargos que são de sua responsabilidade, mesmo porque, além da dificuldade de acesso às informações diante da sua variedade e dispersão, por vezes ele se preocupa no cumprimento de normas que, por si só, estão incompatíveis com a Constituição. O próprio Código Tributário Nacional necessita de nova formatação visto que a Lei nº 5.172 que o instituiu está datada do ano de 1966[06] e grande parte de seus artigos ainda em vigor, se analisados, não se encontram recepcionados pela nova ordem constitucional[07].

Pautando o exercício de sua atividade na eficiência, a Administração Pública e também o Poder Legislativo precisam ater-se em facilitar o desempenho das atividades do contribuinte, tanto no exercício de seus direitos quanto no cumprimento de seus deveres por meio de uma legislação clara e objetiva e de menor carga burocrática no desempenho de suas obrigações tributárias e fiscais.

Nesse contexto, algumas práticas, se adotadas, podem contribuir para a modernização, qualificação e desburocratização do Sistema Tributário Nacional. Como alternativas, pode-se destacar a qualificação dos servidores públicos que, submetidos a constantes atualizações e treinamentos, tornam a prestação do serviço público mais célere; o aperfeiçoamento da comunicação eletrônica entre os órgãos públicos, permitindo resultados mais rápidos; criação de leis referentes a tributos que sejam mais claras e acessíveis ao contribuinte, permitindo-lhe plena compreensão de seus direitos e deveres; o fim da concessão irregular de incentivos fiscais; a redução da carga tributária que, por sua vez, para que se torne efetiva, necessita de comprometimento da Administração Pública quanto a diminuição de seus gastos e ao bom senso na aplicação do dinheiro público, entre outros[08].

Conforme visto, a análise do Direito Tributário com base no neoconstitucionalismo evidencia a necessidade de revisão do sistema para adoção de práticas atreladas ao Estado Democrático de Direito em que, tanto por parte dos agentes públicos como por parte dos contribuintes, se tenham posturas voltadas para a ética e eficiência.

Conclusão

Desenvolvido após a Constituição de 1988, o neoconstitucionalismo e suas premissas voltadas a configuração de um Estado Democrático trouxeram inovações em todas as esferas jurídicas. O Direito Tributário, quanto a isso, não foi uma exceção.

Dessa forma, para aplicação efetiva das leis, estas não bastaram por si só, sendo necessária a sua conformidade com a ordem constitucional, realizando os valores nela estabelecidos direta ou indiretamente, passando a Constituição a figurar no centro do sistema jurídico.

O ordenamento jurídico tributário, composto por normas que, basicamente, dizem respeito a instituição, fiscalização e arrecadação de tributos, tem na Constituição a fixação dos limites ao poder de tributar, além da distribuição de competências para a criação dos tributos, sendo completado pelo Código Tributário Nacional e pela legislação ordinária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Além da legislação em vigor, ao Direito Tributário foram conferidos princípios constitucionais tributários que, por sua vez, exercem função indispensável na promoção da justiça.

Diante das inovações trazidas pela Constituição Federal, o sistema tributário atual precisa ser revisto justamente pela desatualização de suas normas, em grande parte anteriores à nova ordem constitucional e com ela incompatíveis, pela falta de eficiência na prestação de seus serviços e na acessibilidade do contribuinte no que diz respeito ao pleno conhecimento de seus deveres e obrigações perante o sistema tributário, além do excesso de leis que não enfatizam clareza e da elevada carga tributária e burocrática presentes no atual sistema.

Assim, a legislação tributária precisa ser reformulada para que exerça, de fato, os princípios trazidos pelo neoconstitucionalismo, com vistas a sua eficiência de modo a alcançar a justiça tributária.

NOTAS

 

[01]. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7547>. Acesso em: 7 maio 2012.

[02]. Idem. Ibidem.

[03]. Idem.

[04]. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: MALHEIROS EDITORES, 2010. p. 87.

[05]. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Premissas para o estudo do direito tributário atual. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 130, 13 nov. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4469>. Acesso em: 7 maio 2012.

[06]. BRASIL. Lei Nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.htm

[07]. SCHULZE, Clenio Jair. O Princípio da Eficiência e a Governança Fiscal e Tributária. Revista de Estudos Tributários. Porto Alegre, v. 14, n. 82, p. 63-76, nov./dez. 2011.

[08]. Idem. Ibidem.

REFERÊNCIAS

 

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. atualizada por Misabel Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7547>. Acesso em: 7 maio 2012.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm.

BRASIL. Lei Nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.htm.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: MALHEIROS EDITORES, 2010.

 

Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7330/A-aplicacao-da-legislac...