Aspectos Contratuais na Previdência Complementar Fechada


Porrayanesantos- Postado em 10 julho 2013

Autores: 
HENRIQUE, Adriano Cardoso

Resumo: A previdência complementar enquanto segmento do sistema constitucional de seguridade social vem se expandindo consideravelmente no país nos últimos anos. Seja pela sua importância enquanto política social seja pelo viés econômico como fomento da economia interna, a previdência complementar fechada destaca-se cada vez mais no cenário jurídico-econômico nacional. Neste esteio, o presente artigo tem por objetivo a abordagem teórica acerca dos aspectos jurídicos dos principais contratos previdenciários privado no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar - EFPC, comumente denominados Fundos de Pensão. Assim é que se abordará um panorama geral da previdência complementar e a regulação estatal do setor, partindo para os princípios gerais do contrato aplicáveis a previdência complementar e por fim, trazendo à lume os principais contratos que instrumentalizam as relações entre as partes que compõe o regime de previdência complementar operado por EFPC.  Desta forma, esperamos trazer à luz da doutrina um dos aspectos mais importantes da relação previdenciária no âmbito dos Fundos de Pensão.

 

Palavras-chave: Previdência Complementar Fechada. Princípios Contratuais. Contratos em espécie.

 

Sumário: 1. INTRODUÇÃO; 2. INTERVENÇÃO ESTATAL E DIRIGISMO CONTRATUAL; 3. O CONTRATO E SEUS PRINCÍPIOS REGENTES; 3.1 Princípio da função social do contrato; 3.2 Princípio da boa-fé objetiva; 4. TIPOLOGIA CONTRATUAL PREVIDENCIÁRIA; 4.1 Contratos Previdenciários Típicos; 4.2 Licenciamento Prévio; 4.3 Estatutos; 4.4 Regulamentos; 4.5 Convênios de Adesão; 5. CONCLUSÃO.


 

 

1.         INTRODUÇÃO

 

O segmento de previdência privada complementar fechado ou os tradicionalmente conhecidos “Fundos de Pensão” possuem em suas diversas relações contratuais a materialização dos princípios e diretrizes gerais que disciplinam a relação jurídica entre seus componentes ou partes contratantes.

 

A indicação dada pela Constituição Federal ao aspecto contratual da previdência complementar[1] traz a lume a dimensão e importância que da matéria jurídica para a previdência privada.

 

Desta forma, diplomas jurídicos típicos como: estatutos das entidades fechadas, regulamentos de planos de benefícios previdenciários e contratos de adesão compõem a tríade principal dos diplomas contratuais que regem as atividades deste segmento.

 

Logo, considerando a matriz constitucional, como acima referido, que insere a previdência privada no sistema de seguridade social, indeclinável o papel do Estado no papel de agente regulador de tais relações jurídicas. Ao disciplinar ou regular tais liames nas sociedades democráticas modernas, o Poder Público faz uso de políticas intervencionistas tais como o “Dirigismo Contratual” dentre outras, assegurando assim proteção jurídica equitativa aos componentes da relação negocial, em especial ao participante/ assistido[2], trazendo desta maneira equilíbrio e equidade ao regime previdenciário complementar.

 

Desta forma, o presente artigo pretende analisar e discorrer, ainda que de forma superficial em decorrência da complexidade do tema, acerca das principais figuras contratuais que permeiam as relações jurídicas no âmbito da previdência complementar fechada, bem como a forma de intervenção do Estado enquanto supervisor do sistema.

 

Antes de efetivamente discorrer dobre as espécies contratuais que regem as relações no âmbito da previdência complementar fechada, necessário a fixação das diretrizes de regulação estatal, bem como os princípios contratuais aplicáveis.

 

Ao término das análises e conclusões jurídicas explanadas, esperamos poder colaborar com a pesquisa e o debate jurídico que enseja o tema, que por sua riqueza conceitual, possui miríades de posições jurídicas.

 

2.         INTERVENÇÃO ESTATAL E DIRIGISMO CONTRATUAL

 

O sistema jurídico de um Estado deve acompanhar as grandes transformações que tem passado a sociedade, ora adequando-se à evolução desta, ora modelando tal progresso ao impor-lhe a observância obrigatória de princípios axiológicos inerentes a uma sociedade justa e fraternal. Tal medida evita, dentre outros efeitos, um anacronismo entre os aspectos fáticos e valorativos que a norma jurídica deve observar.

 

Neste diapasão, o direito civil nas últimas décadas vem adotando um caminho de inserção ou total observância aos preceitos constitucionais, levando a doutrina moderna a entender um verdadeiro “Direito Civil Constitucional”. Desta maneira, temos a observância de princípios constitucionais que se aplicam à seara das relações privadas, bem como princípios civilistas que devido ao seu teor ou cunho axiológico podemos anotar como verdadeiros valores constitucionais. Em trecho doutrinário[3] elucidativo disserta-se:

 

"...um sistema de normas e princípios institucionais integrados na Constituição, relativos à proteção da pessoa em si mesma e suas dimensões fundamentais - familiar e patrimonial - na ordem de suas relações jurídico-privadas gerais, e concernentes àquelas outras matérias residuais consideradas civis, que tem por finalidade firmar as bases mais comuns e abstratas da regulamentação de tais relações e matérias, nas que são suscetíveis de aplicação imediata, ou que podem servir de ponto de referência da vigência, da validez e da interpretação da norma aplicável da pauta para o seu desenvolvimento.

 

Deixamos para trás a fase doutrinária contratual na qual, no esteio dos valores do Estado Liberal Iluminista, propugnava-se pelo livre direito de contratar, não havendo balizas ou vetores aos quais não fossem estritamente a vontade particular dos contratantes exarados no enlace contratual.

 

 Tal período caracterizou-se pela sedimentação e maturação das relações contratuais, anteriormente insípidas em virtude de um cenário político inerente ao absolutismo ou outros regimes monárquicos totalitários, os quais o regime legal prestava-se tão somente à manutenção de poder pelo monarca ou déspota. Com maestria doutrinária, a Professora Cláudia Lima Marques[4] dissertou sobre as características de tal período:

 

Evitando-se teorizar se o dogma da liberdade contratual teria sua origem na doutrina da autonomia da vontade ou não, preferem eles uma análise funcional da teoria contratual, destacando que o contrato é, para o liberalismo do século XIX, um dos mais importantes institutos jurídicos, pois instrumentaliza a movimentação de riquezas na sociedade. Para estes autores, a idéia de liberdade contratual preencheu três importantes funções à época do liberalismo, momento de maturação da concepção tradicional de contrato. De um lado permitia que os indivíduos agissem de maneira autônoma e livre no mercado, utilizando assim de maneira ‘optimal’ as potencialidades da economia, baseadas em um mercado livre, e criando, assim, outra importante figura: a livre concorrência. De outro lado, nesta economia livre e descentralizada, deveria ser assegurado a cada contratante a maior independência possível para se auto-obrigar nos limites que desejasse, ficando apenas adstrito à observância do princípio máximo: ‘pacta sunt servanda’. Koendgen destaca aqui que esta ampla liberdade de contratar pressupõe juridicamente a aceitação de que a obrigação assumida é limitada a determinado ato e em determinado espaço de tempo. Ganha assim importância para o direito o consenso, a vontade de indivíduo, o conteúdo e os limites desta vontade, interna ou declarada. A terceira função do dogma da liberdade contratual pode ser denominada como função ‘protetora’. Na visão liberal, o Estado deveria abster-se de qualquer intervenção nas relações entre os indivíduos”

 

Com a evolução política do Estado no início do século XX, a exigência das sociedades modernas para que os Governos se fizessem mais presentes nas relações sociais se fez notar, especialmente num maior intervencionismo estatal.

 

Neste cenário o poder estatal passa a atuar de forma contundente e cogente nos instrumentos contratuais, principalmente naquelas avenças que vinculam uma coletividade expressiva ou até mesmo uma coletividade difusa. Nas palavras de Paulo Neto Lôbo[5]:

 

“a intervenção do Estado no contrato se processa historicamente desta forma: em uma primeira fase, tem uma função protectiva, favorecendo os economicamente mais fracos, adotando uma atitude de retaguarda. Intervém para estabelecer, pelos meios jurídicos, o equilíbrio. Em uma segunda fase, o Estado compõe-se a vanguarda, passando a determinar previamente as regras do jogo, de acordo não mais com os interesses dos particulares, mas com o interesse social. Agora não mais intervém: dirige. Dentro desse quadro, a tendência que se observa é a do contrato dirigido, regulamentado e fiscalizado pelo poder público”

 

A realidade social exige do Estado uma maior abordagem cogente acerca de diplomas jurídicos, outrora vinculativos entre poucos (autonomia de vontade), para que possa efetivamente tutelar as partes desiguais do contrato não mais numa relação estritamente privada, mas sim num contexto de relações massificadas e de consumo, no qual o Estado atua criando cláusulas e dispositivos jurídicos de observância obrigatórios em novas modelagens de contrato, tais como: contratos-formulários, contratos de adesão, contratos coletivos ou de aplicação abstrata.

 

Ainda na linha de debate acima delineada, podemos também questionar a possibilidade de uma atuação estatal após a celebração do contrato de previdência, ou seja, determinando a inclusão ou retirada de cláusulas contratuais que venham afrontar diretamente os princípios constitucionais da previdência complementar. Neste cenário entendemos possível que o órgão fiscalizador do regime de previdência complementar no âmbito das entidades fechadas, ao verificar inconsistências ou antinomias contratuais com a legislação vigente, determine, sob pena da sanção administrativa, a imediata correção, supressão ou modificação do comando contratual, para fins de adequação com as normas aplicáveis à espécie.

 

3.           O CONTRATO E SEUS PRINCÍPIOS REGENTES

 

O contrato é uma das instituições jurídicas mais antigas e permeiam as relações sociais desde os primórdios da civilização. Desde os contratos verbais de escambo, até os atuais e sofisticados contratos de investimentos e do sistema financeiro, o homem necessita de regramentos jurídicos balizadores de suas relações sociais, aos quais o direito se insere como um dos vetores primordiais. Neste sentido, interessante argumentação doutrinária[6]:

 

A moral cumpre função social vital já que precede inclusive a organização social, diversamente do direito, que tem sua origem formal e institucional abrigada nas mãos do Estado. No entanto, é curioso observar que apesar de não institucionalizada, a Moral cumpre papel essencial na formação do Direito. Justamente no momento em que os instrumentos sociais restam impotentes ou insuficientes para fazer valer comportamentos considerados morais, entra em cena o Direito, como mecanismo coercitivo institucionalmente estabelecido. A incapacidade de a Moral impor condutas à sociedade torna-se o input para surgimento das regras jurídicas, que se afiguram como elemento externo, com caráter sancionador e posto institucionalmente. Todavia, não serão todas as prescrições morais elevadas à condição de norma jurídica.

 

Neste contexto de vetores axiológicos é que devemos buscar na realidade jurídica do atual direito civil constitucional, os princípios aplicáveis às relações contratuais travadas na seara da previdência complementar. A importância de inicialmente estudarmos enunciados principiológicos decorre da importância destes vetores no tratamento das relações disciplinadas em negócios jurídicos próprios, ou seja, os contratos entabulados entre as partes. Com didática característica, Francisco dos Santos Amaral Neto[7] assim manifestou-se:

 

Princípios são os fundamentos que servem de alicerce ou de garantia e certeza a um conjunto de juízos. São pensamentos diretores de uma regulamentação jurídica, critérios para ação e para a constituição de normas e institutos jurídicos, a que se recorre quando em face de situações a priori indeterminadas.

 

Considerando que tais princípios encontram origem no direito civil, sendo que o objetivo deste trabalho é a análise do contrato no âmbito da disciplina do direito previdenciário privado, pedimos vênia para com supedâneo nas definições dos princípios abalizados pela doutrina civilista verificar a aplicação destes à relação contratual previdenciária.

 

3.1 Princípio da função social do contrato

 

Um dos princípios mais importantes do novo direito civil constitucional, o princípio da função social do contrato possui suas bases valorativas numa visão pós-moderna das relações privadas, sedimentadas não mais em um diploma normativo voltado para o particularismo ou defesa da propriedade, mas ao revés, dirigido para consecução dos direitos fundamentais do cidadão trazidos pela Constituição.

 

A função social do contrato é tema basilar do moderno direito civil, materializando o vetor constitucional de solidariedade, justiça e igualdade. Nas lições de Tereza Paiva de Abreu Trigo de Negreiros[8]:

 

“ a noção de função social convida o intérprete a deixar de lado uma leitura do direito civil sob a ótica voluntarista, e a buscar em valores sociais que o ordenamento institui como fundamento de todos os ramos do direito – sejam eles predominantemente públicos ou privados – novos horizontes de aplicação dos tradicionais princípios norteadores do direito dos contratos. Assim, muito além da liberdade individual, passam a integrar a axiologia contratual a justiça, a igualdade, a solidariedade e os demais valores que, sob a ótica civil-constitucional são essenciais à tutela da dignidade humana no âmbito da ordem econômica”.

 

Ratificando o posicionamento doutrinário acima o mestre Miguel Reale assim dissertou[9]:

 

 “função social do contrato” estatui é que este não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte contrária ou a terceiros, uma vez que, nos termos do Art. 187, “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

 

Como parâmetro inarredável para a orquestração de um contrato, e mais ainda quando da sua interpretação na execução deste, o princípio da função social do contrato é particularmente caro para os contratos previdenciários privados. Isto se confirma ao verificarmos o objeto principal do contrato previdenciário: a proteção previdenciária aos riscos sociais do trabalhador.

 

A natureza eminentemente social do contrato previdenciário é posto em destaque mais ainda pela própria topologia do tema no bojo da Carta Magna. A Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que deu nova redação ao artigo 202 e parágrafos, inseriu a previdência privada no capítulo da seguridade social, dentro da “Ordem Social”. Destarte, a previdência complementar, anteriormente prevista no “Título VII – Da Ordem Econômica Financeira”, passa então a ter uma regulamentação constitucional própria e detalhada, se comparada à disposição constitucional anterior. Portanto, podemos notar que o princípio da função social do contrato encontra ambiente propício para seu desenvolvimento e constitucionalmente albergado no que diz respeito à previdência complementar.

 

Ademais, não resta demasiado ressaltarmos que os contratos de previdência complementar, cujo objeto imediato é a proteção social, abrange não apenas um indivíduo isolado, mas sim uma coletividade de cidadãos com direitos homogêneos, que se orientam por fins de solidariedade e justiça social.

 

Nesta conformidade, o contrato previdenciário privado deve cumprir um dos seus princípios vetores ao tratar as relações contratuais focando sempre na busca da justiça contratual e solidariedade social ínsita em qualquer leitura interpretativa dos atuais contratos. De tal sorte que, trazendo a temática para o contrato previdenciário privado, temos que os estatutos, regulamentos, convênios de adesão e outras avenças devem guardar observância obrigatória para com a garantia do bem-estar social e da justiça social dos contratantes. Cláusulas contratuais que de alguma forma onerem desproporcionalmente uma das partes ou lhe retirem direitos injustificadamente devem ter afastadas a sua aplicação de imediato. Desta forma, a solidariedade, característica da seguridade social, será alcançada por meio da observância da função social do contrato no âmbito da previdência complementar.

 

3.2       Princípio da boa-fé objetiva

 

Outro princípio de observância obrigatória nas relações contratuais diz respeito ao princípio da boa-fé objetiva nos contratos. Tal princípio possui mutabilidade constante tendo em vista sua conceituação possuir estreita ligação com os princípios morais e éticos vigentes na sociedade em determinado período.

 

 Torna-se mais claro a percepção do conceito de boa-fé objetiva nos contratos quando verificamos quais condutas que ensejam a materialização de tal princípio. Destarte, a boa-fé nos contratos é aquela nas qual as partes contratantes se pautam por uma conduta de lealdade, confiança, ética, honestidade, clareza nas intenções e objetivos contratuais, razoabilidade, decência, afastamento de condutas abusivas que importem desrespeito para com a outra parte, dentre outras. Neste sentido, doutrina[10] abalizada assim conceitua o princípio da boa-fé objetiva:

 

"A boa-fé objetiva é concedida como uma regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração de que todos os membros da sociedade são juridicamente tutelados, antes mesmo de serem partes nos contratos. O contratante é pessoa e como tal deve ser tutelado.” 

 

No âmbito do contrato previdenciário complementar a boa-fé contratual é princípio indispensável, em face do caráter social e solidário que permeiam tais relações. Aqui abrimos um pequeno parêntese para atentar ao fato que, mesmo possuindo a natureza contratual, os integrantes do sistema de previdência complementar buscam metas e objetivos conjuntos ou em parceria. A tutela previdenciária do trabalhador é a meta a ser alcançada.

 

4.         TIPOLOGIA CONTRATUAL PREVIDENCIÁRIA

 

O regime de previdência complementar operado por entidades fechadas de previdência complementar possui no contrato previdenciário o principal instrumento para viabilização de seu maior objetivo: a instituição e execução de planos de benefícios de caráter previdenciário.

 

A relação previdenciária privada cujos fundamentos jurídicos assentam-se numa relação contratual adquiriu realce constitucional com o advento da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que deu nova redação ao artigo 202 da Carta Magna, assim propugnando no caput do artigo:

 

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam obenefício contratado, e regulado por lei complementar. (destaque nosso)

 

O aspecto contratual destacado no comando constitucional acolheu tal característica na seara constitucional, espancando desta forma quaisquer críticas a tal característica veiculada na doutrina[11] à época:

 

“As entidades fechadas de previdência privada e os participantes que a elas se associam firmam uma relação contratual, constituído mediante a adesão desses últimos aos planos de benefício oferecidos por aquelas, nos termos de seus estatutos e regulamentos internos”.

 

A previsão de natureza contratual da relação previdenciária privada albergada pela Constituição Federal já se encontrava sedimentada na doutrina especializada. Neste diapasão Manoel S. Soares Póvoa[12] conceitua o contrato previdenciário privado:

 

“Contrato previdenciário é ato jurídico bilateral pelo qual uma pessoa – o participante, querendo garantir-se e aos seus contra as conseqüências da materialização de certos riscos sociais, acorda com pessoa legalmente autorizada a efetuar, no domínio privado, a compensação desses riscos – a entidade, mediante o pagamento (único ou continuado) de uma importância – a contribuição, recebe, por ele ou pelas pessoas que designou como beneficiário a respectiva compensação ou reparação, na forma de benefícios pecuniários ou de serviços previdenciários.(...) A bilateralidade tem sido objeto de especulação intelectual, pois se afirma que, como em muitos casos, se só o sujeito ativo tem sempre obrigações, o contrato não é bilateral. Em nosso entender, a bilateralidade é sui generis e está em harmonia com a qualidade sui generis dele; se o fundamento da instituição seguradora é a compensação dos riscos a que um conjunto de pessoas está sujeito, compensação essa que é feita por uma organização específica, com personalidade jurídica, chamada entidade, a obrigação desta, não tem qualquer equivalência com a obrigação do sujeito ativo. Ambos os sujeitos têm direitos e obrigações, só que o direito do sujeito ativo, só se objetiva com a materialização do risco, ou mais explicitamente no caso do contrato previdenciário, com a verificação do evento que, nos termos contratuais, dá ao sujeito ativo o direito de receber o benefício, e ao sujeito passivo a obrigação de o proporcionar.

 

Portanto, a meu ver, indene de dúvidas acerca da natureza jurídica contratual da previdência privada.

 

4.1         Contratos Previdenciários Típicos

 

Neste tópico trataremos dos três tipos de contratos que fundamentam a relação jurídica previdenciária no âmbito do sistema de previdência privada executada pelas entidades fechadas.

 

No domínio da previdência privada, temos como diplomas contratuais bases de todo arcabouço contratual: o Estatuto, Regulamento e Convênio de Adesão. Tal tríade inclusive encontra citação expressa em dispositivo constitucional:

 

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

 

[...]

 

§ 2º As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos,regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. (destaque nosso)

 

Conforme podemos observar do texto constitucional, a importância destes contratos basilares do sistema previdenciário privado possui relevo capital na disciplina do tema. Vale a pena destacar que somente o convênio de adesão não foi citado no dispositivo da carta magna. Entretanto, como haveremos de constatar adiante, da leitura da cláusula constitucional pode-se deduzir que ao referir-se ao termo “plano de benefícios” o dispositivo faz referência indireta ao convênio de adesão, pois somente através do entabulamento deste as partes têm acesso ao plano de benefícios.

 

4.2       Licenciamento Prévio

 

Os principais tipos contratuais existentes na relação previdenciária sofrem necessariamente a autorização prévia do Poder Público, por intermédio do órgão fiscalizador das relações de previdência privada no âmbito das entidades fechadas. Nesta esteira, assim preconiza a Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001:

 

        Art. 33. Dependerão de prévia e expressa autorização do órgão regulador e fiscalizador: 

 

        I - a constituição e o funcionamento da entidade fechada, bem como a aplicação dos respectivos estatutos, dos regulamentos dos planos de benefícios e suas alterações; 

 

        II - as operações de fusão, cisão, incorporação ou qualquer outra forma de reorganização societária, relativas às entidades fechadas; 

 

        III - as retiradas de patrocinadores; e 

 

        IV - as transferências de patrocínio, de grupo de participantes, de planos e de reservas entre entidades fechadas. 

 

Entre a vigência da citada Lei complementar e o advento da Lei 12.154, de 23 de dezembro de 2009, a então Secretaria de Previdência Complementar – SPC exercia o papel de órgão fiscalizador, conforme preceito legal[13]. Com o advento da Lei 12.154/2009, passa a exercer o papel de órgão fiscalizador[14] a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Previc, autarquia de natureza especial vinculada ao Ministério da Previdência Social.

 

Desta forma, os principais contratos (estatuto, regulamento, convênio de adesão) entabulados no âmbito das entidades fechadas devem necessariamente subsumir-se ao crivo da autarquia fiscalizadora para verificação da legalidade, juridicidade e adequação aos princípios e normas regentes do regime de previdência complementar operado por entidades fechadas.

 

4.3       Estatutos

 

O Estatuto das Entidades Fechadas de Previdência Complementar - EFPC caracteriza-se como a lei orgânica destas, trazendo em suas cláusulas toda a estrutura necessária para o funcionamento da Entidade tais como: objeto ou finalidade, pessoas físicas e jurídicas que podem possuir vínculo instâncias de governança,

 

Os estatutos, como acima já informamos, devem necessariamente ser aprovados pela Previc para obtenção de validade e eficácia jurídica. Nesta esteira, assim regulamenta a Resolução CGPC nº 08:

 

Art. 2º O estatuto das entidades fechadas de previdência complementar deverá dispor sobre:

 

I – denominação, sede e foro;

 

II – objeto da entidade;

 

III – prazo de duração, que deverá ser indeterminado;

 

IV – indicação das pessoas físicas ou jurídicas que, na qualidade de participante, assistido, patrocinador ou instituidor, podem se vincular a plano de benefícios administrado pela entidade;

 

V – estrutura organizacional – órgãos e suas atribuições, composição, forma de acesso, duração e término do mandato dos seus membros.

 

§ 1º O estatuto da entidade fechada de previdência complementar deverá observar a terminologia constante da Lei Complementar nº 109, de 2001, e, no que couber, da Lei Complementar nº 108, de 29 de maio de 2001.

 

§ 2º O estatuto não deverá dispor sobre matéria específica de regulamento de plano de benefícios.

 

Portanto, os estatutos das EFPCs devem necessariamente albergar todos os mecanismos de administração e jurídicos para o bom funcionamento da entidade, indicando de maneira clara e objetiva, àqueles que pretendem celebrar contrato de adesão com a entidade, como se materializa a relação previdenciária no âmbito da instituição.

 

4.4       Regulamento

 

O regulamento do plano de benefícios é o contrato previdenciário por excelência. Neste devem estar alocados e disciplinados todos os direito e obrigações que vinculam as partes do contrato previdenciário, sejam eles patrocinadores, instituidores[15] ou participantes. Ademais, conforme nos deteremos mais adiante, o convenio de adesão deve necessariamente ter o regulamento do plano como diretriz para as cláusulas deste contrato individualizado entre entidade e patrocinador ou instituidor, e entre entidade e participante/assistido.

 

4.5       Convênio de Adesão

 

O convênio de Adesão é o contrato inicial celebrado entre patrocinador (empresas) ou instituidor (associações) com a EFPC para fins de instituição ou adesão ao plano de benefícios administrado e executado pela entidade previdenciária.

 

Art. 13. A formalização da condição de patrocinador ou instituidor de um plano de benefício dar-se-á mediante convênio de adesão a ser celebrado entre o patrocinador ou instituidor e a entidade fechada, em relação a cada plano de benefícios por esta administrado e executado, mediante prévia autorização do órgão regulador e fiscalizador, conforme regulamentação do Poder Executivo.

 

Tal avença traduz o vínculo jurídico que se estabelece com um dos atores do regime de previdência complementar, estipulando direitos e obrigações deste para com a EFPC que administra planos de benefícios previdenciários aos seus empregados, no caso de patrocinador, ou associados, no caso de instituidor.

 

5.         CONCLUSÃO

 

O presente artigo teve como objetivo básico tecermos algumas considerações e reflexões acerca de aspectos contratuais no âmbito da previdência complementar, abordando os princípios regentes e instrumentos contratuais típicos.

 

Longe de esgotarmos o tema, bem como considerando ainda a escassez de doutrina especializada no que diz respeito à previdência complementar, resta destacarmos a necessidade da reflexão do aqui exposto, buscando assim concretizar em tais relações, principalmente no que diz respeito à aplicação dos princípios contratuais, uma cultura de justiça e solidariedade em tais relações.

 

Notas:

[1]         Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).

[2]         Art. 3o A ação do Estado será exercida com o objetivo de:

        (...)

        VI - proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios. (Lei Complementar nº 109/2001)

[3] FLORES-VALDÉS, Joaquín Arce y, apud DIAS, Joaquim José de Barros. Direito civil constitucional. In: LOTUFO, Renan. Direito civil constitucional: caderno 3. São Paulo: Malheiros, 2002.

[4] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, 5ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 61.

[5] LÔBO, Paulo Luiz Neto. O contrato: exigências e concepções atuais. São Paulo: Saraiva 1986, p. 25.

[6] FERREIRA, Maria Angelita Nestor. Fundamentos Éticos para Administração Pública. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2009. 169p. (Dissertação, mestrado em Direito).

[7] In: O Código Civil Brasileiro e o problema metodológico de sua realização. Do paradigma da aplicação ao paradigma jurídico-decisório. In. RBDC, p. 69.

[8] In: NEGREIROS, Tereza Paiva de Abreu Trigo de. Teoria do Contrato: novos paradigmas, p. 208.

[9] In: REALE, Miguel. A Função Social do Contrato. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>

[10] DELGADO, José Augusto. O contrato de seguro e o princípio da boa-fé: questões controvertidas. São Paulo: Método, 2004. p. 126.

[11] TÁCITO, Caio. Previdência privada e direito adquirido. Revista de direito administrativo. N 186. out./dez. 1991. p.101. 

[12] PÓVOA, Manoel S. Soares. Previdência Privada – Filosofia, Fundamentos Técnicos, Conceituação Jurídica, FUNENSEG, 1985, ps.203/4.

[13] Art. 74. Até que seja publicada a lei de que trata o art. 5o desta Lei Complementar, as funções do órgão regulador e do órgão fiscalizador serão exercidas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, por intermédio, respectivamente, do Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) e da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), relativamente às entidades fechadas, e pelo Ministério da Fazenda, por intermédio do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), em relação, respectivamente, à regulação e fiscalização das entidades abertas. (LC nº 109/2001)

[14] Art. 1º (...)

Parágrafo único.  A Previc atuará como entidade de fiscalização e de supervisão das atividades das entidades fechadas de previdência complementar e de execução das políticas para o regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência complementar, observadas as disposições constitucionais e legais aplicáveis.

[15] Art. 2º Considera-se Instituidor a pessoa jurídica de caráter profissional, classista

ou setorial, que oferecer plano de benefícios previdenciários aos seus associados. (Resolução CGPC nº 12, de 17 de setembro de 2002)

 

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