Apontamentos sobre o recurso contra a aplicação de penalidade contratual no processo administrativo sancionador


PorJeison- Postado em 25 março 2013

Autores: 
JARDIM, Rodrigo Guimarães.

 

I. Considerações iniciais

 

                       Com intuito de garantir a eficiência na prestação do serviço público e principalmente para homenagear os princípios da isonomia e da seleção da proposta mais vantajosa, a Constituição Federal de 1988 determinou que a Administração Pública contrate obras, serviços, aquisições e alienações mediante licitação pública. (art. 37, XXI)[1].

 

                       Na execução contratual é extremamente comum o surgimento de divergências entre a Administração e particular, podendo este, garantido o devido processo, ser sancionado administrativamente a critério daquela. Ainda que a lei confira à Administração uma posição privilegiada na relação jurídica, a mesma lei garante ao particular o direito de impugnar a aplicação da penalidade, mediante a interposição de recurso administrativo.

 

                       Este é o tema deste ensaio: apontamentos sobre o recurso contra a aplicação de penalidade contratual no processo administrativo sancionador.

 

II. O recurso administrativo 

 

                       A medida tradicional de impugnação a qualquer decisão, judicial ou administrativa, é a interposição de recurso. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que o duplo grau de jurisdição não é um direito fundamental[2], mas, por previsão legal, em regra, a aplicação de penalidades decorrentes de contrato administrativo está sujeita a recurso.

 

                       No âmbito judicial, Barbosa Moreira define que “recurso é o meio processual que a lei coloca à disposição das partes (...) a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada”[3]. Esse conceito é perfeitamente aplicável à esfera administrativa, vez que o recorrente maneja o recurso com o intuito de alterar decisão que lhe é desfavorável, no caso, a decisão punitiva.

 

                       A Lei nº 8.666/93, conhecida como a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, regula o processo administrativo sancionador em relação às licitações e aos contratos administrativos, sendo aplicável, como norma complementar, a Lei nº 9.784/99, Lei do Processo Administrativo Federal.

 

                       Os recursos contra a aplicação de penalidade contratual são regulados pelo art. 109 da Lei nº 8.666/93. Ele prevê o recurso hierárquico, com prazo de 5 (cinco) dias úteis, contra as penas de advertência, suspensão temporária e multa (inciso I); a representação, em igual prazo, poderá ser interposta nas hipóteses em que não couber o recurso hierárquico (inciso II); e o pedido de reconsideração, de decisão de Ministro de Estado, Secretário Estadual ou Municipal, pode ser interposto, no prazo de 10 (dez) dias úteis, contra a declaração de inidoneidade.

 

                       Sobre a contagem dos prazos recursais cabe reiterar que, ao contrário do processo judicial, trata-se de dias úteis, isto é, nos quais há expediente administrativo. Ademais, reclama incidência o art. 110 da Lei nº 8.666/93 ao prever que “nacontagem dos prazos estabelecidos nesta Lei, excluir-se-á o dia do início e incluir-se-á o do vencimento, e considerar-se-ão os dias consecutivos, exceto quando for explicitamente disposto em contrário”. Portanto, “se a intimação ocorrer em dia inútil, será reputada concretizada no primeiro dia útil seguinte, (...) se for publicada em jornal que circular em um domingo, a intimação reputar-se-á ocorrida na segunda-feira (se for dia útil) e o prazo iniciará seu curso no primeiro dia útil seguinte”[4].

 

                       Cotejando o recurso hierárquico com a representação, considera-se relevante o desfazimento da interpretação que resulta em uma terceira instância administrativa. Em verdade, tendo em vista que a representação poderá ser interposta na hipótese em que não couber recurso hierárquico, tem-se defendido a validade do seu manejo contra a decisão que julga o recurso hierárquico. Em outras palavras, ao particular seria imposta a penalidade, ele interporia o recurso hierárquico e, contra a decisão de segunda instância, interporia a representação. Essa interpretação não é aceitável, contudo, porque se opera a preclusão consumativa pelo exercício anterior do direito de recorrer (recurso hierárquico).

 

                       Sobre o tema, Marçal Justen Filho explica o seguinte:

 

A fórmula `... decisão … de que não caiba mais recurso hierárquico´, contida no art. 109, II, deve ser interpretada em termos. Em princípio, todas as decisões administrativas comportam recurso, ressalvadas as hipóteses de a) ter precluído o direito de o interessado interpor recurso por razões temporais (decurso do prazo), consumativas (exercício anterior do direito de recorrer) ou lógicas (conduta incompatível com a vontade de recorrer) ou b) a autoridade que emitiu a decisão ocupar a hierarquia mais elevada no âmbito do órgão administrativo.[5]

 

                       Outrossim, embora a competência para conhecimento do recurso seja da autoridade administrativa hierarquicamente superior a que praticou o ato recorrido, a Lei nº 8.666/93 prevê que a interposição deverá ser realizada perante a julgadora do ato impugnado (art. 109, § 4º), a fim de permitir que esta, analisando a tese recursal, exerça, se entender cabível, o juízo de retratação.

 

                       Questão controversa entre a praxis e o ponto de vista legal são os efeitos do recebimento do recurso em questão. O pedido de reexame da aplicação de penalidade tem como primeiro efeito a devolução da análise do processo ao ente público (efeito devolutivo). O efeito suspensivo, contudo, somente é regra nos casos em que se discute a habilitação e o julgamento das propostas, ainda no certame licitatório. Em relação à aplicação de penalidade, o efeito suspensivo poderá ser deferido pela autoridade competente desde que motivadamente e presentes razões de interesse público (art. 109, § 2º, da Lei nº 8.666/93).

 

                       Note-se que não é a lesão grave ou de difícil reparação ao recorrente que enseja o deferimento do efeito suspensivo, mas, sim, as razões de interesse público. Significa dizer que, pela dicção legal, somente se a aplicação da penalidade causar prejuízo ao interesse público é que a interposição de recurso suspenderá os efeitos da decisão impugnada. Um exemplo viável dessa hipótese é a aplicação da sanção de suspensão temporária impedir a renovação imediata de um contrato.

 

                       Ocorre que essa determinação não se coaduna com um Estado de Direito. Mutatis mutandis, se ninguém será considerado culpado para efeitos penais até o trânsito julgado de sentença condenatória (art. 5º, LVII, da Constituição da República de 1988), o mínimo a se admitir no processo administrativo é a possibilidade de efeito suspensivo no caso de prejuízo imediato ao recorrente. Felizmente essa previsão não tem trazido maiores problemas na praxis porque a Administração, em admirável obediência à Constituição da República, tem por regra o registro da penalidade somente após a conclusão do processo administrativo. Caso contrário, seria necessário que o particular ajuizasse um pedido cautelar perante o Poder Judiciário.

 

                       Ponto interessante, por derradeiro, é a aplicação da regra da eventualidade ou concentração da defesa no momento recursal. Essa regra -eventualidade - significa que o agente deve apresentar, de uma só vez, toda a matéria defensiva, ainda que as teses sejam incompatíveis, sob pena de não mais poder fazê-lo (preclusão)[6]. Com efeito, a Lei nº 9.784/99 prevê expressamente que, no recurso, o interessado “deverá expor os fundamentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes” (art. 60), ou seja, permite a total inovação dos fundamentos defensivos. Essa previsão é complementar a Lei nº 8.666/93 e reforça a possibilidade de retratação da autoridade julgadora a vista de novos documentos.

 

                       Contudo, se a Lei nº 9.784/99 autoriza a dilação probatória recursal, mediante a produção de prova documental, o seu artigo art. 64, parágrafo único, também autoriza expressamente a reformatio in pejus, desde que haja nova cientificação do recorrente para formular alegações. Essa conseqüência recursal tem por finalidade evitar que o recurso se torne uma regra mesmo sem fundamentos razoáveis, o que acabaria congestionando a máquina pública.

 

                       Em breves linhas, são estas as considerações sobre o recurso como meio tradicional de impugnação à decisão que aplicou penalidade administrativa a particular prestador de serviço à Administração Pública.

 

III. Considerações finais

 

                        Da análise, ainda que breve, da relação jurídica entre o particular contratado e a Administração Pública, verifica-se que, por um lado ela tem prerrogativas que a colocam num patamar contratual superior, mas, por outro, a lei consagra plenamente o direito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo administrativo, disponibilizando ao particular meios de impugnação administrativa à aplicação de penalidade, sendo o principal deles o recurso administrativo.

 

Notas:

[1] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 419.

[2] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 73.

[3] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, 2008, apud NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 11.ed.rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 844.

[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13.ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 885.

[5] Ibidem, p. 882.

[6] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 12.ed. Bahia: Juspodivm, 2010, p. 502/503.

 

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