Aspectos das sociedades em conta de participação


Pormathiasfoletto- Postado em 04 outubro 2012

Autores: 
LOBO, Daniel Lins

 

 

1. Breve introdução sobre sociedades em geral

Os critérios de classificação das sociedades são variados, cabendo a nós explicarmos sucintamente os critérios mais relevantes.

Quanto a Responsabilidade dos Sócios, as sociedades podem ser Limitadas, quando o valor do patrimônio da sociedade descrito no contrato social é o limite (“teto máximo”) de responsabilidade dos sócios; Ilimitada, quando as obrigações sociais não encontram maiores limites para a satisfação das obrigações da sociedade[1], podendo inclusive chegar ao patrimônio pessoal dos sócios; e as Mistas, que são as que importam a responsabilidade ilimitada e solidária a um determinado tipo de sócio, e limitada a outros sócios, tudo na forma que dispuser o Contrato Social[2].

Existe ainda o critério da Personificação, onde são Personificadas as sociedades cujo patrimônio está separado do patrimônio dos sócios, ao passo que as sociedades Não Personificadas tem como seu patrimônio o próprio patrimônio dos sócios. Em outras palavras, as sociedades Personificadas tem personalidade jurídica, já as Não Personificadas não tem.

Por fim, temos a classificação quanto as condições de alienação da participação societária. Aqui importa saber que existem sociedades de pessoas, onde as características pessoais dos sócios são determinantes para a celebração da sociedade (quem é o sócio? Tem boas referências? É “de confiança”? É competente?). As respostas a estas questões são fundamentais para que a sociedade venha ou não ser constituída. Quando a sociedade não é de pessoas, dizemos que ela é de capital.Neste tipo de sociedade, as características dos sócios são irrelevantes para a sociedade, ao ponto de muitas vezes sequer saber quem são os outros sócios, bastando que o sócio compre uma parcela da sociedade (chamada de quota ou ação).

1.1. Da Personalidade Jurídica

Nas palavras do professor Rubens Requião, na personalidade jurídica(própria das sociedades personificadas), “a sociedade transforma-se num novo ser estranho à individualidade das pessoas que participam da sua constituição dominando um patrimônio próprio (...), assegura sua responsabilidade direta em relação a terceiros. Os bens sociais (...) constituem a garantia dos credores constituem a garantia dos credores, como ocorre com qualquer pessoa natural[3]”.

Salutar é a explicação de Fábio Ulhoa Coelho[4] acerca das consequências da personalidade jurídica, são estas: (a) Titularidade Negocial,quando a sociedade realiza negócios (representada pelos sócios, que externam a sua vontade), é esta que assume os pelos da relação negocial; o sócio não é parte do negócio jurídico (celebração de um contrato, por exemplo), mas sim a sociedade; (b) Titularidade Processual, quando a sociedade tem capacidade de ser parte numa relação processual (num processo), podendo ser autora, réu, ou terceiro interessado; por fim, temos a Titularidade Patrimonial, como já explicado é a autonomia do patrimônio da sociedade em relação à de seus sócios.

2. Da Sociedade em Conta de Participação.

2.1. Breve histórico

Para melhor entendermos as particularidades deste tipo societário, necessário será recorrermos a breves linhas históricas.

Fernand Braudel[5] conta que essas eram chamadas de societas maris (sociedade marítima). E acrescenta: “essas sociedades traziam em sua composição um sócio stans (sócio que permanece no local) e um sócio tractator (sócio que embarca no navio para efetivamente exercer as operações mercantis), e eram constituídas em geral para uma única viagem, que, estendia por vários meses. Por isso, para os contratantes daquela sociedade sabiam apenas quem era o sócio tractator, ficando o sócio stansoculto, não tendo nenhuma intervenção no rumo do negócio.

Tal prática era comum, principalmente na França, pelo fato de, como explica Braudel, “os nobres ficam no abrigo da perda dos foros de nobreza; os oficiais do rei escondem seus interesses nesta ou naquela empresa (...). O mercador é mantido à margem da boa sociedade, mesmo quando ocorre a boa efervescência especulativa do século XVIII[6].

3. Do estudo das Sociedades em Conta de Participação

Pelas linhas introdutórias, podemos dizer que as Sociedades em Conta de Participação são Sociedades (a) não personificadas; (b)mistas e(c)

Este tipo de sociedade, pouco utilizada no cenário empresarial[7] brasileiro, mereceu pouca atenção do legislador do Novo Código Civil, já que dedica apenas os artigos 991 ao 996. Não era diferente no parcialmente revogado Código Comercial, que tratava deste tipo de sociedade nos artigos 325 a 328.

Fábio Ulhoa Coelho, em sua clássica obra de Direito Comercial, define este tipo de sociedade de Sociedade Secreta[8],pelo fato do contrato entre os sócios não poderser registrado no Registro de Empresas.

Neste tipo de “sociedade[9]” temos as figuras do Sócio Administrador (ou Sócio Ostensivo) e do Sócio Participante(também chamado de Sócio Oculto), sendo o primeiro o titular da sociedade, algo como a própria personificação/encarnação da sociedade, já que além do que o próprio nome sugere este sócio não apenas administra a sociedade, mas também expressa a sua vontade, responde por ela (inclusive com o seu patrimônio pessoal), já que este tipo de sociedade não possui personalidade jurídica.

Em suma, o Sócio Ostensivo é o único que exerce objeto social, tem responsabilidade exclusiva e age em seu nome individual (art. 991 do Código Civil).

O Sócio Participantecontribui apenas financeiramente com a sociedade, podendo (e devendo) também exigir a prestação de contas do Sócio Ostensivo. Este tipo de sócio não exerce qualquer ingerência sobre a sociedade. Sua posição é mais confortável e mais indicada para investidores conservadores, que preferem correr riscos menores, pois, se por um lado não pode ditar o rumo dos negócios, por outro sua responsabilidade se resume ao montante que investiu na sociedade. Caso o saldo a pagar seja maior que o próprio patrimônio da “sociedade”, que se confunde com o patrimônio do Sócio Ostensivo, cabe a este arcar com as demais obrigações.

Essa aparente desproporção entre as responsabilidades dos sócios se justifica, haja vista que somente o Sócio Ostensivo exerce poder sobre a sociedade sendo este o único responsável pelo insucesso da mesma (a não ser que haja mais um Sócio Ostensivo, o que é plenamente possível).

Caso o Sócio Participante, resolva interferir diretamente na sociedade, agindo como se fosse Sócio Ostensivo, seus atos são válidos, mas responderá solidariamente[10] com o Sócio Ostensivo nas obrigações que intervier (art. 993, parágrafo único do Código Civil). Nada mais justo. Se contribuiu para o prejuízo da sociedade, com este também deverá arcar.

Outra característica desta “sociedade” se dá pelo fato de o contrato entre os sócios não produzir quaisquer efeitos perante terceiros, nem mesmo acerca de créditos ou débitos com estes. Se houver contrato social, mesmo que registrado, seus efeitos serão válidos apenas entre os sócios (art. 993 do Código Civil).

Não possui nomes, nem capital, tampouco marca ou estabelecimento ou livros comerciais próprios, não sendo possível requerer da sociedade qualquer direito que eventualmente alguém possua por ter feito alguma relação, seja jurídica ou empresarial.

Por isto, qualquer tipo de problemas ou conflitos envolvendo clientes e/ou fornecedores deve ser resolvido com o Sócio Ostensivo, exceção feita no caso de o Sócio Oculto resolver “bancar” o Sócio Ostensivo, como já demonstrado.

Em resumo, nas palavras de De Plácido e Silva, “a situação do Sócio Ostensivo é a do comerciante em nome ou em firma individual[11]”. Quanto a figura do Sócio Participante, “sua responsabilidade é a de sócio com responsabilidade limitada aos fundos com que concorreu[12]”.

4. Questões práticas das Sociedades em Conta de Participação

4.1. A possibilidade de estrangeiro, Pessoa Física ou Jurídica ser parte de Sociedade em Conta de Participação

Como a Sociedade em Conta de Participação é um tipo de sociedade pouco comum no Brasil, é natural surgirem algumas indagações de ordem prática. Uma delas é a possibilidade ou não de estrangeiro (PF ou PJ) fazer parte desse tipo societário.

Rubens Requião[13] lembra que o direito de exercer qualquer trabalho, ofício ou profissão, é uma garantia constitucional (art. 5º, XIII), desde que atendidas às exigências da lei.

Portanto a regra geral é que os estrangeiros, ressalvadas as situações em que a lei proíbe, pode desenvolver qualquer atividade.

O DNRC – Departamento Nacional de Registro do Comércio, órgão vinculado Ministério do Desenvolvimento, Indústria e do Comércio Exterior, através da sua Instrução Normativa Nº 76, de 28.12.1998 (IN 76/98) estabelece as regras da participação de estrangeiros em Empresas Mercantis e Cooperativas, além de definir quais as atividades estes não podem participar, sem o prejuízo das outras legislações.

Logo no art. 1º, § 1º a referida IN faz a exigência da Carteira de Identidade com a prova de visto permanente, no caso do estrangeiro ser titular de firma mercantil individual, administrador de sociedade mercantil ou de cooperativa.Todavia, o caput (texto principal do artigo) refere-se ao estrangeiro, residente e domiciliado no Brasil. Com isso, podemos facilmente concluir que estas regras são para pessoas físicas, já que somente estas possuem carteira de identidade, e somente estas possuem residência ou domicílio (as pessoas jurídicas possuem sede).

Quando o estrangeiro, seja pessoa física ou jurídica, residente e domiciliada (no caso de pessoa física) ou com sede no exterior (no caso de pessoa jurídica), que participe de sociedade mercantil ou de cooperativa, “deverão arquivar na Junta Comercial procuração específica, outorgada ao seu representante no Brasil, com poderes para receber citação judicial em ações contra elas propostas, fundamentadas na legislação que rege o respectivo tipo societário”(art. 2ª caput).

Importante lembrar que a “legislação que rege o tipo societário”das Sociedades em Conta de Participação é o próprio Código Civil, artigos 991 a 996 e que tem como suas características a simplicidade de sua organização e a informalidade de um modo geral (a começar pelo fato de o contrato social produzir efeito somenteentre os sócios. Por isso, exigências maiores são dispensadas neste tipo societário.

Pelo fato de nesta sociedade não se submeter a qualquer burocracia ou formalidade especial, e também pelas palavras do professor De Plácido e Silva, citadas linhas atrás, ao explicar que a situação do Sócio Ostensivo é a situação do comerciante em nome ou firma individual, além do fato do art. 991 do Código Civil estabelecer que o Sócio Ostensivo é a própria sociedade, já que exerce unicamente o objeto social, em seu nome individual, e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, somados a disposição do art. 991, parágrafo único que explica que somente ele responde perante terceiros, não há qualquer razão para diferenciar a participação do estrangeiro (seja pessoa física ou jurídica) nas Sociedades em Conta de Participação.

Sendo assim, é possívela participação do estrangeiro, nas Sociedades em Conta de Participação, desde que observado o anexo da IN Nº 76/98, quanto ao ramo de atividade em que atuará esta sociedade, já que há casos em que a legislação ou até a Constituição Federal, entendem ser atividades de segurança nacional, e por isso restrita apenas aos brasileiros.

Referências

[1] Respeitando, naturalmente o limite imposto pela Impenhorabilidade do bem de família, previstos na Lei 8.009/90, especialmente no art. 1º e seu parágrafo único. São os bens que protegem a família de viver à míngua, sendo, via de regra o “teto” da família.

[2] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, v.1.Saraiva, São Paulo, 26ª Ed. 2006.

[3] Ob. Cit.p. 385.

[4] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial – Direito de Empresa. Saraiva, São Paulo, p. 140, 2011.

[5] BRAUDEL, Fernand. O Jogo das Trocas. Martins Fontes, São Paulo, 1996, p. 383, apudNEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial, v. 1.Saraiva. São Paulo, 2007, p. 300.

[6] Ibidem, p. 388.

[7] Uma das razões que explica a o desuso deste tipo de sociedade é a questão da tributação, que adiante será tratada.

[8] COELHO, Fábio Ulhoa. Ob. cit., p. 177.

[9] Pelo fato de não existir personalidade jurídica neste tipo societário que optamos por colocar o sinal gráfico de aspas na palavra sociedade, pois a regra geral da sociedade é justamente possuir a personalidade jurídica. Como o Código Civil Brasileiro chama de Sociedade, mantivemos a nomenclatura.

[10] Solidariamente para o Direito significa dividir a responsabilidade, podendo o credor cobrar integralmente uma determinada obrigação de qualquer dos sócios, resguardado o direito do sócio que sanou a dívida cobrar do outro sócio a sua parcela na responsabilidade, através da ação de regresso.

[11] DE PLÁCIDO E SILVA.Noções Práticas de Direito Comercial.6ª Ed.,Curitiba, Guaíra, 1946, p.165, apud NEGRÃO, Ricardo. Ibidem,p.303.

[12] NEGRÃO, Ricardo. Ob Cit. p. 304.

[13] REQUIÃO, Rubens. Ob Cit.p. 104.

 

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