Apropriação indébita previdenciária - aspectos gerais


PorJeison- Postado em 25 março 2013

Autores: 
CASSEPP, Alexandre Azambuja.

 

INTRODUÇÃO

 

            Trata-se o presente artigo da análise do crime de apropriação indébita previdenciária. Delito que pode ser considerado novo, uma vez que foi introduzido em nosso ordenamento jurídico no ano de 2000, através da edição da Lei n.º9.983, a qual introduziu o art. 168-A no Código Penal Brasileiro.

 

As condutas incriminadas pelo referido dispositivo, já o eram, em sua maioria, tipificados em outras disposições legais. Com advento desta normatização, pelo princípio da especialidade, passou-se a aplicar as novas previsões.

 

Ao longo deste artigo, serão elencados o conceito de apropriação indébita previdenciária – e sua distinção com a modalidade clássica –, bem jurídico tutelado, elementos objetivos e subjetivos do tipo, figuras delitivas, formas de extinção da punibilidade, perdão judicial, entre outras características.

 

            Para tanto, serão utilizadas obras doutrinárias de qualificados autores, textos legais e constitucionais, assim como precedentes jurisprudenciais.
1 CONCEITO

 

Substituindo o art. 95, d, da Lei 8.212/91, que tratava dos crimes contra a Previdência Social, o art. 1º da Lei n.º 9.983/00, inseriu no Código Penal a figura típica especial denominada apropriação indébita previdenciária, descrevendo a referida lei os seguintes delitos:

 

Art. 1º - São acrescidos à Parte Especial do Decreto-Lei 2.284, de 7 de setembro de 1940 – Código Penal, os seguintes dispositivos:

 

Art. 168-A – Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: (AC) Pena – reclusão, de 2 a 5 anos, e multa. (AC);

 

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (AC) I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; (AC); II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenha integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; (AC); III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já estiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social. (AC)

 

Cabe, aqui, esclarecer que o termo “AC” significa acréscimo, ou seja, que foi agregado ao texto legal anterior – no caso ao Código Penal. É exigência da Lei Complementar 95/98, que regula a elaboração das leis ordinárias.

 

2 NATUREZA JURÍDICA

 

Todos os delitos acima descritos tem natureza de delitos de apropriação indébita, mas entendida em sentido jurídico, não naturalístico. Primeiro pelo nomen iuris do delito; em segundo lugar pela posição topográfica do art. 168-A; em terceiro lugar pela própria estrutura interna dos tipos penais, todos centrados na posse precedente da contribuição ou benefício, que deve ser repassado ou recolhido em favor da previdência social ou pago ao segurado.

 

Para Damásio de Jesus, o nomen iuris apropriação indébita previdenciária é inadequado, porque os novos tipos penais nada têm que ver com as figuras do art. 168 do CP, os quais exigem a precedente posse ou detenção do objeto material e ato posterior de dominus. Para ele, a modalidade previdenciária não requer que o autor se locuplete com os valores das contribuições, bastando, desde que recolhidas, que não sejam repassadas aos cofres públicos.

 

3 BEM JURÍDICO TUTELADO

 

O bem jurídico protegido possui natureza patrimonial. Tutela-se o patrimônio público, especificamente da Previdência Social – Instituto Nacional de Seguridade Social, autarquia federal que recebe e administra as importâncias recebidas, relativamente ao crédito resultante da contribuição ou do reembolso que advém do benefício.

 

Assim, a objetividade jurídica é supraindividual. É o patrimônio coletivo que está tutelado diretamente, não o patrimônio do trabalhador de quem foi feito o desconto. Não há esta perspectiva individualista. O que está em questão, portanto, é a função arrecadadora da previdência social.

 

O delito de apropriação indébita previdenciária sempre deve ocasionar, por conseguinte, uma lesão patrimonial, que acaba afetando só secundariamente os interesses dos próprios segurados e a livre concorrência das empresas.

 

4 SUJEITOS DO DELITO

 

Para Damásio de Jesus, trata-se de crime próprio. Sujeito ativo é a pessoa que deve repassar à Previdência Social as contribuições recolhidas dos contribuintes. Aliás, todos os que concorrem para o ilícito, por mandato, induzimento, respondem pelo crime. Todavia, há jurisprudência que exclui o Prefeito Municipal desse delito.

 

Contudo, conforme exposto pelo professor em aula, há entendimento majoritário no sentido de se tratar de crime comum, pois não é necessariamente a pessoa física que o comete, podendo ser a Pessoa Jurídica.

 

As contribuições muitas vezes são recolhidas em instituições bancárias, que repassam os valores ao INSS. Portanto, também poderão figurar como sujeitos ativos.

 

Os agentes públicos também podem praticar esse delito, uma vez que as contribuições sobre faturamento e o lucro, bem como as receitas de concursos de prognósticos, são fiscalizados pela Secretaria da Receita Federal.

 

Sujeito Passivo principal é o Estado, ou seja, o órgão da Previdência Social, oficial ou oficial complementar. Secundariamente, também seriam lesados os próprios segurados, privados das importâncias que seriam canalizadas. Para Mirabete, seriam, ainda, sujeitos passivos a Previdência Privada Complementar com ou sem fins lucrativos, entendimento isolado na doutrina.

 

5 TIPO OBJETIVO

 

            A conduta consiste em deixar de repassar, sendo crime de conduta mista, uma vez que a figura contém ação e omissão como formas de execução do tipo.

 

Na hipótese, o agente inicialmente recolhe as contribuições (comissão), para, em seguida, deixar de repassá-las (omissão).

 

Resulta configurado, por conseguinte, não com a simples omissão, que isoladamente enfocada é matéria administrativa, senão com o deixar de transferir, o valor recolhido ou descontado ou contabilizado ou reembolsado.

 

O delito é classificado como de crime material, com conduta e resultado requeridos para tipificação.

 

Para Júlio Mirabete, é considerado crime omissivo puro, de mera conduta, não havendo a exigência de que o agente se locuplete ou o Erário sofra prejuízo efetivo. Entretanto, consiste posição minoritária.

 

Para a configuração do delito, é irrelevante a existência ou não de prova do vínculo empregatício do contribuinte com a empresa.

 

5.1 Realização formal das condutas típicas

 

Seriam, para alguns, tipos inconstitucionais, porque configurariam prisão por dívida, incidindo na proibição do Pacto de San José da Costa Rica. É o mesmo fundamento dos que entendem inconstitucional a prisão civil do depositário infiel.

 

Contudo, como o STF entende que os Acordos e Convenções Internacionais ratificados pelo país – como o Pacto de San José da Costa Rica –, ingressam em nosso ordenamento jurídico com hierarquia de lei ordinária, não de norma constitucional, resta prejudicada o reconhecimento de inconstitucionalidade com base nesse fundamento.

 

5.1.1 Figura principal (caput)

 

            A conduta contemplada no art. 168-A do CP consiste em deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes. É a figura-padrão do delito de apropriação indébita previdenciária.

 

            A posse ou detenção do objeto material do crime – contribuições sociais – é requisito expresso do tipo, que fala em contribuições recolhidas dos contribuintes. Se o agente – que tem a obrigação legal ou convencional de repassar à previdência social as contribuições – não as tiver previamente recebido, não pode nunca cometer o delito de apropriação. O que caracteriza a apropriação indébita é a inversão do título da posse.

 

            O repasse deve ocorrer no prazo e forma legal ou convencional, (requisito normativo do tipo). O exame deve se dar no caso concreto para verificar se a omissão do repasse violou ou não a forma e o prazo legal ou convencional.

 

5.1.2 Figuras assemelhadas (§ 1º)

 

            Prevê o art. 168, § 1º, três condutas equiparadas ao comportamento do caput. São normas penais em branco, uma vez que o fato típico sempre dependerá da legislação previdenciária para a aplicabilidade dos dispositivos.

 

            Na hipótese do inciso I, é necessário apenas que as contribuições tenham como destino a Previdência Social. Se por um lado houve restrição, excluindo-se do conceito a Assistência Social e a Saúde, que fazem parte da Seguridade Social (arts. 194 e 204 CF), sob outro aspecto o tipo incriminador passou a abranger os agentes recolhedores de contribuições de terceiro, o que antes não se verificava.

 

            A lei menciona, também, que são segurados obrigatórios o empregado, o empregado doméstico, o empresário, o trabalhador autônomo, o trabalhador avulso e o segurado especial. Assim, é indiferente de onde provenha a contribuição ou qualquer importância destinada à Previdência Social. Basta que tenha sido descontada de pagamento, de qualquer remuneração.

 

            Esse tipo penal, por sua vez, quase que repete o constante no art. 2º, II, da Lei 8.137/90. Como esse diploma continua em vigor, conclui-se pela existência de um concurso aparente de normas penais, que se resolve pelo princípio da especialidade, ou seja, aplica-se a norma especial do CP.

 

            O delito específico ora em consideração (§ 1º, I do art. 168-A) tem pena menor que o do geral (art. 2 º, II, da Lei 8.137/90). Assim, nessa parte, trata-se de lei nova mais benéfica e retroativa, aplicando-se aos fatos típicos ocorridos antes da sua vigência.

 

            Essa modalidade é composta de conduta omissiva que é meio para se alcançar a apropriação indevida, comissiva. O requisito normativo prazo legal vem contemplado na legislação previdenciária.

 

A locução contribuição ou outra importância contida no tipo (objeto material do delito), gera perplexidade ao aplicador do Direito, porque, em sede previdenciária, o termo “contribuição” é a única exação passível de ser devida em relação à previdência.

 

Quanto à previsão do inciso II, não se trata de não recolher aquilo que se descontou de outras pessoas, senão de deixar de recolher o que tenha integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços.

 

A questão é a seguinte: no preço final do produto ou do serviço já está embutido o valor das contribuições devidas. Sendo assim, se são contabilizadas e depois não são repassadas para o INSS, há a apropriação desse custo.

 

São requisitos normativos desse tipo: contribuições devidas à previdência social (art. 11, Lei 8.212/91); que essas tenham integrado despesas contábeis ou custos (refere-se à contabilidade da empresa ou ao sistema de registros de dados da empresa). Se o contribuinte não mantém contabilidade regular ou registros das suas operações, não poderá cometer o delito em questão. Pode configurar o delito de sonegação de contribuições previdenciária (art. 337-A do CP).

 

Para que haja o delito, basta que as contribuições tenham como destino a Previdência Social, não mais a Seguridade Social, que nos serviços de Saúde e Assistência Social, independem de contribuição.

 

Já no que tange à hipótese do inciso III, ela se verifica quando os responsáveis pela empresa deixam de efetuar o pagamento devido ao segurado.

 

A empresa deve ter sido reembolsada pela Previdência Social e não ter pago o benefício no prazo legal para que o delito se configure.

 

Contudo, o tipo não arrola as várias espécies de benefícios pagos pelo INSS por intermédio da empresa. São exemplos, portanto, o salário-família, salário-maternidade e o auxílio-natalidade.

 

Isso ocorre, por exemplo, com o salário-família, que é um benefício devido ao segurado/empregado. Quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social, não pode aquela apropriar-se desse valor reembolsado.

 

6 TIPO SUBJETIVO

 

É o dolo, vontade livre e consciente de realizar as condutas incriminadas, estando a isso obrigado pela legislação.

 

As figuras não exigem nenhum fim especial, ou seja, o crime não requer nenhum ânimo especial, ao contrário da apropriação indébita comum, que só se perfaz subjetivamente com o ânimo de se apropriar indevidamente de coisa que tinha posse e detenção de boa-fé.

 

Para a configuração do delito, não é necessário que o sujeito ativo tenha intenção de enriquecer-se. Significa exclusivamente: consciência de que tinha de repassar a contribuição e possibilidade inequívoca de repassá-la. O empregador podia cumprir sua obrigação e não cumpriu, deixando de ser um inadimplente, para se transformar num criminoso.

 

Ressalte-se, por fim, que não há previsão de conduta culposa.

 

7 RESULTADO JURÍDICO RELEVANTE E DESVALIOSO

 

Não é um crime de perigo, mas de lesão: lesa os interesses patrimoniais da previdência. Consiste em crime material, comissivo de conduta mista, não puramente omissivo.

 

8 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

 

A consumação do delito do art. 168-A ocorre na data do término do prazo convencional ou legal do repasse ou recolhimento das contribuições devidas – no início do mês subseqüente ao da competência – ou do pagamento do benefício devido a segurado e reembolsado à empresa pela Previdência Social.

 

Também está consumado o delito quando o repasse não obedece à forma legal ou convencional.

 

            Consuma-se, portanto, quando resulta concreta e efetivamente afetada a função arrecadadora da previdência social. Não interessa se o sujeito enriqueceu ou não com aquilo que deveria ter repassado. O tipo não exige esse enriquecimento ou locupletamento.

 

            Quanto à possibilidade da tentativa, há divergência. O entendimento majoritário é no sentido da impossibilidade, por se tratar de crime que envolve conduta omissiva. Compartilham desta posição Mirabete e Damásio. Por outro lado, defende Luiz Flávio Gomes a possibilidade da configuração da tentativa, nos seguintes termos:

 

A tentativa é possível sempre que a apropriação encerra um iter, isto é, quando a decisão de se apropriar do que é devido à previdência é perceptível exteriormente e não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. (Gomes, 2001, p. 31).

 

9 FORMAS PRIVILEGIADAS

 

            Conforme dispõe o art. 170, é aplicável aos delitos de apropriação indébita previdenciária e assemelhados a forma privilegiada prevista no art. 155, § 2º, do CP.

 

9.1 Requisitos

 

Primeiramente, exige-se que o agente seja primário – não-reincidente. Se o réu for primário e tiver maus antecedentes, fará jus ao privilégio, porque a lei não exige bons antecedentes.

 

Em segundo lugar, que o valor apropriado seja de pequeno valor. A jurisprudência adotou o critério objetivo para conceituar pequeno valor, considerando aquilo que não excede a um salário mínimo.

 

Não se pode confundir o privilégio com a aplicação do princípio da insignificância. Pela sua incidência, o fato se torna atípico porque a lesão ao bem jurídico tutelado é ínfima, irrisória.

 

Na apropriação indébita previdenciária privilegiada, ao contrário, o fato é considerado crime, mas haverá um benefício.

 

9.2 Conseqüências

 

Na aplicação da pena, o juiz pode converter a reclusão em detenção, podendo reduzir uma ou outra de um a dois terços, ou aplicar somente a multa. Não pode, todavia, reduzir a privativa e a multa.

 

Apesar do § 2. º do art. 155 do CP trazer a expressão “pode”, presentes os requisitos legais, o juiz deve aplicar o privilégio, porque não há faculdade, e sim, direito subjetivo do réu.

 

10 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

 

            Prevê o CP uma causa especial de extinção da punibilidade para os crimes previstos no art. 168-A e seu § 1º, nos termos que a seguir:

 

É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação penal.

 

            Antes dessa previsão legal, a jurisprudência havia definido que o pagamento das contribuições previdenciárias devidas antes do recebimento da denúncia implicava extinção da punibilidade, por força do art. 34 da Lei 9.249/95. Pagamento feito após o recebimento da denúncia, portanto, não possuía o efeito extintivo da punibilidade.

 

            O legislador contemplou expressamente na Lei 9.983/00 o pagamento das contribuições, importâncias ou valores como causa extintiva da punibilidade, visando reparar, primeiramente, o prejuízo.

 

            Todavia, o § 2º do art. 168-A do CP disciplina o assunto com uma exigência que não constava na legislação anterior, qual seja, que o pagamento se concretize antes do início da ação fiscal.

 

            Pela jurisprudência precedente, o pagamento podia ser feito até o recebimento da denúncia, com base no art. 34 da Lei 9.249/95. Desta forma, nesse ponto, a disposição do CP é mais severa que a precedente. Portanto, é irretroativa e não alcança fatos passados.

 

10.1 Requisitos

 

Elenca, a doutrina, elementos que devem estar presentes ao mesmo tempo para que haja o benefício: 1º) declaração; 2º) confissão; 3º) quitação; 4º) prestar as informações devidas à Previdência Social; 5º) regulamentação; 6º) antes do início da ação fiscal.

 

            Quanto ao ato de declarar, este consiste em o contribuinte fornecer as declarações indicadas na forma da lei e do regulamento, com referência aos fatos geradores de obrigações fiscais da autarquia federal, através da entrega da GFIP até o dia 7 do mês subseqüente.

 

            A confissão significa admitir ter havido a retenção, subsistir débito e estar com a intenção de quitá-lo mediante acordo de parcelamento. O legislador usa a expressão “confessar” em razão do disposto no art. 38 da Lei 8.212/91, o qual afirma a necessidade de as contribuições serem verificadas e confessadas, implicando, a princípio, não mais poder o sujeito ativo da dívida discutir o valor devido.

 

            Entretanto, a confissão referida na Lei 9.983/00 só servirá para elidir a responsabilidade penal pela parte patronal, uma vez que não podem ser objeto de parcelamento as contribuições descontadas dos empregados, inclusive dos domésticos, dos trabalhadores avulsos e as decorrentes da sub-rogação de que trata o inciso IV do art. 30 da Lei 8.212/91.

 

            No que tange a quitação, esta se verifica quando o sujeito passivo recolhe os valores devidos.

 

            Contudo, o requisito de prestar informações à Previdência Social não é de simples delimitação. A doutrina refere que se trata de obrigação acessória de informar mensalmente ao INSS, por intermédio da GFIP, dados relacionados aos fatos geradores de contribuição previdenciária e outras informações de interesse do INSS.

 

            A forma definida em lei ou regulamento de prestar informações à Previdência Social está prevista na Lei 8.212/91.

 

            A cláusula final temporal antes do início da ação fiscal refere ao momento em que se emite e se entrega o termo formal – Termo de Início da Ação Fiscal. Na verdade, sem a cientificação pessoal do contribuinte não se pode considerar iniciada formalmente a ação fiscal.

 

            Consigne-se, ainda, que ação fiscal é o ato administrativo por meio do qual o INSS verifica o recolhimento das contribuições.

 

10.2 Parcelamento do débito

 

            No que diz respeito ao parcelamento do débito, a jurisprudência tinha entendimento de que se feito antes do recebimento da denúncia, resultava na extinção da punibilidade. Isso porque, o parcelamento inova a dívida. Tanto nos crimes tributários, como nos previdenciários, o escopo primeiro da política criminal é a arrecadação do que é devido aos cofres públicos. Uma das formas de receber é com o parcelamento, que nada mais é que uma forma de pagamento.

 

Os autores de crimes cometidos antes da vigência da Lei 9.983/00, em tese, permanecem sendo beneficiados pela extinção da punibilidade caso formalizem parcelamento antes do recebimento da denúncia, por força do art. 34 da Lei 9.249/95.

 

            Entretanto, para os delitos posteriores a Lei 9.983/00, o efeito extintivo do parcelamento passou a ocorrer, segundo o CP, apenas quando for concretizado antes do início da ação fiscal.

 

            Cabe referir, outrossim, que a Lei n.º.964/00 instituiu o Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, permitindo, em certas circunstâncias, o parcelamento de débitos. O caput do seu art. 15 suspendia a pretensão punitiva do Estado e o § 3º punha fim à punibilidade dos crimes, desde que a inclusão no referido programa tenha se dado antes do oferecimento da denúncia.

 

            Após, foi editado o REFIS 2 (Lei 10.684/03) que dispõe sobre a suspensão da pretensão punitiva daqueles que ao programa aderirem, durante o prazo do parcelamento. No entanto, diferente do primeiro REFIS, não limita que o parcelamento deve ser firmado antes do oferecimento da denúncia. Ou seja, pode ser feito a qualquer momento que extingue a punibilidade.

 

11 ARREPENDIMENTO POSTERIOR

 

            Há a possibilidade de se verificar o arrependimento posterior e a conseqüente redução da pena de um a dois terços, pois se trata de crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, caso seja reparado o dano até o recebimento da denúncia, por ato voluntário do agente.

 

12 PERDÃO JUDICIAL OU PENA DE MULTA

 

            O juiz pode deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa nas hipóteses mencionadas no §3º do art. 168-A, descrito abaixo:

 

É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

 

A pena de multa é a fixada pelo juiz, não podendo ser inferior a 10 dias-multa nem superior a 360 dias-multa, multiplicados pelo valor de cada dia multa, que pode ir de 1/30 a 5 vezes o valor do salário-mínimo nacional.

 

Registre-se que atualmente se aplica a multa como forma de alternativa de punição quando o valor devido pelo réu for significativo.

 

Além disso, são pressupostos para o perdão judicial e a aplicação isolada da pena de multa que o sujeito ativo seja primário e de bons antecedentes.

 

Primário é o não-reincidente. Reincidente é quem pratica nova infração penal depois de ter sido condenado antes por outra infração, consoante o art. 63 do Código Penal.

 

Já o conceito de antecedentes criminais exige uma condenação passada que não mais gere reincidência. Qualquer outra pretensão de considerar como antecedente criminal inquérito em andamento, processo em andamento, inquérito arquivado, entre outros, viola o princípio da presunção de inocência, que assegura que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado.

 

Preenchidos os requisitos, o juiz deverá aplicar o benefício, porque se trata de direito penal público subjetivo do réu.

 

Contudo, poderá o juiz optar entre o perdão judicial ou aplicar somente a pena de multa, levando em conta o caso concreto.

 

Há, entretanto, uma diferença: a sentença que concede o perdão judicial é declaratória extintiva da punibilidade e, portanto, não gera reincidência nem vale para antecedentes. A sentença que aplica a multa é condenatória e provoca tais efeitos secundários.

 

Nada impede que o juiz, logo após o interrogatório, havendo anuência das partes, já aplique o instituto adequado em cada caso concreto, para evitar burocracia inútil.

 

12.1 Pagamento como forma de perdão judicial ou aplicação só da multa

 

            Para ensejar a incidência dos institutos assinalados, a lei exige, no inc. I do § 3º, que o pagamento da contribuição social e acessórios – como a multa – seja feito após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia.

 

Note-se que o legislador não disse recebida, sim oferecida a denúncia. Se o pagamento se concretiza antes do início da ação fiscal dá-se a extinção da punibilidade. Se se dá após o oferecimento da denúncia e antes do seu recebimento, aplica-se o art. 16 do CP; se após o recebimento da denúncia, circunstância atenuante, com fulcro no art. 65 do CP.

 

Há críticas da doutrina não quanto ao limitador temporal, mas quanto à escolha de um limitador alheio à participação de seu destinatário, conforme traz em sua obra, Wladimir Martinez:

 

O cerne da questão é (...) a escolha (...) de um limitador que depende do processamento cartorial do processo criminal, sendo que o infrator a ser beneficiado pela extinção da punibilidade sequer é cientificado previamente do prazo que tem para efetuar o pagamento. A propósito, tal prazo não é passível de contabilização. Eis que o momento exato do oferecimento da denúncia é imprevisível, a depender do curso processual penal. Tal realidade atenta contra os princípios da segurança e da estabilidade das relações jurídicas. (Martinez, 2007, p. 41).

 

No entanto, o período em que se admite o pagamento para concessão do benefício é significativo, haja vista que o procedimento administrativo de cobrança compreende o Termo de Início de Ação Fiscal, a Notificação Fiscal ou a lavratura do Auto-de-Infração, atos lentos por natureza.

 

            Igualmente, questiona a doutrina o emprego pelo legislador da designação do valor a ser recolhido como contribuição social previdenciária. Ressalta que seria suficiente falar em contribuição previdenciária.

 

            Além disso, deve ser frisado que os acessórios referidos na norma penal devem ser entendidos como a multa administrativa automática (art. 35 da Lei 8.212/91) e os juros de mora (art. 34 da Lei 8.212/91).

 

12.2 Elisão da punição em virtude do valor

 

            O juiz também pode conceder os benefícios quando o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

 

            Tal dispositivo se justifica devido à relação custo/benefício. Débitos pouco expressivos não justificam cobrança administrativa ou judicial e, normalmente, são remidos.

 

            Atualmente, o limite para o não ajuizamento de execução fiscal pela autarquia previdenciária é de R$ 10.000,00 quanto a quota patronal. No que tange à quota do empregado, não há este limite, devendo todos os débitos inscritos em dívida ativa ser executados.

 

            Em vez de fixar um valor-padrão, como o fez no art. 337-A, § 3º, neste momento o legislador optou por importância a critério da administração.

 

            Embora, na hipótese prevista, não sobrevenha a aplicação da pena, crime houve e o executante perderá o benefício da primariedade.

 

13 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

 

            Além da contemplação de caso de perdão judicial ou aplicação de multa no inc. II do § 3º, do art. 168-A, pode nele ser constada uma típica hipótese de insignificância.

 

Quando o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, é reconhecidamente ínfimo, devemos aplicar o princípio da insignificância, que vem sendo amplamente admitido como excludente da tipicidade.

 

Ressalta a doutrina que pela Lei 9.441/97 foram extintos todos os créditos do INSS cujo valor total, até 30/11/1996, era igual ou inferior a R$ 1.000,00.

 

Pela literalidade do inc. II, do § 3º, do art. 168-A, o processo criminal deveria ser instaurado mesmo nas hipóteses de insignificância, para somente no final se conceder o perdão judicial ou aplicar a multa.

 

Contudo, tal procedimento conflita com o razoável, porque toda lei deve ser interpretada dentro do contexto jurídico global. Logo, nesse ponto, deve preponderar o princípio da proporcionalidade, que é constitucional, não a literalidade da legislação infraconstitucional, e, por conseqüência, ser rejeitada liminarmente denúncia que neste contexto se insira.

 

14 QUESTÕES DIVERSAS

 

14.1 Dificuldade financeira

 

            Quem deixa de repassar ou recolher a contribuição previdenciária ou mesmo quem não pagou ao segurado o benefício reembolsado, somente responde pelo delito de apropriação se podia agir de modo diferente, isto é, se tinha real possibilidade de realizar o repasse ou o recolhimento ou o pagamento.

 

Quando a dificuldade financeira for extrema, gera o estado de inexigibilidade de conduta diversa.

 

            Esse instituto é examinado no âmbito da culpabilidade como a capacidade do agente de comportar-se de acordo com a motivação de respeito ao bem jurídico protegido.

 

            O ônus da prova para a caracterização deste estado é do réu. Faz-se a prova por meio de documentos contemporâneos aos acontecimentos em tese típicos.

 

Assim, uma vez comprovado inequivocadamente a total indisponibilidade ou dificuldade financeira da empresa, vem a jurisprudência admitindo a absolvição do agente por inexigibilidade de conduta diversa.

 

14.2 Depositário infiel

 

            Quem detém a contribuição social descontada tem suas condutas disciplinadas pela Lei 8.666/94. Essa legislação considerou, em algumas circunstâncias, o empregador como depositário infiel.

 

Trata-se de instituto de caráter eminentemente civil que não interfere na seara penal e considerado constitucional, segundo entendimento do STF. Pode coexistir com os delitos previdenciários que porventura sejam praticados por empregador.

 

14.3 Aplicação de penas substitutivas

 

            Preenchidos os requisitos legais, não existe impedimento para se aplicar as penas substitutivas nos crimes previdenciários. A pena substitutiva deve ser adequada ao caso concreto.

 

14.4 Ação penal e questões processuais

 

            As modalidades do delito de apropriação indébita previdenciária são processadas mediante ação penal pública incondicionada.

 

            Quanto a competência, regra geral, é processado perante a justiça federal, por envolver autarquia federal – INSS. No entanto, tratando-se de delito que envolva servidor público municipal ou estadual, com regime de previdência própria, será competência da justiça estadual.

 

            Outrossim, deve se salientado que o inquérito policial não é imprescindível para a apuração da apropriação indébita previdenciária, bastando a representação administrativa. Aliás, é prescindível em todas as ações penais propostas pelo Ministério Público, quando este tenha provas mínimas que dêem justa causa à ação penal.

 

            Por fim, dentro do conjunto probatório, é importante ressaltar que não é necessária a realização de perícia contábil para a caracterização do crime de apropriação indébita previdenciária.

 

REFERÊNCIAS

 

1 BRASIL. Código Penal. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Nylson Paim de Abreu Filho. 13. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012.

 

2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

 

3 GOMES, Luiz Flávio. Crimes previdenciários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 120 p.

 

4 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 511 p.

 

5 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Os crimes previdenciários no código penal. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007. 112 p.

 

6 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. 427 p.

 

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