Breves considerações sobre a reforma administrativa


PorJeison- Postado em 01 abril 2013

Autores: 
ARAUJO, Thais Maria Oliveira de.
 

 

1. Introdução

 

            A Administração Pública Brasileira passou, recentemente, por um processo de desestatização que modificou a estrutura de vários serviços públicos anteriormente prestados diretamente pelo estado. O texto objetiva analisar o contexto na qual foi feita tais reformas foram feitas e sua importância para a prestação do serviço público de forma eficiente.        

 

2. Desenvolvimento

 

2.1. Contexto Histórico

 

Desde a formação do Estado contemporâneo, a participação do Poder Público nas relações econômicas permutou do abstencialismo, culminante no modelo do Estado Liberal, ao intervencionismo, este evidenciado até o presente momento.

 

Entre o final do século XX, principalmente a partir da Revolução Francesa, constata-se o desenvolvimento do modelo econômico - individualista, no qual havia a pretensão de garantir a predominância da classe econômica burguesa sobre as demais, impondo-se, esta, em sua defesa contra qualquer atuação limitadora - interventiva do Estado. Por tal razão, o direito fundamental, sustentáculo desse modelo econômico, era a liberdade, o qual se afigurava como um dever praticamente absoluto, oponível a qualquer intervenção estatal considerada indevida[1].

 

No decorrer dos anos, o individualismo exarcebado e as condições em que a classe dominante burguesa exercia seu domínio sobre a classe trabalhadora levaram à crise do sistema político-econômico liberal, com a conseqüente necessidade da intervenção estatal no âmbito das relações de Direito Privado.

 

No curso da segunda metade do século XX, o Estado de Bem – Estar Social entrou em crise. O assistencialismo social e a ineficiência desse modelo foram indicados como responsáveis pelo crescimento da dívida pública e do déficit orçamentário, dando início à sua contestação e à sua pregação pelo retorno de um Estado Liberal não – intervencionista.

 

Segundo Di Pietro, verificou-se a ocorrência de afronto ao princípio da Separação dos Poderes e condução à ineficiência na prestação de serviços, decorrente do crescimento desmesurado do passado que de maneira interventiva, atuando em todos os setores da vida social, colocou em risco a própria liberdade individual. [2]

 

De fato, tem - se que a diminuição do tamanho do Estado e a restrição ao seu intervencionismo não fizeram o Estado Social desaparecer totalmente. A passagem por modificações importantes, com a diminuição do seu tamanho e a restrição ao seu intervencionismo, deixando-se influenciar pelas idéias do liberalismo social, que não se confundem com as do neoliberalismo ou do protoliberalismo nem, por outro lado, com as da social democracia.

 

Recentemente, impulsionados pela crise de suas fontes de financiamento e pela incapacidade de interromper os processos de abertura econômica em grande medida gerados pela tecnologia, constata-se a reorganização do papel do Estado numa forte redução na intervenção direta estatal no domínio econômico.

 

2.1.1. A Crise do sistema econômico-administrativo brasileiro

 

            A postura adota pelos Estados atinentes aos modelos econômicos variaram, no decorrer da história, do liberalismo ao intervencionismo, caracterizando-se ora por sua não intervenção, ora por pela intervenção estatal no âmbito das relações privadas. Neste último, verificou-se um forte assistencialismo social e o consequente crescimento da dívida pública e do déficit orçamentário. Tal fato acarretou uma crise no modelo estatal de bem-estar social, passando o Estado a diminuir seu intervencionismo, constatando-se uma reorganização do seu papel, através de uma forte redução na intervenção estatal no domínio econômico e nos serviços públicos.

 

          No final dos anos oitenta, chegou-se a um consenso de que o Estado provedor não atendia mais às expectativas da sociedade, como aquele que deve satisfazer todas as necessidades dos cidadãos, avocando para si inúmeras funções de cunho social, prestando diretamente, por meio de empresas públicas, toda a gama de serviços públicos, incluindo-se também algumas atividades econômicas estratégicas. [3] Constatou-se que, com essa estrutura, o Estado tornou-se agigantado demais e, principalmente mostrou-se um péssimo prestador de serviços públicos. Desse modo, um estado hipertrofiado gera custos elevadíssimos, mantidos por tributos que sacrificam a poupança popular e o investimento empresarial sem o correspondente retorno em qualidade dos bens e serviços prestados.[4]

 

O Estado brasileiro, buscando adequar-se à globalização, promoveu e incentivou uma integração regional que corrigisse as disparidades criadas ao longo de sua história, decorrentes de uma organização administrativa viciada e deficiente, redefinindo, então, o novo papel do Estado. Neste contexto, aparece a desestatização dos serviços públicos e de atividades econômicas prestadas diretamente pelo Estado, assim como surgem as Agências Reguladoras, imbuídas de fiscalizar as atividades delegadas.

 

2.2. Programa Nacional de Desestatização (PND)

 

 Com o objetivo de operar uma reengenharia do Estado, foi implementado o Plano Nacional de Desestatização (PND) pela Lei n° 8.031, de 12.04.1990, que posteriormente foi revogada pela Lei n° 9.491/97 [5], publicada no DOU de 10.09.1997, como medida para se obter a substituição do Estado pelos empreendedores do setor privado, expandindo as atividades do setor público de forma competitiva.

 

2.2.1. Considerações preliminares

 

            A partir da década de 80, verificaram-se mudanças na economia mundial. Constou-se um aumento do nível competitivo, com avanço de novas tecnologias e ampla abertura do mercado, decorrentes da globalização. Tais fatores somaram-se à difícil situação financeira do Estado, reforçando a necessidade de melhorar os serviços públicos.

 

      Para reverter esta situação, era preciso um novo redirecionamento para a atuação do Poder Público. A pretexto do acompanhamento das novas tecnologias, de enxugamento da máquina estatal, o Governo Federal, na administração de Fernando Collor de Mello, iniciou o processo de desestatização.

 

            O programa Nacional de Desestatização (PND) ancora-se nos fundamentos constitucionais vigentes, como bem explicita Sérgio Gerra[6].

 

      Os objetivos contidos expressamente no Programa Nacional de Desestatização se harmonizam com os princípios constantes do capítulo da ordem econômica da Constituição Federal de 1988, notadamente após Emendas Constitucionais de 1999 (n° 5,6.7.8.9) cujos objetivos não se coadunam com o intervencionismo estatal vivido em toda era republicana brasileira.

 

            Na época de implementação do Programa de Desestatização Nacional, o governo concentrou esforços na venda de estatais produtivas de setores estratégicos. Assim, a privatização começou com o que o governo tinha de mais eficiente e rentável, através da alienação de empresas siderúrgicas e petroquímicas.

 

Com a implementação do PND, começaram os debates acerca do papel mais adequado para que o Estado atendesse às necessidades da população, o que desencadeou um realinhamento jurídico - administrativo, implantando o denominado Estado Mínimo.

 

Celso Ribeiro Bastos apud Maria D’ Assunção Costa Menezellos, afirma que “O neoliberalismo surge como uma proposta nova: a de desonerar o Estado de uma série de funções sociais. Esta é, pois a nova conduta político – administrativa adotada pelo Estado desde 1990”[7].

 

O processo de desestatização iniciado por Collor consolidou-se no governo de Fernando Henrique Cardoso. A partir de 1995, com o início do seu mandato, a política da  privatização passou a ser prioridade. O PND, que era apenas um programa de desestatização, ganhou uma maior densidade conceitual e, assim, orientou as iniciativas de reforma do Estado. Tal processo levou à privatização dos serviços públicos, como os setores elétrico e financeiro, e às concessões nas áreas de transporte, rodovias, saneamento e telecomunicações.

 

2.2.2 Objetivos principais do Plano de Desestatização

 

O Programa de Desestatização insere-se no contexto da reforma do Estado brasileiro, buscando atingir os seguintes objetivos: ajuste fiscal duradouro, redução dos passivos do Governo, concentração das atividades do Estado em áreas sociais, estímulo à reestruturação e modernização do parque industrial nacional e fortalecimento do mercado de capitais, mediante a maior pulverização do capital.

 

Insta frisar que os objetivos do citado plano encontram-se esmiuçados no art. 1º da Lei n. 9.491/90, quais sejam:

 

Art. 1º O Programa Nacional de Desestatização – PND tem como objetivos fundamentais:

 

I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;

 

II - contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida;

 

III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada;

 

IV - contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;

 

 V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;

 

 VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa.

 

      Constata-se que através da desestatização, o Estado brasileiro vai se retirando da exploração da atividade econômica, pois o PND abriu o ciclo das privatizações ocorridas durante toda a década de 1990. Para viabilizar e acelerar este processo a partir de 1995, deu- se início a Reforma do Estado.

 

2.3. Reforma do Estado

 

      A reforma do Estado, iniciada em 1995 com o governo de Fernando Henrique Cardoso, baseava-se no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado, visando atingir os objetivos do neoliberalismo.

 

Conforme o estabelecido neste plano, o Estado objetiva limitar sua atuação àquelas funções que lhe são próprias, estabelecendo o Estado Mínimo nas prestações de serviços públicos. Para tanto, foram promulgadas as Emendas Constitucionais de números 8 e 9, as quais criaram órgãos reguladores de serviços do papel do Estado na economia.

 

Em contrapartida ao processo de desestatização, adquire relevo a atuação do Estado  na esfera regulatória através das mesmas emendas de números 8 e 9, as quais  criam órgãos reguladores de serviços  de telefonia e das atividades petrolíferas respectivamente.

 

Com a criação destes órgãos reguladores, o Estado surge como árbitro das atividades privadas, passando a atuar como Estado regulador, através das Agências Reguladoras.

 

2.4 Reforma Constitucional

 

A transformação dos modelos de administração pública gerou a necessidade de novos instrumentos de integração. No contexto em que a Constituição Federal foi promulgada, os serviços públicos instituídos pelo Estado e postos a disposição dos cidadãos já não mais cabiam serem prestados e controlados pelo Estado, mas sim oferecidos pelo setor privado e controlados pelo Poder Público[8].

 

            O forte liame existente entre o Direito Administrativo e o Direito Constitucional fez com que, expressa ou implicitamente, a necessidade de descentralização administrativa fosse contemplada em nosso Texto Maior, seja em sua versão originária, seja em suas sucessivas reformas.

 

            A descentralização administrativa na Constituição brasileira decorre do que Diogo Figueiredo Moreira Neto qualifica como “os princípios técnico- administrativos de maior relevo na reforma administrativa, a saber o da autonomia e o da profissionalização”.[9]

 

            A implantação dessa administração pública gerencial possui, como um de seus postulados básicos, a redefinição ou requalificação do grau de intervenção do Estado na ordem econômica, traduzida no referido papel regulador.

 

            Segundo o publicista, a Reforma Administrativa implicou em um passo racional na descentralização, com a finalidade de atender as diferentes necessidades de gestão da coisa pública segundo as suas características próprias e não em conformidade com um padrão rígido, formal e predeterminado[10].

 

            Esta reforma recente de reestruturação administrativa do Estado brasileiro teve como instrumento divulgador o chamado Plano Diretor da Reforma do Estado, que previa duas etapas: uma constitucional e outra  legislativo- ordinária ou infra – constitucional.

 

A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do seu papel, que deixa de ser responsável pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer na função de promotor e regulador desse desenvolvimento.

 

Para que as reformas enunciadas no plano de desestatização fossem implantadas, fazia-se, então necessária alteração da Constituição, para que houvesse o desligamento do Estado em diversos campos, extinguindo os monopólios, possibilitando a prestação de certos serviços públicos por particulares, que antes não dispunham nem de concessão com instrumento de delegação. Por isso, é que se foi realizada a emenda à constituição de n. 19 em 1998.

 

Promulgada em 4 de junho de 1998, ela acarretou o que se chama de Reforma Administrativa. Ao alterar legalmente várias matérias jurídicas, buscou reestruturar a Administração Pública, redefinindo o seu papel no contexto do Estado e da sociedade em geral, tornando-a cada vez mais eficiente.

 

A Emenda Constitucional 19/98, instituiu ainda o princípio da “eficiência” compreendido a eficácia da administração perante seus administrados.

 

A Emenda nº 19/98 parece traduzir em nosso Ordenamento Jurídico, o Estado dos próximos anos, o qual deverá ser estruturado no sentido da atenuação dos aspectos mais autoritários da Administração Pública e da extrema valorização da participação, do consenso e da interação entre os mais diversificados centros de decisão individuais e coletivos da sociedade[11].

 

Na estrutura da reforma administrativa, a redefinição do papel do Estado continha princípios bem definidos como, por exemplo, a regulação dos mercados e o fomento às atividades sociais de interesse coletivo, além da busca da eficiência nos serviços e gastos públicos e do ajuste fiscal.

 

A passagem da atuação do Estado como órgão regulador consiste na troca de papel do Poder Público de prestador dos serviços públicos, seja na prestação direta ou na indireta, para controlador da execução dos serviços outorgados a pessoas jurídicas públicas ou privadas.

 

3. Conclusão

 

            Feitas estas breves considerações, conclui-se que a reforma do estado foi um longo processo econômico e social, o qual passou da abstenção estatal a uma proporção de um estado social para chegar ao que se denomina de neoliberalismo, culminado pela reforma administrativa.

 

            Dessa forma, para garantir a eficiência na prestação do serviço público, foi necessário descentralizar a Administração Pública por meio do programa nacional de desestatização e conseqüente reforma constitucional, modificando-se o estado brasileiro e garantindo a prestação do serviço público de forma mais satisfatória.

 

4. Referências

 

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estatuto Social. São Paulo: Malheiros, 7ª. ed 2001.

 

GUERRA, Sérgio. Introdução ao direito das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004.

 

MENDES, Conrado Hubner. Reforma do Estado e Agências: estabelecendo os parâmetros de discussão, In Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000.

 

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Apontamentos sobre a reforma administrativa. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

 

PIETRO. Maria Sylvia Zanella Di. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas. 2008.

 

SOUTO, Marcus Juruena Villela. Agências reguladoras. In: Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, abr.jun.1999.vol.216.

 

Notas:

[1] BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estatuto Social. São Paulo: Malheiros, 7ª. ed 2001. p.40.

[2] PIETRO. Maria Sylvia Zanella Di. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas. 2008.p.30.

[3] MENDES, Conrado Hubner, Reforma do Estado e Agências: Estabelecendo os Parâmetros de Discussão. In Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000.  p.109.

[4] SOUTO, Marcos Juruena Vilella. Desestatização , Privatização , Concessões, Terceirizações e Regulação. Rio de Janeiro. Ed, Lúmen Júris, 4ª ed,  2003,  p.131.

[5]  Lei Federal n° 5451 de 5 de setembro de 1997 Altera procedimentos relativos ao Programa Nacional  de Desestatização.Disponível em: <http//www. planalto. gov/ ccivil_03/Leis/L9491.htm>Acesso em: 10/12/2012.

[6] GUERRA, Sérgio. Introdução ao direito das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004.p.10.

[7] MENEZELLO, Maria D´Assunção Costa. Agências reguladoras e o direito brasileiro. São Paulo: Atlas, 2005, p. 42.

[8]MOREIRA NETTO, Diogo de Figueiredo . Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro. Ed. Renovar, 2ª ed, 2000. p.155.

[9] Id. Apontamentos sobre a Reforma Administrativa. São Paulo. Ed. Renovar , 2000, p 27-29.

[10]  MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Op. Cit., p. 32, nota 8.

[11] BORGES, Alice Gonzalez. A implantação da administração pública gerencial na Emenda Constituicional 19/98. São Paulo: Revista Trimestral de Direito Público. 1999. Vol. 24.

 

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42711&seo=1>