Conciliação no processo civil


Porwilliammoura- Postado em 05 dezembro 2011

Autores: 
ANDRIGHI, Fátima Nancy

Conciliação no processo civil

Um bom começo para a formação dessa nova cultura jurídica seria permitir que os juízes fossem auxiliados por conciliadores judiciais na realização da audiência de conciliação, preconizada no art. 331 do CPC.

Inicio analisando criteriosamente, e sem peias, o modo como hoje se processam as audiências de conciliação no procedimento ordinário, conforme previsão estatuída no art. 331 do Código de Processo Civil.

Essa audiência, que se destacou da de instrução e julgamento por introduzir um momento próprio, singular e especial na conciliação, quanto ao procedimento ordinário, não se tem mostrado tão frutífera como tencionava no plano ideal.

Não podemos negar, outrossim, tampouco omitir, que a atuação dos magistrados no trato que dispensam às partes, bem como aos seus advogados por ocasião das audiências não tem sido, digamos, “das melhores”.

Argumentam, os juízes, em justificativa, que:

a) fizeram concurso para proferir sentenças;

b) não foram treinados para ser conciliadores;

c) não podem perder mais do que cinco minutos tentando a conciliação;

d) a secretaria da vara fica sobrecarregada com a edição da pauta, expedição de mandados, disponibilização de oficiais-de-justiça e funcionários para fazer a juntada aos autos, além da assentada;

e) a audiência de conciliação separada da instrução nada mais é do que um assoberbamento na pauta (Tais argumentos os levam a suprimir a audiência de conciliação do art. 331 e a realizar somente a prevista no art. 448, ambas do Código de Processo Civil, o que elimina, em conseqüência, a conciliação como ápice do processo).

A experiência da aplicação do art. 331 do Código de Processo Civil no procedimento ordinário, por parte dos advogados tem recebido as seguintes críticas:

a) a novel audiência de conciliação apenas serviu para sobrecarregar pautas e tornar os processos ainda mais morosos;

b) o interesse do advogado naturalmente não é fazer acordo, porquanto sua formação é voltada para a busca da solução dos litígios por meio de ações que resultem numa sentença e, findando o processo pelas vias suasórias, ainda não estarão exercendo sua função constitucional de partícipes da administração da Justiça (art. 133 da CF);

c) o interesse pelo acordo dilui-se na medida em que sua ultimação reduz a expectativa de ganho de honorários;

d) o insucesso da audiência de conciliação isolada da instrução é favorecida pela impossibilidade de, em regra, o magistrado dispor de tempo para ler, estudar e equacionar uma solução transacional para o processo;

e) o acordo pode gerar uma visão distorcida do seu trabalho perante seu cliente, o que minimiza o interesse do advogado em incentivar a conciliação, pois, em assim agindo, mais satisfação estará trazendo a seu cliente;

f) se o patrono da parte tivesse interesse no acordo, teria chamado as partes em seu escritório e tentado conciliá-las; estando a ação em tramitação, não mais vale a pena transacionar;

g) conciliar implica ceder, e isso não interessa à parte; afinal, esta pagou advogado para propor ação e já sofreu o desgaste da demora do procedimento, por conseguinte espera, ao menos, receber tudo o que acredita lhe ser de direito, no seu conceito de justo – atitude absolutamente incompatível com o convite à conciliação.

Procurei inteirar-me da maneira como os juízes estavam fazendo a audiência de conciliação do art. 331 do CPC e posso afirmar- lhes que raramente foram encontrados juízes que:

1) reservam um dia na semana ou no mês para se dedicar à conciliação;

2) se preparam para a audiência, estudando os processos e seus incidentes, assim como para proferir despacho saneador em caso de eventual frustração da conciliação;

3) se preocupam com o direito constitucional do cidadão de ter seu dia na Justiça e se lembram de que somos funcionários públicos e temos o dever de prestar um excelente serviço, especialmente por ser ele público;

4) se inquietam com a possibilidade de estar o processo causando um mal psicossomático às pessoas envolvidas no conflito devido à demora de sua conclusão;

5) demonstraram cuidado com a imagem da Justiça, sendo que, seguramente, parte dela se forma nas salas de audiência, onde as partes se encontram perante a figura do juiz.

Nenhum desses fatores negativos, entretanto, pode interferir em nossa determinação de investir na conciliação.

Retroceder no tempo para reavivar velhos institutos processuais, em busca de caminhos que nos conduzam a uma prestação jurisdicional mais eficaz pode parecer pouco inédito, mas é, sem dúvida, o caminho que devemos trilhar. Não se deve pensar no futuro sem observar o passado.

A conciliação no ordenamento jurídico brasileiro deita raízes na Constituição de 1824, arts. 161 e 162, que instituiu a conciliação prévia como condição essencial de procedibilidade para todos os processos cíveis, repetindo o art. 48 e seguintes do Código de Processo Civil Francês. Sem dúvida, a ordem de conciliação prévia, com status constitucional, encerra uma ideologia que transcende o interesse das partes. Concretiza o ideal maior de evitar a formação de litígios e promove a harmonia entre os cidadãos.

O mundo contemporâneo busca a manutenção das relações interpessoais e negociais, que, com certeza, não passam por uma sentença. Passam, sim, por uma composição amigável.

Oportuno, neste momento, retroceder não só na história do ordenamento jurídico brasileiro, como fizemos, mas voltar os olhos aos países orientais, que, há muitos anos, resolvem seus conflitos de forma a não provocar o Poder Judiciário, sem antes passar por tentativas prejudiciais para solvê-los.

É oportuno citar como exemplo a concepção que, até o século XIX, a China desenvolveu acerca do papel do Poder Judiciário, longe de qualquer influência ocidental. A busca da harmonia, fonte do equilíbrio do mundo e da felicidade dos homens, estava inserta na imagem que os chineses projetavam sobre a Justiça. Para eles, estando as relações sociais na base do equilíbrio primordial, revela-se que, em primeiro plano, as partes em conflito fossem conciliadas pela intervenção de um terceiro, ou procurassem, de per si, um consenso. Toda a condenação, toda a sanção e toda a decisão da maioria deveriam ser evitadas. Todo o litígio deveria ser diluído, o que é muito mais que ser resolvido e decidido. A solução proposta pela transação deveria ser livremente aceita pelos envolvidos, porque, na medida em que privilegiava o sentimento de cada um quanto ao que considerava justo, ninguém poderia levar consigo o sentimento de ter sido prejudicado ou de ter perdido a causa.

Nessa linha de idéias, os valores priorizados eram a educação e a persuasão, e não a autoridade e a coerção.

Certamente, o restabelecimento da harmonia era bastante facilitado pela educação perpetrada pelo povo chinês, a qual primava em formar uma mentalidade que os levasse sempre a procurar a origem dos conflitos em seus próprios erros, em sua incúria ou em sua inabilidade, mais do que a atribuí-los à má-fé ou à incapacidade do adversário. Segundo relata Cohen em sua obra "Chinese Mediation on the Eve of Modernization", l966, consta da sabedoria popular chinesa um adágio que diz: "Processo ganho, dinheiro perdido." E foi essa cultura que impulsionou o povo chinês a afastar-se dos tribunais e a buscar a resolução de suas divergências por meio de processos extrajudiciários.

A China de hoje está mudada, todavia muitas questões que, no Ocidente, são levadas aos tribunais continuam, na China Comunista, a ser resolvidas em âmbito prejudiciário. Foram constituídas mais de 200 mil comissões populares de mediação, semi-oficiais, que resolvem milhões de litígios, e um número ainda maior de processos são resolvidos por mediadores de múltiplas espécies (sindicatos e outras organizações sociais, comissões de rua, células do partido e ativistas).

?Assim sendo, a solução dos litígios, entre os chineses, passa muito mais pela responsabilidade política dos administradores do que pela autoridade dos integrantes do Poder Judiciário, pois, segundo pensam, o elevado número de processos em trâmite nos tribunais constitui prova da ineficiência dos administradores.

Do sucinto retrospecto histórico, conjugado à sabedoria oriental, concluímos que a crise do Poder Judiciário jamais será debelada se antes não nos empenharmos em mudar a mentalidade do povo brasileiro; principalmente, de todos os artífices do Direito, a começar pelos magistrados, que precisam conscientizar-se das benesses que a participação maciça de leigos na administração da justiça, tais como os árbitros, os mediadores, os conciliadores, os juízes de paz e os juízes leigos, poderá trazer à prestação jurisdicional, aprimorando-a.

Um bom começo para a formação dessa nova cultura jurídica, tenho certeza (e agora me refiro à minha classe, a dos magistrados), seria permitir que os juízes fossem auxiliados por conciliadores judiciais na realização da audiência de conciliação, preconizada no art. 331 do Código de Processo Civil. Com tal participação, dever-se-ia fazer, também, uma alteração na dupla finalidade que essa audiência colima, a fim de restringi-la, ao objetivo único de conciliar as partes, postergando a lavratura do despacho saneador, em caso de uma eventual frustração do acordo, para outra ocasião.

Sem dúvida, os colegas devem estar estranhando esta despretensiosa sugestão, contudo a faço porque dados estatísticos concretos que evidenciam o bom êxito da experiência, a qual tem sido vivenciada no Distrito Federal desde quando decidi viabilizar a faculdade de ser o magistrado auxiliado por um conciliador judicial, consoante o disposto no art. 277, § 1o, do Código de Processo Civil.

"Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus." (Mateus, 5:4, 7, 8 e 9.)

Fiel à orientação da Reforma Processual, procurei, mesmo distante do primeiro grau de jurisdição, colocar em prática o instrumento processual sugerido pelo mencionado dispositivo, que preceitua, no art. 277, § 1o:

“A conciliação será reduzida a termo e homologada por sentença, podendo o juiz ser auxiliado por conciliador.”

O projeto piloto foi colocado em funcionamento em 1998, com trinta e sete alunos da Escola da Magistratura do Distrito Federal, que, até o momento, estão trabalhando em sete Varas Cíveis da Circunscrição Judiciária de Brasília.

Os quinze voluntários foram organizados em duplas, sendo que o décimo quinto foi chamado carinhosamente de curinga de todos e preparado para as eventualidades.

Justifico, em primeiro lugar, o porquê de ser o trabalho desenvolvido em dupla. A idéia amparou-se na preocupação que tive de evitar o máximo possível eventuais impedimentos que pudessem ocorrer a um dos conciliadores no dia da audiência. Faltando um, restaria o outro o que impediria a frustração da realização da audiência de conciliação, sem prejuízo dos trabalhos desenvolvidos pelo juiz titular da vara e da movimentação das partes que a ela foram convocados. Em segundo lugar, a exigência do trabalho em pares arraigou-se no aspecto psicológico de que, vindo os conciliadores a trabalhar em conjunto, por certo se encontrariam mais seguros para o desempenho do cargo.

Após colher bons frutos dessa experiência e vivenciar multifárias dificuldades – como a estupefação dos advogados ante o conciliador judicial e o fato de não aceitarem, na presidência da audiência, a nova figura; a inadaptação ao novo auxiliar e as constantes e variadas interferências na condução da audiência; dirigidos por advogados e juízes às conciliadoras.

A preparação dos conciliadores judiciais começou pelo processo de conscientização de que o conciliador, enquanto presidente da audiência de conciliação, é um juiz de fato. Várias áreas foram trabalhadas na pessoa do conciliador judicial, desde a postura física até a entonação de voz, passando, ainda, pelas orientações necessárias à condução de uma audiência, do conhecimento técnico do processo objeto da audiência (processual, doutrinário, jurisprudencial) e das técnicas de abordagem para se obter a conciliação.

A área a que mais me dediquei foi a da formação espiritual do conciliador judicial. E quando me refiro ao aspecto espiritual, não quero referir-me à religiosidade nem ao misticismo; penso no preparo emocional e psicológico indispensável a quem vai substituir o juiz de direito no múnus público e na concretização do direito constitucional para propiciar ao cidadão o seu dia na Justiça.

Muitas audiências simuladas foram realizadas com os novos conciliadores, e todos os incidentes possíveis e imagináveis foram encenados, bem como a forma de resolvê-los, o que restou compilado no prelo denominado, carinhosamente, “Breviário do Conciliador Judicial”, que servirá de orientação a todos os conciliadores judiciais.

Penso que nada foi olvidado, especialmente a solenidade de que se reveste a audiência na Justiça tradicional; por isso, foi instituído o uso obrigatório do pelerine preto com a insígnia da balança da Justiça e as iniciais CJ, referentes a conciliador judicial.

Não tenho conhecimento de que, em outro Estado brasileiro, esteja sendo usada a faculdade legal concedida ao juiz de conduzir os procedimentos sumários com o auxílio dos conciliadores judiciais. Mas, pelos excelentes resultados que constatei, pelo ânimo que vi renascer nos juízes de direito e pela expectativa de que, no futuro, teremos um quadro de juízes mais preparados para o desempenho da função judicante, pretendo, a partir da bem sucedida experiência vivenciada em Brasília, fazer uma cruzada pelo País, dando meu testemunho pessoal do valor inestimável que essa figura representa para o Poder Judiciário.

A ineficiência dos serviços judiciários impõe-nos a conclusão de que é preciso mudar o quadro hoje existente. Ouso dizer que – e este é um entendimento pessoal – é preferível não deter o monopólio do ato de julgar a tê-lo e prestar um serviço deficiente e extemporâneo.

Insisto sempre que é preciso afastar a nossa formação romanista, portadora da idéia de que só o juiz investido das funções jurisdicionais detém o poder de resolver conflitos. Outros profissionais, vejo com clareza, podem, com proficiência e segurança, dividir a tarefa. Citem-se como exemplo os árbitros, os mediadores, os negociadores e os conciliadores judiciais. Tenho presente, outrossim, que todas essas mudanças preconizadas devem submeter o Poder Judiciário a uma verdadeira reengenharia, quer quanto a sua estrutura, quer quanto à mentalidade de seus membros.

Os novos tempos clamam por mudanças rápidas voltadas à simplificação, à racionalização e à desburocratização da complexa e pesada máquina do Judiciário. O redimensionamento dos processos e procedimentos se faz necessário, e a nossa iniciativa de arregimentação deve aproveitar o momento histórico de mobilização nacional em torno da Reforma do Poder Judiciário, para, então, oferecermos aos jurisdicionados?um sopro de esperança de se cumprir o direito constitucional que todos os cidadãos têm, conforme já falei: ter o seu dia na Justiça.

Por fim, quero dizer aos caríssimos colegas que tenho plena consciência de que o ideal seria que as leis nunca fossem aplicadas e que os tribunais nunca viessem a proferir sentenças. Como, concretamente, isso é impossível, parto para a jornada da democratização da Justiça, convidando, em primeiro lugar, a nobre classe dos advogados, nossos companheiros e responsáveis solidários pela boa administração da Justiça, a trabalharmos juntos os caminhos alternativos de solução dos conflitos, fazendo da beligerância processual a última opção e de seus escritórios verdadeiras sucursais da Casa da Justiça.

Finalizando o convite à reflexão sobre a conveniência da adoção do conciliador judicial prevista no art. 277, § 1o, do CPC, penso que não estamos sendo apressados porque não olvidamos que os Juizados Especiais nos deram a experiência necessária e temos quase duas décadas de experiência.

Não podemos e não devemos esquecer que o apressado faz as coisas sem pensar, sem cuidar dos detalhes, sem ponderar a respeito das conseqüências e alternativas subjacentes de suas atitudes. Apressado é aquele que atropela os fatos. Apressado é aquele que não aprende com os erros do passado porque não pára para refletir. E comete os erros repetidamente. Apressado é aquele que não ouve as pessoas.

Penso que estamos querendo ser rápidos e não apressados. Porque o rápido não vive lamentando o passado; o rápido envolve as pessoas no processo decisório, convive com as diferenças de idéias entre seus colaboradores; o rápido sabe que só não erra quem não faz e, ele faz, mesmo correndo algum risco calculado de errar, e quando erra, rapidamente corrige o erro e segue em frente.

Acredito que o inegável sucesso da adoção do Conciliador Judicial que será potencializado pela dedicação incansável de valorosos juízes nas mais insólitas condições, pode nos fornecer a exata dimensão do que representa a idéia da adoção do auxílio do conciliador judicial.

Encerro ressaltando que não podemos esquecer que os prazos processuais jamais correspondem aos prazos emocionais e que o nosso tempo deve ser lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a pacificação social, sem jamais olvidar que tal propósito requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de se pensar a humanização da Justiça.