Biodireito: fator de pré-disposição para a “religação dos saberes”


Pormarina.cordeiro- Postado em 02 abril 2012

Autores: 
RODRIGUES, Pedro Jorge de Oliveira

Resumo


Num mundo globalizado, presenciamos, atualmente, uma especialização em todos os ramos dos saberes, compartimentados em teorias que trazem valores para atender apenas a determinadas perspectivas, consequentemente produzindo paradigmas que amesquinham a essencialidade humana que tem como seu bem maior a vida. O método utilizado no presente artigo científico é o método de abordagem dedutivo através da pesquisa da obra Religação dos Saberes, de Edgar Morin. Assim, busca-se investigar as reais possibilidades de regenerar e rejuntar o sentido humanitário a partir do entendimento do sistema complexo de relações originadas dessa disciplinalização, regida pela ideia da biogenética e da bioética. Os resultados esperados se mostram evidentes no momento em que considerarmos a interligação entre as disciplinas dos saberes, através de um aproveitamento e complementaridade das ciências invocadas, associando-as a um determinado caso em concreto.

 

Palavras-chave: complexidade, transdisciplinariedade, biogenética, bioética.

 

Nowadays, in a globalized world, we witness, a specialization in all the knowledge fields which are divided in theories which bring values to attend only to determinate perspectives, consequently producing paradigms which make insignificant the human essence which considers as the biggest thing, the life. The method used in the present scientific article is the method of deductive approach through the research of the work Religação dos Saberes, by Edgar Morin. Thus, the main aim is to investigate the real possibilities of regenerating and reconnecting the humanitarian sense, from the understanding of the complex relationships system on, which were originated from this discipline, ruled by the idea of the biogenetics and of the bioethics. The expected result s are evident in the moment in which it’s considered the connection between the knowledge disciplines, through the advantage and complementary use of the invoked sciences, associating them to a concrete determinate case.

 

Key-words: complexity, transdisciplinarity, biogenetics, bioethics.

Texto


 

Introdução

1 Transdisciplinaridade no mundo globalizado

2 Sistema complexo de relações dos saberes

3 Reflexões biogenéticas sobre as jornadas temáticas a partir de Edgar Morin

4 Bioética repensando os saberes

Conclusão

Referências

 

Introdução

Nossas relações com o mundo passam por um esgotamento de saberes que mais reproduzem um entendimento de acomodação do que criam e modificam as constantes demandas que carecem de novas respostas a estímulos diferentes de convivência e, principalmente, do” modus faciende” da elaboração dos mais diversos conhecimentos. Desta forma, projeta-se uma desorientação orquestrada por velhos paradigmas que moldam uma aceitação e representação de valores orientados para uma operação intelectiva de nossas ações, conduzidas por expectativas que nos desvirtuam da verdadeira rota de percepção reflexiva sobre a importância e as reações que os saberes exercem sobre a sociedade. Estamos, pois, nos referindo ao “risco” que está impregnado nas mais diversas atividades humanas. São nos estabelecidos padrões e normas de condutas dos quais deveremos seguir e respeitar segundo uma concepção pré-determinada para justamente dar uma sensação de “normalidade” e a tão esperada proteção e segurança que o mundo globalizado tenciona proporcionar exaustivamente. 

Nesse sentido, quando um determinado fato ou evento social adentram uma determinada disciplina do saber e, em confronto com outra disciplina, o mesmo fato ou evento modificam-se e produzem outros significados à medida que vão se agregando outras disciplinas afetas para a elucidação de uma resposta a esses novos desafios. Estas inquietações formam um sistema complexo de relações que torna inviável continuar a entender que o verdadeiro sentido de compreensão está fora da transdisciplinaridade. 

O Biodireito surge, pois, como um pressuposto dialético com os diversos saberes, rejuntando-os de maneira a tratar o conhecimento sem “causalidade ou determinismos”, vem dando-nos a possibilidade de resguardo e de uma abertura para a implementação de novas perspectivas que permeiam toda uma cadeia de saberes articulados atualmente de forma descompassada e respondem apenas a uma determinada gama de interesses, motivados pelo Estado ou pela iniciativa privada, sendo estes carregados de uma política de consumo persuasivo, direcionada única e exclusivamente à lucratividade. Mas ao tratarmos da ciência Biodireito, necessariamente adentramos a principiologia de outros dos ramos dessa ciência, que é a Biogenética e a Bioética. A primeira nos conduz ao conhecimento de uma ciência voltada para a estrutura da vida dos seres vivos pautada no estudo e aprimoramento genético e funcional a partir de características celulares produzidas pelos próprios seres, redimensionadas ou modificadas para a construção ou manutenção de outros seres vivos. Já a segunda trata das responsabilidades com que devemos nos comportar diante das constantes mutações genéticas. Essas poderão nos oferecer, formas de sabermos discernir os limites que são impostos a própria ciência pela natureza. 

Portando, percebe-se com bastante acuidade que o Biodireito com suas ramificações, oferece, a partir de seus institutos e principiologia, um grato e satisfatório recurso para que possamos solavancar o estado de estagnação que assola uma determinada disciplina do saber, atuando apenas em seu entorno e esquecendo-se da complementaridade que se torna indispensável a partir da consideração e mensuração de uma outra disciplina compatível para que possamos dar a resposta mais ajustada, e com um certo grau de certeza, que perpassa, obrigatoriamente, pela consideração de outras opiniões e pontos de vista. A transdisciplinaridade, então, amenizará a complexidade das relações dos saberes, através de uma “religação”. 

 

1 Transdisciplinaridade no mundo globalizado


O contexto de mundo em que vivenciamos atualmente nos remete obrigatoriamente para um sistema político pautado pela globalização, termo esse empregado nos dias de hoje fluentemente entre os mais diversos ramos do saber. Tudo se compreende e se reconhece a partir do grande, do abrangente, do todo. Ocorre que tal realidade traz consigo avanços e tormentos. 

Para se ter uma ideia do que se aduz desses discursos, basta nos debruçarmos no contexto histórico da evolução humana e passaremos a perceber que nem sempre foi sempre assim. No passado longíngio, a realidade era outra, assim como formas e maneiras de pensar e compreender, lá como aqui, permanecem, ainda, lutas antagônicas de forças de um estabelecimento, de um determinado poder ou de um sistema. O global traz em si a conotação do capital, e este, por conseqüência, uma variedade de valores significativos que privilegiam o individualismo, a competição e, o que é mais afeto a nossa proposta, a especialização produzida por essa massa mercadológica persuadida e ditada pelo capitalismo apenas com a finalidade de amesquinhar comportamentos nocivos à verdadeira vocação de compreensão que os acontecimentos e fenômenos estão prenhes de um tratamento cientifico adequado de legitimação.[2] 

Neste contexto, temos que, na ambiência desse mundo globalizado, gravitam o cenário nacional e o cenário internacional. O primeiro acomoda uma legitimação interna conduzida por uma política assistencialista que incorpora modos e maneiras de produzir saberes condicionados a uma determinada hegemonia e obediência a um conhecimento que não é propriamente nosso. O segundo se verifica a partir do momento que, para nos relacionarmos fora de nosso cenário original, somos compelidos a aceitar condições e saberes pré-dispostos por uma determinada ciência ou disciplina. 

Criou-se, então, uma cultura que, em nome da racionalização e de resultados rápidos e seguros, considera correta a concepção de que basta se ter uma instrumentalidade oferecida pela tecnologia para realizaremos as tarefas sistematicamente, sem a mensuração e ajuda do pesquisador ou cientista de uma determinada disciplina. 

A evolução histórica das disciplinas do saber, nesse sentido, nos mostra o caminho percorrido por esses entendimentos e nos remetem para os primórdios do reconhecimento de disciplinas como condição de um meio de estudo e legitimação dos fenômenos científicos ocorridos numa determinada área ou espaço. Ocorre que esse começo se iniciou através de experiências empíricas, associadas ao reconhecimento da religião. As vertentes da origem dos saberes serem tratados com a atual configuração em disciplinas passam obrigatoriamente por teorias de matematização, produzidas a partir de uma concepção racionalista de ver e perceber as coisas. 

Estava, pois, estabelecida a especialização, acondicionada num saber que representa uma determinada disciplina. Disciplina essa formada por uma conceptuologia para dar as prováveis respostas a partir de paradigmas internos da própria disciplina do saber e com isso gerar uma acomodação no sentido de que a probabilidade foi alcançada, diagnosticada pelas causas e seus efeitos, determinando-se dessa forma, comportamentos em decorrência de saberes direcionados para uma finalidade em específico. 

A tecnologia versus saber fez surgir um paradoxo entre ambas. A tecnologia como forma de apreensão científica, que, implicitamente, está adstrita a avanços e à modernidade de aparatos e engenhos orientados segundo um mandamento operativo direcionado para atender a uma situação determinada. Já o saber é a via oposta à técnica, pois nesta a experiência, somatório de conhecimentos adquiridos ao longo de um espaço de tempo e atrelado ao contato direito com o objeto a ser pesquisado ou analisado, oferece um estudo científico mais aproximado com a realidade, considerando não só o aspecto aparente, mas também a observação intelectiva que se possa oferecer muito mais do que uma pré-condição da tecnicidade ou noutras palavras, proporcionar um espectro de pesquisa abrangente, respeitando as vicissitudes do próprio objeto que, se considerado apenas em abstrato, subtrai alguns elementos que, na visão exclusivamente tecnicista, oferece um estudo comportamental reduzido.[3] 

Este saber está representado por uma disciplina e que, no caso, colocaremos a exemplo de um climatologista que analisa o clima de determinada região, utilizando-se de um aparelho para acompanhar as oscilações dos ventos, intensidade da luz, umidade, dentre o outros, e o pesquisador climatologista que verifica diretamente na natureza os verdadeiros indícios que o próprio meio ambiente manifesta. Sendo assim, o que resta perceber é que quanto mais tecnologia houver, tanto mais reprodução de saberes haverá. 

Com o passar dos tempos, surgiram os direitos naturais e com eles os direitos humanos. E é exatamente a partir desses acontecimentos que se começou a vislumbrar que a centralidade e primazia oferecida ao homem não eram absolutas e que diante dessa perspectiva também se passou a ser considerado os seres como um todo. 

A transdisciplinaridade, pois, advém desse contexto, onde vem apontar para possíveis respostas aos frequentes desafios que estão postos diuturnamente em nosso meio e perfazendo multidimensões de acontecimentos que fazem com que os saberes disciplinados em sua especialização não mais dão conta dessa complexidade de relações que transpassam a estrutura de uma determinada disciplina do saber. Esta estrutura proporciona uma fonte de comunicação entre as disciplinas de forma a oferecer uma dinâmica nas relações do saber.[4] 

Sendo assim, a transdisciplinaridade traz em sua estrutura o recurso viável, amortizador e revolucionário na maneira a utilizar os diversos saberes de forma complementar, aliando a técnica e o saber já não mais em especializações, mas, sim, isenta de arbitro único e exclusivo de um determinismo. O mundo globalizado torna-se uma dimensão que pode sofrer um enfrentamento de contestação, de dúvida; logo, oferecendo a oportunidade da quebra de paradigmas estabelecidos a partir de uma holística capitalista proporcionada pela globalização. Disso a evolução histórica mostrou-nos o seu triunfo e nos proporciona um panorama de referência para fazermos frentes a esse fenômeno de mudança que acompanha um fato ou evento. 




2 Sistema complexo de relações dos saberes

As disciplinas do saber como tais, ilustrativamente, então concebidas como a sociologia, a antropologia, a psicologia, a biologia e o próprio direito, dentre outras, trazem uma variedade de entendimentos dentro do universo de cada disciplina. A um determinado caso em concreto dado ou evento fortuito que ocasione uma percepção através dos sentidos, fazem com que o observador detecte e avalie o objeto a partir dessa compreensão. Observa-se que toda manifestação do saber está relacionada diretamente num dado momento a um subsistema que aqui trataremos aludindo a representação da disciplinaridade. Veja-se que qualquer comportamento organizado e legitimado dentro de um contexto assume a forma e estrutura de um subsistema que será parte do sistema construído.[5] 

Nesse sentido, quando um determinado fato adentra o interior de um subsistema, este provoca uma reação de controle de decisão de maneira que ocorra uma estabilidade do subsistema. Daí, percebe-se que essa operação gera uma dada energia e informação que atendem, num primeiro momento, às reais necessidades do próprio subsistema. 

A partir desse entendimento, o mesmo fato que penetrou num subsistema, ao passar para outro subsistema, é acolhido pelo mesmo de maneira diferente, ou seja, o fato se torna algo novo, pois as propriedades e características desse outro subsistema funcionam de maneira a reproduzir a sua especialização do saber, dando, dessa forma, a sua contribuição. 

É justamente dessa sequência de acontecimentos dentro de cada subsistema que vamos vislumbrar a aparição da complexidade das relações dos saberes. O entrelaçamento de informações provoca no observador uma sensação de vazio e perde a noção do grau de aproximação com a certeza, pois não consegue visualizar além dos limites postos no interior de um determinado subsistema. 

Então os sistemas vêm dar o suporte de organização dos mais variados saberes compartimentados em disciplinas a partir da ideia de especialização e que proporciona vermos os conhecimentos auferidos de forma diferente para que com isso a eficiência dos componentes de cada disciplina possa contribuir em cada novo fato. 

As relações entre os saberes necessariamente passam por essa ambiência em que já não se concebe mais entender os saberes apenas a partir de uma visão restrita a uma determinada área e sim em utilizar-se de uma lente em que se tenha uma visão holística de seu entorno, abstraindo, dentre as várias possibilidades dentro da relação, aquela que seja mais vantajosa ou eficiente para o sistema a partir de uma operação de seleção por meio do verdadeiro sentido que se está buscando, seja como uma possível resposta, seja como uma condição de mantença da própria estabilidade funcional do sistema.[6] 

A transdisciplinaridade surge como um elo de ligação e interação dessas disciplinas na medida em que se possibilita a recepção de solução de continuidade ao percebermos que um saber não anula o outro e sim a partir de um subsídio anterior de um determinado saber se construirá outro saber com mais robustez e coerência, pois a operacionalidade de comunicação entre eles regenerará e produzirá um novo saber capaz de fazer frente às incertezas do quotidiano, isto é, uma referência para darmos uma resposta aos efeitos de uma observação.[7] 

O Biodireito, por meio das suas ramificações da Biogenética e Bioética, dará a conotação apropriada de maneira a fornecer uma condição de dinâmica para porem-se acomodar os vários saberes de forma lógica e eficiente, nesse espaço intermediário entre as disciplinas, dando a integração mais desejada e mais apropriada a cada caso. 

Portanto, o sistema complexo de relações dos saberes está calcado numa dimensão em que somos levados a acreditar que é mais salutar para o aproveitamento de uma determinada disciplina do saber e a sua consequente interligação a consideração de um gerenciamento com vistas a pensarmos a relação de complexidade dos saberes a partir de uma ótica que afaste o entendimento de uma relação simplista de causa e efeito, e sim considerar uma “rede causal”, ou seja, de múltiplas causas encadeadas e sincronizados de forma a dar uma coerência e legitimidade para o produto final, que é o somatório complementar de várias disciplinas. 




3 Reflexões biogenéticas sobre as jornadas temáticas a partir de Edgar Morin

A Biogenética é uma ciência e, por assim dizer, uma disciplina do saber que nos coloca numa dimensão existencial e cósmica, pois esta se asenhora da natureza de todos os seres vivos. Seres vivos não simplesmente no entendimento da existência exclusiva do homem e sim na consideração dos outros seres, sejam vegetais, microorganismos, seja a própria matéria geológica, a Terra. 

Ocorre que a evolução histórica dos seres vivos teve em seu início na natureza em seu estado natural e que, paulatinamente, no decorrer dos tempos, foi tomando outras formas e saindo desse estado natural para um estado de exploração, ocasionado pelo homem, no sentido de produzir o seu alimento, vestuário e saúde. Dessas necessidades em que se privilegiaram os meios de produção em massa, cada dia mais, e mais artifícios corporativos de inserção no mercado de consumo, produtos produzidos com baixos custos e uma grande rentabilidade. A nossa sociedade foi construída a partir desse ecossistema, onde o indivíduo, em sua suposta condição de superioridade diante aos demais seres vivos, imprimiu regras de legitimação expropriatória das características naturais de cada ser para o seu uso indiscriminado.[8] 

Nos primórdios de nossa civilização as experiências para a produção de novos saberes passaram a ser concebidas a partir de fermentações de elementos e produtos considerados, com o objetivo de se combinarem e produzirem outros ou darem mais eficiência estrutural aos produtos. Mas essa produção era artesanal e não podia dar conta de uma demanda de consumo vertiginosa que as emergentes disciplinas do saber necessitavam para se justificar e oferecer a quantidade e qualidade desejada pela sociedade. 

Surge a partir daí estudos de pesquisas que passam a considerar e a desvendar os órgãos, as células, as moléculas, os átomos e as partículas das mais variadas formas e espécies de seres vivos. As disciplinas do saber evoluíram e com elas a ciência proporcionou algo que nos dias de hoje salta nossos olhos e nos dá a sensação de uma visão de maravilhosos progressos que estão aí implementados pela nova “engenharia genética” representada pelos organismos geneticamente modificados (transgênicos). 

Os organismos geneticamente modificados vêm nos dizer que é possível ter a pretensão de substituir um dado elemento da natureza ou revitalizar espécies com baixa capacidade laborativa, a partir da introdução em nível do “DNA”, um novo genoma, construindo, assim, um novo ser. 

Na jornada da Terra, a busca de nossas origens está consubstanciada a partir de uma consideração de estrutura de um conjunto de células dimensionadas, tendo como matriz reprodutora o “DNA”, onde este carrega em sua característica a carga genética de produção e reprodução. Aliado à genética molecular e atômica, estão incluídas aí, na formação dos seres vivos, os hormônios e seivas relacionados aos vegetais que combinam elementos de forma a serem considerados no plano das experiências como algo possível de ser criado a partir de matéria extraída dos próprios órgãos considerados.[9] 

A evolução humana vem demonstrando que, por força de variações climáticas e geográficas, os seres vivos vêm sofrendo uma constante mutação genética e, mesmo obedecendo a ciclos naturais evolutivos, convivem eles ao mesmo tempo com a insensatez humana em interromper toda uma cadeia de procriação e reprodução. Não podemos olvidar de que a genética surgiu a parir de uma “pré-biótica”, onde se observaram as primeiras formações dos seres vivos, num circunspecto de organização celular ou animal, seja vegetal ou mineral. 

Encobriu-se ao longo de várias pesquisas que a Biologia, então concebida apenas a partir de experiências empíricas, agora tem como instrumento a genética e, nesse sentido, subjaz o genoma como uma representatividade referencial existencial e teórica capaz de solavancar e suplantar a própria existência da planta ou do ser humano. 

A Terra, com todas as suas diversidades, juntamente com os seres, forma uma biosfera, onde, desde as formações rochosas até as estruturas moleculares, passa, necessariamente, por uma consciência reflexiva de justa medida da aplicabilidade genética. Isso se tornou tão importante que nos dá um falso entendimento de que a economia é sinônimo de um progresso evolutivo dos saberes. 

Sendo assim, as inquietações que envolvem Biogenética, obrigatoriamente, nos dias de hoje, deve passar por uma concepção de desenvolvimento sustentável, tanto para prospecção quanto para a criação de novas estruturas orgânicas ou não, de forma que se preserve todo um ecossistema que se mantém justamente a partir dessas diversidades dos seres vivos. 

A jornada da Humanidade também traz a sua contribuição e nos revela que dentro do contexto da Biogenética existe a hereditariedade que tem o condão da perpetuação da espécie humana a partir de unidades de estruturas celulares. 

Se observarmos o aspecto de constituição do organismo humano como um todo, perceberemos com bastante acuidade que dentre os nossos vários órgãos orgânicos, cérebro e hormônios exercem uma força persuasiva legitimadora de todos os nossos comportamentos do cotidiano em sociedade. Ocorre que esses comportamentos são condicionados a partir de uma estrutura de regulação seja por genética, seja por hereditariedade, construíndo um arranjo em nível de genes que, ora é direcionado para preservar uma longevidade, ora é invocado para ter um tempo de duração existencial bem definido.[10] 
Sendo assim, a organização do corpo humano, considerado e mensurado em vista de uma consideração como ferramenta genética capaz de produzir o completo, não apenas a partir de um órgão, mas de um somatório de órgãos que se entrelaçam a partir da compreensão de disciplinas do saber, dando, assim a verdadeira vocação de cada componente. 

Portanto, as jornadas da Terra e da Humanidade, a partir de uma concepção de Edgar Morin, perfazem uma atitude reflexiva e uma postura de integração das mais variadas disciplinas dos saberes da genética dos seres vivos, considerando o ecossistema como uma unidade e percorrendo um espaço não como algo linear, mas como uma rede de saberes que se auto-ajudam e autocompletam-se. 


4 Bioética repensando os saberes

A Bioética traz em sua principiologia a ideia de um senso em comum em que se cristaliza a partir de um regramento social de considerar-se o que é certo ou errado dentro de um determinado contexto, baseado nos deveres que, inevitavelmente, temos que permear para que possamos interagir em sociedade. Mas a ética é uma filosofia vizinha da moral. Esta oferece os contornos através dos bons costumes que o comportamento responsável deve tomar. E é justamente a responsabilidade que vem como um atributo indissociável para dar suportabilidade e equilíbrio no momento de tomada de uma decisão. 

Sucede que a eticidade que se propõe não é somente a ética regrada e estabelecida por meio de um conjunto de normas e sim aquela em que obedece a um vínculo natural como referência dinâmica de acomodar outras considerações de preservação e cuidados. Daí que a doutrina vem relacionando a Bioética com o desenvolvimento sustentável, agindo, a partir dessa conjunção, por meio de ações comportamentais que vislumbre o justo, o correto, o plausível e a própria proporcionalidade na condição de principiologia. 

Transpondo esse entendimento para a disciplina dos saberes, verificamos que, ao observarmos determinado objeto, teremos dois caminhos a seguir para a nossa compreensão. O primeiro é uma abordagem analítica que se traduz em uma redução dos saberes através de uma especialização calcada numa estatística e tratando o objeto apenas como um elemento. Já a abordagem sistêmica, como bem referido anteriormenre, dá a possibilidade de interação das disciplinas consideradas de forma a regenerar o objeto e considerá-lo não mais como uma informação precisa e sim como uma energia capaz de mo dificar-se.[11] 

Os sistemas, por comportarem o complexo, albergam uma variedade de elementos que, hierarquizados, proporcionam uma sincronia de ações que formam uma rede de comunicação a partir de uma determinada disciplina do saber que, entrelaçada a outra, constrói um todo em que se considere o ecossistema como paradigma para a interação entre elementos fundamentais como o ar, a vida, a terra e a água. 

Em decorrência do referido, o repensar surge, nas palavras de “Kant”, com o verdadeiro poder que está em nós mesmos, com o qual poderemos realizar uma seleção entre o prático e o teórico, entre o racional e o pensamento humano. Veja -se que nesse sentido a racionalidade toma forma de equação e produz uma certa habilidade, mas que não oferece um aprender em sua plenitude. O procedimento científico resumia-se ao método, ao cálculo de probabilidade, até chegarmos ao nosso positivismo, onde as propaladas maravilhas do progresso foram enaltecidas com a revolução industrial. 

Ocorre que essa concepção de essencialidade racionalista sofreu um esgotamento e começou a perceber que a especialização das disciplinas dos saberes, consideradas apenas nelas próprias não oferecia uma resposta adequada a uma variedade de fatos ocorrendo ao mesmo tempo. 

Disso posto, convém salientar que a estratégia que se viabiliza é justamente descentralizar o saber e relativizá-lo a tal ponto que passe para outra disciplina e, num efeito de cadeia, construa uma proposta em que implique uma produção e não somente um consumo do saber. 

Portanto o repensar dos saberes através da Bioética está baseado no entendimento de que os saberes estão acumulados, basta reuni-los e modelá-los para que possam dialogar com eticidade e, em conjunto. Por conseguinte, não há hierarquia entre os componentes de cada disciplina do saber ou mesmo no momento do relacionamento entre uma e outra, o que há em verdade é uma interdependência a partir de uma alteridade dialógica em que se considera o imaginário como suporte viável de implementação, por meio de um comportamento dito como bioeticamente correto. 

 

Conclusão


Sendo assim, o Biodireito como fator de pré-disposição para a religação dos saberes proporciona uma condição de revitalização das disciplinas dos saberes, já postas no presente estudo, pressuposto indispensável no momento da elaboração e seleção de um determinado sentido de compreensão entre a comunicação estabelecida entre as disciplinas consideradas. Não que refutemos as especializações acondicionadas nas mais diversas disciplinas, mas, em verdade, o que nos propomos é justamente ter presente a verdadeira intenção de desvendar e conviver sem precisar excluir os vários fatores e acontecimentos que se entrelaçam dentro de um sistema complexo de relações dos saberes, onde o “risco”, nessa ambiência, assume proporções grandiosas, pois neste está circunscrita a incerteza e a insegurança, perfectibilizada em eventos passados, presentes e com reflexos para o futuro, no momento em que projetamos uma expectativa, por assim dizer não realizada, mas como um que foi antecipado e transposto para o presente como um saber controlado e apropriado. 

A transdisciplinaridade vem justamente fomentar e apaziguar estas inquietações do complexo e trazer em sua estrutura o recurso necessário para afastar o isolamento de uma determinada disciplina do saber e colocá-la em cooperação com outra, afetando a busca de uma resposta mais adequada e a tomada de uma decisão de controle, tudo isso para a construção de um sentido mais apropriado do novo saber elaborado. 

Por conseguinte, a religação dos saberes tem como estratégias de abordagem o Biodireito com suas ramificações representadas pela Biogenética e a Bioética, onde a primeira sugere um saber pautado no desvendar da genética dos seres vivos, como forma de melhor compreender as variadas manifestações orgânicas e celulares que, relacionadas aos demais elementos fundamentais como a água, a terra e o ar, todos igualmente sendo considerados a partir de suma estrutura molecular, atômica ou de partículas que formam estes elementos. 

A segunda tem a ver com o senso de responsabilidade comum que emana e irradia a elaboração do novo saber, obedecendo a uma condição de dever em que vai se considerar dentro de uma gama de possibilidades a que mais possui a vocação para dar um sentido ajustado. Esse sentido pode ser para fomentar a comunicação entre as disciplinas dos saberes ou para manter dentro da própria disciplina os saberes acumulados. Tanto um como outro entrarão para a seara do novo saber estabelecido, legitimados, naturalmente, sem precisarem de justificação ou de outras proposições. 

Com isso, temos que o Biodireito vem circunscrito como um fator de pré-disposição e, consequentemente, organiza os acontecimentos, ordenando-os conforme a necessária resposta que a disciplina do saber suscita. 




Referências

ARDOINO, Jacques. A complexidade. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 

COMMEYRAS, Auguste. A terra, matriz da vida. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 

LABEYRIE, Vincent. As consequências ecológicas das atividades tecnoindustriais. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 

LADRIÈRE, Jean. O racional e o razoável. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 

LANGANEY, André. Hereditariedade, genética: unidade e diversidade humanas. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 

LERBET, Georges. Transdisciplinaridade e educação. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 

LERBET. Op. cit. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 

MOIGNE, Jean-Louis Le. Complexidade e sistema. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 

MORIN, Edgar. Os desafios da complexidade. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 

ROCCHIA, Robert. A fronteira entre o cretáceo e o terciário: o retorno do catastrofismo nas ciências biológicas. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 



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[2] LERBET, Georges. Transdisciplinaridade e educação. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 531. 

[3] LADRIÈRE, Jean. O racional e o razoável. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 503. 

[4] LERBET. Op. cit. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 532 

[5] MORIN, Edgar. Os desafios da complexidade. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 559. 

[6] ARDOINO, Jacques. A complexidade. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 552. 

[7] MOIGNE, Jean-Louis Le. Complexidade e sistema. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 542. 

[8] ROCCHIA, Robert. A fronteira entre o cretáceo e o terciário: o retorno do catastrofismo nas ciências biológicas. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 100. 

[9] COMMEYRAS, Auguste. A terra, matriz da vida. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 87. 

[10] LANGANEY, André. Hereditariedade, genética: unidade e diversidade humanas. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 224. 

[11] LABEYRIE, Vincent. As conseqüências ecológicas das atividades tecno-industriais. In: MORIN, Edgar. (Org.) A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 133.