Cargos em comissão: uma questão mais que política


Porbarbara_montibeller- Postado em 26 abril 2012

Autores: 
NETA, Maria Rosa de Oliveira.

Resumo: Motivo de muitos questionamentos a criação de cargos públicos em comissão serve de fonte para grandes e calorosos debates. Por se tratar de exceção à norma constitucional que prevê a dependência de aprovação em concurso de provas ou provas e títulos, para que ocorra a investidura em cargo ou emprego público; tal matéria é tratada com certa ressalva pelos defensores da despolitização das contratações. Porém, conquanto combatida por alguns, a questão possui natureza administrativa e constitucional, sendo disciplinada no inciso II, do art. 37, da Constituição Federal/1988. Desta feita, o presente artigo apresenta alguns conceitos com o intuito de desmistificar, de certa forma, a pseudo-imagem de que não há seriedade concernente à nomeação para os mencionados cargos públicos em comissão.

Palavras-chave: Administração pública; Cargo em comissão; Nomeação e exoneração, Nepotismo.


1. Introdução

Os princípios norteadores da Administração Pública se encontram elencados no art. 37 da Constituição Federal, sendo eles: legalidade, impessoalidade, moralidade publicidade e eficiência. Pertinente ao assunto em tela e exemplo de aplicação dos princípios da impessoalidade e da moralidade, a necessidade de prévia aprovação em concurso público para que haja a investidura em cargo ou emprego público, é regra.

Todavia, existem atribuições públicas que requerem de quem as exercem um estimável grau de fidúcia partindo do chefe nomeante. De maneira simplista pode considerar que de tal necessidade e também para preencher cargos de direção, chefia e assessoramento, é que originam os denominados comissionados ou de confiança.

Complementando as referências anteriores conceitualmente os cargos em comissão se revelam como sendo os de livre provimento e exoneração, onde os contratados os são temporariamente. A ocupação de um dos postos da Administração Pública poderá ser efetivada, especificamente neste diapasão, por qualquer pessoa capacitada a bem fazê-lo, não sendo mister a qualidade de agente público.

2. Fundamentação Teórica

2.1. Nomeação e Exoneração

O entendimento doutrinário é uníssono quanto à legitimidade da competência dos Chefes do Poder Público concernente à criação, estruturação e composição dos cargos comissionados, com a finalidade de melhor gerenciar o serviço público. È inconcusso que deverão ser respeitadas as normas constitucionais, a dotação orçamentária e as particularidades locais.

A principal peculiaridade atinente tanto à nomeação de servidores para os cargos objetos deste quanto para exoneração, está em se tratar de um ato discricionário da autoridade pública. Importante ressalvar que as duas ações dependem praticamente da conveniência e necessidade da Administração Pública em defesa do interesse público, reverenciadas as disposições legais.

A despeito da livre contratação é a lição de Alexandre de Moraes:

Essa exceção constitucional exige que a lei determine expressamente quais as funções de confiança e os cargos de confiança que poderão ser providos por pessoas estranhas ao funcionalismo público e sem a necessidade do concurso público, pois a exigência constitucional de prévio concurso público não pode ser ludibriada pela criação arbitrária de funções de confiança e cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza. (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional – 2.ed. – São Paulo: Atlas, 2003)

Especificamente sobre a exoneração, devido não existir estabilidade e sendo sobremaneira efêmera a natureza da contratação, aquela poderá se dar ad nutum.  Esclarecendo a expressão em latim, a demissão é realizada ao arbítrio do Pode Público não havendo a exigência de prévia motivação.

Corroborando com as exortações acima, o ensinamento de José dos Santos Carvalho Filho elucida que:

Os cargos em comissão são de ocupação transitória. Seus titulares são nomeados em função da relação de confiança que existe entre eles e a autoridade nomeante. (...) A natureza desses cargos impede que os titulares adquiram estabilidade. Por outro lado, assim como a nomeação para ocupá-los dispensa a aprovação prévia em concurso público, a exoneração do titular é despida de qualquer formalidade especial e fica a exclusivo critério da autoridade nomeante. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 13ª ed., Lumen Juris: 2005, p. 475).

2.2. Direitos dos servidores

Face às considerações despendidas alhures, infere-se que seria singular cogitar que os servidores ocupantes de cargos em comissão pudessem pleitear por totais direitos em equiparação aos contratados via concurso público de títulos ou títulos e provas.

É de conhecimento dos servidores investidos em cargos comissionados que o vínculo empregatício oriundo da nomeação é em caráter precário. Concernentes, portanto, aos referidos direitos é prudente e recomendável a observância da lei estatutária competente.

Apenas para argumentar, é curiosa a omissão do inciso II do artigo 37 da CF/88 relativa à modalidade de contratação dos servidores providos nos cargos em comissão, deixando margem para que aquela possa ser efetivada baseando-se no regime celetista, conforme a conveniência para a Administração Pública.

Este parêntese serve para destacar a existência de entendimentos doutrinários e pareceres judiciais de que sendo a contratação regida pelos termos da CLT, mesmo os contratantes tendo a convicção da transitoriedade desta e da discricionariedade da demissão, competirá ao contratado no momento da exoneração as devidas verbas rescisórias trabalhistas.

Para concluir vale a referência dos artigos 7º e seus incisos, artigo 39 e seu parágrafo 3º, todos da Constituição Federal de 1988 e artigo 10 do ADCT da CF/88, os quais servem de norte relacionado aos direitos dos servidores.

2.3. Restrições

Conquanto caiba à Administração Pública a criação de cargos em comissão almejando simplesmente o suprimento de suas necessidades em prol do interesse público, a Carta Magna deixa evidente existirem restrições para tanto.

Uma delas é referente à destinação daqueles tão somente às atribuições de direção, chefia e assessoramento. Outro limite concerne na obrigatoriedade de haver entre o poder público e o servidor uma relação de estrita confiança.

Igualmente, em exame ao inciso V do artigo 37 da CF/88, entende-se que muito embora os cargos de confiança possam ser ocupados por cidadãos alheios ao quadro de servidores públicos, àqueles titulares de cargo efetivo deverá haver uma reserva mínima para ocupação dos mencionados cargos comissionados.

Dentro deste contexto é importante frisar que a despeito dos possíveis ocupantes dos cargos em comissão, os mesmos têm que possuir qualificação e capacitação profissional compatíveis com as respectivas atribuições a serem assumidas.

3. Nepotismo

Limitando-se ao contexto ora trabalhado, tem-se por nepotismo o favorecimento, no momento da contratação do futuro ocupante do cargo de confiança, à certas pessoas primando pelo seu grau de parentesco ou amizade em prejuízo dos atributos profissionais de outrem que não apresente tais status.

A figura acima permitira também a ramificação para o denominado nepotismo cruzado, sendo este a personificação da hodiernamente combatida permuta de favores. Simplificando, seria a nomeação de amigos e ou parentes de uma autoridade política por outra e vice-versa.

Todavia, merece destaque que ante a ampla publicidade que referida prática tivera aliada à forma democrática com que a questão fora abrangida e tratada, a mesma fora ferozmente guerreada ao ponto de praticamente fulminar sua existência explícita tal qual o fora no passado. O interesse público, a aplicação dos princípios constitucionais e o respeito à sociedade tendem a prevalecer.

Ainda que algumas pessoas resistam em assentir que grau de confiança não necessariamente significa nepotismo velado, a Administração Pública em todos os seus âmbitos tem provado oportunamente que se encontra cada vez mais regida pela moralidade e impessoalidade.

3.1 Súmula Vinculante n. 13 do STF

Com o intuito de impedir a prática do nepotismo nos Três Poderes atinentes às esferas Federal, Estadual e Municipal, em 20/08/2008 o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Súmula Vinculante nº 13. inverbis:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo em comissão de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

Para melhor entendimento do significado de uma súmula vinculante é importante frisar que se refere aos reiterados julgados englobando matérias de caráter constitucional, devendo aquela ser proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cuja edição depende da aprovação de dois terços dos ministros. Vencidos tais procedimentos gera vinculação obrigatória para os demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública direta e indireta.

A instituição da Súmula Vinculante se efetivara por meio da Emenda Constitucional de nº 45 de 2004, a qual acrescentou à Carta Magna o artigo 103-A, sendo regulamentada pela Lei nº 11.417/2006. O aludido art. 103-A da CF/88, traz a seguinte redação:

O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

Particularmente tratando a Súmula Vinculante nº 13, em síntese, tem-se que esta é fruto de inúmeras decisões envolvendo o nepotismo e a Administração Pública onde a polêmica levantada pelos julgados e ou pelos argumentos dos entes públicos sobre os métodos de contratação de servidores, culminaram no surgimento de incontáveis procedimentos contenciosos. Assim, o aproveitamento de seu dispositivo se desnudara na vinculação de sua implicação no sentido de a Administração Pública examinar e adequar os servidores de cargos em comissão cumprindo o dispositivo dessa norma, pacificando sobremaneira a questão.

Ainda que alguns rumores sobre a possível inconstitucionalidade da Súmula Vinculante nº 13 tenha transfigurado em objeto de debates, vez que, se argumenta não ser o nepotismo norma jurídica e, portanto, incompatível com os mandamentos constitucionais a respeito; a dita súmula continua vigente.

Vencidas as exposições preliminares sobre a Súmula Vinculante de n.13, a análise de seu conteúdo é importante para sua boa compreensão. A redação da mesma está intimamente conectada aos artigos 1.591 e seguintes, todos do Código Civil Brasileiro, nos quais se determina as relações de parentesco, conforme transcrição abaixo:

Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.

 Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.

 Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.

 Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente.

Após a leitura dos dispositivos retro, deduz que ficam tolhidas de serem contratadas para ocuparem cargos em comissão ou de confiança, todas as pessoas compreendidas naqueles. A transgressão de tal norma sumular implica em clara afronta aos princípios constitucionais, além do que, poderá resultar em ação civil pública sob a acusação de improbidade administrativa.

Como conclusão de todo o despendido, denota-se que a intenção fora coibir as práticas imorais de contratação nada compatíveis com a visão democrática e atual da Administração Pública, voltada unicamente para uma gestão em consonância com os interesses públicos.

4. Considerações Finais

O presente artigo apresentou de forma sucinta que a legitimidade da criação de cargos em comissão tem por berço a Constituição Federal Pátria que excepcionou o princípio da exigência de concurso público. Não obstante posicionamentos contrários ressoem, é inquestionável a competência da Administração Pública para gerenciar seus quadros de funcionários quando o quesito principal é confiança.

Por adotar o Brasil a democracia plena sendo as eleições a maior evidência, é natural em face à alternância de representantes do povo no poder, que para ocupar determinados cargos o Gestor Público tivesse que nomear um profissional que além de sua formação lhe dispensasse deferência. Singular ou no mínimo simplório acreditar que somente por ter sido aprovado em concurso público, qualquer cidadão poderia ter o comprometimento necessário para assessorar ou chefiar com total imparcialidade independente da sucessão de mandatários.

Em que pese a desconfiança da sociedade relacionada à ocorrência de nepotismo, a própria Carta Magna combinada com a legislação esparsa pertinente criaram dispositivos com a finalidade de controlar a discricionariedade peculiar às nomeações. Desta feita, mais que do simples arbítrio por parte do Chefe do Poder dependerão a criação do cargo e consequente nomeação do servidor de se emoldurarem aos princípios constitucionais e á motivação para tal provimento.

Enfim, mais que um tema meramente político a contratação para cargos em comissão ou de confiança é uma questão de atendimento aos interesses públicos acima de tudo. Não deverá cair no esquecimento que a execução administrativa abrange as relações sociais e políticas buscando sempre o equilíbrio necessário ao controle interno do Estado.

Referências Bibliográficas

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MORAIS, José Leovegildo Oliveira. Ética e conflito de interesses no serviço público. Ed. ESAF, 2009.

Servidores ocupantes de cargos em comissão: direitos e vantagens. Pareceres e Decisões.Relator: Conselheiro Antônio Carlos Andrada.Revista do tribunal de contas do Estado de Minas Gerais – outubro, novembro, dezembro 2009,  v. 73, n. 4, ano XXVI. Consulta 788.455. Disponível in: http://200.195.70.14/Revista/Content/Upload/Materia/645.pdf. Acessado em: 12/08/2011, 09:51.