Biodireito: baliza a utilização das novas biotecnologias e resposta aos problemas bioéticos


Pormarina.cordeiro- Postado em 02 abril 2012

Autores: 
MADERS, Angelita Maria

Resumo


O progresso da ciência tem causado mudanças na sociedade mundial e enseja relações jurídicas cada vez mais complexas, além de novos questionamentos, para os quais a legislação vigente não tem uma resposta exata e imediata. Vive-se uma crise de paradigmas na dogmática jurídica mistificada na neutralidade da ciência, além do descortinar de novas reflexões, assim como o surgimento de uma nova juridicidade, fundada nos princípios bioéticos, em especial na dignidade da pessoa humana e na responsabilidade, nos quais é balizada a utilização das novas biotecnologias. Surge o Biodireito como uma resposta aos problemas bioéticos.

Palavras-chave: biotecnologia; ser humano; princípio da responsabilidade.

The progress of science has caused changes in global society and in legal relations more complex, and new questions, to which the legislation not have an immediate and accurate response. We live in a paradigm crisis in legal dogmatic mystified the neutrality of science, as well as uncover new ideas as well as the emergence of a new juridical founded on the principles of bioethics, especially in human dignity and responsibility, in which is marked out the use of new biotechnologies. Biolaw arises as a response to bioethical problems.

Keywords: biotechnology; human being; the principle of responsibility.

Texto


 

Introdução

1 A dignidade da pessoa humana como limite à utilização das novas biotecnologias em seres humanos

2 O princípio responsabilidade como baliza à utilização das novas biotecnologias

3 O biodireito como resposta aos problemas bioéticos

Conclusão

Referências

 

Introdução

A ciência, seus avanços e descobertas certamente trazem inúmeros benefícios à humanidade, embora possam ser desvirtuados e também causar diversos malefícios[2], dependendo da destinação que lhe for dada, não somente pelo pesquisador, mas também por aqueles que detém o conhecimento da técnica e o poder de sua utilização. Por tudo isso, diz-se que o cientista possui grande responsabilidade em sua atividade e a sociedade pelas pesquisas que legitima. 

Embora se insista em afirmar, no meio científico, que a ciência é neutra, destituída de valor, as perguntas por ela própria formuladas, as quais procura responder por meio de seus cientistas, não o são.[3] Ao contrário, ela está estritamente vinculada às pessoas e a seus critérios éticos, pois feita de teorias, que representam pontos de vista sobre o mundo, os quais dependem das obsessões do cientista. A ciência impõe um certo ponto de vista, dá resultados que não são neutros e podem ser imediatamente utilizados para uma ação. O que existe na ciência é objetividade; neutralidade não, segundo Morin.[4] É por isso que se teme que, no caso das novas biotecnologias, ante a inexistência de efetivo controle, esta possa ultrapassar todos os limites e fronteiras ou, até mesmo, estabelecer seus próprios métodos de controle, em detrimento daquele a quem deve servir – o ser humano. 

Contra eventuais abusos que possam advir da e na utilização indevida dos novos procedimentos biotecnológicos, a dignidade da pessoa humana e o princípio responsabilidade podem ser instrumentos hábeis para, pelo menos em um primeiro momento, inibi-los, limitá-los[5], o que tem sido preocupação do Biodireito. 

Nesse sentido, de se destacar que a dignidade da pessoa humana ganhou, ao longo da evolução histórica da sociedade, reconhecimento como um princípio universal de direito, assim como de princípio bioético, por ser a base dos direitos fundamentais. Além disso, por carregar em si a proibição de utilização do ser humano como um instrumento ou meio para se atingir um fim[6], ela passou a ter um significado de limite, de barreira contra os abusos na utilização da biotecnologia em detrimento dos seres humanos.[7] 

Já a responsabilidade, que deve ser atribuída ao pesquisador e à sociedade em si, traduzida no princípio responsabilidade de Hans Jonas, também serve como um limitador, uma baliza frente aos potenciais abusos que possam ocorrer nas pesquisas e experimentos envolvendo seres humanos, em qualquer fase de seu desenvolvimento, e como um auxiliar na garantia da dignidade da pessoa humana. 

 

1 A dignidade da pessoa humana como limite à utilização das novas biotecnologias em seres humanos

A dignidade da pessoa humana tem, no discurso bioético, filosófico, jurídico, médico, um grande significado, pois funciona como um princípio de conduta, como um regulador na relação entre o pesquisador e os fins das pesquisas por ele realizadas, tanto que as regras de conduta nela estão baseadas e encontram seu limite, além de por ela serem disciplinadas. Por isso, na área da ciência que trabalha com pesquisas que envolvam o corpo humano, a dignidade ganhou papel de maior relevância, tanto como em nenhum outro contexto bioético. Todavia, apesar de ela ser o princípio construtor da Bioética (valor) e do Biodireito (norma), tem-se constatado que, nas pesquisas com seres humanos, ela não se apresenta como uma solução única e matemática para os conflitos que surgem, em especial aqueles que tenham origem em medidas terapêuticas controversas. Isso é perceptível, pois todos os direitos fundamentais não são absolutos e, em determinadas situações e sob determinadas circunstâncias, podem sofrer limitações. 

É claro que uma escalação valorativa deve ocorrer quando se está diante de intervenções que não tenham fins terapêuticos, por exemplo, mas visam a uma modelação, a um melhoramento genético da raça humana. 

Por essa razão é afirmado, na doutrina, que é possível, em virtude de específicos fundamentos, uma ponderação ética legítima, entre a proteção da vida de um embrião em favor da preservação da vida de uma pessoa, quando se está a tratar de fins terapêuticos. 

No caso específico dos embriões humanos utilizados em pesquisas científicas, o princípio da dignidade da pessoa humana não consegue, no entanto, dar uma resposta exata para todas as perguntas e dúvidas existentes, seja em virtude de problemas de conteúdo semântico, de fundamentação, de extensão, bem como de implementação. Elas permanecem em aberto, tanto que, se afirmado que embriões são pessoas ou que mereçam o mesmo tratamento dispensado a estas, não se poderia ferir seus direitos, em especial o seu direito à vida, à personalidade... para preservar, por exemplo, o direito à liberdade de pesquisa ou o direito à saúde ou à vida de terceiros. 

A dignidade da pessoa humana também está fundamentalmente associada com a pesquisa e o mapeamento do genoma humano, área onde também enfrenta conflitos, pois o direito ao conhecimento, por vezes, conflita com o direito à informação, à não informação e à autonomia. Se considerada a prática do diagnóstico pré-implantacional, também se percebe a ocorrência de colisão do direito ao conhecimento dos dados genéticos com o de não se obter essa informação, direitos esses que decorrem da dignidade e da personalidade daquele ser que está sendo submetido à pesquisa e que também acabam colidindo com o direito de seus pares, ou de terceiros, seus parentes, que, com base em diagnósticos de tal natureza, podem ou poderiam evitar a transmissão de anomalias ou doenças genéticas às gerações subsequentes e, até mesmo, prevenir sua ocorrência em si próprios. 

Um terceiro exemplo desse problema semântico com relação à dignidade está na possibilidade de realização do aborto em caso de um feto anencéfalo ou portador de doença genética incurável para preservar a dignidade da genitora. Nesse caso, está em conflito a dignidade, o direito à integridade psicológica e à autonomia da mãe com a dignidade e a vida do feto. Se entendido, então, que aquele embrião tem dignidade, cria -se uma contradição ética. Além disso, sé é possível o aborto em determinados casos e situações para preservar a dignidade da genitora, também não haveria como se negar o direito à pesquisa com células oriundas de embriões inviáveis; assim decidiu o Supremo Tribunal Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3.510, no ano de 2008. 

Nesse caso, deve ser considerado também que, se um embrião for portador de dignidade, preservá-la colidiria com o direito de liberdade de pesquisa do cientista, que decorre do direito fundamental à liberdade. 

Por óbvio, a liberdade de pesquisa não pode ferir a dignidade da pessoa humana. Então, como justificar a liberação das pesquisas com embriões inviáveis? Esta é uma pergunta para a qual, embora a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, não se tem uma resposta ética unânime e definitiva, já que a própria dignidade permite diversas interpretações e, portanto, decisões provisórias.[8] 

Conflitos dessa ordem soam, em um primeiro momento, insolúveis, mas precisam ser superados. Se a dignidade for a única e absoluta possibilidade de comparação, não se poderia sacrificar ninguém ou nenhuma vida e ou os direitos de personalidade de alguém para, p. ex., salvar outras pessoas, pois a dignidade de cada pessoa tem o mesmo valor que a de outra, além de não ser possível sopesar a dignidade de dez ou centenas de pessoas em detrimento de uma, já que a dignidade não pode ser medida. Por isso, o simples discurso da ponderação de valores mais elevados não resolve, de forma aritmética, os problemas bioéticos. 

A discussão acerca da ponderação entre a dignidade do embrião e a de terceiros no campo da saúde é outro ponto de discórdia, pois a saúde é um bem primário, um pressuposto para a realização plena da vida, de uma vida com dignidade. Por outro lado, as doenças são resultado de uma “loteria” natural. Nesse contexto e por amor ao debate, é de se perguntar a quanto e a que espécie de avanço na área da medicina tem o paciente direito? Quanta dor deve uma pessoa doente suportar e quanto tempo ela deve esperar pela cura de sua doença? Qual a dignidade que possui a existência de uma pessoa que não tem qualidade de vida em decorrência da dor e da fragilidade que seu corpo está acometido pela doença tida como incurável? O que deve preponderar: a inviolabilidade, a integridade de embriões congelados há longa data, abandonados em laboratórios, considerados inviáveis para a reprodução humana e tidos como temerários para tal finalidade, ou a saúde e a vida que se pode preservar com a descoberta de cura para doenças em razão de pesquisas com células-tronco embrionárias? A experimentação de novas técnicas terapêuticas com o consentimento livre e informado do paciente ou a proibição de sua utilização até a certeza dos resultados? 
Aqui também cabe questionar se do direito do indivíduo à saúde não se pode extrair o dever da ciência, da medicina e do próprio Estado, de encontrar a cura para essas doenças, investindo mais em pesquisas, pois a saúde é dever do Estado (art. 196 CF), inclusive com o fornecimento de um mínimo de condições de vida digna a seus cidadãos, sejam eles saudáveis ou portadores de alguma anomalia, por ser este um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro. 

Nesse passo, deve-se ter em mente que a vida, como bem fundamental do ser humano, deve estar acompanhada da dignidade, tanto que para Honnefelder, a dignidade humana pode ser entendida como aquela dignidade inerente a cada pessoa enquanto indivíduo, como a dignidade própria da natureza do gênero humano ou como uma vida humanamente digna. “No primeiro caso, a dignidade se refere ao sujeito individual, no segundo caso, à sua própria natureza genérica, no terceiro caso, à vida bem-sucedida, na qual essa natureza atinge a sua plenitude.”[9]Outrossim, ao tratar das pesquisas em seres humanos, o autor alerta para a possibilidade de violação da dignidade humana ao referir que, 

Se partirmos do fato de o sujeito individual ter seu fim em si mesmo, toda a sujeição exclusiva do homem a fins heterogêneos deve ser vista como uma violação fundamental da sua dignidade. Isso, no entanto, é evidentemente o caso, quando o indivíduo é colocado, no quadro de uma correspondente eugenia, a serviço de uma melhoria do pool para a produção e criação de um determinado tipo humano. Se referirmos a dignidade à individualidade e identidade do sujeito, toda e qualquer anulação desta individualidade, como ela ocorreria na clo nagem do genoma, i. é, na produção de um ou de mais exemplares de um indivíduo que fossem totalmente idênticos em termos genéticos, deverá ser vista simultaneamente como uma fundamental infração da dignidade. Se considerarmos, ao lado da individualidade do portador, a igualdade na dignidade como elemento do qual não se pode abrir mão, toda e qualquer discriminação, que se refira a determinadas propriedades genéticas, deve ser valorada simultaneamente como violação da dignidade. E se finalmente argumentarmos, com vistas à autodeterminação, que faz parte inseparável do ser-sujeito, tudo o que revoga essa autodeterminação, deve ser visto como uma violação fundamental da dignidade.[10] 

No entanto, quando considerada a dignidade como uma vida digna, para a qual a saúde é pressuposto, a legitimidade das pesquisas envolvendo embriões, células-tronco, genoma humano, dentre outras, ganham outro enfoque, uma vez que impedir as pesquisas, por exemplo, poderia constituir um constrangimento ao direito a uma vida digna, ao direito à liberdade de pesquisa, de informar e de ser informado, tanto que declarada a constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança pelo Supremo Tribunal Federal. 

Para se preservar a dignidade no contexto das pesquisas que envolvem seres humanos, a observância dela e dos demais princípios bioéticos[11] é importante e deve ser perfectibilizada na prática, porque eles dependem da capacidade de interpretação das normas morais e legais de cada época, em cada sociedade, e assim também na sociedade brasileira do Século XXI, mas não somente desta, pois, com relação ao tema, resta também em aberto, se analisada a questão sob um panorama internacional “[...] até que ponto a dignidade não está acima das especifidades culturais, que, muitas vezes, justificam atos que, para a maior parte da humanidade são considerados atentatórios à dignidade da pessoa humana, mas que para determinados povos são tidos como legítimos”.[12] Por essa razão e considerando que as pesquisas desconhecem fronteiras, não é mais suficiente, no contexto atual, uma análise e proteção da dignidade da pessoa humana restrita a um ordenamento jurídico nacional no que se refere aos avanços da biotecnologia e da medicina. 

 

2 O princípio responsabilidade como baliza à utilização das novas biotecnologias

O dinâmico desenvolvimento da medicina e da ciência abre uma nova perspectiva com relação à construção e ao reconhecimento de deveres humanos para com os membros da comunidade, os quais são, inclusive, exigíveis juridicamente. As possibilidades de manipulação de embriões, tecidos, órgãos humanos oriundas das novas biotecnologias provocam, além de problemas jurídicos, questões éticas inteiramente novas, pois a natureza do homem é objeto da intervenção humana, onde a cautela deve ser adotada como mandamento moral, e o pensamento hipotético como a primeira tarefa a ser executada, assim pondera Hans Jonas.[13] Nesse sentido, de se esclarecer que é “a previsão do impacto presente sobre o futuro que torna o agente moralmente responsável. Onde não há previsão não exis te moralidade. [...] Responsabilidade é, portanto, solidariedade com toda a comunidade da espécie humana”, segundo Léo Pessini e Christian de Paul Barchifontaine[14]

A responsabilidade, cuja raiz está no verbo respondere, é um privilégio e uma carga da pessoa, de acordo com Erich Fromm. Para o referido autor, o conceito de pessoa “em sentido ético inclui a idéia de responsabilidade. Trata-se de um fenômeno básico da existência humana que é indiscutível como fato experimentável da consciência, qualquer que seja a interpretação metafísica que se possa dar.”[15] Assim, Ser responsável significa, portanto, estar disposto a responder. Em termos de pensamento forte, a vida é considerada o fundamento da dignidade da pessoa humana na exata medida em que cada homem está disposto a responder às demandas de sua natureza. O avesso disso é a irresponsabilidade, a justificação de tudo por parte de todos, o chamando “pensamento fraco” (pensiero debole).[16] 

Quando se está a tratar das pesquisas na área médica, o princípio da responsabilidade ganha grande importância, pois está associado ao princípio da liberdade, no caso, da liberdade de pesquisa. Pode-se dizer que ele foi adotado no Brasil, mais precisamente no artigo 225, § 3º, da CF, que trata do meio ambiente e da manipulação genética, em decorrência da preocupação com as futuras gerações. De acordo com esse princípio, o causador dos danos é o primeiro responsável pelas consequências de sua atividade, de seu agir. Isso significa que liberdade e responsabilidade são dois princípios complementares. Disso tudo se extrai que da liberdade do pesquisador, do cientista, decorre sua responsabilidade. 

No que se refere à liberdade do pesquisador, ao que ele pode ou não fazer, em relação com a problemática da manipulação genética em seres humanos, por exemplo, tem-se um dilema ético que sempre vem à tona: o direito ao conhecimento e o dever de buscá-lo. Para melhor compreender os conflitos dessa natureza, de acordo com alguns autores, frente a um rigorismo moral, segundo o qual o pesquisador assume o ônus das consequências do conhecimento científico, é de se indagar se, com isso, ele não estaria sobrecarregado, bem como se é possível atribuir a ele toda a responsabilidade pela pesquisa, quando ele somente está buscando o conhecimento, a verdade das coisas, o que também é desejo da sociedade.[17] Outros entendem, porém, que apesar de o direito de buscar o conhecimento dever ser garantido como direito fundamental, deve-se exigir dos cientistas, pesquisadores[18] que eles assumam a responsabilidade pela verdade e pelos deveres inerentes às pesquisas que conduzem, assim como de cada cidadão é exigida responsabilidade consciente por seus atos, tanto para consigo, para com o outro e para com a humanidade. 

Nesses casos, o princípio responsabilidade de Hans Jonas, entendida esta como uma resposta emocional ao conhecimento racional do bem, um sentimento que motive as pessoas a cumprirem seus deveres objetivos com racionalidade, de modo que o bem consiga vencer a vontade,[19] o desejo, pode ser a baliza na qual se encontre um limite à atuação do cientista e, portanto, uma resposta às perguntas e problemas bioéticos. 

A responsabilidade com relação aos avanços da biotecnologia também são objeto de ponderação por parte de Jürgen Habermas, para quem há necessidade de se avaliar os fins das novas biotecnologias, diferenciando-se atos que conduzam a

uma eugenia positiva ou a uma eugenia negativa[20] para se evitar cair em uma eugenia liberal, que seria condenável, pois representa a busca do aperfeiçoamento da raça humana orientado pelo livre mercado e pelas preferências individuais de cada. Para tanto seria necessária uma moralização da natureza humana, ao invés de uma mecanização, uma tecnicização desta pelos avanços biotecnológicos.[21] Ademais, o autor questiona os efeitos futuros das ações atuais, pois, para ele, a adoção de uma eugenia liberal violaria a assimetria das relações entre as gerações, já que as escolhas dos cidadãos de hoje não seriam, necessariamente, as escolhas dos cidadãos do amanhã, assim como as escolhas genéticas dos pais não implicam, necessariamente, que estas seriam as escolhas do nascituro, quando se trata da manipulação genética. 

Quando se fala em efeitos futuros das ações atuais, está-se falando em fraternidade para com o próximo e em solidariedade para com as futuras gerações e relacionando-se estas com o princípio da precaução e este, por sua vez, com o princípio da responsabilidade. Por isso, o ser humano pode e deve ser responsabilizado não somente pelo mal que causa, mas também por aquele mal que deixou de evitar. Esse é o entendimento de Reinaldo Pereira e Silva ao mencionar que, [...] se antes do advento das modernas tecnologias biomédicas a responsabilidade humana cingia-se a um tempo e a um espaço bastante estreitos, de modo a não exigir atenção do direito os efeitos posteriores não-previstos, na atualidade, em que pouco se sabe acerca dos desdobramentos futuros de uma ação presente de efeitos bastante largos (consciência da ignorância), o homem é responsável por todo o mal que poderia ter sido evitado, desde que agisse com precaução.[22] 

Hoje é necessário entender a responsabilidade não somente em sua dimensão individual, mas transindividual, pois a experimentação e a manipulação genética levantam questionamentos também a respeito da sustentação dos custos econômicos das pequisas e do endereçamento social de suas conquistas, até porque a medicina contemporânea parece privilegiar a tecnologia e os interesses comerciais e olvidar dos legítimos interessados – os pacientes. Teme-se, por isso, que os pobres e os países do Terceiro Mundo sejam esquecidos quando se trata de usufruir das descobertas científicas, embora, muitas vezes, tenham servido de objeto, de mártires da ciência ao se submeterem a experimentos realizados na busca da cura ou tratamento de doenças.[23] 

O quadro que se pretende mostrar neste artigo conduz a uma triste constatação: não obstante os avanços tecnocientíficos, a incapacidade humana de resolver humanisticamente os problemas que afligem a sociedade permanece uma característica da atualidade. Para evitar um mal maior, são necessárias uma medicina e uma ciência menos científicas e mais humanas, estreitamente ligadas aos direitos humanos, visando a criar um vínculo entre a autonomia do paciente, a sua dignidade e os demais princípios bioéticos. É por isso que eles devem servir de base para todas as ações na área da saúde e nas pesquisas que envolvam seres humanos e, portanto, para a construção do Biodireito. 

 

 

3 O biodireito como resposta aos problemas bioéticos

É fato que o vazio jurídico torna tudo possível e o imperativo das novas tecnologias pode conduzir a sociedade a um inferno moral ou ético, a um niilismo de valores. Por isso é importante o estabelecimento de regras, limites e formas de controle. 

Um grande problema e uma enorme responsabilidade no contexto atual é, portanto, a regulamentação jurídica da utilização das novas biotecnologias, pois, de um lado está o direito à liberdade científica, que não deve ser censurado, e do outro, a autonomia da pessoa, o direito à vida e à dignidade humana. 

Apesar do tratamento já dispensado a questões dessa ordem, seja a nível local, como internacional, ele ainda não alcançou uma projeção global satisfatória, tendo em vista a amplitude e a constante evolução, tanto da Bioética, como da ciência. Para tanto, é importante uma atuação conjunta do Direito com a Bioética, pois esta possibilita novas atitudes reflexivas e contribui para um novo discurso regulador dos princípios fundamentais[24], tantas vezes em conflito, como visto nos itens anteriores. Essa atuação conjunta do Direito com a Bioética sobre os novos fatos e eventos originários das pesquisas das ciências da vida e para acompanhar o progresso técnico, a fim de conceder tratamento ao homem não como ser individual, mas como espécie a ser preservada, deu origem ao Biodireito[25], que representa, então, a passagem do discurso ético para a ordem jurídica e pressupõe a elaboração de uma ordem jurídica que se materialize nos direitos humanos e assegure os seus fundamentos racionais e legitimadores. Ele parte do respeito à autonomia individual e viabiliza a participação aberta nas decisões políticas e na construção de uma ordem jurídica justa.[26] Além disso, ele assenta-se nos “valores eleitos pelo sistema jurídico vigente, nos princípios gerais que traçam sua base estrutural.”[27] 

Para estruturar o Biodireito, não se pode, contudo, querer reduzir o Direito a um papel meramente instrumental, substituindo “os direitos do homem pelos direitos de um homem em função de suas predisposições genéticas”[28], pois ele não é a simples transposição de normas bioéticas para o Direito, mas deve estabelecer as normas jurídicas que regem os fenômenos biotecnológicos e biomédicos disciplinados pela Bioética, sem preteri-la, pois ela “há muito vem construindo o suporte ético para as novas relações e da qual o Direito não pode prescindir.”[29] 

Tudo isso, porque a lei não pode evoluir ao sabor dos progressos científicos, sob pena de reduzir-se a uma função instrumental, isenta de referências e valores[30]. A lei deve adaptar-se aos avanços científicos, sem olvidar dos valores sobre os quais a sociedade está construída, pois o “Direito é a regra que uma sociedade se dá”, que veicula os valores que geram a concepção de homem. Ele não pode ser adaptado subvertendo-se ou desconhecendo-se “sua natureza científica, dotada de princípios, métodos e formulações próprios”, sob pena de ser colocado “à reboque da ciência”, nas palavras de Lavaialle.[31] 

A ciência moderna, por vezes, está longe da ética que não seja a do conhecimento, o que é criado pelo cegamento causado pelo conhecimento objetivo; da hiperespecialização, o que pode ser desastroso para a sociedade, já que “um pensamento cego ao global não pode captar aquilo que une os elementos separados.”[32] O que se percebe, por vezes, é a existência de um conflito entre o imperativo do conhecimento e os imperativos éticos, que são objeto das discussões bioéticas, tanto que, segundo o autor citado, em Bioética se está condenado a compromissos provisórios.. 

Como se sabe, as ações do homem que causam refle xo na sua própria vida e na vida dos outros também são objeto de estudo no campo da Moral, Ética, Política e da Filosofia Prática, onde são discutidas e analisadas por meio de diversos modos de saberes, denominados racionalidades, através dos quais são formulados juízos que determinam a ação. Esses juízos, para servirem como lei, devem ser [...] validados entre aqueles que as assumem como tal. Então, a fundamentação passa a ser essencial na caracterização do juízo como lei. A história humana, por exemplo, no campo da Ética, da Moral e da Política, pode ser desenhada a partir dos modos como foram justificadas estas leis. Pois as formas como as sociedades procuram se estabilizar para resolver seus conflitos, tanto internos como externos, instaurando uma certa ordem, passa pela forma como resolvem, fundamentalmente, os conflitos de valores.[33] 

O reencontro do Direito com a ética é, então, a novidade inaugurada pelo Biodireito, o qual, “pretende demonstrar a possibilidade de compreensão do fenômeno humano num contexto em que a tecnociência – que nada mais é do que o conhecimento de caráter positivista levado a seu extremo – não mais permite distinguir a ciência (conhecimento puro) da tecnologia (conhecimento poiético).”[34] 

Para o citado autor, o fato de a tecnociência não conseguir diferenciar pessoas de coisas, haja vista ela não conhecer senão as coisas que são objetos por ela mesma constituídos, transforma a sociedade em um grande laboratório de experimentos biomédicos e sujeita os homens à condição de consumidores/cobaias dos implementos tecnocientíficos, o que deve ser inibido. 

Por isso, no entender de Paulo Bonavides, 

Vida, ética e direito são as três faces da larga problemática que se torna cogente e imperativa em busca de soluções impostergáveis, ante os desafios, as ameaças, as incertezas, as apreensões causadas no mundo moral e jurídico pelos avanços materiais da ciência e da tecnologia, desde o advento da engenharia genética, da medicina genômica, das eventuais manipulações do DNA, da clonagem de seres vivos, na qual se insere potencialmente o ser humano.[35] 

Nesse sentido, Francisco de Assis Correia propõe a alteridade como critério fundamental da bioética, pois ela - a alteridade - significa que a pessoa deve ser o fundamento da reflexão bioética. Fundamento no sentido de base, eixo e convergência, de modo a não ser analisada em si mesma, mas enquanto relação com outras pessoas.[36] 

Outrossim, os princípios bioéticos demandam uma vinculação jurídica, de forma a preencher as lacunas da legislação[37]. Juntamente com os princípios que norteiam os direitos humanos, eles auxiliam a hermenêutica dos princípios constitucionais – a hermenêutica da vida (promoção dos direitos humanos) – com o propósito de concretizar, dentre as possibilidades de significação da norma jurídica, a que melhor se coaduna ao princípio da dignidade humana. Na eventual constatação da fraqueza das iniciativas de lege lata, seja na função criadora de novas normas, seja na revogação daquelas consideradas inadequadas, o Biodireito auxilia nas realizações de lege ferenda, com o propósito de prevenir e/ou reprimir possíveis atentados à dignidade humana.[38] Por isso é uma resposta aos problemas bioéticos. 

Para tanto, o Biodireito deve estar estreitamente ligado aos direitos humanos, visando criar um vínculo entre a autonomia do paciente e sua dignidade e os demais princípios bioéticos, bem como à consagração da dignidade humana, a qual está estritamente relacionada no que diz respeito à legitimação e à legalização da experimentação não terapêutica com embriões humanos, a algumas modalidades de fecundação artificial, à produção excedentária de embriões, a partir do que se questiona o progresso da ciência. 

Além disso, para colocar em prática o princípio da dignidade humana é necessária a existência de instrumentos normativos globais e locais, além da consciência do pesquisador com relação ao respeito a ser endereçado ao paciente e às consequências de seus atos para com as gerações futuras. 

O objeto do Biodireito é, então, matéria complexa, heterogênea e que se confronta com as normas existentes, mas sua base principiológica está construída no Brasil por meio dos princípios constitucionais, que se tornaram a base angular da Bioética moderna.[39] Embora na Constituição brasileira não exista um capítulo dedicado ao Biodireito ou à Bioética, todas as suas disposições relativas à vida humana, à saúde, ao meio ambiente e à tecnologia estão imbricadas no primeiro, já que observam os princípios bioéticos. 

Mas a luta para impedir a violação dos direitos humanos em virtude dos avanços da genética requer ações universais e regionais, sem prejuízo das nacionais, as quais devem estar baseadas na solidariedade e na cooperação entre os povos, zelando também pelo princípio da justiça e da equidade nas relações entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Por isso, é preciso fazer incidir a ética sobre a ciência, não como forma de limitar ou desacelerar seu desenvolvimento, mas para impedir que ela seja empregada em desfavor da natureza e da dignidade humanas e em favor de interesses políticos ou da manutenção do poder em mãos de poucos. É impensável deter a ciência e, portanto, o conhecimento, pois este está associado à natureza humana e faz parte do seu ser. 

O Direito terá, então, de dar respostas sobre a legitimidade das pesquisas e dos conhecimentos adquiridos em virtude destas, bem como à viabilidade de sua legitimação, como forma de manter o equilíbrio dos avanços científicos. 

Os problemas referidos neste artigo são, portanto, conflitos bioéticos e exigem uma reflexão também no campo das relações internacionais, pois envolvem a questão dos direitos humanos. Além disso, eles não são localizados ou pertencentes a uma específica realidade jurídico-política, mas afligem a humanidade. Desse modo, o sistema jurídico interno de cada país deve interagir de forma harmônica com o internacional no que se refere aos direitos humanos e aos direitos fundamentais, pois as transformações internas dos estados repercutem no plano internacional, não se justificando mais a sua abordagem compartimentalizada. A nova realidade internacional, por sua vez, também provoca mudanças na evolução interna e no ordenamento constitucional dos estados afetados.[40] 

Embora todos os estudos, discussões e normas já estabelecidas a respeito do tema, vê-se que a essência do sistema constitucional dos países resta afetada pelos problemas bioéticos decorrentes da evolução biotecnológica sobre o ser humano, pois tocam o cerno dos princípios superiores, onde o poderio tecnológico também deve encontrar seus limites. Por isso se diz que providenciar um padrão moral comum para a solução de controvérsias oriundas das ciências biomédicas e da biotecnologia aplicada à saúde em uma sociedade pluralista é um dos desafios da ética contemporânea, que tem um grande protagonismo na sociedade democrática atual, onde os problemas existem e constantemente são criados pelas próprias instituições ou pelo agir antiético dos seres humanos. 

Não obstante, faz-se imprescindível um regramento quanto ao emprego dos avanços biotecnológicos a nível internacional, pois a legislação de um país mostra-se ineficaz se os países vizinhos carecem de normas nesta área ou se disciplinam-na de forma diferenciada e, por vezes, contrária. Isso proporciona desigualdade de oportunidades para os cientistas/pesquisadores e, por sua vez, para os cidadãos que poderiam se beneficiar dos resultados das pesquisas, além de desigualdade econômica diante da seletiva instalação de empresas multinacionais que exploraram as pesquisas na área, bem como a criação de paraísos genéticos e ou “campos de experiências genéticas”, onde inexistiria controle, o que deve ser evitado. 

A ciência e a ética, assim como o Direito, portanto, o Biodireito, são indissociáveis nos dias de hoje. Com uma atuação conjunta deles, o reducionismo da ciência pode ser superado pela sua aplicação dentro de limites éticos em busca de sua verdadeira finalidade: o bem-estar do ser humano. Não basta, no entanto, que os valores éticos sejam aplicados a nível local. Faz-se imprescindível uma ética planetária, um ética mundial, assim como um regramento jurídico mundial, não para impor diferenças éticas ou jurídicas entre as diversas culturas e religiões, mas para desenvolver os princípios que são importantes para a vida em sociedade, para a preservação dos direitos das futuras gerações e para a preservação da natureza humana. 

 



Conclusão

Em nome da ética vivem e morrem pessoas, são realizadas pesquisas e experimentos com embriões ou seres humanos, pacientes recebem tratamento experimental, tanto que a palavra da moda passou a ser bioética“. Ela ganhou tamanha dimensão, pois sob seu enfoque podem ser analisados os mais variados temas, dentre eles o progresso e a revolução biotecnológicos, que desencadearam uma crise de sobrevivência, na qual os poderes da técnica e da ciência têm provocado reflexões acerca da responsabilidade pelo destino comum. As tensões e contradições originadas pelo progresso científico, além de gerarem oposição entre os imperativos científicos e as obrigações éticas, causam repercussão também na área jurídica, tanto que influenciaram o surgimento do Biodireito. 

Apesar dos constantes estudos acerca dos problemas decorrentes dos avanços biotecnológicos e de possíveis formas para solucioná-los não se conseguiu chegar a um consenso sobre o assunto. Um consenso nessa área, no entanto, é importante, pois pode orientar o legislador nacional e a sociedade global na harmonização da legislação acerca da matéria, a fim de minimizar os problemas decorrentes dos avanços biotecnológicos, que desconhece fronteiras. Por isso o tema deve continuar sendo amplamente debatido em todos os segmentos sociais; jamais ser privilégio de debate por um grupo social ou profissional. 

Uma atuação conjunta do Direito com a Bioética e com as ciências da vida faz-se, pois, necessária, já que “a sociedade atual não mais compartilha das idéias e esperanças surgidas com o advento do reinado absoluto da lei, construído sobre dogmas rousseaunianos”.[41] Essa atuação conjunta, complementar é importante para uma decisão justa acerca da legitimação da utilização das novas biotecnologias, pois não se pode esperar somente da ética pautas absolutas e incontrovertidas de atuação e a solução definitiva dos dilemas, pois a teoria ética também apresenta um coeficiente de provisoriedade. 

O Direito e as ciências não podem, porém, sem uma análise ética, dar uma reposta adequada aos problemas oriundos dos avanços biotecnológicos, pois uma decisão social sobre a admissibilidade das novas biotecnologias deve ser informada, refletida e responsável, inclusive sobre suas consequências para os indivíduos e para a sociedade atual e futura. 

Em muitos casos, não é possível superar a aporia ética, mas conviver com ela, estabelecendo normas transitórias ou decidir apostando em uma solução[42], pois, como dizia Morin, “as consequências de uma ação justa são incertas, a aposta ética, longe de renunciar à ação por medo das consequências, assume essa incerteza, reconhece os seus riscos, elabora uma estratégia.“[43] É por isso que quando se fala em Bioética, se está falando também de compromissos provisórios, mas a consciência da aposta é ao mesmo tempo, a consciência da incerteza da decisão e a necessidade de uma estratégia. Essas três consciências-se interligam e se alimentam.”[44] Para tanto, é necessário um pensamento pertinente por parte da sociedade mundial e dos políticos, que precisam integrar a incerteza do futuro, a aposta em uma decisão estratégica e pertinente para reformar as relações entre os seres humanos, garantindo sua sobrevivência com dignidade. 

A eficácia dos princípios bioéticos, em especial da dignidade da pessoa humana e da responsabilidade, depende da eficácia e da implementação dos direitos fundamentais no âmbito interno de cada país e dos direitos humanos a nível internacional. Isso é pressuposto do discurso bioético para a construção de uma sociedade justa e solidária. 



Referências

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[2] Essa ambivalência é explicada por Morin ao referir que: “A grande dificuldade é conceber ao mesmo tempo o “bom” e o “mau” lado da ciência, essa profunda ambivalência. Em geral, os espíritos se dividem: uns dizem que a ciência traz benefícios à humanidade – medicina, vacina, agronomia, etc. Tecem uma enorme lista desses benefícios indubitáveis. Outros fazem uma lista também indubitável de ameaças e de flagelos. Na realidade, existe um jogo dialético de um e de outro: a medicina diminui a mortalidade infantil em numerosos países do Terceiro Mundo, mas essa diminuição agravou o problema demográfico e o problema da fome, que ela própria destaca, evidentemente, com o crescimento das culturas e dos rendimentos, mas também dos problemas ligados à organização social. O drama é que temos pensamentos compartimentados, enquanto os problemas são solidários. Um problema científico é também um problema político, e ele próprio reconduz à ciência." (2000, p. 154) 

[3] O exemplo dado por Scheila A. M. Mclean refere-se a um “trabalho que permitiu isolar recentemente um gene suscetível de provocar uma predisposição para a homossexualidade pode parecer neutro do ponto de vista científico, mas, ainda que seja, tem consequências enormes e não só de caráter social. Ainda que tenhamos preferido que a pergunta não tivesse sido formulada, agora que a informação existe, é muito provável que se transforme em ciência aplicada.” ( MCLEAN, Sheila A. M. A regulamentação da nova genética. In: CASABONA, Carlos María Romeo. Biotecnologia, direito e bioética: perspectivas em direito comparado . Belo Horizonte: Del Rey e PUC Minas, 2002 (p. 146-155), p.148. 

[4] MORIN, Edgar; LE MOIGNE, Jean-Louis. A inteligência da complexidade. Tradução de Nurimar Maria Falci. São Paulo: Peirópolis, 2000, p. 155. 

[5] CASABONA, Carlos Maria Romeo. Humanbiotechnologie, transkulturalität, globalisierung und symbolisches (Straf-) Recht. In: KNOEPFFLER Nikolaus; SCHIPANSKI, Dagmar; SORGNER, Stefan Lorenz (Orgs.). Humanbiotechnologie als gesellschaftliche herausforderung. München: Verlag Karl Alber GmbH Freiburg, 2005 (p. 79-122), p. 86. 

[6] Segundo conceito de dignidade para Emanuel Kant. 

[7] CASABONA, Carlos Maria Romeo. Humanbiotechnologie, transkulturalität, globalisierung und symbolisches (Straf-) Recht. In: KNOEPFFLER Nikolaus; SCHIPANSKI, Dagmar; SORGNER, Stefan Lorenz (Orgs.). Humanbiotechnologie als gesellschaftliche herausforderung. München: Verlag Karl Alber GmbH Freiburg, 2005 (p. 79-122), p. 86. 

[8] Independentemente de todas as diferentes teorias existentes acerca do status do embrião e se ele é portador de dignidade, é interessante apresentar o cenário criado por Reinhard Merkel, para ser ponderado e melhor refletir acerca da polêmica causada pelas novas biotecnologias: um laboratório, onde existem dez embriões congelados e um bebê de tenra idade dormindo em seu berço, está em chamas. No último segundo, somente um deles pode ser salvo, isto é, ou os dez embriões, ou o bebê. O autor referido questiona se alguém, em uma situação dessas, teria dúvidas acerca de quem salvaria. P ara não pairar dúvidas e fomentar a reflexão, o autor vai além e questiona se, ao invés de dez, fossem centenas ou milhares de embriões congelados. Salvar o bebê significa que dezenas, centenas ou milhares de embriões, possíveis seres humanos, seriam mortos; salvar os embriões implicaria a morte do bebê. Cenário como esse parecem ficção, mas sua ocorrência no mundo real é possível, de modo que não se pode descartar o debate e a necessidade de uma discussão mais ampla e profunda acerca da colidência de valores ou bens jurídicos de igual importância no mundo jurídico, cuja ponderação no caso concreto é questionável. 

[9] HONNEFELDER, Ludger. Genética humana e dignidade do homem. In: BONI, L. A. de; JACOB, G.; SALZANO, F. (Orgs.). Ética e genética. Porto Alegre: Edipucrs, 1998, v. 78 (p. 87-110), p. 54. 

[10] Idem. 

[11] Os princípios bioéticos são os da autonomia, da beneficência, da não maleficência e da justiça, os quais são diretrizes, orientações e indagações éticas para os pesquisadores, e devem ser observados durante a elaboração do projeto de pesquisa, bem como durante sua execução. São a base moral da conduta científica do pesquisador no exercício de sua profissão. 

[12] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 121. 

[13] In: AMARAL, Liz Helena Silveira do. A terapia com células-tronco de origem embrionária: algumas considerações sobre a permissão contida na Lei nº 11.105/2005. In: LEITE, José Rubens Morato; FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (Orgs). Biossegurança e novas tecnologias na sociedade de risco: aspectos jurídicos, técnicos e sociais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007 (p. 419-471), p. 463. 

[14] In: MYSZCZUK, Ana Paula.Genoma humano. 1 ed. (ano 2005), 2. tiragem. Curitiba: Juruá, 2006, p. 78. 

[15] FROMM, apud SILVA, Reinaldo Pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. São Paulo: LTr, 2003, p. 105. 

[16] Idem. 

[17] FLÄMING, Christian. Die genetische manipulation des menschen: ein beitrag zu den grenzen der forschungsfreiheit. 1. Auf. Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 1985, p. 80. 

[18] Ao falar da responsabilidade do pesquisador, Morin refere tratar-se de um problema difícil, pois estariam embalados entre a irresponsabilidade e a culpabilidade. “A irresponsabilidade é ver a ciência como um eremita admirável num universo mau. Se a bomba atômica ameaça destruir a civilização, a culpa é evidentemente dos maus políticos e não nossa! Ora, ciência, técnica, sociedade são certamente coisas distintas, mas não separadas. Elas se entre-influenciam e se entretransformam e produzem forças de manipulação enorme que dão à humanidade um poder demiúrgico – o conhecimento científico também produziu as forças potenciais de submissão e aniquilamento. Então, nós nos arriscamos a cair na culpabilidade.” (2000, p. 152) 

[19] JONAS, Hans, In: MERZ, Bettina. Die medizinische, ethische und juristische problematik artifizieller menschlicher fortpflanzung. Frankfurt am Main: Lang 1991, zugl.: München, Techn. Univ., Diss., 1990 - 1991, p. 140. 

[20] Em função da finalidade, a eugenia é distinguida entre negativa e positiva, sendo a primeira aquela destinada à eliminação (através de aborto, métodos anticonceptivos) de uma descendência indesejada, enquanto que a segunda destina-se à seleção de características fisiológicas desejadas. 

[21] HABERMAS, Jürgen. Die zukunft der menschlichen natur: auf dem weg zu einer liberalen eugenik? Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2005, p. 29 ss. 

[22] SILVA, Reinaldo Pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. São P aulo: LTr, 2003, p. 27. 

[23] Tanto é assim que existem dificuldades até mesmo na obtenção do consentimento para os experimentos. O problema em obter-se um consentimento livre e esclarecido em países em desenvolvimento gira em torno do analfabetismo e da pobreza, pois, por vezes, a participação nos experimentos é a única maneira de os pacientes receberem maior atenção médica, de modo que são facilmente manipuláveis. 

[24] BARACHO, José Alfredo . Teoria geral da bioética e do biodireito: biomédica. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Org.). Direito e medicina. Belo Horizonte: Del Rey, 2000 (p. 67-109), p. 73 ss. 

[25] FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 288. 

[26] A autonomia individual deve vincular-se, no entanto, aos princípios e comandos gerais, isto é, ser exercida nos limites e de conformidade com as leis. 

[27] BARBOZA, Heloisa Helena; Barreto, Vicente de Paulo (Orgs.). Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 61. 

[28] KAHN, Axel, In: BARBOZA, Heloisa Helena; Barreto, Vicente de Paulo (Orgs.). Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 70. 

[29] BARBOZA, Heloisa Helena; Barreto, Vicente de Paulo (Orgs.). Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 71. 

[30] O Direito não tem resposta para as dúvidas acerca da natureza humana, as quais, segundo Dworkin, não podem ser sanadas pela ciência, por serem de natureza moral, de modo que a busca de uma solução para os impasses dela decorrentes necessita de uma reflexão filosófica. Para tentar solucionar a questão, surgiram duas correntes: a vitalista e a neokantiana, as quais colocaram a sociedade diante de um novo impasse, por não serem praticáveis como escolhas da sociedade. A primeira, por desconsiderar e condenar hábitos já incorporados no meio social, como é o caso do controle da natalidade, e a segunda por trazer consigo o risco da exclusão dos fracos e mentalmente deficientes. Assim sendo, como solução intermediária e de natureza pragmática, surgiu a reflexão bioética, que auxilia o Direito, pois as respostas às perguntas sobre a natureza da pessoa humana pressupõe a aceitação dos dados empíricos fornecidos pela ciência e, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre as dimensões caracterizadoras do ser humano – racionalidade, liberdade e igualdade. Compreender a natureza da pessoa humana e como, ao lado da sua natureza ontológica, coexiste de forma essencial a sua realização existencial, é tarefa do Direito como instância de julgamento, de modo que de nada adianta fechar os olhos e com proibições querer regular a realidade. 

[31] Idem, p. 60. 

[32] MORIN, Edgar. O método 6: ética. Tradução Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 72. 

[33] NOGUEIRA, Antonio Henrique. Conflitos na ética contemporânea. In: BINSFELD, Pedro Canisio. (Org.). Biossegurança em tecnologia. Rio de Janeiro: Interciência, 2004, p. 258. 

[34] SILVA, Reinaldo Pereira e. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. São Paulo: LTr, 2003, p. 103-104. 

[35] Idem, p. 103. 

[36] PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 4. ed. São Paulo: Edições Lozola, 1997, p. 46. 

[37] A maioria dos fatos a serem regulamentados pelo Biodireito é inédita, pois não regradas pelo ordenamento jurídico original ou regradas de forma parcial ou contestável, de modo que se torna imperiosa a observância dos princípios constitucionais vigentes, a fim de preservar os valores que foram eleitos pela sociedade e que não podem sucumbir diante da promessa da sonhada imortalidade. 

[38] SILVA, Reinaldo Pereira e. A inumanidade da clonagem humana. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade: bioética e biodireito. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 327. 

[39] BARBOSA, Heloisa Helena; BARRETO, Vicente de Paulo (Orgs.). Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 73. 

[40] TRINDADE, Cançado, apud FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais: a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 352. 

[41] BARBOZA, Heloisa Helena; BARRETO, Vicente de Paulo (Orgs.). Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 72. 

[42] MORIN, Edgar. O método 6: ética. Tradução Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 53. 

[43] Idem, p. 56. 

[44] Ibidem, p. 56.