Aspectos da Conciliação e o Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010)


Porwilliammoura- Postado em 23 abril 2012

Autores: 
ASSAGRA, Igor

Aspectos da Conciliação e o Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010)

Sumário: 1. Um breve relato histórico - 2. Inglaterra e Alemanha - 3. A solução de conflitos e "crise da Justiça" - 4. Meios alternativos de solução dos conflitos? - 5. Conciliação: 5.1 Conciliação judicial; 5.2 Conciliação extrajudicial - 6. PLS 166/2010 - 7. Arremate - 8. Bibliografia.

1 – Um breve relato histórico

         A conciliação não é um instituto novo na história do ordenamento jurídico brasileiro, nem é exclusivo ao nosso país. A doutrina majoritária por si mesma encontra dificuldades em posicionar sua verdadeira origem, entende-se que a conciliação se encontra inerente à natureza do homem.

            Antes de tudo, é de todo modo especulativa tal afirmação ontológica do instituto, uma vez que ele é na realidade fruto do resultado da práxis humana, da construção do homem em sociedade na busca dos melhores meios para solucionar os conflitos que daí surgem.

            Curiosamente, a própria Bíblia, no livro do apóstolo Mateus, traz uma passagem tratando da conciliação, revelando-nos, ao mínimo, que se discorria sobre seu uso entre os povos antigos:

Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão. Eu te garanto: daí não sairás, enquanto não pagares até o último centavo (capítulo 5, versículos 25 e 26)[1]

            Na Roma antiga, clássica pelo direito, prestigiava-se a conciliação em atributo à deusa Concórdia, o que mostra a vinculação até sagrada de tal resolução, levando Lorenza Scamuzzi a afirmar: "Nell' antica Roma, terra clássica Del dritto, la conciliazione sempre in onnore. Nè senza ragione si è edificato non lungi dal Foro il tempio dedicato all Dea Concordia".[2]

            No período colonial brasileiro, as Ordenações Filipinas traziam previsão no sentido de que os juízes tinham o dever de ao menos tentar conciliar as partes, no Livro III, Título XX, §1º, in verbis:

E no começo da demanda dirá o Juiz para ambas as partes, que antes que façam despezas, e se sigam entre elles os ódios e dissensòes, se devem concordar, e não gastar suas fazendas  por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre He duvidoso.

            A partir do Governo Republicano, que instaurou uma aplicação devidamente concentrada e até mesmo autoritária do Judiciário, a prática conciliatória foi abolida por algumas legislações, tanto que hoje, a previsão do instituto em nossa codificação é vista por muitos como uma conquista. Um deles é Guilherme Silva Barbosa Fregapani, afirma ao retratar minuciosamente tal acepção:

(...) a incorporação da tentativa de conciliação pela norma processual brasileira foi determinada pelos resultados positivos verificados nas ações trabalhistas, de desquites e de alimentos, bem como por estar em vigor, de há muito, nos principais legislações européias.[3]

            Ao se privilegiar a vontade das partes, finalmente, processualistas renomados passaram a assumir a defesa das novas formas de solução de conflitos, verificando ulteriormente que a conciliação deve ser encarada como um dos melhores meios de pacificação dos litígios, evitando que o conflito se arraste e se propague. Revela-se então um instituto tão eficaz para a harmonia social que alguns doutrinadores a elevaram à categoria de princípio[4].

2 – Inglaterra e Alemanha

            Os ordenamentos europeus são frutos diretos da mutação histórica do Direito Romano, nos quais a conciliação é consagrada por grande parte das legislações processuais, porém de maneira muito incipiente, apontada como uma solução de futuro. Além disso, se apresentam instituídas de maneira peculiar por órgãos oficiais.

            Na Inglaterra os pre-action protocols vêm sendo estabelecidos desde finais da década de 90 do século passado.[5] São encarados como meios pré-contenciosos definidos em procedimentos padronizados e extrajudiciais de composição autônoma de conflitos.

            Logo, ao emergir um litígio que possa vir a ser submetido ao âmbito de aplicação de um dos protocolos em vigor, a parte não deve recorrer, de imediato, à via judicial, deve antes levar em conta o procedimento, que se destina especificamente à obtenção de uma negociação, ou se tornando esta impossível, ao prepararo a uma ulterior proposta judicial.

            Se ao contrário, a parte recorre diretamente ao tribunal, ser-lhe-ão impostas penas civis que o se entender adequadas, a mais freqüente delas é a imposição de multas. Outrossim, o tribunal pode remeter as partes para o procedimento extrajudicial de composição, suspendendo a instância em que se encontra.

            Tal disposição está na regra 4.7 das Practice Directions on pre-action protocols: " The courts take the view that litigation should be at last resort, and that claims should not be issue prematurely when a settlement is still actively being explored. Parties are warned that if protocol is not followed, than the court must have regard to such conduct when determining the costs".

            A lei alemã através do §15a EGZPO[6]adota procedimentos também pré-contenciosos em suas legislações processuais civis dos diferentes estados.[7]A justificação para a adoção de tais procedimentos foi a necessidade de racionalização do recurso aos tribunais. Portanto, de acordo com posicionamento do BGH, constituem verdadeiras condições de admissibilidade da ação. Todavia, ao decidir, num caso concreto, que os procedimentos em questão devem apresentar-se infrutiferamente percorridos antes de propor a ação em si; o BGH tem sido alvo de diversas críticas da doutrina alemã, pois sustentou a posição de anadmissibilidade da ação ao sustentar que o procedimento pré-contencioso é na realidade uma condição de admissibilidade, que não deve estar apenas verificada quando da conclusão da segunda audiência ,e sim quando da propositura da ação.

            Desse modo grande parte da doutrina alemã compreende que o BGH acabou por reconduzir a função procedimental negocial anterior à conteção a razões economicistas, afirmando que o único objetivo da mediação prévia seria o de afastar a litigiosidade potencial dos tribunais e não a de obter, através da via negociada, uma resolução que concorra diretamente para a paz social.

3 – A solução de conflitos e a "crise da Justiça"

           

            Ao ver as peculiaridades dos procedimentos pré-contenciosos nos casos inglês e alemão, passamos a discorrer sobre a apreciação da solução de conflitos frente a "crise da justiça".

            Numa concepção clássica, o indivíduo, frente ao Estado de Direito, troca a possibilidade de exercício da justiça privada pela justiça pública. Por seu lado, o Estado se compromete a manter a ordem pela sua organização e prestação de serviços de Justiça, pretendendo afastar qualquer tipo de anarquia. Desse modo, os litígios são decididos por um representante desse Estado, o juiz, que, tendo o seu estatuto informado pelo princípio do juiz natural, dita soluções no caso concreto sempre em harmonia com o direito posto pelo sistema estatal.

            Ao se falar em "crise da Justiça" faz-se referência a essa concepção clássica que se mostra falida para atender as demandas que são postas em juízo na contemporaneidade. Ao se analisar intrinsecamente os sistemas de Justiça, estes são, sobretudo, lentos e caros, as estruturas processuais tradicionais postas pelo sistema estatal estão engessadas e obsoletas. A partir de então, segue-se à conclusão de que a Justiça concebida institucionalmente necessita, urgentemente, de profundas transformações.

            A visão do Poder Judiciário enquanto único habilitado a solucionar os conflitos sociais está cristalizada na sociedade. Os conflitos se judicializaram de tal maneira que o serviço jurisdicional centralizado não consegue suprir efetivamente as exigências principiológicas constitucionais. A centralização da jurisdição vai ao sentido de promover apenas o acesso à Justiça formal, desprezando o acesso à ordem jurídica justa. 

             Deve-se repensar a função dos tribunais judiciais frente ao reconhecimento de instâncias alternativas para a resolução de conflitos inseridos nos âmbitos constitucionais.

            Já advertiram Mauro Cappelletti e Bryant Garth:

Existem vantagens óbvias tanto para as partes quanto para o sistema jurídico, se o litígio é resolvido sem necessidade de julgamento. A sobrecarga dos tribunais e as despesas excessivamente altas com os litígios podem tornar particularmente benéficas para as partes as soluções rápidas e mediadas, tais como o juízo arbitral. Ademais, parece que tais decisões são mais facilmente aceitas do que decretos judiciais unilaterais, uma vez que eles se fundam em acordo já estabelecido entre as partes. É significativo que um processo dirigido para a conciliação – ao contrário do processo judicial, que geralmente declara uma parte "vencedora" e a outra "vencida" – ofereça a possibilidade de que as causas mais profundas de um litígio sejam examinadas e restaurado um relacionamento complexo e prolongado.[8]

4 – Meios alternativos de solução dos conflitos?

            A procura de esquemas alternativos de realização da Justiça se mostra como um desafio aos operadores do direto, principalmente aos processualistas. A conciliação é por isso importantíssima na busca ao acesso à ordem jurídica justa, ao permitir o diálogo argumentativo entre as partes, afastando a necessidade de imposição de uma decisão do Estado-juiz.

            Outrossim, enquanto instrumento de pacificação, as partes não são colocadas numa posição maniqueísta de "ganhadores" e "vencedores", pois constroem dialogicamente a solução do conflito.

            Harmoniza-se, por fim, psicologicamente as partes envolvidas, convencidas de que ambas saíram satisfeitas com o acordo, evitando todos os conhecidos transtornos de uma demanda que se encaminha judicialmente: ansiedade, angústia, desgosto e irritações.

            Contudo, a articulação prática do sistema judicial com os demais meios alternativos de resolução está formulada de modo artificial e pouco eficiente.

            A relação que se busca é a de verdadeira alternatividade, nesse ponto, pressupõe-se a escolha livre das partes ao meio que desejarem utilizar para resolver a controvérsia. Só haverá a livre escolha pelas partes no momento em que todos os meios em concurso forem funcionalmente equivalentes.[9]

            Ao passo que a Justiça centralizada não é eficiente e muito menos acessível, para além de violações de garantias constitucionais, a alternatividade não passa de termo retórico ao se observar que os meios colocados como alternativos acabam por ser necessários e inevitáveis para quem busca acesso à justiça.

            Por isso, visto o movimento de transformações paradigmáticas no modelo processual, entende-se que a integração de sistemas não centralizados buscaria a verdadeira relação de alternatividade, não se satisfazendo apenas com as afirmativas de "processo ou conciliação" e "processo ou arbitragem", mas sim uma ideia de multi-door court.[10]

 

5 – Conciliação

            A conciliação pode ser praticada judicial (processual) ou extrajudicialmente. A judicial é dever do juiz. Logo, deve ser praticada a qualquer momento e em qualquer grau de jurisdição, como previsto no art. 125, IV, do Código de Processo Civil. Esse mesmo Código estimula a conciliação em momentos diversos, os arts. 277 e 331 prevêem a audiência, a qual não priva o juiz de tentar novamente em outras fases do procedimento, como previsto nos arts. 447 a 449 do CPC.

            O magistrado deve usar da conciliação mediante a tentativa de uso da persuasão e de técnicas de negociação, como para evitar a litigiosidade latente entre as partes. Para a efetivação da justiça contemporânea, o juiz deve ser antes de tudo um excelente conciliador.

             Nesse sentido dispõe a Lei 8.952/94 a respeito da audiência preliminar. Entende-se que se é cabível transação e existe probabilidade de conciliação para a melhor solução do conflito não é lógico que a audiência seja facultativa.

5.1 – Conciliação judicial

            A institucionalização da conciliação processual pelo poder Judiciário ocorreu com força maior a partir do movimento "Conciliar é legal" introduzindo a "Semana Nacional da Conciliação", no ano de 2006.

            Dados mostram que no ano de 2010, foram programadas para serem efetuadas 439.180 audiências durante a Semana Nacional de Conciliação, desse total, 361.945 foram realizadas. Por fim, 47,4% dos processos foram solucionados, ou seja, 171.637 audiências deram resultado em acordos.[11]

            Tais dados mostram que a resolução conciliatória ainda está no princípio de seu movimento para se enraizar na solução de controvérsias definitivamente. Mas os dados apontados são motivadores. Tendo em vista que é um processo lento, o qual, porém, não deve abrir mão na sua continuidade para atingir seus objetivos.

            São exigências para que a conciliação se efetive um respeito entre as partes e maturidade argumentativa que consiga dialetizar as posições e buscando uma superação pacífica. Nesse ponto, só o exercício, a praxis, configurará o aperfeiçoamento desse instituto.

5.2 – Conciliação extrajudicial

            Esse tipo conciliatório se faz importante por evitar a formatação do processo em si. No direito estrangeiro, como na Inglaterra, ela é realizada por juízes de paz com a função de pacificar os conflitos que ainda não deram causa final a um processo judicial. Portanto, como já colocado anteriormente, trata-se de uma fase obrigatória que curiosamente precede o exercício do direito de ação.

            No Brasil, os Conselhos de Conciliação no estado do Rio Grande do Sul, no ano de 1982, tiveram a experiência de realizar a conciliação pré-processual com o intuito de solucionar extrajudicialmente causas menores, as quais envolviam direitos disponíveis.[12]

            Para tanto, conciliadores e árbitros eram voluntários e exerciam suas funções fora do horário comercial, geralmente no período noturno, quando eram solicitados pelos interessados.

            O que se tentava num primeiro momento era a composição amigavelmente convencionada entre as partes. Caso isso não fosse possível, num segundo instante era proposto o advento de um árbitro com conhecimento suficiente para exercer sua função no caso concreto. Finalmente, num terceiro e último momento recorria-se à via jurisdicional.

            Conforme coloca a Lei n. 11.232/2005 modificando o art.475-N, em seu inciso V no Código de Processo Civil, acordo, nesse caso, poderá ser homologado na via judicial, assumindo o reconhecimento do Estado-juiz por meio de "título executivo judicial", tendo o mesmo peso jurídico, para todos os fins, de uma sentença proferida pelo próprio Estado-juiz.

            Cassio Scarpinella Bueno argumenta brilhantemente:

           

Mesmo sem a "homologação" (...), o Código de Processo Civil reconhece que, preenchidas determinadas exigências, um acordo extrajudicial pode também ser equiparado a uma decisão jurisdicional. São os casos de "títulos executivos extrajudiciais" referidos no art. 585, sendo de destaque os previstos no inciso II daquele dispositivo.[13]

            De fato, a eficácia da conciliação só pode se dar com a ampla discussão, direta e ética entre as partes. Acontecendo antes ou depois do processo, amplia a aproximação e a participação dos envolvidos para a solução do conflito. Ao fim, proporciona efetivo acesso à ordem jurídica justa, o tratamento igualitário entre os contendores que decidem suas divergências, conjuntamente da forma que entendem ser a melhor, harmonizando-se.

6 – PLS 166/2010

            "Colcha de retalhos", é essa a figura metafórica que uma série de doutrinadores faz uso para se referir ao estado atual do Código de Processo Civil. Com uma grande sequência de emendas, quebrou-se grande parte de sua coesão e coerência sistemática. Ao não promover a efetivação da garantia fundamental de acesso à justiça, o CPC se torna um tanto quanto caótico na tentativa de tutelar concretamente os direitos do jurisdicionado.

            Tentando adaptar as regras processuais às garantias constitucionais fundamentais para melhor suprir, de certa forma, a ineficiência do Código Processual, o movimento de constitucionalização agrega cada vez mais seguidores na doutrina. Pensa-se a rever os conceitos principiológicos do processo sempre à luz dos direitos positivados na constituição. O processo, então, volta o seu foco à sua missão mais considerável: resolução eficaz dos conflitos sociais, garantindo a realização dos preceitos constitucionais.

            As inovações trazidas pelo PLS 166/2010 para o instituto da conciliação tentam seguir essa corrente? Ou seria mais uma tentativa falha? É o que se passa a analisar levando em conta os artigos propostos.

            No atual Código a figura do conciliador não está elencada em seu art. 139, já o PLS 166, em seu art. 129, o insere entre os auxiliares da justiça.  Enquanto auxiliar o conciliador tem vital importância na administração da justiça, principalmente se levarmos em conta o seu caráter popular de participação.

            Especificamente, o Projeto traz as disposições do conciliador em conjunto com a de mediador nos arts. 144 a 153. É imprescindível notar que são distintas as atividades que cada um exerce, embora sejam práticas muito semelhantes, não se pode confundir a mediação com a conciliação.

            Aquela se dá basicamente sem intervenção, ou seja, o mediador trabalha balizando as intenções das partes na busca de uma solução que traga benefício mútuo. Já na conciliação há interferência direta na solução do conflito, por isso, o conciliador não só baliza as pretensões das partes, mas, por possuir conhecimento jurídico, orienta e esclarece de forma definitiva na solução do conflito.

            Cândido Rangel Dinamarco coloca com excelência:

O conciliador é encarregado de conduzir o entendimento das partes com vistas a um ato final, que elas mesmas poderão realizar, acordos que levem a autocomposição do conflito. Ele não exerce jurisdição, como se dá com o conciliatore no processo civil italiano. Mas é vital e indispensável a sua tarefa num juizado especial de pequenas causas. Age como multiplicador da capacidade de trabalho do juiz e sob sua superior orientação.[14]

           

            Desse modo, serenidade, equilíbrio, bom senso e controle próprio são atributos sem os quais um bom conciliador não exerce um trabalho de excelência. A capacidade para identificar o objeto do litígio é essencial, percorrendo o caminho correto e harmonizando mais uma vez as partes, pondo fim ao embate de modo que seja suficiente o apaziguamento definitivo entre os envolvidos. Não se esquecendo de levar a carga de princípios fundamentais para o bom funcionamento do instituto.

            Os princípios da independência, da neutralidade, da autonomia de vontade, da confidencialidade, da oralidade e da informalidade são estipulados no art.144, § 1º; e devem nortear o entendimento da conciliação.

            A independência diz respeito ao livre desenvolver do conciliador na sua atuação. Interferências que sejam capazes de reduzir sua autonomia de apreciação e negociação do caso são condenáveis. Sempre ressalvando que a sua atividade deve se pautar dentro dos parâmetros legais, morais e éticos da sociedade.

            A neutralidade foi mal colocada pelo legislador. Ao se entender o direito enquanto discurso ideológico não é possível que este se desvincule desse conteúdo e passe a ser neutro. Logo, o conciliador por ser um sujeito produto da história nunca poderá ser neutro. O que é na realidade fundamental para o instituto é a imparcialidade. Esta sim, entendida enquanto a equidistância em relação às partes, para não influir negativamente no diálogo, é que deve ser levada a cabo.

            Considerados isonomicamente, são os litigantes, com o auxílio do conciliador, que devem construir a solução do conflito em harmonia. Desse modo, a autonomia da vontade é importantíssima para preservar tal descrição, a qual deve ser vista como um dos valores mais preciosos do instituto.

            A confidencialidade preserva a privacidade do indivíduo em litígio uma vez que os fatos, situações e propostas realizadas durante a conciliação e a mediação são sigilosos. Tanto o conciliador quanto as partes devem manter o respeito ao sigilo de fatos confidenciais que se colocam na negociação. Caso isso não ocorra, e vaze informações, a confiabilidade nesse método passa a ser menor, o que prejudicaria até mesmo a sua característica de alternatividade.

            O que predomina na conciliação é o diálogo argumentativo, por isso o princípio da oralidade é previsto. Contudo é de se ressaltar que tal diálogo deve se fazer com compromisso ético dos interessados na construção da solução do litígio.

            O princípio da informalidade surge para que a negociação possa se dar da melhor maneira possível, isso quer dizer que não se deve ter apego ao formalismo das audiências judiciais, e sim no melhor conforto para um bom diálogo.

            Interessante é o que dispõe o art. 146 do PLS 166/ 2010 ao facultar às partes a escolha de um conciliador de confiança para auxiliar na solução do conflito, seguindo o que dispõe a Lei da Arbitragem (Lei 9.307/1996) em seu art.13, § 1º. Caso não haja acordo para tanto, será sorteado um dos conciliadores inscritos no registro do tribunal em questão.

            Tal disposição é bem vida e de bom grado, uma vez que a escolha de um conciliador em comum por ambas as partes pode vir a ensejar maior conforto, principalmente psicológico, para estas. O que é de se ressalvar é quanto ao princípio da imparcialidade do conciliador. É mister reforçar o caráter ético que deve ser levada a conciliação, nesse ponto em especial, já que se a escolha for mal efetuada ou feita com má-fé dificilmente o acordo seria possível, e se alcançado, certamente o ideal de aceso à justiça estaria seriamente comprometido.

            Por isso, as hipóteses de impedimento e suspeição que estão vinculadas ao juiz, também devem ser utilizadas para configurar da melhor maneira possível a imparcialidade do conciliador. Estabelece então o art. 149 do Projeto:

Art. 149. No caso de impedimento, o conciliador ou o mediador devolverá os autos ao juiz, que realizará nova distribuição; se a  causa de impedimento for apurada quando já iniciado o procedimento, a atividade será interrompida, lavrando-se ata com o relatório do ocorrido e a solicitação de distribuição para novo conciliador ou mediador.[15]

            Sobre a audiência de conciliação o Projeto é inovador ao prever, num capítulo próprio, uma audiência de conciliação que precede a contestação, em seu art. 323:

Art. 323. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação com antecedência mínima de trinta dias.[16]

            Portanto, a audiência em questão tem caráter obrigatório, ressalvando-se o que dispõe o § 5º desse mesmo artigo, o qual coloca que a audiência não será realizada caso alguma das partes manifestar desinteresse na solução amigável.

            É interessante notar que no § 1º do referido dispositivo, o Estado-juiz se afasta da condução exclusiva da audiência conciliatória para a entrada da atividade do conciliador. Além de interessante, o dispositivo é de suma importância para o atingir de uma das finalidades da conciliação: o desafogar da atividade do Estado-juiz.

            Este, por muitas vezes, por conta de grandes pautas a serem cumpridas diariamente, e até mesmo certo despreparo, não consegue dar a devida atenção a tal audiência, tratando-a como mais um dos procedimentos enfadonhos do processo. Outrossim, a inserção do conciliador traz um primeiro passo no caminho para a descentralização da justiça. Uma vez que objetiva a solução do conflito, não com a imposição da sentença do Estado-juiz, mas sim com o auxílio do conciliador, a formulação pelas próprias partes do que entendem ser o melhor para cada uma. Tal fato irradia o poder de justiça centralizado e monopolizado das mãos do Estado-juiz para a efetiva participação popular na busca pelo acesso à ordem jurídica justa.

            Por fim, sobre a obrigatoriedade da presença do advogado ou defensor público para acompanhar as partes, Alisson Farinelli e Eduardo Cambi trazem satisfatória exposição para defender o que positiva o § 7º:

(...) é preciso ponderar sobre a seguinte situação: imagina-se que o juiz designa a conciliação e comparece ao ato, perante o conciliador, o autor acompanhado de seu advogado e o réu, sem defensor, ou vice-versa. Nesse caso, a realização da audiência viola a garantia constitucional da ampla defesa, que é composta pelos direito a autodefesa e à defesa técnica. Para conferir tratamento isonômico às partes, o transcurso válido da audiência dependeria da nomeação imediata de advogado ad hoc ou defensor público para integrar a audiência e assistir a parte não assistida. Afinal, o art. 133 da CF/1988 afirma, peremptoriamente, ser o advogado indispensável à administração da Justiça.[17]

            Essa colocação é relevante pois além de apresentar forte argumento, se configura ao modelo constitucional de processo civil, tão levantado pela doutrina para sua melhor formulação.

7 – Arremate

            Não há dúvidas de que o Projeto do Novo Código de Processo Civil é inovador ao tratar da conciliação. Uma vez que traz mudanças de caráter político ao positivar a resolução do conflito sob a perspectiva subjetiva de cada parte, além de mudanças econômicas processualmente, com menor quantidade de atos processuais. Estatuindo um novo paradigma da atividade conciliadora.

            Tal modelo se insere numa nova formatação da cultura processual, a qual deve ser trabalhada em face de todos os atores que fazem parte do processo, garantindo assim, a concretização final do moderno ordenamento processual.

            Para tanto, a eficaz implementação dessas inovações deve se valer de duas condições principais.[18]A primeira diz respeito àqueles sobre os quais as inovações irão se repercutir e que devem desenvolvê-las e as considerarem adequadas. Frente à conciliação reforça-se o uso ético do discurso argumentativo na formulação do acordo. Caso contrário, o descrédito com o instituto se instalará e a resistência conservadora que rejeita tal inovação só será fortificada.

            Em segundo lugar, estão os meios necessários à integral implementação dessa onda renovatória, ou seja, deve-se conceder todas as condições de que dependam a efetiva transação para um novo modelo paradigmático. Mais uma vez, não basta apenas a positivação formal das inovações pelo Novo Código, é necessária uma rediscussão da cultura processual que está sendo desenvolvida e se desenvolverá, principalmente frente à grande gama da magistratura, que no decorrer histórico sempre se mostrou reacionária às mudanças em busca de uma radicalização democrática do processo em detrimento da manutenção do status quo.

            Vistas tais condições, será a práxis dessa inovação que nos trará respostas mais contundentes do que está por vir. A construção concreta do direito pela sociedade é que explicará por fim os benefícios e também malefícios desse Novo Código de Processo Civil.

8 – Bibliografia

ALVES, Francisco Glauber Pessoa. A conciliação e a fazenda pública no direito brasilero. In: Revista de Processo. vol. 187. 2010. São Paulo: Revista dos Tribuanis.

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 4ª ed. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2010.

CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: SAEF, 1988.

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COSTA E SILVA, Paula.  O acesso ao sistema judicial e os meios alternativos de resolução de controvérsias: alternatividade efectiva e complementariedade. In: Revista de Processo. vol. 158. São Paulo: Revista dos Tribunais.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das Pequenas causas. Editora Revista dos Tribunais. 1986

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FARINELLI, Alisson; CAMBI, Eduardo. Conciliação e Mediação no Novo Código de Processo Civil (PLS 166/ 2010). In: Revista de Processo. ano 36. vol 194. abril/2011. São Paulo: Revista dos Tribunais.

FREGAPANI, Guilherme Silva Barbosa. Formas alternativas de Soluçao de Conflitos. In: Revista de Informação Legislativa – ano 34, nº 133.

HONORIO, Maria do Carmo. Conciliação e Transação no Juizado Especial Cível. In: Revista dos Juizados Especiais. vol. 31. São Paulo: Revista dos Tribunais.

LOURIVAL, J. Serejo Souza de. O acesso à Justiça e aos Juizados Especiais. O princípio da Conciliação. In: Revista dos Juizados Especiais – nº 20, Porto Alegre.

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SCAMUZZI, Lorenzo. Conciliatore e Conciliazione Giudiziaria: Il Digesto Italiano. 8º v.

TARUFFO, Michele. Un'alternativa alle alternative: modelli di risoluzione dei conflitti, Repro 152, ano 32. São Paulo: Revista dos Tribunais, out.2007.

[1]Bíblia de Estudo Plenitude – Bíblia Sagrada, traduzida para o português por João Ferreira de Almeida, p.954.

[2]SCAMUZZI, Lorenzo. Conciliatore e Conciliazione Giudiziaria: Il Digesto Italiano. 8º v. p.40.

[3]FREGAPANI, Guilherme Silva Barbosa. Formas alternativas de Soluçao de Conflitos. In: Revista de Informação Legislativa – ano 34, nº 133, p.105.

[4]LOURIVAL, J. Serejo Souza de. O acesso à Justiça e aos Juizados Especiais. O princípio da Conciliação. In: Revista dos Juizados Especiais – nº 20, Porto Alegre, p. 30-32.

[5]Atualmente o sistema inglês conta com uma série de pre-action protocols, dentre eles: protocol for personal injury, que entrou em vigor em 26.04.1999; protocol for construction and engineering disputes, que entrou em vigor 02.10.2000; protocol for judicial review, que entrou em vigor em 04.03.2002; e protocol for housing disrepair, que entrou em vigor em 08.12.2003.

[6]Acessível em, e que entrou em vigor em  01.01.2000.

[7]Entre os estados que istituíram procedimentos pré-contenciosos estão: Bayern, Nordrhein-Westfalen, Brandenburg , Saarland e Schleswig- Holstein. Dados recolhidos em Becker/Nicht, Einigungsversuch und Klagezulãssigkeit.

[8]CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: SAEF, 1988, p. 83-84.

[9]TARUFFO, Michele. Un'alternativa alle alternative: modelli di risoluzione dei conflitti, Repro 152, ano 32. São Paulo: Revista dos Tribunais, out.2007, p. 319-325.

[10][10] COSTA E SILVA, Paula.  O acesso ao sistema judicial e os meios alternativos de resolução de controvérsias: alternatividade efectiva e complementariedade. In: Revista de Processo. vol. 158. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 97-98.

[11]Conselho Nacional de Justiça. Conciliação supera expectativas e homologa 1,074 em acordos. Disponível em:. Acesso em 10.10.2011.

[12]GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. São Paulo: Editora Forense, 1990. p. 205-206.

[13]BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 4ª ed. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 45.

[14]DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das Pequenas causas. Editora Revista dos Tribunais. 1986.

[15]Projeto novo código de processo civil. Disponível em:. Acesso em: 16 de outubro de 2011.

[16]Ibidem.

[17]FARINELLI, Alisson; CAMBI, Eduardo. Conciliação e Mediação no Novo Código de Processo Civil (PLS 166/ 2010). In: Revista de Processo. ano 36. vol 194. abril/2011. São Paulo: Revista dos Tribunais. p.  301-302.

[18]COSTA E SILVA, Paula.  O acesso ao sistema judicial e os meios alternativos de resolução de controvérsias: alternatividade efectiva e complementariedade. In: Revista de Processo. vol. 158. São Paulo: Revista dos Tribunais.