Complexidade: BATESON, G. - Mente e Natureza. Cap II - Every schooboy knows. 2ª parte do seminário: pags 20-40.


Porkinnpeduti- Postado em 03 abril 2012

EVERY SCHOOLBOY KNOWS

O autor segue criticando o sistema educacional, e menciona que quando lecionava, percebeu que dentre os estudantes, parecia haver problemas em certos mecanismos de raciocínio, ocasionados provavelmente por eles trabalharem com pressuposições que muitas vezes não refletem a realidade. Para esclarecer aquilo que acredita serem pontos fundamentais nesse raciocínio, o autor então elenca uma série de pressuposições, ou, como ele define, uma lista de "características comunicativas básicas", contendo os seguintes itens:

1. A ciência nunca prova nada.

A ciência consiste basicamente em sustentar ou refutar hipóteses, não se preocupando em provar um ponto ou em achar uma verdade, até porque, uma verdade, nesses moldes, seria a perfeita correlação entre um objeto ou fenômeno e sua descrição, o que é impossível, já que a descrição há de ser feita por um sujeito, cuja interpretação e percepção são provocadas por uma série de elementos personalíssimos, oriundos de suas experiências anteriores.

Um exemplo de que é extremamente difícil a ciência provar algo é a formação de sequência numérica, na qual supomos o número seguinte baseados na chamada "Lâmina de Occam", ou "regra da parcimônia", através da qual o sujeito ASSUME que pode predizer o próximo número, mas a única base que tem é a hipótese de que se esteja trabalhando com uma sequência incompleta e ordenada.

Ou seja, previsões não podem nunca ser absolutamente válidas, e consequentemente a ciência não pode nunca provar ou mesmo testar uma simplificação descritiva de uma generalidade, e garantir que ao final ela seja sempre "verdadeira" (ou válida).

A ciência é uma busca pela racionalização das nossas percepções do mundo, mas algumas vezes as mudanças ocorrem tão lentamente que não as percebemos, e portanto deixamos de considerá-las como parte do contexto no qual estão inseridas.

Ao final, a ciência TESTA, mas não prova.

2. Mapa não é território, e nome não é a coisa nomeada.

Em toda percepção ou comunicação acerca de percepções, há uma decodificação entre o "repórter" e a coisa reportada. Nesse contexto, um nome é um código classificativo, e um mapa um indicador geográfico.

Nosso cérebro armazena informações baseadas não apenas na relação entre o nome e a coisa nomeada, mas também entre a coisa nomeada e uma representação subjetiva dessa coisa. Assim, uma bandeira dos EUA não é apenas uma bandeira dos EUA, mas carrega também uma carga simbólica, razão pela qual, se pisoteada em uma rua americana, a resposta provocada no cidadão será emocional e não racional, pois o cérebro não segue uma distinção lógica entre nome e coisa nomeada.

3. Não há experiências puramente objetivas

Toda a experiência, pelo próprio conceito, é subjetiva, pois as experiências com o mundo exterior são sempre mediadas por nosso senso particular e respostas neurais próprias, logo, a forma como uma experiência é sentida varia de sujeito para sujeito.

4. O processo de formação de imagens é inconsciente.

Não existe controle sobre a percepção imediata de uma forma (imagem) por parte do cérebro. Essa percepção depende alguns elementos específicos, como  tamanho do objeto e sua distância e ângulo em relação ao observador, assim como o contraste entre o objeto e o plano de fundo.

Em certas condições de observação, influenciadas pelos fatores acima, o cérebro pode formar uma imagem "errada", distorcida, do objeto.

Essa percepção inicial é involuntária, e pode ser corrigida com treino e adaptação da percepção, até que a imagem formada seja mais próxima daquela do objeto.

5. A divisão entre a parte e o todo do universo percebido é vantajosa e por vezes necessária, mas nenhuma necessidade determina como ela deve ser feita.

Aqui o autor relata um experimento, no qual desenhou um hexágono com giz na lousa, mas sem os vértices demarcados, e pediu para uma turma de estudantes que escrevessem uma página descrevendo o objeto.

Dentre os vários tipos de resposta, a predominante foi aquela na qual o estudante optou por dividir o objeto em figuras menores, aumentando a precisão da descrição feita. O autor faz a nota de que, ainda que nenhum estudante a tenha usado, existia a possibilidade de se iniciar a descrição citando se tratar de giz sobre lousa.

Ao fim, estabelece que explicações são sempre derivadas de descrições, e essas descrições, por sua vez, necessariamente contém elementos como os utilizados no experimento com a classe.

6. Sequências divergentes são imprevisíveis.

A imagem popular da ciência é a de que tudo é, a princípio, previsível e controlável, e aquilo que não o é dependeria apenas de mais pesquisa e know-how para que o fosse.

Porém essa visão é errada, nem sequer em detalhes, mas em princípios. Há muitos processos em que a ciência pode apenas prever o comportamento genérico do processo, mas não o comportamento específico. 

O autor toma como exemplo o ferver da água, e diz que em condições ideais, a água deve ferver a 100ºc, porém, por suas moléculas não se disporem de forma perfeitamente ordenada (ou seja, de forma convergente) é impossível prever a primeira molécula a atingir a temperatura e desencadear o restante do processo. O mesmo acontece com o congelamento dos líquidos, o movimento dos gases e etc. É possível prever o comportamento genérico, a expectativa média do composto (da "classe"), mas não o comportamento específico da molécula ("indivíduo")

O mesmo acontece com grupos humanos, e consequentemente, com o processo de formação e de consolidação do conhecimento humano. Há vários casos na história ao quais diz-se que, por ser tal momento histórico favorável, inevitavelmente surgiria o precursor de uma nova idéia. 

Aqui o autor usa Darwin como exemplo, dizendo que se não fosse ele a propor a teoria da evolução, seria algum outro cientista daquele momento histórico.
O processo é o mesmo: pode-se prever o genérico, mas não o específico e, enquanto no caso da água é irrelevante para o processo saber qual a unidade que o desencadeou, nas relações humanas a unidade desencadeadora é fundamental para o seguimento do processo. Nesses casos nós não podemos substituir o indivíduo pela classe a qual ele representa, razão pela qual o autor acredita que há falhas estruturais na visão marxista de que é possível usar o passado como instrumento de conhecimento, ainda que limitado, do futuro.

Voltando ao exemplo, o autor sustenta que caso fosse outro a propor a teoria ao invés de Darwin, provavelmente desenrolar da teoria tivesse seguido uma outra linha de desenvolvimento, assim como se fosse outro no lugar de Marx, talvez as doutrinas de esquerda não tivessem sequer existido.

7. Sequências convergentes são previsíveis.

Assim como nos casos onde cada molécula pode seguir um padrão divergente, tornando impossível medir a unidade, há casos em que as moléculas (ou indivíduos) todas, ou sua maioria, deslocam-se em direção a um ponto comum, convergem para o mesmo resultado. 

Esse processo é mais facilmente percebido quando envolve milhares de moléculas (indivíduos), o que gera uma constância mensurável, dando bases para se prever o comportamento esperado do grupo (classe).

Essa lógica serve de base para as justificativas estatísticas, que seriam nada mais do que as expectativas médias de comportamento de um determinado grupo, anotadas ao longo de certo período de tempo.

8. "Nada virá de nada."

O autor afirma que a frase, extraída do livro "O Rei Lear", esbarra tanto em sabedorias antigas quanto modernas, dentre as quais, fundamentalmente, a de que não se pode criar uma ordem ou padrão sem que se tenha informação.

Essa informação provém da observação de certas regularidades, que para terem um significado, devem ser confrontadas com outras regularidades. Em suma, deve-se adequar a informação a um contexto prévio.

Como exemplo o autor usa a pedra de Roseta. Ela nos forneceu um paralelo entre os hieróglifos egípcios e a escrita grega. Nos forneceu, portanto, dois alfabetos, duas regularidades confrontadas, das quais já conhecíamos a segunda, já tínhamos o seu contexto, e com isso pudemos decodificar a informação contida na primeira.

Todavia, tanto os padrões (regularidades) como as habilidades em interpretá-los são evanescentes, desaparecendo ou se alterando com o decorrer do tempo.

Isso ocorre porque a cultura humana é transmitida sob a forma de replicação daquelas habilidades e valores já existentes, porém a transmissão de cultura é associada ao aprendizado, e não ao DNA, e cada indivíduo interpreta e compreende o mundo de maneira singular, o que causa alterações profundas nas forma e na utilidade de certas habilidades transmitidas entre gerações.

9. Número é diferente de quantidade.

Em linhas gerais, números são produtos de uma contagem, quantidade é produto de uma medida. Em uma contagem, há um salto entre um elemento do padrão e o próximo, uma descontinuidade, que não ocorre quando se mede algo. A inexistência desse salto na medição causa uma desindividualização do número, tornando-o não mais exato, mas aproximado, o que causa a impossibilidade de se auferir um valor exato para o elemento medido. Nas palavras do autor: "você pode ter exatamente três tomates, mas nunca poderá ter exatos 3 litros de água, pois medidas são aproximações".

10. Quantidade não determina padrão.

A princípio é impossível se falar de padrões sem se falar de quantidades, mas devemos notar que uma razão entre duas quantias são o início do processo de determinação de um padrão, e não necessariamente o padrão.

Em verdade, um padrão pode ser determinado por uma diferença latente. O autor cita o exemplo da tensão que deve ser feita para se quebrar o elo mais fraco de uma corrente. A corrente estoura no elo mais fraco quando submetida a uma certa quantidade de força. No caso, o padrão é oriundo da soma de uma quantidade e de uma diferença, e não de duas quantidades.

11. Não há valores monótonos na biologia.
(Quantidade não corresponde a qualidade)

Valor monótono é aquele que apenas se desenvolve ou retrocede. No caso, o autor sustenta não existir uma busca constante dos seres vivos por aquilo que eles necessitam, pois há sempre uma quantidade de equilíbrio, ótima, que deve ser mantida.

Tomemos por exemplo o caso da dieta, onde uma quantidade X de cálcio é necessária. Porém, caso o organismo absorva X+X, o cálcio deixará de ser benéfico para passar ser tóxico. 

O mesmo vale, inclusive, para lógicas tipicamente humanas, como a de que mais dinheiro é sempre melhor. Após um certo ponto, mesmo o dinheiro, tido como sempre bom, pode passar a ser "tóxico", por uma série de fatores sociais.