Aspectos da desconsideração da personalidade juridica no âmbito da Justiça do Trabalho - um estudo de sua realização no plano da eficácia jurídica


Porrayanesantos- Postado em 28 maio 2013

Autores: 
LUCENA, Armando de Sousa

 

Sumário: 1 - A atividade empresaria e os princípios constitucionais aplicáveis. 2- A pessoa jurídica e os efeitos da sua personalização. 2.1 – O principio da autonomia patrimonial. 2.1.1 Diretrizes para analise do principio da autonomia patrimonial 2.2.1.1 Especificação do estado ideal para delimitar quais os bens jurídicos que o compõem. 2.2.1.2 Descrever os comportamentos necessários à efetivação do estado de coisas. 2.3 – Caracterização e eficácia jurídica da regra 3 - Desconsideração da personalidade jurídica 3.1 – A determinação dos efeitos do Principio da autonomia patrimonial 3.2 - Aspectos materiais do abuso de personalidade 3.3 - Aspectos Processuais da desconsideração da personalidade jurídica 3.4 – Da desconsideração da personalidade jurídica decretada de oficio pelo juízo 4 – Da responsabilidade patrimonial 5- Uma releitura da interpretação (das normas) sobre a desconsideração da personalidade jurídica pelos tribunais do trabalho 5. 1 – Uma visão perspectiva da desconsideração da personalidade jurídica – À guisa de conclusão.


 

1- A ATIVIDADE EMPRESÁRIA E OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS 

A sociedade empresaria é aquela que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, constituindo elemento de empresa. A figura da organização produtiva em que aparece o empresário (individual) ou a sociedade empresária tem proteção normativa constitucional, como o principio constitucional da ordem econômica, a teor do que consta dos artigos 170 a 192 da Carta Magna de 1988 e o principio da livre iniciativa. Importa afirmar que mesmo considerando que a liberdade de iniciativa é que impulsiona a atividade econômica e determina as relações de mercado, deve ser observado que a autonomia da empresa deve atender ao princípio da ordem econômica, que deve estar em harmonia com as diretrizes estabelecidas nos artigos 1º e 3º, da Constituição Federal, designadamente o princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social.

Essa ordem de valores, que se colhe dos princípios da ordem econômica, revela quanto à atividade econômica, que a empresa – sujeito ativo que se apropria dos fatores de produção - jungida pela liberdade de iniciativa, se apresenta “individualmente como unidade produtora, cuja tarefa seria combinar fatores de produção, com o fim de oferecer ao mercado bens e serviços, não importando qual o estágio da produção”. (MARTINS, 2005. p. 673)

Por sua vez, temos que  (MARTINS, 2005. p. 677)

Quanto aos fundamentos constitucionais vinculados à ordem econômica e que submetem a disciplina da empresa e suas relações, em ordem de prevalência, são: dignidade da pessoa humana; a construção de uma sociedade livre, justa e solidaria; garantir o desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; liberdade de associação profissional ou sindical; a sujeição da ordem econômica aos ditames da justiça social.

Nesse contexto, é de se observar que na Sociedade Empresaria os Direitos Fundamentais da pessoa não se separam do trabalhador por força do Contrato de Trabalho, mesmo reconhecendo a liberdade da empresa, conforme se extrai do art. 170 da Constituição Federal do Brasil, quanto ao núcleo essencial que estabelece á ordem econômica.  

Depreende-se ainda que o art. 170 da Carta Brasileira de 1988 consagra a inviolabilidade do direito à propriedade, demonstrando “o reconhecimento constitucional da propriedade privada considerado como dogma máximo do sistema capitalista, cuja utilidade deve conciliar os postulados da livre iniciativa e livre concorrência.” (MARTINS, 2005. p. 676)

Contudo (MARTINS, 2005. p. 676)

Fundamentada no principio da livre iniciativa, a Carta Magna brasileira reconhece a propriedade privada e a reserva da atividade econômica aos particulares, porém condiciona-as a dignidade da pessoa humana e a valoração do trabalho, e as dirige à construção de  uma sociedade livre, justa e solidária. Isso deve ocorrer porque a propriedade e a livre iniciativa são apenas princípios-meios, e desta forma devem estar balizados no reconhecimento do valor da pessoa humana como fim.

Se é certo que existem obrigações que decorrem do contrato de trabalho, no caso, por parte do trabalhador de exercer laboriosamente as suas funções, em consonância com a CLT e a Constituição Federal, e, por parte do empresário, como condutor da organização produtiva em impor certas limitações aos Direitos Fundamentais para a obtenção de resultados satisfatórios, não olvidando, que tais limitações, só devem acontecer quando necessárias para os legítimos interesses empresariais, de forma a impor também uma limitação a liberdade da empresa, quando a sua atuação não for justificada, isto é, quando os direitos fundamentais sofrerem limitações que implique acesso ao salario.

Essa abordagem inicial revela-se como premissa de que a Sociedade Empresária, além da sua importância como fator de desenvolvimento social e econômico, aparece comprometida com a imperiosa necessidade de garantir o compromisso de sua função social em face do regramento jurídico estabelecido e da eventualidade de condutas ilícitas perpetradas por ela.

Essa afirmação tem a finalidade de asseverar que a desconsideração da personalidade jurídica pode ser decretada independentemente de existir regramento legal, tendo em vista as normas constitucionais acima referenciadas, principalmente com o principio da dignidade da pessoa humana.

2- A PESSOA JURIDICA E OS EFEITOS DE SUA PERSONALIZAÇÃO.

Como dito acima, no sistema Capitalista adotado pelo Brasil, a exploração de atividade econômica tem como agente organizador a sociedade empresaria que se constitui em Pessoa Jurídica. A forma jurídica adotada para o desenvolvimento da atividade econômica tem seu regramento jurídico-legal no Código Civil, por constituir seu objetivo em finalidade econômica, ou seja, de produção ou circulação de bens ou serviços.

Interessa-nos, no ponto, que a atividade comercial, antes de entrar em exercício,  faz-se necessário, após a sua constituição que seja o contrato social inscrito na Junta Comercial respectiva (deixaremos de mencionar a sociedade simples), como determina o Art. 1.150, do CC. Essa atitude legal e obrigatória de proceder com o registro da Pessoa Jurídica (Art. 45, CC), que tem como objetivo, o desenvolvimento de uma atividade econômica, faz nascer no plano do Direito, isto é juridicamente, a personalização da sociedade empresaria (Art. 985 CC). Em outros termos, o ato constitutivo devidamente formalizado na junta comercial é o elemento indispensável para que a sociedade empresária seja considerada sujeito de direito.

Com a sociedade empresaria devidamente formada (legalizada) e ostentando por sua vez a personalidade jurídica, surge a separação do patrimônio social do patrimônio individual.  Esta ilação é do entendimento de COELHO (2005, p. 15)

No patrimônio dos sócios, encontra-se a participação societária, representada pelas quotas da sociedade limitada ou pelas ações da sociedade anônima. A participação societária, no entanto, não se confunde com o conjunto de bens titularizados pela sociedade, nem com uma sua parcela ideal. Trata-se, definitivamente, de patrimônios distintos, inconfundíveis e incomunicáveis os dos sócios e o da sociedade.  

Fica evidente que a separação dos patrimônios da sociedade empresária e dos sócios por força da personalidade jurídica adquirida por parte daquela, faz surgir o principio da autonomia patrimonial, geradora de perspectivas e confianças daqueles que empreendem na formação e consolidação de patrimônio financeiro essencial ao desenvolvimento da atividade econômica empresarial. Garantir o pleno exercício da atividade empresarial sem qualquer vinculação com o patrimônio dos sócios é uma “afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio dos sócios não responde por dividas da sociedade...” (COELHO, 2005, p. 16)

2.1 – O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL

Cumpre-nos para respaldar a desconsideração da personalidade jurídica, investigar a aplicação do principio da autonomia patrimonial, definindo o estado de coisas que lhe são afetos e sua correspondência com as regras para justificar os fins a serem atingidos. Para tanto, é imperioso a definição das categorias normativas para compreender a sua concretização. Essa afirmação evidencia-se, porque, a desconsideração da personalidade jurídica tem ligação com o plano da eficácia jurídica, como logo será tratado.

Ávila (2009, p. 78), define Princípios, como:

 normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.

Como se vê, os princípios se apresentam como normas que objetivam uma pretensão finalística, sem relevar de imediato o objeto do comportamento a ser realizado, para tanto, enfatiza a realização e a preservação de um estado ideal de coisas.

2.1.1 Diretrizes para analise  do principio da autonomia patrimonial

Considerando que os princípios, voltados para o comprometimento do estado valorativo das coisas, só se efetivam quando o seu conteúdo for devidamente realizado por meio de um comportamento que garanta a realização e preservação do fim desejado, propõem-se os seguintes passos para a investigação do principio da autonomia patrimonial.

2.2.1.1 Especificação do estado ideal para delimitar quais os bens jurídicos que o compõem.

Nesse sentido, pode-se afirmar que o “estado de coisas pode ser definido como uma situação qualificada por determinadas qualidades.” (ÁVILA, 2009, p. 71) Implica dizer, que o estado de coisas tem como conteúdo valorativo uma situação estabelecida por um principio, cuja pauta dimensiona “a adoção de comportamentos necessários à sua realização.” (ÁVILA, 2009, p. 75) “O estado de coisas transforma-se em fim quando alguém aspira conseguir, gozar ou possuir as qualidades presentes naquela situação.” (ÁVILA, 2009,  p. 71)

Fica evidente que o principio da autonomia patrimonial, pressupõe, como condição para sua realização ou preservação, a personalização da sociedade empresaria, que é o estado ideal de coisas, que para sua realização são necessários determinados comportamentos.

Em sendo assim, é de se observar que a personalização da pessoa jurídica é uma “propriedade essencial” à promoção do principio da autonomia patrimonial. Quer dizer, para que a sociedade empresaria realize ou preserve a sua personalização, deve está protegida pelo principio da autonomia patrimonial. Para a efetivação do estado de personalização é preciso cumprir com determinados comportamentos, como segue.

2.2.1.2 Descrever os comportamentos necessários à efetivação do estado de coisas.

Dito isto, para que o princípio da autonomia patrimonial se efetive, deve ser observado de um lado, pela sociedade empresaria, o dever de realizar o estado ideal de coisas que se cumpre através da formalização (registro) do ato constitutivo na junta comercial.

Como visto acima devem ser realizados vários atos, condutas típicas – fatos que compõem o suporte fático - daqueles que intencionam desenvolver uma atividade empresarial, para tanto deve cumprir os procedimentos necessários para sua realização. Por outro lado, preservar o estado de personalidade, adotando um comportamento que garanta a separação patrimonial do capital social do capital individual do sócio, pressuposto indispensável para o completo exercício da atividade empresarial.

Cumprindo a sociedade empresária com os formalismos exigidos pela lei, terá plena proteção normativa constitucional como referido acima, oportunizando o pleno exercício da atividade econômica – com existência e validade -, já que sendo a sociedade uma pessoa jurídica dotada de personalidade, o ordenamento jurídico lhe confere capacidade e competência para possuir patrimônio próprio dissociado do patrimônio dos sócios que a instituiu.

Nesse contexto, se percebe que a normatividade do principio da autonomia patrimonial é retirado do sistema, cuja promoção jurídica se revela orientadora da atuação da pessoa jurídica com padrões de conduta exigíveis no exercício da atividade empresarial.

Uma vez cumprida essa diretrizes, resta saber se para a concretização do principio da autonomia patrimonial requer-se a complementação de outra norma, notadamente as regras.

2.3 –  CARACTERIZAÇÃO E EFICÁCIA JURÍDICA DA REGRA

De relevante questão, afigura-se de importância incomensurável, o estudo das regras para melhor compreensão de sua função no sistema normativo, no sentido de estabelecer qual a opção para sua concretização para atingir as finalidades estabelecidas pelos princípios.

As regras define Ávila (2009, 78):

são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.

Isto implica dizer que as regras, ostentam uma descrição de comportamento, orientadas pelas razões que justificam a aplicação do conteúdo normativo da hipótese com a finalidade que a sustenta.

Diante da regra jurídica estabelecida, forjada na lógica de funcionamento do Estado de Direito, quando em determinadas situações, ficar configurada a existência de atos praticados em desconformidade com ela, a ordem jurídica autoriza a desconsideração dos efeitos que o ato porventura pretendesse produzir. (BARCELLOS, 2008)

Dentro desse contexto, a regra jurídica contida no Art. 50, do Código Civil cogita de conduta proibitiva – suporte fático - à sociedade empresária no exercício da atividade econômica, de praticar abuso de personalidade, sob pena de configurar-se ato ilícito, acarretando, a consequência jurídica respectiva.

Neste aspecto, extrai-se que o efeito pretendido pela regra legal do Art. 50 do Código Civil, a contrario sensu, é de que a sociedade empresária não conduza o exercício de sua atividade econômica com abuso de personalidade, de modo que aqueles que estejam envolvidos em relações jurídicas confiadas a ela não sofram prejuízos.

Infere-se que o fundamento logico do dispositivo legal do Art. 50 do Código Civil, compõem-se de uma regra jurídica – abuso de personalidade – que incidirá sobre as circunstancias de fato que se amoldam a hipótese que ela indica, desvio de finalidade e confusão patrimonial, para que se obtenha o efeito pretendido.

Implica dizer que a “construção da eficácia jurídica” do abuso de personalidade “depende de uma etapa previa que envolve a identificação dos efeitos que a regra pretende produzir”.  (BARCELLOS, 2008, p. 41)

De outra banda, desatendida o comando normativo é preciso assegurar a imperatividade da regra desejada, por meio de tutela judicial, de forma que o fato contrário a direito, – fato jurídico ilícito – como violador da ordem jurídica, provocará a suspensão da personalidade jurídica - consequência jurídica -, sacrificando a autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

Esse entendimento se avulta com a “nota de juridicidade” localizada na regra abuso de personalidade, que, conforme Barcellos (2008, p. 36):

vem com a capacidade de impor pela força se necessário, a realização dos efeitos pretendidos pela norma ou, ainda, de associar algum tipo de consequência ao descumprimento da norma, capaz de provocar, mesmo que substitutivamente, a realização do efeito normativo inicialmente previsto ou um seu equivalente.

De outra banda temos que os efeitos pretendidos pela norma do Art. 50 do Código Civil podem também abranger um conjunto de situações espalhadas pelo sistema, como as hipóteses de abuso de direito e a fraude, para a qual a desconsideração da personalidade  jurídica pode  alcançar o fim desejado.

3        -  DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURIDICA

A desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo que tem aplicação quando o principio da autonomia patrimonial não é perseguido pela sociedade empresária, a partir do qual a regra que institui um comando proibitivo terá seus efeitos concretizados, afastando-se os efeitos da personalização, em face da caracterização do abuso de personalidade.

Importa acrescentar como o faz Marcelo Navarro Ribeiro Dantas que:

O valor que a personalização das pessoas jurídicas tem para o direito, e o progresso e o desenvolvimento, sobretudo econômico, que com isso se alcança, tem um grande peso. Quando esse valor conflitar com outros, v.g., a satisfação dos credores, ter-se-á de fazer opção pelo mais importante. Em geral os benefícios trazidos pela existência da pessoa jurídica prevalecem, por isso que normalmente prepondera a personificação. Apenas quando um valor maior for posto em jogo, como a finalidade social do direito, em conflito com a personificação, e que esta cederá espaço. [1]

 

3.1 – A determinação dos efeitos do Principio da autonomia patrimonial

Em complementação a evidencia supra, pretende-se revelar os efeitos do principio da autonômica patrimonial quando deixar de ser realizado, em decorrência da vulneração de uma regra que lhe é aplicável.

Assim, para que a eficácia positiva ou simétrica do principio da autonomia patrimonial não reste esvaziado, a sociedade empresária, deve continuar a ser usada para os fins propósitos e legítimos para a qual foi criada.

Restringir os efeitos da personalidade, desvirtuando dos fins da pessoa jurídica, provoca a atuação de outra norma, que  funciona como condição suspensiva.

Há aqui, alguns aspectos importantes a registrar. A personalização:

é fruto do direito objetivo, ou seja, na ordem Estatal não, de volições individuais, embora a vontade humana, concretamente, tenha de aparecer para provocar a situação juridicamente prevista como necessária para o surgimento do ente moral, concorrendo para modelar-lhe o substrato, fornecendo-lhe o agregado humano ou patrimonial. [2]

Somente, pois, com a inscrição do ato constitutivo, a pessoa jurídica tem existência legal. Essa personalização que o Estado exige para a existência da pessoa jurídica é um “reconhecimento de valor constitutivo” o qual “a elevação de sujeito de direito não é constatação de que já existe, não é aperfeiçoamento ou confirmação do que está em via de confirmação, mas sim criação e atribuição de uma posição jurídica nova que deriva do direito objetivo.”[3]

Esse estado ideal de coisas – personalização – é o e feito pretendido pelo principio da autonomia patrimonial que se cumpriu através da realização de uma variedade de condutas, e que em regra, viabiliza que a sociedade empresária tenha capacidade jurídica e patrimonial, diferentemente das dos membros que a compõem.

3.2 -  Aspectos materiais do abuso de personalidade

Como exposto acima, o Art. 50 do Código Civil possui uma regra legal que descreve um comportamento a ser observado pela sociedade empresaria, sem a qual a sua personalidade será desconsiderada, para cumprir o preceito que a norma exige.

Um exemplo será útil para esclarecer a ideia. Um trabalhador tendo seus direitos trabalhistas e fundamentais violados, busca na Justiça do Trabalho a sua reposição, através de uma demanda contra a sociedade empresária. Após, o transito em julgado dá-se inicio a  citação da reclamada, sem que a mesma produza qualquer manifestação, no sentido de pagar ou garantir a execução. Os atos que se seguem, não socorrem ao reclamante por iterativa contumácia da reclamada. Por fim, o paradeiro da reclamada é desconhecido. Por força desse desiderato, o reclamante, peticiona, requerendo a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresaria/reclamada.

Projetada sobre o principio da autonomia patrimonial, a desconsideração da personalidade jurídica conduz a reconhecer que a atividade ilícita da sociedade empresaria – através dos sócios ou administrador - praticada por abuso de personalidade, através do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial, produz os efeitos enunciados no Art. 50 do Código Civil. É que os atos ilícitos – fatos jurídicos ilícitos - desfazem a distinção entre a personalidade jurídica do sócio e a da sociedade a que pertence. Qualquer manifestação contraria à norma, configura ato ilícito, porque composto o suporte fáctico  da regra (Art. 50 C.C)l, houve a sua incidência, sendo imperiosa a sua aplicação.[4]

A regra, abuso de personalidade, descreve um enunciado – previsão - cujo conteúdo contém ummandamento proibitivo, no sentido de vedar a pratica de condutas previstas na hipótese fática. Se a regra for violada – haverá incidência da norma -, a sociedade empresária terá sua personalização suspensa – o suporte fático da norma se concretizou. É que, conforme Ávila, (2009, 103) “as regras exercem uma função definitória (de concretização), na medida em que delimitam o comportamento que deverá ser adotado para concretizar as finalidades estabelecidas pelos princípios.”

Tal raciocínio conduz o entendimento de que o principio da autonomia patrimonial deixará de ser aplicado, porque existe uma razão extraordinária que impediria a sua aplicação, tendo em vista o principio da razoabilidade. Não se trata de conflito de normas, como pode parecer, mas, de relacionamento horizontal entre normas de mesma hierarquia. (ÁVILA, 2009)

A essa luz, ao definir os casos específicos de ilicitude, a norma jurídica prevê outros pressupostos de fato que se agregam à contrariedade a direito para dar caráter próprio ao fato ilícito. Esta afirmação se confirma quando na pratica de abuso de personalidade (ato ilícito lato sensu), é necessário que o desvio de finalidade (cerne)  – conduta do sócio -  viole direito subjetivo de outrem por culpa do agente.  (MELLO, 1995)

Mas, a consequência jurídica provocada pela desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresaria não acarreta a nulidade do seu ato constitutivo, se não, a ineficácia para certos atos obrigacionais. Quer dizer, não a desfazimento do ato constitutivo, mas apenas a sua ineficácia pontual. Esse efeito pretendido pela norma do art. 50 do C. C., quando houver a sua incidência - abuso de sua personalidade – relativiza a autonomia patrimonial, em face do cumprimento do mandamento legal – mandamento proibitivo. Uma vez confirmada a atuação ilícita da sociedade empresaria, a sua personalidade será desconstituída para o caso concreto, atingindo somente as relações postas para efeito do descumprimento da obrigação entre as partes envolvidas. Assim, a pessoa jurídica continua intacta, desconsidera-se, portanto, apenas a personalidade, para atingir os bens patrimoniais dos sócios.

Ao cuidar de abuso de personalidade, o Código Civil alude a duas espécies de atos ilícitos, veiculados pelo desvio de finalidade e a confusão patrimonial – elementos do suporte fático -, sem olvidar que essa relação não é numerus clausus, conforme já observado pela jurisprudência dos nossos tribunais. [5],[6]

3.3 – Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica

 

Insta sinalizar sobre a discussão do aspecto processual da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da Justiça do Trabalho.

Defendemos, quando, no processo de conhecimento, for observado que há indicio de abuso de personalidade ou outro ilícito, os efeitos da antecipação da tutela pretendida, poderão ser decretados em decisãoinaudita altera parte, na forma do Art. 273, do CPC. Frise-se que a hipótese do Art. 2º, § 2º, da CLT, se enquadra perfeitamente a esta situação.

Entretanto, na Justiça do Trabalho, é mais comumente acontecer o incidente da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica no processo de execução, quando se está a procura de penhorar os bens da Reclamada. E havendo requerimento nesse sentido, deve ser notificado o sócio, para se “defender em nome próprio e não como representante legal da pessoa jurídica” (Resp. 36.543), o juiz decidirá – decisão fundamentada[7] - sobre a desconsideração da personalidade jurídica, conforme a realidade dos fatos apresentados.

Voltemos ao exemplo.[8] No requerimento foi veiculado o seguinte: Os sócios, Jesus Adib Abi Chedid e sua mulher, Marilis Reginato Abi Chedid provocaram diversas cisões e transferências de bens entre as empresas. Primeiro, no interregno, em 31-12-1991, o sócio Jesus formalizou os instrumentos sociais, através dos quais promoveu a cisão da Ensatur para constituição de nova sociedade em seu nome e de sua mulher Marilis (Tiptur), com dobra do capital e drástica redução no mesmo instrumento, inclusão e retirada de pessoas estranhas do quadro societário que, até então, era composto por membros da família Abi Chedid. As alterações de capital se deram sem acréscimo financeiro, mediante utilização de reserva de capital pela correção monetária no balanço; foram extintas as ações remanescentes da Ensatur e houve transferência de todo o acervo patrimonial desta para Tiptur, dissipando, assim todos os bens daquela devedora.” Com a formalização e constituição da nova sociedade empresaria, foi vertido um imóvel para seu patrimônio. E segundo, no interregno, em 31-12-1995, os, sócios da Ensatur procederam com mais uma cisão e alteração do contrato social (Lana), sendo vertido ainda ao seu patrimônio um imóvel. Posteriormente, em 28-12-2001, a empresa

Lana (já dissolvida) por dação em pagamento, transmite ao sócio Marco Antônio Nassif Abo Chedid o imóvel em que era sediada e este, na mesma data, por conferência de bens, transmitiu o bem à empresa Plana Administração e Participação Ltda. Ademais, o documento de fls. 325/327 noticia que o sócio Jesus que inicialmente detinha quotas da empresa Ensatur no valor de R$ 690.000,000, remanesce com participação de R$ 250.000,00, no cargo de administrador e assinando pela empresa. Verifica-se também às fls. 328/329 que a empresa Lana, constituída por cisão da executada Ensatur, com capital de R$ 3.200.000,00, é holding de instituições não financeiras e tem como sócios, Marco Antônio e Raquel Abi Chedid, do mesmo núcleo familiar que o sócio Jesus.

Como visto, os sócios dissiparam o patrimônio da Reclamada/executada Ensatur, através de sucessivas cisões, com substancial reversão patrimonial para estas, nas quais figuraram como sócios os próprios recorrentes (na primeira) e pessoas do mesmo núcleo familiar (na segunda), encontram-se intrinsecamente relacionadas, tendo por  propósito comum obstar, por meio de diluição patrimonial, o pagamento do débito exequendo.

Desse desiderato, pode-se observar uma variação de atos ilícitos, como segue:

1- que o estado de insolvência da empresa Ensatur, decorrente, das cisões intrinsecamente relacionadas, com o correspondente esvaziamento patrimonial daquela, restou devidamente demonstrado; 2 - Para efeitos práticos, em razão das manobras societárias, são reputados fraudulentos, os atos intencionais dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica (desvio de finalidade). 3 – A confusão patrimonial também é de fácil verificação, pela evidente manobra perpetrada pelos sócios, em que a confusão nas esféricas jurídicas, pelas iterativas cisões e deslocamentos de imóveis entre as sociedades empresarias.

3.4 – Da desconsideração da personalidade jurídica decretada de oficio pelo juízo

Quanto a possibilidade de o incidente processual ser instaurado de oficio pelo juiz do Trabalho, a principio, somos contrário a essa ideia, por duas razões. Primeiro, o Reclamante é quem tem o dever processual de fornecer as instruções que entender cabíveis para um melhor deslinde do incidente cognitivo.

Não compete ao Juízo (e segundo) com amparo no Art. 880 combinado com o Art. 765 da CLT, deflagrar um incidente processual, mesmo considerando que no processo do trabalho, o principio da informalidade sirva como fundamento prévio de validade para que sejam praticados atos com desprezo ao excesso de rigor formal, ou seja, as formalidades que estejam além do núcleo mínimo essencial.

Tal afirmação, tem sentido, já que o incidente processual é um aspecto novo no processo, que se integra, embora no mesmo plano, através de atos que não fazem parte do iter procedimental da ação em curso.

De fato, a execução que pode ser deflagrada pelo juízo, com total pertinência para impulsionar a movimentação dos atos processuais, deve, quando existir evidência de que a sociedade empresária encontra-se insolvente ou com dissolução irregular, e. g – teoria menor1 - dá ciência ao Reclamante para tomar conhecimento dos atos praticados e, impulsionar o feito. Fato que deve ser entendido pelo seu patrono, no sentido de provocar o incidente fornecendo material mínimo suficiente para albergar a desconsideração da personalidade jurídica.

Não se deve esquecer que o juiz deve proceder com a ponderação de interesses e do confronto dos princípios que se avultam no processo, como o da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. É que não se pode, em nome da simplicidade, não garantir o núcleo mínimo essencial de formalidades, permitindo-se que o processo se desenvolva ao livre arbítrio do juiz. 

Outrossim, se assim, perdurar as divergências em contrário, deve o juiz antes, abrir o contraditório, inclusive, oficiando tabelionatos, junta comercial, etc., para só depois, a par dos elementos consideráveis, decretar a desconsideração da personalidade jurídica.

4 – DA RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL – DA IMPUTAÇÃO DIRETA DO SÓCIO

O principio da autonomia patrimonial fundamentado na separação do patrimônio da sociedade empresária e do patrimônio dos sócios tem estremada relevância jurídica para garantia do exercício pleno da atividade econômica geradora de bens e serviços, instrumentos veiculadores da riqueza de uma nação.

Os aportes financeiros realizados pelos sócios os capacitam à participação societária, sem, contudo evidenciar qualquer ligação com os bens da sociedade. São coisas absolutamente distintas e resguardadas pelo principio da autonomia patrimonial.

A produção e circulação desses bens e serviços são uma atividade própria da sociedade empresária distinta do sócio empreendedor ou investidor. Qualquer alteração negativa no patrimônio social, não qualifica o sócio como responsável direto pelas obrigações da sociedade, mas, a pessoa jurídica responsável pela atividade empresarial.

Esse entendimento está devidamente previsto nas hipóteses do Art. 591 e do Art. 592, I, III e V, ambos do CPC. A doutrina chama esse tipo de responsabilidade de primária e, aquela prevista no Art. 592, II e IV, do CPC, de responsabilidade secundária, quando os bens de terceiros respondem pelas obrigações da sociedade empresária/devedora.

O estado de sujeição do patrimônio do devedor ou de terceiros responsáveis são situações que estabelecem no âmbito do direito material, voltados para o cumprimento da obrigação. Já quanto a exigibilidade da obrigação, limitando à responsabilidade patrimonial, são regras processuais, pois, controlam a atividade jurisdicional executiva.

Se infere, portanto, que a responsabilidade recai sobre o patrimônio do devedor (Art. 591, CPC), para pagamento de débito reconhecido em titulo executivo para cumprimento de uma obrigação advinda de uma relação de direito material. Muito embora, a responsabilidade pelo pagamento possa recair no patrimônio de pessoa não incluída em titulo executivo, ou por não ter participado da relação processual de conhecimento ou por ter sido excluído da mesma.  Um exemplo irá contextualizar a diferença entre expropriar bens dos sócios por força dos comandos normativos em comento e a expropriação de bens de terceiros (sócios) por força de atitudes ilícitas, como o abuso de personalidade, que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica.

Assim, uma sociedade empresária (Escola do Futuro Ltda) que atua na área de educação, foi responsabilizada pela divida de outra sociedade educacional da qual é mantenedora, em face da ausência de bens da legitimada passiva. Após, a citação (rectius, notificação) do sócio para a devida defesa, foram apresentados, Embargos a Execução (Art. 884, CLT), questionando que não fez parte da relação processual de conhecimento, razão pela qual não poderia ser incluída no processo de execução, como devedora de um título judicial que não a abrangera. Alertamos que esse processo teve como causa uma Reclamação trabalhista em que um Professor ajuizou contra a Escola Rumo ao Futuro Ltda – extinta no decorrer do processo -, tendo como uma das principais sócias a Escola do Futuro Ltda. Na decisão, na parte que interessa, ficou assim consignado: “Na ausência de bens penhoráveis da legitimada passiva, responde, subsidiariamente, a entidade mantenedora, sócia da principal devedora, nos termos do Estatuto da sociedade civil, na qualidade de responsável civil. Veja-se que os devedores na execução nem sempre são os constantes do título executivo, como se infere da redação do art. 568, inciso II e seguintes do Código de Processo Civil. A legitimação ordinária primária é 'do credor e devedor figurantes no titulo, porque são eles os sujeitos da relação jurídica substancial litigiosa e a eles diretamente interessa o resultado do processo de execução.  A entidade mantenedora de sociedade civil, que é sócia e tem o poder de decisão sobre a extinção da Escola Rumo ao Futuro Ltda não fez parte da ação de conhecimento, e não figurando no título executivo judicial, não é devedora ou legitimada passiva primária. Contudo, em que pese a ausência de qualidade de devedora, a Escola do Futuro Ltda está sujeita ao processo executivo, agora na posição de responsável legal pelas dívidas da sociedade civil contraídas e não pagas. É legitimada ordinária independente, e não primária, por força do comando legal erigido no art. 1.375 do Código Civil, e do art. 592, inciso II do CPC". [9]

O que se extrai do contexto decisório, é que o Art. 592, II e Art. 596 do CPC, não atuam sozinhos precisam para a efetiva aplicação, a participação de outras normas do sistema para conjuntamente atribuírem a responsabilidade secundaria aos sócios – terceiros - por divida da sociedade empresária – O Art. 2º, § 2º, da CLT é regra aplicável à situação. É que “Tais artigos contêm simples previsões subordinadas a autorizações expressas em outro texto legal. Eles contêm normas em branco que não – e não devem - podem ser aplicados de forma solitária. Bem por isso, em ambos existe a expressão "nos termos da lei".” [10]

No limite, o que se apura, é que as diversas formas sociais – regime jurídico societário - irão preencher o vazio das normas do art. 592, II e do art. 596, ambos do CPC, imputando ao sócio a responsabilidade pelas dividas da sociedade empresária.

Forte neste argumento tenho que não existe possibilidade de confusão, entre a normatividade jurídica referente a Responsabilidade patrimonial e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica que só é aplicada quando da ocorrência de ilícitos praticados pelos sócios.

E ainda, conforme a forma social incidente ao caso concreto, haverá situações em que ex-sócios poderão ser responsabilizados por dividas e obrigações sociais da sociedade empresaria, conforme as regras estabelecidas nos artigos 1.003, 1.025 e 1.032, do Código Civil.

Por fim, registre-se que quando decretada a desconsideração da personalidade jurídica, e.g., sociedade de responsabilidade limitada,  não há, no dispositivo do Art. 50, C.C, qualquer restrição acerca da execução, contra os sócios, ser limitada às suas respectivas quotas sociais. “essa exegese amolda-se ao vetusto brocardo latino "ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet", ou seja, onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo.”[11]

 

5-  UMA RELEITURA DA INTERPRETAÇÃO (DAS NORMAS) SOBRE A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURIDICA PELOS TRIBUNAIS DO TRABALHO

À exemplo do Código de Defesa do Consumidor (Art. 28), a proteção jurídica que é dispensada ao trabalhador (hipossuficiente), pode ser aplicada, com franquia do sistema normativo, a teoria menor, para as situações que não atendem a exigência do abuso de personalidade. Sem que se possa, sindicar um ato ilícito, pela pratica de uma conduta proibitiva, como o abuso de personalidade, deve-se – sem que seja necessariamente nessa ordem- parte lesada, - ou de oficio – buscar a regra legal do Art. 28 do CDC, quando em uma relação jurídica trabalhista, for confirmada o descumprimento de uma obrigação assumida pela pessoa jurídica.

Considerando esse desiderato, e ainda entendendo que a sociedade empresaria só se justifica quando o exercício da atividade econômica – autonomia da empresa – tiver seu livre desenvolvimento, sem que com isso, implique desrespeito aos ditames do Estado Democrático de Direito, especialmente no que tange ao principio da função social da empresa e da propriedade, é possível desconsiderar a personalidade jurídica, com amparo no Art. 28 do CDC – condutas previstas na sua hipótese – ou ainda com amparo no § 5º (Art. 28), já que a dificuldade de localizar bens da sociedade empresária – Reclamada- é obstáculo à satisfação do crédito trabalhista.

Esse regramento legal consumerista (Art. 28) carrega uma variedade de elementos  do suporte fático, que tem forte identificação com o desvio de finalidade. É que toda e qualquer conduta exercida com má-fé e com intenção torpe de favorecimento pessoal, em desconformidade com o comportamento habitual da sociedade empresaria, pode ser considerado como desvio de finalidade. E o abuso de direito, excesso de poder, violação do estatuto ou contrato social, falência, insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica por má administração, se revelam hipóteses abrangidas pelo desvio  de finalidade. É o entendimento de Eduardo Viana Pinto, conforme registrado pelo Relator do Resp. 1.169.175, Ministro Massami Uyeda, do STJ, como segue:

É importante registrar, nesse sentido, que “o abuso da personalidade jurídica lançado no corpo do art. 50, CC, consumado em decorrência do desvio de finalidade alcança, em real verdade, na prática, todas as hipóteses previstas no referido art. 28 da Lei nº 8.078/90. Trata-se, portanto, de uma expressão concisa e objetiva e que elimina o elenco enunciativo de possíveis enquadramentos, para a figura da desconsideração, como o apregoado, exemplificativamente, pelo CDC, através do caput de seu art. 28.” (ut PINTO, Eduardo Viana. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003).

5. 1 – UMA VISÃO PROSPECTIVA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JUIRDICA – A GUISA DE CONCLUSÃO

De tudo do que foi exposto, foi verificado que os efeitos que a personalização provoca na sociedade empresária, refletem a liberdade para atuar sozinha sem professar pela vontade individual daqueles que a constituíram. É que (Warde Junior, 2007, p. 327)

A constituição de uma sociedade – titular dos direitos de propriedade de um capital e protagonista da empresa – é a afirmação da liberdade da pessoa, é um efeito jurídico da vontade livre. A autonomia privada traduz-se, então, no poder concedido – pela ordem jurídica – ao Homem, para jurisdicizar a atividade econômica, celebrando negócios e determinando seus efeitos. 

Priorizando esse entendimento há de se entender por força do Art. 906, do Código Civil, que (MARTINS, 2005. p. 673):

como instrumento propulsor da economia, a empresa conjuga os fatores de produção –trabalho, capital e recursos humanos -, que, associados aos elementos ou agentes do processo econômico – consumidor, trabalhador e empresário -, promovem o fluxo circular de negócios, que se desenvolve na ordem econômica.

Nessa ordem de ideias a interpretação da ordem econômica constitucional para a qual se insere à disciplina da  empresa, (MARTINS,2005. p. 680/681)

deve ser pautada pela valorização do trabalho humano no desenvolvimento da livre iniciativa”, sem que essa liberdade possa ser “conduzida em desacordo com o interesse publico ou que possa causar danos à segurança, à liberdade e à dignidade humana, assim disciplinando o direito de propriedade e da  empresa e suas relações com os trabalhadores pelo prisma da solidariedade econômica, politica e social.

Por tais ferramentas disponibilizadas ao julgador pela nova estrutura civil e, principalmente do que reserva o ordenamento jurídico brasileiro, cabe ao interprete julgador - o magistrado e os tribunais - a difícil incumbência de adequar o direito ao caso concreto, propiciando, em consequência, e para o tema ora em debate, uma permanente atualização para adequar a solução jurisdicional aos princípios maiores constitucionais, aos direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente, principalmente ao principio da dignidade da pessoa humana, sempre com observância ao principio do devido processo legal.

Uma visão prospectiva da jurisprudência para além do formalismo artificial que tenta se convencionar, com amparo no art. 765 e art. 880, deve ser priorizado o devido processo legal, dando possibilidade ao sócio que abusou da personalidade jurídica da sociedade empresaria a possibilidade de defesa, do contraditório. Essa exigência mínima não desacolhe a garantia da devida prestação jurisdicional buscada pelo trabalhador hipossuficiente premido pelas atividades ilícitas perpetradas, se não a orientação de que as normas que revelam a aplicação da teoria da personalidade jurídica sofrerão atuação jurisdicizante.

A estrutura nuclear da teoria da desconsideração da personalidade jurídica concentra-se através de um conjunto de categorias jurídicas – abuso de personalidade, abuso de direito, excesso de poder, violação do estatuto ou contrato social, falência, insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica por má administração – distribuída por matérias jurídicas disciplinadas no Código Civil (art. 50) e no CDC (art. 28), que podem ser tomadas em consideração pela Justiça do Trabalho.

Se o Direito Processual do Trabalho foi o único ramo, mormente após a promulgação daEmenda Constitucional nº 45/2004, que teve algum impulso, mormente para, no que diz respeito à  competência da Justiça do Trabalho, o trato largo de matérias referentes a desconsideração da personalidade jurídica, o Poder Judiciário tem, a responsabilidade enorme de, no que for possível, batalhar para a sua aplicação de forma linear conformadora de uma posição sem antagonismo jurisprudencial, adotando uma visão prospectiva, e não formalista, livre das rédeas dos normativos estatais, em face da constatação  de que a regra – categorias jurídicas disciplinadas no art. 50 do C.C e art. 28 do CDC -, uma vez violada, o suporte fático da norma se concretiza, para com base no princípio da proteção tutelar, in dúbio pro operarium, e ante a natureza alimentar da verba trabalhista e pelo fato de que o risco da atividade econômica ser, única e exclusivamente, do empregador, alcançar o patrimônio do sócio para garantir os créditos trabalhistas do hipossuficiente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Coord), Comentários ao Código Civil Brasileiro, Ed. Forense, 1ª Edição, 2005.

ÁVILA, Humberto, Teoria dos Princípios – da definição à aplicação os princípios jurídicos, Ed. Malheiros, 10ª Edição, 2009.

BARCELLOS, Ana Paula de, A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, Editora Renovar, 3ª Edição, 2008.

CARDOSO, Judith-Martins (Organizadora), A reconstrução do Direito Privado, Editora RT, 1ª Edição, 2005.

COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial, Ed. Saraiva, 8ª Edição, 2005.

WARDE JUNIOR, Walfrido Jorge, Responsabilidade dos Sócios, Editora Del Rey, 2007.

MELLO, Marcos Bernardes de, Teoria do Fato Jurídico (Plano da Existência), Editora Saraiva, 7ª Edição, 1995.

Notas:

[1] 1.(ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Coord), Comentários ao Código Civil Brasileiro, Ed. Forense, 1ª Edição, 2005, 443.

[2] 2.(ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Coord), Comentários ao Código Civil Brasileiro, Ed. Forense, 1ª Edição, 2005, 405/406.

[3] 3. 1.(ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Coord), Comentários ao Código Civil Brasileiro, Ed. Forense, 1ª Edição, 2005, 410.

[4] 4.Adotamos a terminologia e classificação de Marcos Bernardo de Mello, para quem “ o fato contrario a direito é tão jurígeno quanto o fato jurídico licito, porque se não cria um direito para quem o pratica, o faz nascer para quem sofre as consequências. (p. 98)(...) Todo fato jurídico, seja licito ou ilícito, se caracteriza pela presença de um determinado elemento fáctico que constitui o cerne do núcleo de seu suporte fáctico. (...) Assim, todo fato, seja evento ou conduta, que implique violação da ordem jurídica, negando os fins do direito, é ilícito. Por isso, não há ilicitude se o ato é permito pelo direito. (p. 193) (...) (Teoria do Fato Jurídico (Plano da Existência), Ed. Saraiva, 7ª Edição, 1995)

[5] 5. Resp. nº 1.169.175

[6] 6. REsp n° 45.366

[7] 7. STJ- Resp. 1.098.712, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior.

[8] 8. STJ – Resp. 1.250.850, Rel. Min. Massani Uyeda.

[9] STJ - Resp. n° 225.051 – Rel.  Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira

[10] STJ – Resp. 401.081