A Apropriação Indébita Previdenciária: Aspectos Gerais


PorJeison- Postado em 18 fevereiro 2013

Autores: 
SOUZA, Ivana Roberta Couto Reis de.

 

O legislador ordinário estabeleceu alguns tipos penais enquadrando as condutas daqueles que descumprem com as obrigações previdenciárias, com a finalidade precípua de proteger o patrimônio público da Previdência Social, inibindo as ações ilícitas dos empresários no sentido de não recolherem da maneira adequada as contribuições previdenciárias.Como leciona Fabio Zambitte Ibrahim[1]:

 

Embora, para muitos, a tipificação penal de ilícitos tributários seja objeto de crítica, a opção do legislador tem sido pela criminalização dessas condutas, já que extremamente danosas para a sociedade como um todo.

 

Neste contexto, a Lei 9983/2000 introduziu na sistemática penal-processual brasileira alguns tipos penais, transferindo a tipificação dos crimes previdenciários, antes descritos em sua maioria na Lei 8212/91, para o Código Penal. Uma dos tipos penais criados foi a apropriação indébita previdenciária, nos seguintes termos:

 

Art. 168-A.Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

 

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

 

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

 

I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

 

II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;

 

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.

 

§ 2o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

 

§ 3o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:

 

I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou

 

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

 

A caracterização do delito de apropriação indébita previdenciáriaenvolve o concurso de duas condutas por parte do agente: uma de natureza comissiva que consiste em arrecadar do salário do empregado a contribuição social por este devida e outra omissiva que é a de deixar de repassar para os cofres da previdência social o montante previamente recolhido.Por este motivo, o crime é de conduta mista, na medida em que requer uma ação anterior e uma omissão à posteriori, sendo este o entendimento adotado por Damásio E. de Jesus[2], para quem o crime de apropriação indébita não é uma conduta omissiva simplesmente, por haver nele uma ação inicial e uma omissão final.

 

A conduta comissiva é imprescindível para a caracterização do delito, como leciona Fabio Zambitte Ibrahim[3]:

 

Cabe observar que a comprovação da ausência de desconto exclui o crime. Como se sabe, há presunção absoluta de retenção de tais valores (art. 33, § 5º da Lei n.º 8.212/91) e, por isso, serão cobrados do sujeito passivo, mas sem a caracterização do ilícito penal.

 

Para que o crime se consume basta que haja a ausência de repasse ao órgão previdenciário, no prazo legalmente estabelecido, dos valores previamente descontados pelo empregador, não sendo necessário o animus remsibihabendi, circunstancia que diferenciao delito de apropriação indébita previdenciária da apropriação indébita comum, já que nesta última a intenção de ter a coisa para si é imprescindível para o enquadramento da conduta do agente no tipo penal.Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, consoante se depreende do julgado abaixo:

 

O dolo do crime de apropriação indébita de contribuição previdenciária é a vontade de não repassar à previdência as contribuições recolhidas, dentro do prazo e das formas legais, não se exigindo o animus remsibihabendi, sendo, portanto, descabida a exigência de se demonstrar o especial fim de agir ou o dolo específico de fraudar a Previdência Social, como elemento essencial do tipo penal.[4]

 

A regra contida no artigo 168-A do Código Penal configura-se norma penal em branco, na medida em que necessita do regramento dos prazos e formas previstas na Lei 8.212/91 e, em assim sendo, o delito se consuma na data em que se exaurir o prazo, legal ou convencional, para o recolhimento ou repasse das contribuições devidas, ou para o pagamento do benefício ao segurado, o que é estabelecido em outra norma.

 

Trata-se de crime próprio, uma vez que só aquele que detém a obrigação de recolher a contribuição previdenciária retida do contribuinte é que pode ser autor do delitocujo sujeito passivo é a Previdência Social, que deixa de receber os valores efetivamente retidos pelo sujeito ativo.

 

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, a vontade de deixar de recolher a contribuição previdenciária, não admitindo a modalidade culposa, ante a ausência de previsão legal neste sentido.

 

Cuida-se de delito no qual não se admite a tentativa, que desafia a ação penal pública incondicionada por parte do Ministério Público Federal e tem o procedimento administrativo de apuração de débitos como condição de procedibilidade para a instauração da ação penal, na qual o Instituto Nacional do Seguro Social pode figurar como assistente.

 

A jurisprudência do STJ qualifica o crime de apropriação indébita previdenciária como material, que exige o resultado de se ter frustrada a arrecadação para a seguridade social, nos seguintes termos: 

 

O Supremo Tribunal Federal, por decisão plenária, assentou que,os crimes de sonegação e apropriação indébita previdenciária também são crimes materiais, exigindo para sua consumação a ocorrência deresultado naturalístico, consistente em dano para a Previdência.[5]

 

Quando da edição da Lei 9983/2000 muito se discutiu acerca da constitucionalidade da prisão para os autores do delito de apropriação indébita previdenciária, na medida em que poderia se enquadrar na hipótese de prisão civil por dívida, que possui vedação constitucional expressa. Contudo, o STJ já se posicionou no sentido de que a dívida previdenciária não se enquadra no conceito de dívida civil, ao decidir que:

 

A omissão de recolhimento de contribuições ou de impostosé fato típico penal e não constitui dívida civil. O Pacto deSan José da Costa Rica é de índole eminentemente civil, não sendoaplicado nos casos de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias.[6]

 

O artigo 168-A do Código Penal elenca outras condutas em seus incisos I a III que se equiparam ao tipo penal previsto no caput, todas referentesà ausência de recolhimento ou de repasse de valores devidos à Previdência Social, com o objetivo de ampliar a proteção ao patrimônio da Previdência.

 

O parágrafo segundo do artigo em comento, visando incentivar o adimplemento por parte do devedor, estabelece uma causa especial de extinção da punibilidade, para o agente que espontaneamente declarar, confessar e efetuar o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e prestar as informações devidas à previdência social, desde que tudo isso seja diligenciado antes do início da ação fiscal. Em 2009, foi editada a Lei 11.941, que contempla previsão da extinção da punibilidade para os débitos tributários parcelados antes do oferecimento da denúncia, quando houver o pagamento integral dos débitos, ficando a prescrição da pretensão punitiva do estado suspensa enquanto durar o parcelamento.

 

Há, ainda, outra hipótese que enseja a extinção da punibilidade no delito de apropriação indébita previdenciária, que se dá por meio do perdão judicial, nos termos previstos no § 3º do artigo 168-A do Código Penal, que autoriza a não aplicação da pena ou a puniçãodo infrator com a pena de multa unicamente, em se tratando de réu primário e com bons antecedentes que após o inicio da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia promova o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios, ou se o valor das contribuições devidas, incluídos os acessórios, for igual ou inferior ao mínimo estabelecido administrativamente pela Previdência Social para que se ajuíze as execuções fiscais. A este respeito ensinam Castro e Lazzari[7]:

 

Com isso, o juiz está autorizado, no caso do inciso I a deixar de punir o infrator, caso este, após a expedição da notificação de débito, mas antes do oferecimento da denúncia pelo órgão do Ministério Público Federal – não mais até antes do recebimento pelo juiz -, realizar o pagamento das contribuições à Seguridade Social, que foram objeto de apropriação, com os acréscimos moratórios. Quanto ao inciso II, a concessão do perdão judicial poderá ocorrer até a sentença, pois não há a limitação temporal na norma legal. Em ambos os casos, poderá o juiz aplicar somente a pena de multa.

 

Em que pese a aparente faculdade conferida ao julgador em deixar de aplicar a pena, trata-se de direito subjetivo do réu, sempre que este preencher os requisitos estabelecidos na norma penal.

 

O estudo ora apresentado faz concluir que o tipo penal descrito no crime de apropriação indébita previdenciária não tem por objetivo principala aplicação da pena restritiva de liberdade, mas sim o de compelir o réu ao pagamento das contribuições previdenciáriasdevidas, evitando que se comprometa o financiamento da Previdência Social.

 

Bibliografia

 

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 14. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012.

 

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 8ª edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. 

 

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – 2º Vol. – Parte Especial. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2001 

 

Notas:

[1]IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 8ª edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. P. 409.

[2]JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – 2º Vol. – Parte Especial. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2001 p. 426.

[3]IBRAHIM, Op. cit., p. 411
[4]AgRg no REsp 1264694 / SP 5ª Turma.Relatora Ministra LAURITA VAZ –DJ de 30/11/2012

[5]HC 153729 / PA.5ª Turma Relatora Ministra LAURITA VAZ –DJ de 02/02/2012 

[6]REsp 433830/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp,DJ de 28/04/2003 

[7] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 14. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012 p 455.

 

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