A confissão no Direito Processual Penal brasileiro


PorJeison- Postado em 20 setembro 2012

Autores: 
SILVA, Juliana Nunes Castro.

 

RESUMO: O presente trabalho tem como o objetivo de discorrer sobre a  valoração da confissão utilizada como meio de prova no Código de Processo penal,  nos tempos remotos e nos dias atuais, mostrando de maneira clara as consequências de uma confissão feita sob coação. Também tem como objetivo mostrar a importância do princípio do in dúbio pro réu e o princípio da persuasão racional do juiz, para  julgamento do acusado.

PALAVRAS- CHAVE: confissão, coação, prova, princípios.


1 INTRODUÇÃO

Historicamente, a confissão sempre teve lugar sublime na maneira de convencimento do Magistrado. Desde os primórdios até mesmo antes de Cristo, nos séculos XIII e XII , já havia a  existência da confissão. Os antigos consideravam a confissão como prova superior, pois esta predominava, com relação a qualquer outra, existente no processo, Omnium Probatio Maxima, a rainha das provas, a única que podia trazer a verdade real num processo criminal. Tamanho era o seu poder que fazia com que o Magistrado, pronunciasse o réu ao castigo capital, ou seja, a pena de morte mesmo antes de analisar qualquer outro tipo de prova que pudesse dar contrariedade a confissão.

No sistema Inquisitivo, podemos vislumbrar com maior intensidade a confissão, pois ela era considerada a rainha das provas. E, por esse motivo, o juiz inquisidor, nesse período, torturava, impunha severos castigos e cometia outras inúmeras arbitrariedades tudo isso no intuito de buscar a prova maior, qual seja, a  confissão. Segundo Cesare Beccaria:

Uma crueldade consagrada pelo uso na maior parte das nações é a tortura do réu durante a formação do processo, ou para obrigá-lo a confessar um crime, ou pelas contradições em que houver incorrido, quer para apontar os cúmplices, quer por não sei qual metafísica e incompreensível purgação da infâmia, quer finalmente por crimes de que seria culpado, mas de que não está sendo acusado.(2002, p.45)

Muitas vezes, as torturas eram utilizadas como forma de ameaça psicológica, utilizada apenas para que o medo tomasse conta do acusado e se o mesmo optasse por confessar sua falta, nesse caso a confissão do réu era tida como verdade absoluta, sendo dessa maneira, aplicada a pena ao confitente, pois pouco importava para os julgadores se o réu era inocente ou não, o que predominava era a confissão. Vale ressaltar, que tal sistema vigorou com maior força no período canônico.

O sistema Inquisitório tinha por característica a junção das funções de acusar, defender e julgar, ou seja, ficava no órgão judiciário a concentração de tais funções, este que era tido em regra como agente representativo do poder dominante, outra característica é que nesse sistema a ampla defesa e o contraditório não tinham nenhuma garantia, ou seja, não eram aplicados, aqui  imperava o segredo e o procedimento escrito,  sendo que aos órgãos do judiciário eram dados amplos e irrestritos poderes de investigação. Segundo Guilherme de Souza Nucci, o Sistema Inquisitivo “é caracterizada pela concentração de poder nas mãos do julgador, que exerce, também, a função de acusador; a confissão do réu e considerada a rainha das provas”. (2008, p. 116)

Com o passar dos anos a confissão foi perdendo deu alto valor comprobatório, haja vista que outros sistemas tomaram seu lugar.

            É cediço, que houve uma grande evolução no Direito brasileiro ao longo dos tempos, pois, hoje já não há a possibilidade de acatar a  confissão do arguido como único meio de prova. Isto posto, tal prova teve seu valor relativizado nos dias atuais, haja vista que, a mesma não pode ser considerada de forma incontestável, mas também não poderá ser desprezada, pois no nosso ordenamento jurídico ela é tida como um meio de prova.

Em meados de 1938, com o Crime do Restaurante Chinês encontramos um exemplo clássico da relativização da confissão, haja vista que o principal suspeito Arias de Oliveira, após longos interrogatórios, confessa ter cometido o crime, já diante do Tribunal, o mesmo nega veemente não ter ele cometido a chacina. Mas, contudo, conforme aduz Boris Fausto, acerca dos argumentos da defesa e da acusação “Tudo se concentrou nos fatos , no valor de uma confissão na esfera da polícia e nos exames psicológicos”(2009, p. 106). Mais a frente o autor  Boris Fausto aduz:

A confissão era uma prova de valor relativo. Havia muito deixara de ser “a rainha das provas”. Pelo contrário, especialmente quando ocorrida na fase policial de um processo, já era vista com muitas reservas sendo quase sempre implícito, nos meios judiciais, que ocorrera o emprego da violência para arrancá-la. (2009, p. 123) 

2 RETRATAÇÃO DA CONFISSÃO

Hoje, podemos observar a grande evolução do instituto da confissão, pois atualmente é garantido ao réu se retratar da confissão ainda que no Tribunal do Júri. Como exemplo temos a retratação feita por Arias de Oliveira no crime do restaurante chinês. A retratação tem aplicação no Código de Processo Penal, pois, está é uma das garantias constitucionais, onde destaca que o réu não deverá fazer prova contra si mesmo.

Assim sendo, uma confissão feita durante o Inquérito Policial inicialmente não têm nenhum valor probatório, pois é garantido ao acusado utilizar do benefício da retratação, ou seja, desdizer-se, retirar o que disse, contudo, para que a confissão feita pelo réu tenha valor probatório faz-se necessário que seja reiterada em audiência de julgamento perante o juízo competente. Podemos encontrar o fundamento da retratação no Código de Processo penal em seu artigo 200 caput, com a seguinte redação: "a confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto”. Segundo Heráclito Antônio Mossin:

O legislador processual penal não subordina a retratabilidade a nenhum requisito ou condição. Pode ela ser feita em qualquer circunstância, por se tratar de um direito do acusado, fundado na ampla defesa. Dessa forma, eventual indeferimento do pedido pelo magistrado implicará em cerceamento de defesa.(2008, p.423)

Isto posto, como sabemos, as declarações do arguido, em qualquer fase processual, são rodeadas de amplas garantias processuais para que a confissão, tenha seu valor probatório, faz-se necessário que seja feita de forma espontânea, ou seja sem nenhum tipo de coação. Vale ressaltar, ainda, que, a confissão só tem valor se reeiterada em audiência de julgamento perante o juízo competente.

3 VALOR DA CONFISSÃO COMO MEIO DE PROVA

Na legislação pátria vigente, embora seja a confissão um valioso meio de prova, como foi falado anteriormente, ela não tem força probatória absoluta, já que seu valor será medido pelos critérios de outros elementos de prova, devendo dessa forma o juiz confrontá-la com as demais provas contidas no processo, verificando assim, se entre elas existe compatibilidade e ou algum tipo de divergência. Essa relativização encontra-se fundamentada no vigente Código de Processo Penal em seu artigo 197. Segundo Alexandre Cebrian e Victor Eduardo:

Como elemento de prova que é, deve a confissão ser apreciada segundo o critério da persuasão racional do juiz, isto é, deve ser confrontada com o restante da prova, porquanto apesar de seu significativo valor, não constitui prova absoluta.(2010, p.141)

             Isto posto, podemos afirmar que a confissão não gera presunção absoluta quanto a veracidade dos fatos contidos na versão do arguido, haja vista que caberá ao juiz decidir com base no princípio da livre convicção, ou seja o juiz não fica preso ao formalismo da lei, antigo sistema da verdade legal, ele irá embasar suas decisões com base nas provas existentes nos autos, levando em conta sua livre convicção pessoal motivada.

Para um melhor entendimento  o autor Boris Fausto, nos mostra com muita propriedade a relativização da confissão, ao relatar a defesa apresentada pelo advogado de Arias de Oliveira, ao dizer:

O maior esforço do advogado consistiu em demonstrar a imprestabilidade da confissão. Ele não alega o emprego se violência física, mas uma situação de insuportável constrangimento. Fala do “martirológico” de Arias, mantido incomunicável no Gabinete de investigações durante dezenas de dias; lembra o depoimento prestado em juízo por Manoel Custódio Pinto, em que este afirma ter ouvido do delegado responsável pelo inquérito de Arias “rachara” depois de vinte dias de prisão; lembra ainda que as testemunhas destinadas a certificar a espontaneidade da confissão acabam dizendo ter Arias apenas respondido afirmativamente a tudo que saía da boca do delegado; e, embora reconhecendo não ser uniforme a opinião da doutrina nem da jurisprudência, destaca o ponto de vista de juristas para quem, se um acusado volta a trás na confissão, não pode o juiz considerar o seu conteúdo, pois é como se não existisse. (2009, p.132, 133).

Diante disso, podemos, dizer que uma confissão feita, ainda em Inquérito Policial, não se  reveste de garantias do juízo, por isso, na visão da doutrina majoritária é dada como insuficiente para  embasar uma condenação, servindo apenas como indício de prova, haja vista que a confissão e as outras provas se integram, se completam caminhando para um fim comum, que é a constatação e a comprovação da imputação contida na peça acusatória. Logo, a confissão só cristaliza seu teor probatório se confirmada perante o juízo competente.

4 PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REU

A presunção de inocência é mais uma das garantias constitucionais, a qual está prevista no artigo 5°, inciso LVII, da nossa Carta Magna que tem como finalidade, um prévio estado de inocência, incidindo sob todos os indivíduos que fazem parte da sociedade, onde somente poderá ser afastado tal garantia, após o transito em julgado da sentença condenatória, pois essa é uma ressalva trazida pelo legislador. Segundo Guilherme de Souza Nucci:

Na relação processual, em caso de conflito entre a inocência do réu, e sua liberdade, e o direito-dever do Estado de punir, havendo dúvida razoável, deve o juiz decidir em favor do acusado. Exemplo disso está na previsão de absolvição quando não existir prova suficiente da imputação formulada (art. 386, VII, CPP). (2008, p. 96)  

E, acerca do tema é notório o entendimento dos tribunais a favor da aplicação do princípio do indubio pro reu, in verbis:

Ementa

APELAÇÃO CRIMINAL . TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (LEI N. 11.343/2006, ART. 33, CAPUT). PRELIMINAR . INÉPCIA DA DENÚNCIA E DO ADITAMENTO  COERENTE DESCRIÇÃO DOS FATOS, INDICAÇÃO DA AUTORIA. SATISFAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS (CPP, ART. 41). PRELIMINAR AFASTADA.

Apta a instaurar a ação penal é a denúncia na qual estão delineadas, ainda que sinteticamente, os fatos que supostamente constituem infração de norma incriminadora e a descrição das condutas do acusado, além dos elementos de convicção que a respaldam, de modo a satisfazer os requisitos do art. 41 do CPP. MÉRITO . AUSÊNCIA DE PROVA DA MERCANCIA . CONTRADIÇÃO PROBATÓRIA . CONFISSÃO JUDICIAL ISOLADA NOS AUTOS . DÚVIDAS QUANTO À AUTORIA . APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO . ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. A condenação por delito de tráfico ilícito de entorpecentes precede de comprovação acerca de qualquer das condutas previstas no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, de modo que, em não sendo o acusado detido pelos policiais militares em ato de efetiva mercancia, além do fato de existirem contradições entre os depoimentos dos milicianos inexistem provas suficientes para a condenação, a ponto de justificar o decreto absolutório, conforme preconiza o CPP, art. 386, V. Ademais, a confião do acusado não se presta para atestar, de forma inequívoca, a autoria delitiva quando se encontrar isolada nos autos, cuja interpretação deverá respaldar-se no disposto no art. 197 e ssss., do CPP. II ¿ No processo penal, a dúvida não pode militar em desfavor do réu, haja vista que a condenação, como medida rigorosa e privativa de uma liberdade pública constitucionalmente assegurada (CF/88, art. , XV, LIV, LV, LVII e LXI), requer a demonstração cabal da autoria e materialidade, pressupostos autorizadores da condenação, e na hipótese de constarem nos autos elementos de prova que conduzam à dúvida acerca da autoria delitiva, a absolvição é medida que se impõe, em observância ao princípio do in dubio pro reo. ACR 399863 SC 2009.039986-3

             Isto posto, podemos vislumbrar que no caso do crime do restaurante chinês, a aplicação do princípio do in dubio pro reu se fez presente, haja vista que Arias de Oliveira, o acusado, fora considerado inocente, por duas vezes, tendo por fundamento insuficiência de prova. E isso se deu, pela brilhante atuação do advogado de defesa, como relata Boris Fausto:

...depois de sustentar frontalmente a inocência de Arias, Paulo Lauro, prudentemente, tratou de incutir, pelo menos a dúvida no espírito dos jurados, ao dizer, sem poupar adjetivo, que, no caso, o que havia “eram indícios obscuros, remotos, tênues, especiosos, discordantes, falazes e ilusórios, os quais, ante a aparência de verdade de que se revestem, podem facilmente induzir em erro”. (2009, p. 179)

A partir disso, é possível afirmar que a condenação criminal necessita da existência de provas contundentes e inequívocas que confirmem a autoria delitiva, sendo impossível condenar alguém com base em meros indícios e suposições. Quando a autoria do delito se mostra duvidosa, como no presente caso, nada mais justo do que a aplicação do princípio in dúbio pro reo.

5 PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL DO JUIZ

Esse princípio, encontra-se consagrado no artigo 155 caput do Código de Processo Penal ao aduzir que: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.  

Isto posto, tal princípio impede que o Juiz julgue com o conhecimento que eventualmente tenha previamente aos autos., embora, tenha inteira liberdade de julgar, valorando as provas como bem quiser,  contudo, não poderá firmar seu convencimento em provas obtidas fora  dos autos, pois o que não estiver dentro do processo é como se não existisse. Quod non est in actis non est in hoc mundo.

            Para melhor entendimento, nossos Tribunais Superiores decide no tocante à extensão jurídica do princípio processual da persuasão racional do juiz:

“Recurso em Habeas Corpus recebido como Habeas Corpus. Princípio do livre convencimento motivado do Juiz. Valoração de provas. Confissão. (...) 3. Vige em nosso sistema o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, segundo o qual compete ao Juiz da causa valorar com ampla liberdade os elementos de prova constantes dos autos, desde que o faça motivadamente, com o que se permite a aferição dos parâmetros de legalidade e de razoabilidade adotados nessa operação intelectual. Não vigora mais entre nós o sistema das provas tarifadas, segundo o qual o legislador estabelecia previamente o valor, a força probante de cada meio de prova. 4. Tem-se, assim, que a confissão do réu, quando desarmônica com as demais provas do processo, deve ser valorada com reservas. Inteligência do artigo 197 do Código de Processo Penal. 5. A sentença absolutória de 1º grau apontou motivos robustos para pôr em dúvida a autoria do delito. Malgrado a confissão havida, as demais provas dos autos sustentam, quando menos, a aplicação do princípio do favor rei. 6. Habeas corpus concedido.” (STF, RECURSO EM HABEAS CORPUS- RHC 91691, Relator Min. MENEZES DIREITO, v.u., 1ª Turma, 19.02.2008)

6 CONCLUSÃO

Conclui-se que, em análise a nossa legislação, ao longo dos tempos, várias foram as formas de valorar a confissão, essa, tida como rainha das provas no Direito Processual Penal, durante o passado.

  Atualmente uma pessoa não pode ser condenada apenas com base na prova de confissão,  haja vista que deverá haver uma análise conjunta entre a confissão e os demais elementos de prova constantes nos autos do processo.

 Destarte, a confissão representa atualmente um meio de prova, o qual está previsto em nosso ordenamento, e que depende indubitavelmente das demais provas contidas nos autos do processo para a devida solução dos delitos.

Enfim, em razão da relativização da prova de confissão, segundo entendimento de nossa legislação Constitucional, infraconstitucional e jurisprudencial, tal prova, se for a única em um processo, a mesma é dada como insuficiente para se proceder à condenação do acusado, devendo, assim o magistrado avaliar todas as provas em conjunto, e se perceber divergências entre elas,  deverá o juiz utilizar-se da  prova de confissão apenas como elemento de conhecimento, preservando desse modo, os direitos fundamentais do homem garantidos pela nossa Carta Magna.

6 REFERÊNCIAS

BECARIA, Cesare. Trad. Vicente Sabino Júnior. Dos delitos e das penas. São Paulo: CID, 2002.

FAUSTO, Boris. O crime do restaurante chinês. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal. São Paulo: Manole, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. 5. ed.  São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

REIS, Alexandre Cebrian Araújo, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Processo penal parte geral. São Paulo: Saraiva, 2010.

http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18000355/apelacao-criminal-reu-preso-acr-399863-sc-2009039986-3-tjsc. Acesso em: 23 outubro de 2011

Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-confissao-no-direito-process...