Considerações acerca do exercício de atividades atípicas por entidades fechadas de previdência complementar


PorJeison- Postado em 18 dezembro 2012

Autores: 
ROCHA, Leonardo Vasconcellos.

 

No contexto normativo pretérito, em que a cabia à Lei 6.435/77 a tarefa de disciplinar as atividades desenvolvidas por entidades de previdência privada, havia espaço – a depender de seu caráter fechado ou aberto – para o desenvolvimento de determinadas atividades concomitantes, estranhas à execução e operação de planos de benefícios.

 

Além disso, esta função de operar planos de benefícios de natureza previdenciária, desde que observados certos limites, não necessariamente havia de ser desenvolvida por uma entidade de previdência privada.

 

Com o advento da Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001, que atualmente dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar e revogou o diploma anteriormente citado, esta realidade foi sensivelmente alterada.

 

Das considerações a seguir apresentadas será possível extrair que não só a possibilidade deste desenvolvimento de atividades atípicas por parte de entidades de previdência foi abolida – ainda que com raríssimas ressalvas –, como o exercício daquelas que lhes são próprias tem agora caráter exclusivo

 

Pela leitura do art. 39 da Lei 6.435/77, verifica-se que eram consideradas entidades fechadas de previdência aquelas que possuiam como finalidade básica a execução e operação de planos de benefícios”. Ou seja, o simples fato de determinada pessoa jurídica oferecer, entre outros serviços, um plano de pecúlio ou de benefícios de caráter complementar a seus associados não seria suficiente para classificá-la como uma entidade fechada de previdência. Para tanto, seria necessário verificar se a instituição de planos desta natureza seria sua principal razão de existir, sua função precípua.

 

Este mesmo dispositivo apresenta, ainda, outro parâmetro relevante, qual seja, o de que as entidades fechadas poderiam prestar serviços alheios ao âmbito do objeto das entidades de previdência complementar. Afinal, por ter o legislador previsto a execução e a operação de planos de benefícios como finalidade básica das entidades fechadas, abriu espaço para que outras atividades secundárias fossem por estas desenvolvidas.

 

A redação do art. 14 desta mesma Lei 6.435/77, ao apresentar o conceito de entidade aberta de previdência privada, corrobora este raciocínio: “As entidades abertas terão como única finalidade a instituição de planos de concessão de pecúlios ou de rendas e só poderão operar os planos para os quais tenham autorização específica, segundo normas gerais e técnicas aprovadas pelo órgão normativo do Sistema Nacional de Seguros Privados.

 

Como se vê, enquanto a instituição de planos de concessão de pecúlios ou de rendas é concebida como única finalidade (art. 14) das entidades abertas, no que tange às fechadas, a execução e operação de planos de benefícios limitava-se a ser sua finalidade básica (art. 39).

 

É certo que, num primeiro momento, a Lei 6.435/77 preceitua que as “entidades de previdência privada (...) são as que têm por objeto instituir planos privados de concessão de pecúlios ou de rendas, de benefícios complementares ou assemelhados aos da Previdência Social” (art. 1º). Sua interpretação sistemática, entretanto, revela que tal objeto somente seria único no caso das entidades abertas.

 

Em outras palavras, se uma determinada entidade, acessível a quaisquer pessoas físicas, estivesse a operar plano de concessão de pecúlios ou rendas, seria necessariamente uma entidade aberta de previdência complementar. Isto porque, no caso das abertas, este tipo de atuação não poderia se dar em conjunto com qualquer outra.

 

Por outro lado, o só fato de uma entidade, acessível exclusivamente a um grupo específico de empregados ou associados, ofertar determinado plano de benefícios de natureza complementar não seria suficiente para identificá-la como uma entidade fechada de previdência complementar. Isto somente ocorreria após a constatação de que este seria seu principal objeto e não apenas uma atividade secundária.

 

Até aqui, dois pressupostos do raciocínio acima desenvolvido hão de ser destacados: durante a vigência da Lei 6.435/77 (i) a operação de plano de benefícios, por instituição acessível a um grupo restrito de indivíduos, desde que não fosse sua finalidade básica, não era atividade exclusiva de entidade fechada de previdência; e (ii) às entidades fechadas de previdência complementar não era vedado prestar serviços estranhos a seu objeto principal.

 

Ocorre que, com o advento da Lei Complementar 109/01, os dois pressupostos anteriormente aventados, decorrentes da aplicação da Lei 6.435/77caíram por terra.

 

Na nova concepção implementada pela LC 109, a referência à finalidade básica foi abandonada. Nos termos de seu art. 32, são consideradas entidades fechadas aquelas que “têm como objeto a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária”. A distinção estabelecida na revogada Lei 6.435/77, onde a previsão de “única finalidade” (art. 14) dizia respeito apenas às entidades abertas, não mais existe.

 

Quanto a esse aspecto, o parágrafo único do art. 32 da LC 109 é claro: “é vedada às entidades fechadas a prestação de quaisquer serviços que não estejam no âmbito de seu objeto, observado o disposto no art. 76.”

 

Em resumo, no período anterior à vigência da LC 109 o só fato de uma pessoa jurídica oferecer determinado benefício previdenciário não significaria necessariamente que se tratava de uma entidade de previdência complementar. Da mesma forma, o fato de uma entidade fechada de previdência complementar desenvolver outra atividade, além de executar e operar planos de benefícios, não encontrava óbice legal. Na vigência da LC 109, notadamente em razão do disposto no citado art. 32, esta realidade foi completamente alterada: i) a atividade própria das entidades de previdência complementar lhes é exclusiva e, ii) tais entidades, em regra, não podem prestar qualquer outro tipo de serviço.

 

Não por outro motivo, o Decreto 4.942/2003 – a quem coube regulamentar o processo administrativo para apuração de responsabilidade por infração à legislação no âmbito do regime da previdência complementar, operado pelas entidades fechadas de previdência complementar (LC 109, art. 66) – previu as seguintes infrações: 

 

“Art. 89. Prestar serviços que não estejam no âmbito do objeto das entidades fechadas de previdência complementar.

 

Penalidade: multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), podendo ser cumulada com suspensão de até cento e oitenta dias.

 

(...)

 

Art. 102. Exercer atividade própria das entidades fechadas de previdência complementar sem a autorização devida da Secretaria de Previdência Complementar, inclusive a comercialização de planos de benefícios, bem como a captação ou a administração de recursos de terceiros com o objetivo de, direta ou indiretamente, adquirir ou conceder benefícios previdenciários sob qualquer forma.

 

Penalidade: multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e inabilitação pelo prazo de dois a dez anos.”

 

É de se notar, ademais, que este maior rigor adotado no atual regramento da matéria fica evidente na forma mais analítica como se deu a descrição do chamado mercado marginal (exercício desautorizado de funções próprias de entidade de previdência complementar).

 

Anteriormente, nos termos do art. 80[1] da Lei 6.435/77, havia referência tão-somente à “pessoa que atu[asse] como entidade de previdência privada”, o que demandava do aplicador da norma a imprescindível interpretação de outros de seus dispositivos, aptos a fornecer o exata noção do que seria atuar efetivamente como entidade de previdência privada.

 

Diversamente, o art. 67 da Lei Complementar 109/2001 prossegue na descrição da conduta: “o exercício de atividade de previdência complementar por qualquer pessoa, física ou jurídica, sem a autorização devida do órgão competente, inclusive a comercialização de planos de benefícios, bem como a captação ou a administração de recursos de terceiros com o objetivo de, direta ou indiretamente, adquirir ou conceder benefícios previdenciários sob qualquer forma...”.

 

Nesta nova ótica, constatado o oferecimento de um benefício previdenciário por entidade não autorizada pelo órgão competente – atualmente, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Lei 12.154, de 23 de dezembro de 2009) – está caracterizada a infração. O enquadramento da entidade como fechada ou aberta, assim como o caráter primário ou secundário da atividade identificada passam a ser fatores absolutamente irrelevantes.

 

Do mesmo modo, o exercício de atividade estranha à administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária por parte de uma entidade fechada de previdência complementar, por si só, configura uma infração. Ainda que se trate de uma atividade de menor importância, eminentemente secundária, a imposição de penalidade é medida que se impõe.

 

E, no que se refere a esse exercício de atividades estranhas ao objeto das EFPCs, há que se atentar, ainda, para algumas questões relativas aos limites de atuação do órgão fiscalizador (a já referida Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC) quando de sua constatação.

 

É sabido que o próprio parágrafo único do art. 32, ao trazer a vedação da prática de atividades atípicas, ressalva seu alcance em relação à situação tratada no art. 76. Este último dispositivo prevê que as entidades fechadas que, na data da publicação da LC 109/2001, prestavam a seus participantes e assistidos serviços assistenciais à saúde poderão continuar a fazê-lo, desde que estabelecido um custeio específico para os planos assistenciais e que a sua contabilização e o seu patrimônio sejam mantidos separados do plano previdenciário.

 

É exatamente a compreensão dos estritos limites da ressalva contida no citado art. 76 e de seu impacto na atividade fiscalizatória o ponto chave para esta seja exercida em harmonia com os parâmetros legais.

 

Revela-se imperioso afastar a ideia de que toda e qualquer celeuma envolvendo, de alguma forma, uma EFPC deva ser dirimida pela PREVIC, sob pena de delimitar-se sua competência em razão das partes envolvidas, quando, na realidade, esta se norteia pela matéria.

 

Nos termos do art. 1º, parágrafo único, da Lei 12.154/2009, a Previc atuará como entidade de fiscalização e de supervisão das atividades das entidades fechadas de previdência complementar e de execução das políticas para o regime de previdência complementaroperado pelas entidades fechadas de previdência complementar.

 

E estas atividades passíveis de fiscalização e supervisão consistem justamente naadministração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária, conforme esclarece o caput do art. 32 da Lei Complementar 109/2001.

 

Posto isto, é possível fixar dois parâmetros norteadores. O primeiro deles é que, relativamente a quaisquer outros serviços alheios ao objeto de tais entidades, a atividade fiscalizatória resume-se a uma única linha de atuação: cessar-lhes a prestação por parte das EFPCs, com esteio no parágrafo único[2] do citado art. 32. O segundo é que não compete ao órgão fiscalizador imiscuir-se em questões de mérito, tampouco promover qualquer tipo de mediação ou conciliação no âmbito das relações decorrentes de tais atividades atípicas, na medida em que não se subsumem ao conceito de administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária.

 

Ao dispor o legislador que, quanto à prestação de serviços assistenciais à saúde, determinadas entidades poderiam continuar a fazê-lo, nada mais fez do que afastar tão-somente o primeiro pressuposto anteriormente citado: o dever do órgão fiscalizador de promover a cessação da prestação do serviço. Todavia, o segundo pressuposto, de que não lhe compete imiscuir-se em questões de mérito, tampouco promover qualquer tipo de mediação ou conciliação no âmbito das relações decorrentes de tais atividades atípicas – nas quais se inclui a prestação de serviços assistenciais à saúde –, permanece inabalado.

 

Desta convergência do disposto nos arts. 32 e 76 é possível extrair uma segunda linha de atuação fiscalizatória em relação aos serviços alheios ao objeto das entidades. Enquanto para as demais atividades atípicas a fiscalização cinge-se a cessar-lhes a prestação, no caso específico da assistência à saúde ela se concentra na verificação do cumprimento das condições previstas no art. 76, que podem ser tidos por requisitos de tolerância (prestação restrita a participantes e assistidos, estabelecimento de custeio específico, bem como manutenção de contabilização e patrimônio em separado do plano previdenciário).

 

Noutras palavras, com relação aos planos assistenciais à saúde, cabe à Previc, quando muito, tolerá-los, apenas zelando pela observância das condições legais (art. 76) para a subsistência desta tolerância.

 

Não se pode admitir, por exemplo, sua intervenção em temas como o custeio de tratamentos ambulatoriais ou prazos de carência para seu usufruto. Além de falecer-lhe a expertise necessária para tanto, estaria a invadir a esfera de competências de estruturas governamentais criadas especificamente para tal fim.

 

Diante dessas breves considerações, é possível fixar a noção de que, no atual contexto legislativo, a administração de planos de benefício de natureza previdenciária somente pode ser exercida por EFPCs, do mesmo modo que a tais entidades é vedado o exercício de quaisquer outras atividades consideradas atípicas, com exceção da prestação aos respectivos participantes e assistidos de serviços assistenciais à saúde, nos limites estabelecidos pelo art. 76 da LC 109/2001.

 

No que se refere a tais atividades atípicasnão há espaço para que o órgão venha a intervir em questões de mérito, tampouco promover qualquer tipo de mediação ou conciliação no âmbito das relações delas decorrentes, na medida em que não se subsumem ao conceito de administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária (Lei 12.154/2009, art. 1º, parágrafo único, c/c Lei Complementar 109/2001, art 32, caput).

 

Em tais situações, quando muito, deve apenas zelar pela observância das condições legais de manutenção de sua tolerância (LC 109, art. 76).

 

Notas:


[1]. Art. 80. Qualquer pessoa que atue como entidade de previdência privada, sem estar devidamente autorizada, fica sujeita à multa, nos termos do artigo 78 desta Lei, e à pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos. Se se tratar de pessoa jurídica, seus diretores e administradores incorrerão na mesma pena.

 [2]Parágrafo único. É vedada às entidades fechadas a prestação de quaisquer serviços que não estejam no âmbito de seu objeto, observado o disposto no art. 76.

 

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