Considerações sobre a Curadoria Especial


Porvinicius.pj- Postado em 18 outubro 2011

Autores: 
FRANCO, Matheus Pacheco

Há casos previstos em lei nos quais se faz necessária a atuação de um curador especial para que o processo possa ter andamento. Em virtude da especialidade de cada situação, torna-se imprescindível que um curador especial seja chamado para atuar especificamente no feito. Advirta-se, ainda, que se trata de múnus público, motivo pelo qual a pessoa nomeada deve se manifestar nos autos. Sobre o curador especial, imperiosas as palavras de Nelson Nery Júnior (in Código de Processo Civil Comentado. Ed. Revista dos Tribunais: 2000, p. 400.):

“A curadoria especial é múnus público, incumbindo ao curador o dever de, necessariamente, contestar o feito. Na falta de elementos, pode contestar genericamente (CPC 302, parágrafo único), não se lhe aplicando o ônus da impugnação especificada. Contestando genericamente, o curador especial controverte todos os fatos descritos na petição inicial, incumbindo ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito (CPC, art. 333, I). Não há, neste caso, inversão do ônus da prova, mas aplicação ordinária da teoria do ônus da prova. Caso o curador não conteste, o juiz pode destituí-lo e nomear outro para que efetivamente apresente contestação na defesa do réu.”

O dispositivo do código de processo civil que trata sobre o tema é o artigo 9º, cujos incisos indicam as ocasiões em que se faz necessária a nomeação de curador especial.

O primeiro inciso preconiza que deverá ser nomeado, pelo juiz, curador especial ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele. Percebe-se, nesse caso, que não basta ser a parte incapaz, é necessário também que esta não tenha representante ou que os interesses de ambos sejam conflitantes.

A relação dos representantes legais com os incapazes é prevista na legislação civil, sendo basicamente a seguinte: relativamente aos menores de idade, cabe aos pais; caso estes decaiam do poder familiar ou em caso de falecimento, há de se nomear tutor; por fim, em caso de incapaz maior de idade, há de se nomear curador.

É mister salientar que esse curador mencionado acima não se confunde com a figura do curador especial que tratamos no presente trabalho. O curador especial é designado no bojo de um processo específico para suprir defeito de capacidade de estar em juízo ou de capacidade postulatória, conforme explicitaremos mais adiante. Já o curador de que trata a legislação civil se refere às hipóteses de incapazes, maiores de idade, que estejam sujeitos à curatela, através de processo de interdição. Esse tipo de curador, uma vez designado, representa o incapaz em qualquer tipo de ato da vida civil.

Explicados tais pontos, pode-se concluir que as hipóteses tratadas no inciso I do mencionado artigo visam suprir uma falha de representação, que está intimamente relacionada à capacidade de estar em juízo e não relativamente à capacidade postulatória.

O que se quer dizer com isso é que o curador especial previsto no referido inciso não necessita ser advogado, pois, em primeira análise, ele é nomeado para suprir defeito de representação. Ao analisarmos o parágrafo único da mencionada norma (Nas comarcas onde houver representante judicial de incapazes ou de ausentes, a este competirá a função do curador especial.”), percebe-se que há a possibilidade de existência de agentes públicos exercendo a função de representante judicial de incapazes e ausentes.

Nesse caso, contudo, tais representantes não seriam advogados, mas apenas cuidariam de sanar o defeito na representação, suprindo, assim, a capacidade de estar em juízo. Interessante observar que, nessa hipótese, o curador especial nomeado para representar o incapaz deverá providenciar um advogado, pois embora a capacidade de estar em juízo tenha sido suprida, é necessário, também, alguém que tenha a capacidade de postular em juízo os direitos do representado.

Entretanto, é importante destacar que, apesar de tudo o que foi dito até aqui, na prática o que se vê é que, mesmo o defeito advindo da capacidade de estar em juízo, o juiz nomeia logo um advogado para supri-la. Dessa forma, o advogado atuará tanto como representante do incapaz, suprindo a capacidade de estar em juízo, como também advogado propriamente dito, suprindo a capacidade postulatória.

Isso ocorre basicamente por dois motivos: o primeiro é que praticamente não há comarcas com pessoas com a função específica de funcionar como representante judicial de incapazes ou ausentes; o segundo é justamente para que se imprima celeridade ao processo, pois nomeando um curador especial que não é advogado, o primeiro ainda terá de providenciar um patrono para atuar no feito, enquanto que nomeando um advogado, não há essa necessidade, pois o curador especial é o próprio advogado a atuar na causa.

Defendendo a idéia de que o advogado pode ser designado como curador especial para atuar tanto como causídico, como representante judicial do incapaz, registramos as lições de Humberto Theodoro Júnior (in Curso de Direito Processual Civil, Vol. I. Ed. Forense: 1998, p. 81.):

“Se na comarca houver representante judicial de incapazes ou de ausentes, a este competirá a função de curador especial (art. 9º, parágrafo único). Na sua falta, o juiz nomeará um estranho, de preferência advogado. Se o curador não for advogado regularmente inscrito na OAB, terá que constituir procurador para que o seja, para atuar em seu nome no processo.”

No inciso seguinte, por sua vez, as hipóteses se referem apenas ao defeito da capacidade postulatória, ou seja, a parte é capaz, mas não possui advogado. Deve-se advertir que aqui o tratamento não é o mesmo dado no processo penal, em que basta que uma das partes não possua advogado para que o juiz nomeie um defensor dativo. No processo civil, a parte sem advogado somente terá um defensor nomeado pelo juiz quando se tratar de réu preso ou de réu revel citado por edital ou por hora certa.

Nota-se, assim, que nesses casos, a própria situação do réu se encontra difícil e, em virtude dela, não se deve deixar o mesmo sem advogado. No primeiro caso, o réu preso já tem de enfrentar, dia a dia, a situação precária do sistema prisional brasileiro, tendo de passar por situações humilhantes e sérias dificuldades. Seria bem provável, assim, que caso tenha de responder a alguma demanda, encontre sérias dificuldades em constituir um patrono para lhe defender. Dessa forma, achou por bem o legislador assegurar o seu direito de ter um curador especial.

Questão polêmica na doutrina, nesse ponto, é em que momento deverá ser nomeado curador especial ao réu preso: se logo no início da ação ou após escoado o prazo para contestação. Deve-se buscar, aqui, o sentido da norma a ser interpretada. Pois bem, se a lei garante um curador especial ao réu preso, há de se entender que isso ocorre em virtude de toda a dificuldade que ele terá em conseguir um advogado, afinal, ele está preso. Dessa forma, ainda que difícil, nada impede que o réu consiga um patrono e, assim, deve-se respeitar a sua decisão. Com isso, a melhor interpretação para o dispositivo, com a devida vênia, é a de que o réu preso deve ser citado normalmente, aguardando-se o prazo para o oferecimento da contestação e, somente na hipótese de permanecer inerte, proceder-se-á à nomeação.

Sobre o tema, transcreve-se trecho do voto proferido pela Ministra Nancy Andrighi, no Resp 897.682/MS:

“(...) a parte somente fará jus a um curador especial quando não tiver nomeado profissional apto a representá-la nos autos. (...) Logo, se a parte, mesmo estando presa, tem patrono nomeado nos autos, torna-se absolutamente despicienda a indicação de um curador especial para representá-la.”

A outra hipótese é a de nomeação de defensor dativo para o réu revel citado por edital ou hora certa. Pois bem, a citação ficta é marcada por não ser feita na pessoa do réu, razão pela qual recebe críticas. Ora, há a possibilidade bastante comum de um processo iniciar-se e chegar ao seu final, com sentença transitada em julgado, modificando a situação jurídica da parte sem que ela jamais tivesse conhecimento do mesmo. É por essa razão que nessas hipóteses, também há de se nomear defensor para que o processo tenha continuidade, em respeito ao princípio do contraditório.

Note-se, porém, que não basta ser o réu revel, há de ter sido o mesmo citado por edital. Isso se deve ao fato de que a razão de se nomear defensor para o réu revel citado fictamente é justamente a incerteza de que o mesmo tem ciência da ação. Assim, aquele réu que foi devidamente citado pessoalmente pelo oficial de justiça ou pelos correios e deixou de contestar a ação, ficará sem defesa no processo. Da mesma forma, se, por alguma maneira, for demonstrado que o réu revel tem ciência da ação, deverá ser consignado prazo para que o mesmo constitua advogado.

Fixadas tais premissas e sem querer expor uma visão completa sobre o instituto, que possui, inclusive, pouco estudo doutrinário, essas foram algumas notas escritas com o fito de suscitar o interesse no assunto.


Bibliografia:

 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. Editora Revista dos Tribunais. 4ª Edição. 2000.

 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. I. Rio de Janeiro. Editora Forense. 24ª Edição. 1998.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. I. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris. 16 ª Edição. 2007.