Com expansão do acesso ao computador, tempo gasto com a ferramenta se torna nova divisão digital


Pormelissa- Postado em 04 junho 2012

Com expansão do acesso ao computador, tempo gasto com a ferramenta se torna nova divisão digital

 

The New York Times

Matt Richtel

 

 

Nos anos 90, o termo "divisão digital" surgiu para descrever aqueles que tinham e os que não tinham acesso à tecnologia. Ele inspirou muitos esforços para colocar as últimas ferramentas tecnológicas nas mãos de todos os norte-americanos, principalmente as famílias de baixa renda.

Esses esforços de fato reduziram a divisão digital. Mas criaram um efeito colateral que não havia sido previsto, algo que surpreendeu e preocupou os pesquisadores e responsáveis pelas políticas públicas e que agora o governo quer consertar.

À medida que o acesso à tecnologia se espalhou, as crianças de famílias mais pobres estão passando um tempo bem maior do que as crianças de famílias de maior poder aquisitivo assistindo a televisão e usando seus aparelhos eletrônicos para ver programas e vídeos, jogar videogames e conectar em sites de redes sociais, mostram os estudos.

Esta diferença crescente no tempo que é gasto com a tecnologia é muito mais um reflexo da capacidade que os pais têm de monitorar e limitar a forma como as crianças usam a tecnologia do que decorrente do acesso a ela, dizem os responsáveis pelas políticas públicas e pesquisadores.

"Não sou contra o uso da tecnologia em casa, mas ela não é uma salvadora", disse Laura Robell, diretora da Elmhurst Community Prep, escola pública de ensino médio em East Oakland, Califórnia, que há muito duvida do valor de colocar um computador em todas as casas sem uma supervisão apropriada.

"É comum os pais virem até nós e dizerem: 'não tenho ideia de como monitorar o Facebook", diz ela.

A nova divisão é tão preocupante para a Comissão Federal de Comunicações que ela está considerando uma proposta de gastar US$ 200 milhões na criação de um departamento de alfabetização digital. Um grupo de centenas, até milhares, de monitores se espalharia pelas escolas e bibliotecas para ensinar os pais, estudantes e candidatos a empregos como usar os computadores de forma produtiva.

Fora isso, a comissão ajudará a enviar monitores de alfabetização digital para organizações como o Boys and Girls Club, a Liga de Cidadãos Latino Americanos Unidos, e a Associação Nacional para o Avanço das Pessoas Negras. Parte do apoio para este programa, que faz parte de uma iniciativa mais ampla chamada Connect2Compete, vem de companhias privadas como Best Buy e Microsoft.

Esses esforços complementam uma série de projetos privados e públicos com o objetivo de pagar monitores digitais para ensinarem de tudo desde o uso básico do teclado e processamento de texto até como concorrer a empregos online ou usar filtros para impedir que as crianças vejam pornografia online.

"A alfabetização digital é muito importante", diz Julius Genachowski, presidente da comissão, acrescentando que reduzir a divisão digital agora também significa "dar aos pais e alunos as ferramentas e o conhecimento para usar a tecnologia para a educação e treinamento profissional."

Funcionários da FCC e outros estrategistas dizem que ainda querem colocar computadores nas mãos de todos os norte-americanos. As diferenças continuam amplas – de acordo com a comissão, cerca de 65% de todos os norte-americanos têm acesso a banda larga em casa, mas este número é de 40% nos lares com uma renda anual inferior a US$ 20 mil. Metade dos hispânicos e 41% dos lares afro-americanos não têm banda larga.

Mas o "acesso não é um remédio para tudo", diz Danah Boyd, pesquisadora sênior na Microsoft. "Não só não resolve os problemas, como também espelha e amplia os problemas existentes que vínhamos ignorando."

Como outros pesquisadores e estrategistas, Boyd diz que o impulso inicial para a inclusão digital não previu como os computadores seriam usados para o entretenimento.

"Nós falhamos em prever esta tendência", disse ela.

Um estudo publicado em 2010 pela Kaiser Family Foundation revelou que crianças e adolescentes cujos pais não têm diploma universitário passavam 90 minutos a mais por dia expostos à mídia do que crianças de famílias com um padrão socioeconômico mais alto. Em 1999, a diferença era de apenas 16 minutos.

O estudo revelou que filhos de pais que não têm diploma universitário passam 11,5 horas por dia expostos à mídia de várias fontes, incluindo televisão, computador e outros aparelhos eletrônicos. Isso representa um aumento de 4 horas e 40 minutos por dia desde 1999.

Filhos de pais com melhor escolaridade, dado que em geral é relacionado a um padrão socioeconômico mais alto, também usam em grande parte os aparelhos para o entretenimento. Nas famílias na qual um dos pais tem nível universitário ou outro grau de escolaridade avançado, a pesquisa Kaiser descobriu que as crianças usam 10 horas de multimídia por dia, um aumento de 3,5 horas desde 1999. (A Kaiser conta duas vezes o tempo gasto em tarefas simultâneas. Se uma criança passa uma hora assistindo TV e surfando a internet ao mesmo tempo, os pesquisadores contam duas horas.)

"Apesar do potencial educativo dos computadores, a realidade é que seu uso para educação ou para a criação de conteúdo significativo é minúsculo comparado ao uso para o entretenimento puro", disse Vicky Rideout, autora do estudo de uma década da Kaiser. "Em vez de fechar o hiato de inclusão digital, eles estão ampliando a diferença de tempo gasto."

Políticos e pesquisadores dizem que os desafios são maiores para os pais e filhos com menos recursos – aqueles mesmos que deveriam ser ajudados pela inclusão digital.

As preocupações vêm à tona em famílias como as de Markiy Cook, um pensativo menino de 12 anos de Oakland que adora tecnologia.

Em casa, onde o dinheiro é apertado, sua família tem dois laptops, um Xbox 360 e um Nintendo Wii, e ele tem seu próprio telefone. Ele usa os aparelhos principalmente para usar o Facebook, YouTube, enviar mensagens de texto e jogar games. Ele gosta particularmente de jogar nos finais de semana.

"Eu fico acordado a noite toda, até as sete da manhã", disse ele, rindo constrangido. "É por isso que fico muito cansado na segunda-feira."

Suas notas estão sofrendo com isso. Sua média de pontos mal supera o 1,0, colocando-o entre os piores alunos de sua sala. Ele diz que quer ser biólogo quando crescer.

Mirkiy frequenta a Elmhurst Community Prep, localizada numa área violenta (a escola tem pendurada em seu corredor uma homenagem a uma menina de 15 anos que recentemente foi esfaqueada até a morte pelo pai de seu filho). Trinta e cinco por cento dos alunos, como Markiy, são negros, e a maioria do restante é hispânica.

Alejandro Zamora, 13, um aluno do oitava ano, diz ser um "maníaco por Facebook". Sua mãe, Olivia Montesdeoca, diz que gosta da ideia de ele usar o computador (que quebrou recentemente), mas não tem muita sorte ao tentar fazê-lo usar para a lição de casa.

"Ele teria um chilique. Teria um acesso de raiva", disse ela, acrescentando que não entende muita coisa do que ele faz online. "Eu não tenho ideia sobre o YouTube. Nunca nem ouvi falar de webcam."

Robell, diretora da escola, diz que as crianças precisam saber como usar a tecnologia para se tornarem competitivas, mas suas prioridades para os alunos são mais básicas – "café da manhã, almoço e jantar."

Muitas famílias de baixa renda têm sérias dificuldades em administrar como seus filhos usam os aparelhos eletrônicos. Em Boston, Amy e Randolph Ross, nenhum deles com diploma superior – ela trabalha num hospital e ele numa livraria – compraram recentemente laptops para suas gêmeas de 15 anos como um prêmio por suas boas notas. Os pais se certificam de que os computadores sejam usados principalmente para lição de casa ou para as garotas explorarem seu interesse como musicistas iniciantes.

"Se você só compra o computador e não as orienta como usar, é claro que será mal usado", disse Amy Ross.

Sua sogra, Edna Ross, matriarca de sua família negra que vive ali perto em Dorchester, Massachusetts, sente o mesmo. Ela recebeu um novo computador Hewlett-Packard no ano passado através de um projeto financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde com o objetivo de fornecer acesso e nove meses de treinamento digital.

Edna Rossa é rígida quanto ao uso que seus netos fazem do computador quando a visitam. Um deles uma vez entrou no computador e colocou uma foto de si mesmo fazendo um gesto obsceno em sua página no Facebook.

Ela disse que se ele não pudesse se controlar, não poderia mais usar o computador. Treiná-los é essencial, diz ela.

"Se você já tem uma criança que acha que pode fazer tudo o que quer e você coloca um computador nas mãos dela, ela vai fazer a primeira coisa negativa que encontrar quando tiver acesso a ele."

Tradutor: Eloise De Vylder

 

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