Competência para causas de complementação de aposentadoria por entidade de previdência privada: novo entendimento do STF


Porrayanesantos- Postado em 16 maio 2013

Autores: 
NETO, Oldack Alves da Silva

 

Introdução

 

                        O presente trabalho tem por objetivo realizar uma breve análise acerca do regime de previdência privada, de caráter complementar, contemplado no artigo 202 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/98.

 

                        Analisar-se-á, ainda, em linhas gerais, o recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal a respeito da competência para processar e julgar causas envolvendo complementação de aposentadoria por entidades de previdência privada.

 

O sistema privado de previdência na CF

 

                        No Brasil, podemos afirmar que existem dois sistemas de previdência: o sistema público e o sistema privado.

 

                        O sistema público de previdência – aquele que verdadeiramente pode ser intitulado de social – caracteriza-se por ser mantido por pessoa jurídica de direito público, tem natureza institucional, é de filiação compulsória e as contribuições possuem natureza tributária[1].

 

                        Subdivide-se o sistema público em dois subsistemas: o primeiro – denominado regime geral da previdência social – tem a disciplina prevista nos artigos 201 e 202 da Constituição Federal, sendo aplicáveis aos trabalhadores em geral, pertencentes, em regra, à iniciativa privada e regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. O segundo – regime próprio de previdência social dos servidores públicos – se encontra no artigo 40 e parágrafos da Constituição Federal, destinando-se especificamente aos servidores públicos efetivos, regidos pelos respectivos estatutos funcionais[2].

 

                        O sistema privado de previdência, por sua vez, caracteriza-se por ser um sistema complementar e facultativo de seguro, de natureza contratual, subdividindo-se em fechado e aberto.

 

                        Será fechado, quando as respectivas entidades, também denominadas fundos de pensão, somente puderem se constituir sob forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos, com planos voltados para empregados de uma determinada empresa ou grupo de empresas, ou para pessoas que possuam vínculo associativo ou sindical. No caso, a iniciativa é patronal, podendo ser de adesão obrigatória ou facultativa pelas partes envolvidas (empregado e empregador), e com custeio em regime de capitalização, com finalidade de suplementar o rendimento do trabalhador para além do limite do sistema público[3].

 

                        Por outro lado, o sistema privado será aberto quando as respectivas entidades gestoras forem constituídas sob a forma de sociedade anônimas – em geral, sociedades seguradoras –, com planos acessíveis a quaisquer pessoas físicas. No caso, a iniciativa é do trabalhador, com regime de capitalização em conta individual[4].

 

                        A respeito do tema, Marcelo Leonardo Tavares assevera que:

 

“As entidades de previdência privada podem sofrer intervenção, em caso de irregularidade na administração do fundo ou de insuficiência de reservas técnicas; ou liquidação, quando houver inviabilidade de recuperação. A fiscalização das entidades fechadas deve ser realizada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, através da Secretaria de Previdência Complementar; enquanto a fiscalização das entidades abertas é encargo do Ministério da Fazenda e da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP”.

 

                        Em que pese possuir regulamentação desde a edição da Lei n. 6.435 de 1977, o sistema privado de previdência, também denominado sistema complementar, ganhou nova normatização com a promulgação da Emenda Constitucional n. 20 de 1998, que atribuiu nova redação ao artigo 202 da Constituição Federal, in verbis:

 

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

§ 1° A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

§ 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

§ 5º A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

§ 6º A lei complementar a que se refere o § 4° deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

                        Em atendimento ao mandamento consubstanciado no caput e no § 4º do artigo 202 da Lei Maior, foram editadas a Lei Complementar 109/2001, trazendo normas gerais sobre o Regime de Previdência Complementar, e a Lei Complementar 108/2001, que dispõe sobre normas especificas para disciplinar a relação entre a administração pública direta e indireta e suas respectivas entidades fechadas de previdência complementar.

 

Competência para julgar causas envolvendo complementação de aposentadoria por entidades de previdência privada

 

                        Desde o advento da Emenda Constitucional n. 20/98, em especial tendo em vista a redação atribuída ao § 2º do artigo 202 da CFestabeleceu-se a discussão acerca da competência para processar e julgar causas envolvendo complementação de aposentadoria por entidade de previdência privada, uns entendendo que competente seria a Justiça do Trabalho, outros defendendo a competência da Justiça Comum.

 

                        Os tribunais trabalhistas, em regra, assentavam a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de tais causas, ao argumento de que os conflitos envolvendo plano de previdência complementar privada – em especial, o pedido de complementação de aposentadoria – teriam origem no contrato de trabalho do participante. Neste sentido:

 

COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA -  COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. A Justiça do Trabalho é competente para julgar controvérsias surgidas entre empregados e instituições de complementação de aposentadoria criadas por seus empregadores. Na hipótese, a complementação de aposentadoria decorre do contrato de trabalho. Independentemente da transferência da responsabilidade pela complementação dos proventos de Aposentadoria a outra entidade, emerge a competência desta Justiça Especializada, pois o contrato de adesão é vinculado ao de trabalho.

 

Recurso de Embargos não conhecido. 

 

(TST, E-RR 26985/2002-900-06-00, DJ 01/06/2007)

 

                        Por sua vez, no Supremo Tribunal Federal a jurisprudência se firmou no sentido de que compete à Justiça Comum o julgamento das questões relativas à complementação de aposentadoria quando não decorrentes do contrato de trabalho. Neste sentido:

 

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. PREVIDÊNCIA PRIVADA. COMPETÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal firmou entendimento no sentido de que compete à Justiça comum o julgamento das questões relativas à complementação de proventos de aposentadoria quando não decorrentes de contrato de trabalho. Precedentes. 2. O argumento de que os Agravados pleiteariam nova complementação de aposentadoria não foi examinado no acórdão recorrido nem foi objeto de embargos de declaração (Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal). 3. Imposição de multa de 5% do valor corrigido da causa. Aplicação do art. 557, § 2º, c/c arts. 14, inc. II e III, e 17, inc. VII, do Código de Processo Civil.

 

(AI 579956 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 28/10/2008, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-15 PP-03354 RT v. 98, n. 881, 2009, p. 138-140)

 

                        Desta forma, o Supremo Tribunal Federal não reconhecia que toda e qualquer demanda de complementação de aposentadoria sobre sistema de previdência privada decorria do contrato de trabalho.

 

                        Assim, a jurisprudência da Corte Suprema acerca do tema poderia ser resumida nos seguintes termos: “1) que a competência seria da justiça do trabalho, se a relação jurídica decorresse do contrato de trabalho, quando afirmado pela instância a quo; 2) que a competência seria da justiça comum se a relação jurídica não proviesse do contrato de trabalho, nos termos do mesmo reconhecimento, isto é, da instância local”[5].

 

                        Visando a definitiva pacificação da matéria, o Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 586.453/SE, por meio de decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie (17/08/2009), reconheceu a existência de repercussão geral sobre o tema (DJe 186, 02/10/2009).

 

                        Após o reconhecimento de repercussão geral, o Plenário, por maioria, deu provimento ao RE 586.453/SE para assentar a competência da justiça comum para processar e julgar causas envolvendo complementação de aposentadoria por entidades de previdência privada (sessão do dia 20/02/2013, DJe n. 43, divulgado em 05/03/2013).

 

                        Vejamos o resumo do julgamento[6], cujo acórdão será redigido pelo Ministro Dias Toffoli, que substituiu a relatora originária, Ministra Ellen Gracie, que não mais faz parte da Corte:

 

Analisou que, no caso, a complementação de aposentadoria tivera como origem contrato de trabalho já extinto, e que, apesar de a instituição ex-empregadora ser garantidora da entidade fechada de previdência, o beneficiário não mais manteria nem com ela, nem com o fundo de previdência, relação de emprego. Ao salientar que a relação entre o associado e a entidade de previdência privada não seria trabalhista, por estar disposta em regulamento(CF, art. 202, § 2º, disciplinado pelo art. 68 da Lei Complementar 109/2001), concluiu que a competência não poderia ser definida tendo em conta o contrato de trabalho já extinto, e que caberia à justiça comum o exame da causa, ante a inexistência de relação trabalhista entre o beneficiário e a entidade fechada de previdência complementar.                                  

 

O Min. Dias Toffoli frisou a EC 20/98, que teria o propósito de autonomizar o direito previdenciário complementar. Esse escopo estaria evidente na criação da Secretaria de Previdência Complementar, que funcionaria como agência reguladora do setor. Consignou quea solução trazida pela maioria da Corte eliminaria controvérsias acerca da competência para julgar a matéria, sem vinculá-la à origem da relação jurídica previdenciária: se decorrente do contrato de trabalho ou não. O Min. Luiz Fux asseverou que eventual lei a estabelecer que relação de previdência privada teria de se submeter à justiça trabalhista seria inconstitucional, por afronta ao art. 202, § 2º, da CF

 

                        Portanto, de acordo com o novo entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, por ser a relação entre o associado e a entidade de previdência privada estabelecida em regulamento, a competência não poderia ser definida em razão do contrato de trabalho já extinto. Em consequência, a competência para o julgamento de tais causas passa a ser da Justiça Comum.

 

                        Interessante notar, ainda, que, pelo fato de a matéria nunca ter sido tratada de maneira uniforme no Supremo e que, em razão disso, muitos processos já julgados pela justiça do trabalho teriam de ser encaminhados à justiça comum para serem novamente sentenciados, o Plenário do STF modulou os efeitos da decisão a fim de que fosse limitada aos processos nos quais não houvesse sentença de mérito até aquela data[7].

 

                        Tal medida – a modulação dos efeitos da decisão – apresenta-se, no caso, imprescindível, já que entendimento contrário ensejaria patente prejuízo à celeridade processual e à eficiência, princípios constitucionais previstos nos artigos 5º, LXXVIII e 37, caput, da CF, pois processos já sentenciados na justiça do trabalho deveriam ter o seu trâmite refeito na justiça comum.

 

Referências

[1] TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário. 10 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.21.

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 583.

[3] ANGOTI, Luís Ronaldo Martins. A previdência complementar e sua regulação no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 17n. 325631 maio 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21892>. Acesso em: 9 abr. 2013. 

[4] ANGOTI, Luís Ronaldo Martins. Obra citada.

[5] Informativo 695, de 08 de março de 2013. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em 09/04/2013.

[6] Informativo 695, de 08 de março de 2013. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em 09/04/2013.