A constitucionalização do Direito Administrativo: Os princípios processuais constitucionais no processo administrativo


Porbarbara_montibeller- Postado em 27 março 2012

Autores: 
BARRETO, Carolina Pereira

Sumário: 1. Introdução – 2. A Constitucionalização do Direito – 3. A Constitucionalização do Direito Administrativo e o Direito Infraconstitucional na Constituição – 4. Os novos paradigmas advindos com a Constitucionalização do Direito Administrativo - 4.1. A redefinição da ideia de supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a ascensão do princípio da ponderação de direitos fundamentais - 4.2. Superação da clássica concepção do princípio da legalidade como vinculação positiva do administrador apenas à lei - 4.3. A possibilidade de controle judicial do mérito do ato administrativo e sua motivação - 4.4. A releitura da legitimidade democrática da administração – 5. Os princípios processuais constitucionais no direito administrativo - 5.1. Processo x Procedimento - 5.2. Processo Administrativo X Processo Judicial – 6. Princípios da Administração Pública aplicáveis ao processo administrativo – 7. Princípios Processuais Constitucionais aplicados ao processo administrativo – 8. Conclusão – 9. Referências Bibliográficas

Resumo: O artigo pretende estudar o fenômeno da Constitucionalização do Direito Administrativo decorrente das transformações sofridas pelo Estado, que no campo teórico passa a Constituição Federal a ser o parâmetro de interpretação dos demais ramos do direito, consagrando a sua força normativa e superioridade através dos princípios constitucionais, em especial da efetividade e concretização dos direitos fundamentais. Ao tempo em que traça os principais paradigmas advindos com este fenômeno, a partir da aproximação do Estado com o cidadão, verificando a releitura de alguns institutos tradicionais do direito administrativo, como a supremacia do interesse público, vinculação do administrador à legalidade restrita, insindicabilidade do mérito do ato administrativo. Neste cenário, a ampla processualidade administrativa também se apresenta como uma das características da constitucionalização do direito, vista como uma forma de legitimar o processo e garantir a participação do cidadão na decisão administrativa final, com foco na consensualidade administrativa, destina-se a limitar a atuação estatal e conferir previsibilidade no processo administrativo legal, de forma a garantir e efetivar os direitos fundamentais das partes interessadas na relação jurídica administrativa. Desta forma, o núcleo comum dos princípios processuais constitucionais também integra ao processo administrativo que tem como base o art. 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal, em que é assegurado o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa no processo administrativo e seus desdobramentos.

Abstract: This article aims to study the phenomenon of constitutionalisation of the Administrative Law resulting from the transformations undergone by the state, which in theory is the Federal Constitution to be the parameter of interpretation of the other branches of law, devoting his strength and superiority through the normative constitutional principles in particular the effectiveness and implementation of fundamental rights. By the time outlining the main paradigms that come with this phenomenon, from the approach of the state to the citizen by checking the reading of some traditional institutions of administrative law, as the supremacy of public interest, linking the legality of the administrator restricted the insindicabilidade merits of the administrative act. In this scenario, the broad administrative procedural also appears to be a hallmark of constitutionalization of the right, seen as a way of legitimizing the process and ensure citizen participation in the final administrative decision, focusing on consensual management, intended to limit the state action and provide predictability in the legal administrative process, to ensure and enforce the fundamental rights of stakeholders in the legal relationship management. Thus, the common core of constitutional procedural principles also integrates to a proceeding that is based on art. 5, LIV and LV sections of the Federal Constitution, which is the due process of law, the contradictory and full defense in the administrative proceedings, and their consequences.

Palavras Chave: Constitucionalização do Direito Administrativo – Ampla Processualidade Administrativa - Princípios Processuais Constitucionais no Direito Administrativo

Key words: Constitutionalization of administrative law - administrative procedural Wide - Principles in Constitutional Law Administrative Procedure

1 INTRODUÇÃO

O artigo tem por finalidade trazer a pesquisa realizada sobre o movimento da constitucionalização do direito e seus reflexos no âmbito do ramo do direito administrativo, especialmente, no que tange ao processo administrativo.
O trabalho se divide em duas partes, a primeira é trazer essa nova visão de paradigmas do direito administrativo decorrente das transformações verificadas no Estado e na Sociedade, tendo como consequência o neoconstitucionalismo, e qual a sua relação com a ampla processualidade administrativa.
A segunda parte da pesquisa pretende estudar os princípios da administração pública aplicados ao processo administrativo, bem como os princípios processuais constitucionais, realizando uma correlação lógica com a teoria geral do processo.
O processo administrativo tem como função limitar e disciplinar a atuação estatal evitando assim os abusos cometidos pela administração pública e concretizando os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal.
Ademais, o objetivo não é esgotar a matéria e nem descrever um rol taxativo com todos os princípios aplicados ao processo administrativo, pois se tornaria impossível catalogá-los em poucas linhas, mas pretende-se identificar de uma maneira geral quais os princípios processuais que deverão ser observados pela administração pública e que possui o núcleo comum com a teoria geral do processo.

2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO

A Constitucionalização do Direito é um fenômeno decorrente das transformações do Estado, da Sociedade e do Direito, caracterizado em 03 (três) ordens de modificações: no campo histórico, com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social e o atual Estado Democrático de Direito; no campo filosófico, decorrente da aproximação do direito com a ética e o seguimento do pós-positivismo; e no campo teórico, no qual a Constituição ganha força normativa deixando de ser uma simples “folha de papel” , acompanhado de um órgão jurisdicional que defende a sua superioridade e efetividade, através da nova dogmática de interpretação constitucional.
Alguns doutrinadores também denominam este movimento de neoconstitucionalismo, pois se verifica uma aproximação do constitucionalismo com a democracia. Na realidade, trata-se de uma releitura do direito constitucional, caracterizado pela superioridade e força normativa da Constituição, a qual deve ser aplicada a todos os ramos do direito com força irradiante e supremacia dentro do ordenamento jurídico.
Luís Roberto Barroso (2010, p.399) descreve o neoconstitucionalismo com três marcos como um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio os quais podem ser destacados, “como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito”, cuja consolidação se deu ao longo do período após a 2ª Guerra Mundial, com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social e atualmente o Estado Democrático de Direito; “como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética”, associados à preservação da dignidade da pessoa humana; e “como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional”.
As mudanças de paradigmas que influenciaram decisivamente este movimento no mundo jurídico podem ser identificadas através: 1- da Força Normativa da Constituição que teve seu ápice com a obra de Konrad Hesse , a qual defende a sua imperatividade, eficácia e normatividade dos princípios nela estabelecidos, 2 – da existência de uma Corte Constitucional na qual tem a atribuição de proteger a Constituição e exercer o controle dos atos de forma a efetivar os direitos fundamentais estabelecidos na Carta Magna, 3 – A Nova Interpretação constitucional, na qual consiste em estabelecer novos métodos de interpretação de forma a colocar a Constituição no centro do ordenamento jurídico com força irradiante, adequando-se os tradicionais métodos de interpretação em geral que estavam atrelados ao Estado Liberal e ao Positivismo, para uma nova realidade (BARROSO, 2010, p.299).
O que se pretende não é afastar os antigos métodos Gramatical, Sistemático, Histórico, Teleológico, mas desenvolver uma nova interpretação a partir da Constituição que é dirigido ao intérprete, no qual sistematizaram 06 princípios instrumentais de interpretação constitucional, trazidos por Canotilho (2003, p.1223-1226): 1 – Princípio da Supremacia da Constituição, 2 – Princípio da Presunção de constitucionalidade das leis e atos do Poder Público, 3 – Princípio da Interpretação conforme a Constituição, 4 - Princípio da unidade da Constituição, 5 - Princípio da Razoabilidade ou da Proporcionalidade, 6 - Princípio da Efetividade.
Vale destacar que este fenômeno foi verificado não apenas na forma de interpretação do direito junto ao Poder Judiciário, mas também influenciou as demais funções estatais como o Legislativo e o Executivo, no âmbito de sua atuação, vez que todos os atos estatais estão sob o controle de constitucionalidade da Corte Suprema.
Em relação ao Poder Legislativo, “a constitucionalização limita sua discricionariedade ou liberdade de conformação na elaboração das leis em geral e impõe-lhe determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas constitucionais”. Quanto ao Poder Executivo, além de “limitar-lhe a discricionariedade e impor a ela deveres de atuação, ainda fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário”. No tocante ao Poder Judiciário, “serve de parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele desempenhado (incidental e por ação direta), bem como condiciona a interpretação de todas as normas do sistema”. Com referência aos particulares, a constitucionalização “estabelece limitações à sua autonomia da vontade, em domínios como a liberdade de contratar ou o uso da propriedade privada, subordinando-a a valores constitucionais e ao respeito a direitos fundamentais” (BARROSO, 2010, p.353).
Neste cenário, o movimento de constitucionalização do direito vem ganhando cada vez mais força, ao ponto de ser destacado como uma cadeira separada de disciplina jurídica nas universidades, denominada de Constitucionalização do Direito, por vezes também especificando o ramo do direito a que está sendo aplicado, a exemplo da constitucionalização do direito civil, constitucionalização do direito penal, constitucionalização do direito administrativo e assim sucessivamente.

3 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO E O DIREITO INFRACONSTITUCIONAL NA CONSTITUIÇÃO

Com essas modificações, todos os ramos do direito sofreram mudanças de paradigmas, já que atualmente a Constituição é interpretada como o centro do ordenamento jurídico que tem força normativa irradiante e dotada de supremacia. Evidentemente, que não foi diferente com o direito administrativo.
O direito administrativo é uma disciplina que praticamente possui a mesma origem do direito constitucional, surgiu após a Revolução Francesa de 1791, atrelado ao Estado de Direito, que teve como baluarte a legalidade e a garantia dos direitos fundamentais como forma de limitar a atuação estatal em face dos abusos do poder, porém, percorreram trajetórias diversas.
A França foi o berço do direito administrativo, pois a criação de uma jurisdição administrativa dissociada da atuação jurisdicional para julgamento de todo contencioso administrativo, através de órgão denominado de Conselho de Estado, deu autonomia através de regras e princípios próprios para a disciplina.
A consagração do direito administrativo ocorreu com o julgamento do caso Blanco em 1873 na França, em que uma vagonete pertencente à Companhia Nacional de Manufatura de Fumo atropelou uma criança de 05 anos de idade chamada “Agnès Blanco”, na cidade de Bordeaux. Apreciando o conflito de competência, o Tribunal de Conflitos decidiu que no caso não se aplicaria as regras gerais do direito civil, mas sim regras específicas de responsabilidade civil do Estado e fixou a competência do Conselho de Estado, órgão responsável pela jurisdição administrativa, para julgar a controvérsia, tendo em vista a presença do Estado nesta relação jurídica, caracterizada pelo serviço público e a necessidade de serem aplicadas as normas publicistas (DI PIETRO, 2007, p.05).
Durante muito tempo, após o século XIX e a primeira metade do século XX, o direito constitucional esteve associado às categorias da política, destituído de força normativa e aplicabilidade direta e imediata, já o direito administrativo desenvolveu-se como ramo jurídico autônomo disciplinando a atuação da Administração Pública (BARROSO, 2010, 374).
No Brasil, a aproximação entre as duas disciplinas pode ser identificada pela existência de uma grande quantidade de normas constitucionais voltadas para Administração Pública, bem como pela influência dos princípios constitucionais sobre a disciplina do direito administrativo, fatores que sofreram influência em virtude das transformações ocorridas no Estado brasileiro.
É importante destacar que o processo de constitucionalização do direito não significa mera inserção de dispositivos relativos a alguns institutos do direito administrativo no texto constitucional, mas, trata-se de uma releitura da norma a partir da Constituição. É observar o direito sob uma nova ótica, ou seja, a partir dos princípios constitucionais que possui força normativa e superioridade no ordenamento jurídico, à luz do Estado Democrático de Direito.
Enquanto no período liberal, o Estado de Direito era submetido ao princípio da legalidade pura e simplesmente, no Estado Democrático de Direito de hoje, além do respeito à Constituição Federal e a lei, a atividade administrativa deve está pautada no respeito à legitimidade com a aproximação do Estado e o cidadão (OLIVEIRA, 2010, p.113).
A Constituição brasileira de 1988 traz expressamente e de forma exaustiva normas sobre Administração Pública, servidores públicos, inclusive regime de aposentadoria, responsabilidade civil do Estado, separa a função administrativa da atividade de governo e traz expressamente os princípios do direito administrativo da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e por último o princípio da eficiência, introduzido pela Emenda Constitucional nº 19, de 4.06.98. (BARROSO, 2010, p.375). Pretende-se, então, com isso a interação da Constituição com os demais ramos do direito, trazendo um conteúdo axiológico com caráter subordinado à Carta Constitucional.
Antes da Constituição de 1988, o centro do ordenamento jurídico girava em torno do velho Código Civil de 1916 que desempenhou um papel fundamental na Teoria Geral do Direito. Entretanto, com a descodificação do direito civil e o aumento das edições de leis especiais e esparsas no ordenamento jurídico, verificou-se a necessidade do fundamento de validade desses microssistemas, que neste ambiente seria a Carta Constitucional.
Rafael Oliveira (2010, p.32), ao tratar da descodificação, acrescenta que a “constitucionalização do direito administrativo se propõe a manter o constante diálogo entre essa disciplina e o Direito Constitucional, verificando uma verdadeira revolução copernicana do Direito”, pois a “Constituição passa a ocupar definitivamente o centro do ordenamento jurídico e os demais ramos do direito circulam ao seu redor”, por isso devem ser interpretados e aplicados a luz da Constituição.
É interessante notar que no direito administrativo não ocorreu esse processo de descodificação, mesmo porque não existe no ordenamento jurídico brasileiro um código de direito administrativo, pois as normas que disciplinam a administração pública estão inseridas de forma esparsa. Ainda assim, o administrador tinha como viga mestre apenas a legalidade, a lei como autorização para a atividade administrativa. Sob a nova ótica, o direito administrativo ganha como ponto de partida, um velho referencial: a Constituição Federal.

4 OS NOVOS PARADIGMAS ADVINDOS COM A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Nesta perspectiva, o modelo clássico de administração pública vem sofrendo modificações em conseqüência das diversas transformações do papel do Estado perante o cidadão, esses novos paradigmas são simplesmente uma releitura dos antigos modelos com a visão constitucionalista.
Luís Roberto Barroso (2010, p.376-377) descreve sobre alguns dos novos paradigmas advindos com a constitucionalização do direito que influenciou de maneira decisiva o estudo do direito administrativo e pode ser identificado pela:

4.1 Redefinição da ideia de supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a ascensão do princípio da ponderação de direitos fundamentais

A grande parte da doutrina do direito administrativo traz o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado como um dos pilares da administração pública, reconhecendo-o como “um verdadeiro axioma no direito público e proclamando a superioridade do interesse da coletividade”, o qual fundamenta toda a “posição privilegiada do órgão administrativo nas relações com os particulares, nos limites das funções determinadas pela lei”, e de onde decorrem todos os demais princípios do regime jurídico administrativo nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p.60-61).
Na realidade, o princípio da supremacia do interesse público não encontra previsão expressa na Constituição e nem na legislação ordinária, mas se trata de um princípio implícito que é extraído da Constituição Federal com conteúdo abstrato e conceitos indeterminados.
A noção de interesse público associado à administração começou a ser utilizado após a Revolução Francesa e estava diretamente ligada a divisão entre o público e o privado. A administração pública era encarada como executora da vontade geral expressa na lei, e guardiã do interesse público, sendo que os particulares atuavam no campo do interesse privado (OLIVEIRA, 2010, p.104).
Com fundamento no “interesse público”, a administração começou a utilizar excessivamente tal princípio para justificar atos que não encontravam guarida no ordenamento jurídico, extrapolando os limites legais e conseqüentemente cometendo abusos sob o manto da supremacia do interesse público.
Vale destacar que para concepção deste princípio, deve-se fazer uma distinção necessária entre interesse público primário, ou seja, o interesse da coletividade que se encontra “atrelado aos valores como justiça, segurança e bem-estar social”; e o interesse público secundário, que é o interesse do Estado como pessoa jurídica de direito público, “sujeitos de direitos e obrigações (União, Estados e Municípios)”, estando atrelada a defesa do erário (BARROSO, 2010, p.376).
Paradoxalmente, o interesse público secundário não poderá ter supremacia em face do interesse particular, já que mais das vezes o interesse público primário dos cidadãos se confunde com próprio interesse da coletividade, devendo este prevalecer sobre o interesse público secundário. Sendo assim, se houver colisão entre o interesse público secundário e o interesse particular, caberá ao intérprete proceder à ponderação desses interesses, à vista dos elementos normativos e fáticos relevantes para o caso concreto nas palavras de Luis Roberto Barroso (2010, p.376).
Diante das transformações do papel do estado perante o cidadão com a atuação mais efetiva na concretização dos direitos fundamentais, a ideia de “desconstrução” do princípio da supremacia do interesse público vem ganhando cada vez mais força.
Humberto Ávila (2007, p.28) faz uma crítica ao princípio da supremacia do interesse público, afirmando que o mesmo não pode ser considerado como norma princípio à luz da teoria geral do direito, pois a “sua descrição abstrata não permite uma concretização em princípio gradual”, por esse motivo não admitiria ponderações, como acontece em relação aos princípios propriamente ditos, mas “simples aplicação de regras de prevalência em face dos interesses privados”.
Tal entendimento é fundamentado na própria Constituição brasileira que traz os direitos fundamentais como proteção da esfera individual, incluído nos próprios fins do Estado de atender ao bem comum. Por esse motivo, assevera que nem sempre o interesse público prevalecerá sobre o interesse particular, já que este se encontra protegido constitucionalmente. Humberto Ávila (2007, p.13-14) discorre também sobre a “indeterminação abstrata do conceito de interesse público, já que permite uma fragilidade da segurança jurídica quando da sua interpretação”, além disso, o autor entende que “o interesse público está indissociável do interesse privado”, uma vez que ambos estão consagrados na Constituição Federal e que os elementos privados estariam inclusos nas finalidades do Estado.
Desta forma, os interesses protegidos não estariam em contradição, mas interligados um ao outro, devendo está pautados nos postulados da proporcionalidade e da concordância prática. Por fim, afirma que a atuação do poder público deve está pautada não pela supremacia do interesse público, mas sim pela ponderação e máxima realização dos interesses, observando os bens jurídicos envolvidos, vez que a administração pública deve atuar em defesa e promoção dos direitos fundamentais com respeito à dignidade humana realizando as finalidades públicas estabelecidas na Constituição (ÁVILA, 2007, p. 28-29).
Tomando-se como exemplo o instituto da desapropriação promovida pelo poder público, em atendimento ao interesse público o direito de propriedade do particular é posto em segundo plano, porém, para atender uma finalidade pública de outros direitos fundamentais, como a construção de escolas, de postos de saúde ou ainda para construção de unidades habitacionais com o objetivo de atender a vários interesses privados (OLIVEIRA, 2010, p. 61).
Portanto, o direito fundamental coletivo deverá ser sopesado com o direito fundamental individual de um particular, pautado na ponderação e máxima realização dos interesses, sendo verificado a partir dos bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
Rafael Oliveira (2010, p.110) afirma que seria mais adequado falar em “princípio da finalidade pública” em vez do tradicional “princípio da supremacia do interesse público”, vez que “não existe um interesse público único, estático e abstrato, mas finalidades públicas previstas no ordenamento jurídico, como objetivo a ser alcançado pelo Estado” que representariam a unidade de uma multiplicidade de interesses públicos e que não estão em confronto com interesses privados.
Com efeito, a ideia de supremacia deve ser baseada na ponderação de interesses de acordo com os bens protegidos constitucionalmente, já que o poder público tem por obrigação preservar, e não deve ser interpretada como regra de prevalência, excluindo o interesse privado em contraposição ao interesse público. Isso porque ambos os interesses encontram-se interligados, por serem direitos fundamentais protegidos pela Constituição como um dos fins que Estado deve perseguir e não simplesmente excluir.

4.2 Superação da clássica concepção do princípio da legalidade como vinculação positiva do administrador apenas à lei

Durante muito tempo o princípio da legalidade esteve como baluarte do direito administrativo clássico, traduzido nas lições de Seabra Fagundes em “administrar é aplicar a lei de ofício”, sob tal afirmação deduz-se que o administrador só pode atuar quando o legislador determinar ou autorizar, ou seja, somente pode fazer aquilo que a lei autorizar (apud BINENBOJM, 2007, p.754).
No entanto, com a visão constitucionalista do direito, o princípio da legalidade ganha nova roupagem transmudando-se para princípio da juridicidade ou constitucionalidade, no qual a Constituição deve ser vista com supremacia diante das normas infraconstitucionais (BARROSO, 2010, p.376-377).
Com isso, não se pretende dizer que a administração pública deve se afastar da legalidade, mas deve pautar-se nas normas constitucionais de forma mais direta e ativa, independentemente da manifestação do legislador ordinário. Desta forma, supera-se a ideia restrita de vinculação positiva do administrador à lei, pois o mesmo pode e deve atuar tendo por fundamento direto na Constituição.
O princípio da legalidade não possui caráter absoluto, podendo ceder espaço em determinadas situações concreta, a outro princípio de igual estatura constitucional, mediante um processo de ponderação, devendo convalidar o ato para preservar outros princípios igualmente constitucionais (OLIVEIRA, 2010, p.88). Mesmo porque o administrador para fazer executar a lei passa por um processo de interpretação do direito, ou seja, da própria criação do direito, no qual deve utilizar os novos métodos de interpretação constitucional mencionados.
Nas palavras de Rafael Oliveira (2010, p.89) é certo que o “Estado não pode receber um cheque em branco para atuar independentemente de previsão legal, mas isso não pode servir como obstáculo absoluto para atuação estatal”, quando for necessária para efetivar a Constituição. A lei deve ser um meio para impedir os arbítrios cometidos pelo administrador, porém, esses instrumentos não podem impedir o alcance das finalidades previstas na Constituição. Quando a atividade administrativa for essencial à satisfação dos direitos fundamentais poderá prescindir da lei.
As transformações ocorridas no modelo de Estado Liberal para o Estado Social contribuíram para a superação da legalidade formal, pois não há possibilidade de prever legalmente toda atividade estatal, e por isso a necessidade de uma margem de decisão e discricionariedade a ser deixada pelo legislador ordinário para o administrador. Luís Roberto Barroso (2010, p. 376) demonstra “a necessidade de superação da ideia convencional da legalidade como vinculação positiva do administrador apenas à lei pelo princípio da constitucionalidade ou juridicidade”.
Assim, constata-se uma tendência na utilização de conceitos abertos pelo legislador e na concessão de maior liberdade ao administrador, por outro lado, os mecanismos de controle da administração são intensificados com a observância dos princípios constitucionais.
Sob esses aspectos, verifica-se a consagração do princípio da juridicidade coadunando-se ao novo momento do direito, em que o administrador deve, sobretudo, atuar com fundamento não apenas na legislação ordinária, mas também vinculado diretamente às regras e princípios da Constituição, em defesa dos direitos fundamentais como finalidade a ser perseguida pelo Estado.
Por fim, a constitucionalização do direito administrativo trouxe a submissão do administrador público ao direito, e não apenas à lei formal, através da aplicação de normas, princípios e valores constitucionais, ao que Maurice Hauriou (apud OLIVEIRA, 2010, p.74-75) convencionou a denominar de “bloco legal” ou “bloco de legalidade”, que são as normas, princípios, valores consagrados na Constituição, “inclusive as de origem jurisprudencial impostos à administração pública”.
Assim, a centralização da Constituição em contraposição à lei, reforça o papel da sua força normativa com a observância das regras e princípios nela inseridos, o que implica a utilização de instrumento de ponderação de interesses na atividade administrativa, sendo a finalidade precípua a concretização desses valores. À medida que amplia a atuação estatal com essa concepção de juridicidade, maior também deverá ser o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, para evitar os abusos e ilegalidades.

4.3 A possibilidade de controle judicial do mérito do ato administrativo e sua motivação

Outro ponto que merece destaque quanto à mudança de paradigma diz respeito à possibilidade de controle judicial do mérito administrativo. O controle jurisdicional do ato administrativo limitava-se apenas aos aspectos da legalidade do ato, com a possibilidade de anulação somente quando houvesse o vício na competência, forma ou finalidade, porém, não era possível a anulação do ato administrativo no tocante ao mérito, ou seja, em relação ao motivo e objeto, já que a discricionariedade administrativa era vista como algo intangível.
A ideia de discricionariedade no sentido clássico de que se encontra imune ao controle judicial já perdeu espaço e passa a ser definida como liberdade de atuação dentro dos limites impostos pelo texto constitucional e pela legislação (OLIVEIRA, 2010, p. 77).
Para Juarez de Freitas (2007, p. 08) “toda discricionariedade exercida legitimamente, encontra-se, sob determinados aspectos, vinculadas aos princípios constitucionais”, assim, a alegação de conveniência e oportunidade do ato administrativo deve vir, sobretudo, justificada, sob pena de se tornar arbitrária.
Ao tempo em que ocorre essa intensa fundamentação na teoria dos princípios no âmbito do direito administrativo, reconhece-se a sua normatividade, e por esse motivo permite um controle ampliado e dotado de maior efetividade dos atos administrativos. Isso porque se faz necessária a adequação do ato administrativo com todo ordenamento jurídico vigente, incluindo as regras, princípios e demais atos normativos. Assim, com fundamento na juridicidade, o ato administrativo pode ser invalidado (OLIVEIRA, 2010, p.80-81).
Nesse contexto, é importante destacar que os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência, não são mais suficientes para definir a conveniência e oportunidade, mas, sobretudo o princípio da razoabilidade e proporcionalidade é que permitem o controle da discricionariedade administrativa, utilizando-se do juízo de ponderação (BARROSO, 2010, p.377).
Desta forma, a invalidação de um ato administrativo por violação do princípio da razoabilidade e proporcionalidade, não significa que houve um exame do conteúdo do mérito pelo judiciário, mas verificação do limite imposto pelo direito ao administrador na utilização desse mérito.
Portanto, o controle do ato discricionário pelo judiciário não configura ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes, ou melhor, não configura invasão das funções estatais, vez que esse é o papel do judiciário verificar se os limites impostos pelo ordenamento jurídico foram observados pelo administrador, não havendo a substituição da apreciação discricionária administrativa pela vontade do magistrado que necessariamente deve ser motivada.
Embora haja divergências doutrinárias a respeito da obrigatoriedade ou não da motivação dos atos administrativos a partir da sua distinção entre vinculado ou discricionário, alguns autores sustentam o dever de motivação de todos os atos administrativos, independentemente da sua classificação. Esse fundamento seria decorrente do Estado democrático, já que a motivação é um instrumento para efetivar o controle social do ato pelos legítimos donos do poder: o povo (OLIVEIRA, 2010, p.84).
É certo que a sociedade vem exigindo mais transparência no trato da coisa pública, de forma que o Estado deve demonstrar as razões de fato e de direito que ensejaram a prática do ato, pois além de legitimar a atuação estatal, serve como meio importante de controle judicial e social da decisão administrativa.
Por esses motivos práticos, o princípio da motivação deve estar presente em todas as decisões administrativas, já que encontra respaldo tanto na Constituição Federal com a releitura do seu art. 93, inciso X, extensivo ao âmbito do poder executivo e legislativo, como também legalmente através da previsão do art. 2°, caput, e parágrafo único e inciso VII da Lei Federal n. 9.784/99, (OLIVEIRA, 2010, p.85). Além de ser corolário inafastável do princípio do devido processo legal insculpido no art. 5°, inciso LIV da Constituição Federal.
Com efeito, a motivação se mostra como um instrumento fundamental para efetivar o controle externo do ato, especialmente quando exercido pelo judiciário, pois o administrador deverá proceder de forma razoável e proporcional, tal posição corrobora a legitimidade do procedimento administrativo com a ponderação de interesses e afastando o paradigma da insindicabilidade do mérito do ato administrativo pelo judiciário.
4.4 A releitura da legitimidade democrática da administração

Rafael Oliveira (2010, p.31) acrescenta ainda a esse rol de reformulações trazidas na obra de Luís Roberto Barroso, a releitura da legitimidade democrática da administração com a previsão de instrumentos de participação dos cidadãos na tomada de decisões administrativas.
A ideia de legitimidade do direito administrativo está ligada ao princípio do estado democrático de direito, pois, além de exigir o respeito aos direitos fundamentais, está relacionado com a democratização da atuação administrativa (OLIVEIRA, 2010, p.111).
A administração pública antes vista como inimiga do cidadão, agora passa a atuar como parceira na efetivação dos direitos fundamentais, ocorrendo uma aproximação do estado com a sociedade, evitando o uso da coerção e prestigiando a participação dos administrados nas decisões políticas. Com efeito, democratizar um Estado significa dizer que a sua atuação deve corresponder a vontade do povo.
Neste aspecto, configura-se uma passagem da “administração impositiva” para uma “administração cidadã”, situando a consensualidade administrativa como um aspecto no processo de constitucionalização da administração pública (MOREIRA NETO, 2005, p.11-13).
A legitimação da atuação estatal através da participação popular ganha suporte filosófico através da teoria de democracia deliberativa de Habermas na qual defende a teoria discursiva procedimental em que os cidadãos devem participar do processo de criação do direito, que no âmbito da administração pública corresponde à decisão administrativa, não podendo ser realizado apenas através da força (OLIVEIRA, 2010, p. 114). Para Habermas “são válidas as normas às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar seu assentimento, na qualidade de participantes do discurso racional” (apud OLIVEIRA, 2010, p.115).
Diferente da democracia representativa, onde a decisão pública se resume à vontade da maioria representada no político eleito, como se verifica nos tempos clássicos. Na visão atual, para haver legitimidade é fundamental o processo comunicativo entre o Estado e a população, onde as pessoas diretamente atingidas devem ser ouvidas através de um discurso racional, no qual os próprios participantes institucionalizariam os pressupostos comunicativos e os procedimentos para a formação da vontade política, devendo ser garantida a comunicação dos atingidos e a sua participação (OLIVEIRA, 2010, p.115).
Um exemplo no ordenamento jurídico brasileiro desta participação dos cidadãos atingidos é verificado no Estatuto das Cidades, previsto na Lei Federal n.10.257/2001, no qual há exigência da participação popular das comunidades interessadas no processo de criação da norma de política urbana das cidades, como as audiências públicas, a consulta popular, gestão orçamentária participativa e outros meios utilizados como forma de concretização da democracia e de garantia do controle direto das atividades, através do pleno exercício da cidadania.
A legislação que disciplina as Agências Reguladoras também prevê a participação do cidadão usuário no processo de regulação do setor, para reforçar a legitimação democrática. Além desses, existem outros diplomas legais de direito administrativo vigentes no ordenamento jurídico pátrio que estabelecem a participação democrática dos interessados corroborando a tese defendida por Habermas.
Para Rafael Oliveira (2010, p.113) no âmbito do direito administrativo, a “participação do cidadão na atuação administrativa é uma forma de concretizar o princípio do Estado Democrático de Direito”, conferindo uma legitimidade renovada à administração, o que “não significa abandonar a democracia representativa, mas compensar o déficit democrático do sistema representativo”.
A visão de democracia deliberativa contribui para maior participação do cidadão na atividade estatal e também incentiva o controle social do ato administrativo. Essa releitura da democracia ocorre também em virtude das transformações do papel do Estado, antes visto com o sentido meramente formal de proteger os direitos fundamentais como forma de limitação do poder estatal, agora com o sentido social deve atuar mais positivamente contribuindo para concretização desses direitos.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2005, p.08) afirma que:

É através da participação, como requisito inarredável da democracia material que se satisfaz a condição de legitimidade indispensável aos processos de produção e de aplicação de normas deslegalizadas, uma vez que ocorrida a deslegalização, aquela condição já não mais poderá ser satisfeita pela legitimação representativa, própria da democracia indireta.

Pelo que se observa o direito administrativo passa por significativas mutações geradas pelas modificações da sociedade e do próprio Estado, pois em tempos de globalização, as noções de instituições administrativas precisam se adequar aos anseios sociais modernos, o que não poderia se conceber é uma disciplina do direito administrativo imutável em relação às transformações do Estado e do direito constitucional (MEDAUAR, 2011, p. 15).
Por outro lado, Luís Roberto Barroso (2010, p.06) identifica 03 ordens de limitação de poder do Estado Constitucional: “As limitações materiais” são aquelas em que os “direitos fundamentais deverão ser preservados”, como a dignidade da pessoa humana, a justiça, a solidariedade e os direitos à liberdade de religião, expressão e de associação, surgem como forma de limitar o poder estatal em face dos direitos do cidadão. “As limitações na estrutura orgânica” que corresponde à “separação das funções estatais em legislar, administrar e julgar que deverão ser distribuídos a órgãos distintos e independentes”, mas que haja um controle recíproco (checks and balances). E as “limitações processuais” nas quais “os órgãos do poder devem agir não apenas com fundamento na lei, mas também observando o devido processo legal”, que “congrega regras tanto de caráter procedimental (contraditório, ampla defesa, inviolabilidade de domicílio, vedação de provas obtidas por meio ilícito) como de natureza substantiva (racionalidade, razoabilidade-proporcionalidade, intelegibilidade)” e por fim “os mecanismos de controle de constitucionalidade das leis e dos atos do poder público como se verifica em alguns países ocidentais”.
Esses limites processuais na atividade estatal no âmbito do direito administrativo podem ser caracterizados pelos princípios processuais constitucionais, pois estão submetidos ao regime do devido processo legal, e desempenham um papel essencial na garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.

5 OS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO ADMINISTRATIVO

Na disciplina de direito administrativo existem princípios próprios do seu regime jurídico que decorrem da Constituição Federal de forma explícita ou implicitamente, e princípios processuais que também são aplicados na esfera administrativa. Porém, antes de adentrar no assunto propriamente dito, é importante trazer a discussão doutrinária a respeito da distinção entre processo e procedimento e entre processo judicial e administrativo, para identificar a ligação existente entre os princípios processuais no âmbito administrativo.

5.1 Processo X Procedimento

A doutrina processualista e administrativista discutiram durante muitos anos, sobre a possibilidade de utilização ou não do termo “processo” no âmbito do direito administrativo, já que para a corrente processualista tradicional a denominação de processo está intimamente ligada à função jurisdicional, exercida exclusivamente pelo poder judiciário.
Com a aproximação do Estado com o cidadão, característica que surgiu com a constitucionalização do direito, houve uma verdadeira mudança de paradigma, e a necessidade preeminente do cidadão participar da decisão administrativa final, e isso somente é possível com a oportunização do interessado se manifestar no processo.
Carlos Roberto Siqueira Castro (2006, p. 335) afirma que a garantia do devido processo legal tem sido o meio para realizar esta aproximação do Poder Público com os indivíduos, que tem por “finalidade constitucionalizar as incontáveis relações administrativas, adequando-as ao constitucionalismo, e impondo-lhes subserviência aos direitos fundamentais inscritos na lei maior”.
Para Nelson Nery Junior (2010, p. 214) é necessária a distinção entre processo e procedimento administrativo, já que o processo é um meio pelo qual se exercita o direito de ação e o procedimento é a forma pela qual se desenvolve os atos em geral, incluídos os atos processuais.
[...] O direito de ação no âmbito administrativo é o poder dever de a administração: a) impor penalidade ou sanção (processo administrativo sancionador) a servidor público ou administrado ou terceiro (pessoa física ou jurídica); ou b) criar direitos ou obrigações para o administrado (processo administrativo constitutivo), com a participação do interessado e/ou terceiro. A emissão de simples ato administrativo (unilateral) não constitui, em princípio e per si, o processo administrativo (NERY JUNIOR, 2010, p. 214).

No âmbito da administração pública, o processo em sentido amplo corresponde ao conjunto de atividades da administração ordenadamente que prepara a edição do ato administrativo, em sentido restrito que é o processo administrativo em si, sendo um conjunto de atos praticados na esfera administrativa quer apenas pela administração, quer pela administração e pelos administrados até a decisão final da autoridade competente, e o procedimento que é a forma como deverão ser praticados os atos administrativos (NERY JUNIOR, 2010, p.215).
Segundo Nelson Nery Junior (2010, p.221) “somente existe processo quando há conflito de interesses caracterizado pela pretensão resistida”, porque “sem lide não há processo”. Por isso que há processo administrativo quando o poder público instaura expediente para aplicar sanção, para criar direitos ou obrigação aos administrados ou a terceiro, se não o for haverá procedimento administrativo, como o caso de autorização de uso de bem público ou licença para funcionamento.
Por outro lado, os doutrinadores administrativistas, a exemplo de Odete Medauar (2008, p.43-44), fazem a distinção entre processo e procedimento administrativo, utilizando diversos critérios como a lide, a controvérsia, a complexidade, a função, o gênero e espécie, o interesse do destinatário, a finalidade, o critério concreto e abstrato, a colaboração do interessado, o contraditório e conclui afirmando que o “procedimento consiste na sucessão necessária de atos encadeados entre si que antecede e prepara um ato final”, já o processo é uma espécie de procedimento que tem seu rito instituído legalmente, com a “cooperação de sujeitos, sob o prisma do contraditório”.
Ademais, observa-se que o processo também se desenvolve no âmbito da administração pública, a despeito da resistência da utilização do termo “processo” e a difusão do uso da terminologia “procedimento”, Odete Medauar (2008, p.44) argumenta:
A despeito do difundido uso do termo procedimento no âmbito da atividade administrativa, mais adequada se mostra a expressão processo administrativo. A resistência ao uso do vocábulo processo no campo da administração pública, é explicada pelo receio de confusão com o processo jurisdicional, deixa de ter consistência no momento em que se acolhe a processualidade ampla, isto é, a processualidade associada ao exercício de qualquer poder estatal. Em decorrência, há processo jurisdicional, processo legislativo, processo administrativo; ou seja, o processo recebe a adjetivação provinda do poder ou da função de que é instrumento. A adjetivação, dessa forma, permite especificar a que âmbito de atividade estatal se refere a determinado processo.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as dúvidas quanto à utilização da terminologia no direito administrativo foram sanadas, vez que o poder constituinte fez constar no texto constitucional a expressão “processo administrativo”, significando o reconhecimento do referido termo no âmbito da atividade administrativa, e podem ser observados no art. 5º, inciso LV, LXXII, LXXVIII, art. 37, inciso XXI, art. 41, §1º, que também é utilizado por diversas legislações infraconstitucionais (MEDAUAR, 2008, p. 45).
O grande problema na utilização do termo “processo” no direito administrativo se encontra nos países em que adotam o sistema de jurisdição dupla, no qual há uma jurisdição especializada para apreciar o contencioso administrativo, sendo melhor a utilização das expressões “processo jurisdicional administrativo” ou “processo da jurisdição administrativa”, para especificar a jurisdição administrativa (MEDAUAR, 2008, p. 47).
Logo, não se confunde o contencioso administrativo que se desenvolve em justiça especializada autônoma para apreciar litígios em que a administração é parte, que tem as mesmas garantias de independência da jurisdição comum, com o processo administrativo que se desenvolve na esfera da administração pública.
Diante dessas divergências apresentadas, faz-se necessário traçar as distinções entre processo administrativo e judicial para demonstrar que não há confusão na sua aplicabilidade, pois o instrumento do processo está relacionado ao exercício do poder estatal através da função legislativa, executiva ou judiciária, como direito fundamental do cidadão ao procedimento. Com isso, caracteriza-se a ideia do núcleo comum da processualidade.

5.2 Processo Administrativo X Processo Judicial

Seguindo a linha de raciocínio, é importante também destacar as diferenças entre processo judicial e administrativo, verificando que o processo judicial se desenvolve no âmbito do poder judiciário, que tem como função precípua a jurisdição, com competência para dizer o direito em última palavra, através da imutabilidade do ato jurisdicional, ou seja, da coisa julgada.
Diferentemente do processo administrativo na qual a decisão final, considerada ato administrativo, é mutável, pois não existe no Brasil a coisa julgada administrativa, sendo garantia constitucional de que não se excluirá da apreciação do poder judiciário qualquer lesão ou ameaça ao direito.
Além disso, a função jurisdicional possui um caráter substitutivo, ou seja, a decisão do juiz substitui a vontade das partes, para dizer qual delas possui o direito. Já na função administrativa, a administração se confronta com o cidadão, com o servidor ou com o contratado, ou ainda com outro órgão público, havendo dois sujeitos, através da qual atende ao interesse da coletividade, mas não possui esse caráter substitutivo (MEDAUAR, 2008, p.58).
Odete Medauar (2008, p. 57-58) traça as principais diferenças entre o processo judicial e o administrativo:
[...] salientam-se algumas notas diferenciadoras. Assim, em primeiro lugar, a função administrativa não visa precipuamente à atuação da lei, embora, como já se observou, deva nortear-se pelo princípio da legalidade. Em segundo lugar, inexiste na função administrativa o caráter de substitutividade em relação a dois sujeitos em disputa: havendo situação de controvérsia em seu âmbito, a própria administração toma a decisão que vai solucioná-la. E quanto aos efeitos de seus atos, falta-lha imutabilidade decorrente da coisa julgada; de regra, podem ser revistos por outros atos administrativos ou por atos jurisdicionais.

Com a ampliação da atividade estatal, surge a necessidade de maior observância dos aspectos procedimentais para garantir o controle dos atos administrativos. Por esse motivo que atualmente, a processualidade representa uma mudança de enfoque no direito administrativo: a passagem do primado da autoridade para o primado do consenso (MEDAUAR, 2008, p. 76-77).
Além disso, o processo administrativo representa um meio para que sejam preservados os direitos fundamentais dos cidadãos na atuação administrativa, isso porque com a ampla processualidade, o administrador se obriga a observar parâmetros determinados na lei, bem como nos princípios constitucionais.
Sob esse aspecto processualista, a democracia não significa apenas a existência de governantes eleitos pelo voto popular, mas qualquer forma de participação dos cidadãos no processo decisório, configurando mais uma vez a aproximação do Estado com o cidadão, acompanhado pelas modificações de concepção de administração pública impositiva e passando a observar uma consensualidade administrativa.
6 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA APLICÁVEIS AO PROCESSO ADMINISTRATIVO

O direito administrativo é uma disciplina que possui normas e princípios próprios que o fundamentam, inclusive descritos na própria Constituição Federal de 1988, logo, os princípios constitucionais da administração pública também deverão ser utilizados no processo administrativo quando da atividade administrativa (HARGER, 2008, p. 78).
Esses princípios são aqueles decorrentes do “regime jurídico administrativo” que “é o conjunto de regras e princípios a que deve subsumir a atividade da administração no atingimento dos seus fins” nas palavras de Marcelo Harger (2008, p. 81) e são os seguintes:
a) O Princípio da Legalidade é aquele em que a atividade administrativa está vinculada à lei, porém, “mesmo que exista parcela de discricionariedade em alguma fase do processo administrativo, o conhecimento dos mecanismos decisionais e dos fatos da situação inerente à processualidade”, permitem a prévia ciência do rito inerente à processualidade administrativa pelo cidadão, que deve ser “direcionada as finalidades de atuação” que estão previstas legalmente (MEDAUAR, 2008, p.92).
b) O Princípio da Impessoalidade ou Imparcialidade é aquele em que o servidor deve atuar em nome do órgão, não para atender a interesses subjetivos pessoais, de preferências, favoritismo, antipatias ou perseguições. Busca-se atender o sentido da função estatal, posto que a finalidade do processo administrativo é alcançar o interesse da coletividade (MEDAUAR, 2008, p.93).
c) O Princípio da Moralidade está associado ao sentido de boa-fé, lealdade, significa um “conjunto de regras de boa administração”, sendo um “comportamento da administração que a sociedade deseja e espera” (HARGER, 2008, p.121). No âmbito processual, pode ser identificado pela lealdade entre os sujeitos no processo administrativo.
d) O Princípio da Publicidade se encontra presente quando estabelece a ampla publicidade dos atos administrativos, ou seja, deve dar conhecimento dos atos estatais, atualmente pode ser observado através da nova tendência denominada de transparência pública, já que a publicidade serve para auxiliar no controle dos atos do poder público. Processualmente, ocorre no sentido de dar conhecimento dos atos às partes interessadas no processo, contribuindo para ciência e participação dos administrados no processo decisório da administração pública (HARGER, 2008, p.119).
e) O Princípio da Eficiência, introduzido pela EC19/98, visa a garantir um resultado de modo rápido com o menor custo possível atendendo à finalidade pública, representado processualmente como direito fundamental do cidadão a ter duração razoável do processo nos termos do art. 5°, inciso LXXVIII da Constituição Federal (HARGER, 2008, p.128).
f) Os Princípios da Finalidade, Razoabilidade e Proporcionalidade, todos previstos no art. 2º da Lei 9.784/99. O princípio da razoabilidade e proporcionalidade, apesar de alguns doutrinadores traçarem diferenças, de uma forma geral, significa “a adequação entre os meios aos fins”, sendo vedada a imposição de “obrigações, restrições e sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público, segundo critério razoável” (MEDAUAR, 2010, p.138). Toma-se como exemplo no processo administrativo disciplinar e punitivo, a aplicação da sanção deve ser realizada observando esses critérios de proporcionalidade e razoabilidade, através do juízo de ponderação, agora também conferido ao Poder Executivo, sob pena de ser considerada arbitrária por exceder o limite legal.
A aplicação desses princípios da administração pública, também serve como garantia e efetivação dos direitos fundamentais, pois, como função administrativa deverá ser observada a através da ampla processualidade.

7 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS APLICADOS AO PROCESSO ADMINISTRATIVO

A Carta Constitucional de 1988 elenca diversos princípios processuais, como meios ou garantias para alcançar a efetividade dos direitos fundamentais, que estão inseridos nos textos constitucionais sob a forma de garantia dos direitos fundamentais.
Segundo o art. 5º, inciso LV da Constituição Federal encontra-se expressamente assegurado aos litigantes em processo judicial ou administrativo o contraditório e a ampla defesa. Assim, alguns princípios constitucionais somente serão aplicáveis a determinadas espécies de processo administrativo.
Com efeito, a Constituição ao inserir dispositivos sobre processo administrativo, está readequando-se às mudanças de paradigmas da constitucionalização do direito, verificando-se “uma verdadeira processualização da atividade administrativa”, também denominada de “jurisdicionalização do processo” (MEDAUAR, 2008, p.77). Caracterizando o processo administrativo como meio pelo qual a administração pública concretiza princípios e normas constitucionais.
Além dos princípios da administração pública, existem aqueles que integram o núcleo comum da teoria geral do processo, e por esse motivo são também aplicáveis ao processo administrativo são eles: devido processo legal, contraditório, ampla defesa, juiz natural e da duração razoável do processo, bem como os seus desdobramentos trazidos pela doutrina, jurisprudência e lei (MEDAUAR, 2008, p.101).
É certo que a depender do tipo de processo administrativo serão observados determinados princípios processuais, assim como ocorre com o processo civil e o penal, portanto, a depender da tipologia do processo administrativo, se há conflito ou não, se aplica sanção ou não, se geram direitos ou obrigações, com suas devidas adaptações serão enquadrados na categoria de princípios processuais aplicáveis ao processo administrativo.
Ademais, não há dúvidas quanto à aplicabilidade desses princípios no âmbito da função administrativa, e especialmente do processo administrativo em que haja conflito de interesse, lide ou que de alguma forma possam criar ou extinguir direitos, pois são instrumentos de proteção dos direitos fundamentais do cidadão.
O Princípio do Devido Processo Legal – encontra-se previsto no art. 5°, inciso LIV da Constituição Federal e dispõe que “ninguém será privado da sua liberdade nem dos seus bens, sem o devido processo legal”. Inicialmente este princípio se restringia ao direito processual penal como forma de garantir a defesa do acusado, posteriormente “estendeu-se ao processo civil” e significa um “conjunto de garantias constitucionais que asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais” (MEDAUAR, 2008, p.84) e recentemente passou a ser aplicado no processo administrativo. Não deixando a Constituição Federal qualquer dúvida a respeito do assunto, quando trouxe expressamente no art. 5°, inciso LV, que é aplicável ao processo administrativo.
Deste princípio que está intimamente ligado ao contraditório e a ampla defesa, há outros desdobramentos, e corresponde ao conjunto de garantias que tem as partes na relação jurídica processual, assegurando a igualdade entre os sujeitos, o contraditório, a ampla defesa, a motivação, de forma conferir o exercício das faculdades e poderes processuais como ocorre no exercício da jurisdição.
No âmbito do processo administrativo Ada Pellegrine Grinover (1990 apud MEDAUAR, 2008, p.85) denomina de “devido processo legal administrativo”, que “não se restringe somente às situações de possibilidade de privação de liberdade e de bens, mas abrange às hipóteses de controvérsias, conflito de interesses e de existência de acusados” que de alguma forma poderão sofrer prejuízo, como a perda do cargo, aplicação de sanções etc. Assim, a atividade do poder público deverá ser realizada mediante processo administrativo em que se garanta aos sujeitos o direito de apresentar defesa, provas, contrapor argumentos, de forma a influir na formação da decisão administrativa final.
O Princípio do Contraditório, disposto no art. 5° inciso LV da Constituição Federal dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerente”.
Diante desta normatividade, a Constituição prevê que os atos administrativos se constituam mediante uma relação jurídica processual, ou seja, mediante um processo, no qual existam direitos, faculdades e ônus tanto para a administração como para os administrados, como forma de concretização dos direitos fundamentais. Na realidade, configurando-se uma garantia, porque é um meio ou instrumento de preservar os direitos do cidadão na atividade administrativa.
Portanto, as normas de processo também se encontram presente na esfera administrativa e significa uma relação existente entre a administração pública de um lado e o particular ou servidor ou pessoa jurídica do outro, onde há “faculdade dos sujeitos de manifestar o ponto de vista ou os argumentos ante aos fatos e documentos” constantes no processo administrativo, através do qual propicia a ciência de todo andamento do processo (MEDAUAR, 2008, p.101). Exemplo dos candidatos no concurso público, os licitantes nos processos licitatórios, os contribuintes nos processos administrativos fiscais e os indiciados no processo administrativo disciplinar.
O Princípio da Ampla Defesa significa a garantia da participação ativa dos sujeitos processuais de apresentar a defesa sobre os atos e termos do processo administrativo. Dando o direito ao sujeito do processo de ser notificado sobre o início do processo e de ser cientificado com antecedência das medidas ou atos referente à produção das provas, para que exerça seu direito fundamental do contraditório e da ampla defesa, rebatendo as acusações, apresentando a defesa prévia, argumentando em face de documentos, interpondo recursos administrativos, sob o preceito de que ninguém pode ser condenado sem ser ouvido (MEDAUAR, 2008, p.119). Deste princípio decorre o direito do acusado de ser ouvido em audiência.
No tocante ao direito de apresentação da defesa técnica existe uma grande controvérsia, pois a ampla defesa pela legislação ordinária poderá ser realizada tanto através da autodefesa que é aquela feita pela própria parte interessada como através da defesa técnica realizada por representante legal do acusado, o advogado.
Entretanto, a doutrina constitucional vem afirmando que o direito de defesa não se resume a simples direito de manifestação no processo, mas pretende assegurar a tutela jurídica que corresponda à garantia do art. 5º, inciso LV da Constituição, contendo os seguintes direitos: “direito à informação, direito de manifestação e direito de ver seus argumentos considerados”, como expressa Sebastião Lessa (2008, p. 111).
Para tanto, faz-se necessário profissional habilitado para realizar a defesa técnica capaz de convencer o julgador, pois, somente o técnico possui conhecimentos jurídicos para a concretização dos meios e dos recursos garantidores do contraditório e à ampla defesa.
Sebastião Lessa (2008, p.108) discorre com propriedade afirmando que muito embora “não haja previsão legal da obrigatoriedade de defensor do acusado, através de advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil para participação em todo o processo administrativo”, não se pode vislumbrar a “formação de uma relação jurídica válida sem a presença da defesa técnica, vez que prejudica a igualdade entre as partes”.
Entretanto, é cediço que o conhecimento especializado do advogado auxilia a tomada de decisão fundamentada na legalidade e na justiça, pois garante equilíbrio e isonomia entre os sujeitos do processo administrativo.
O Princípio do Juiz Natural está previsto na Constituição Federal nos incisos XXXVII e LIII do art. 5°, o qual assegura ao indivíduo que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” e que “não haverá juízo nem tribunal de exceção”.
Essa norma da teoria geral do processo se identifica com a impessoalidade administrativa, através da mesma o servidor deve atuar em nome do órgão para atender o interesse coletivo, e não a interesses subjetivos pessoais, de preferências, favoritismo, antipatias ou perseguições, estando relacionada com a competência atribuída legalmente a autoridade, no cumprimento da função administrativa.
O Princípio da Igualdade no processo administrativo está relacionado à igualdade de oportunidades na produção de provas, na apresentação dos argumentos, proporcionando o poder público oportunidades para que os interessados se manifestem no processo de forma igualitária.
O Princípio da Motivação pode ser observado na exigência de que todo ato administrativo deve ser justificado, com as razões de fato e de direito que o fundamentaram, apenas os processos de mero expediente não precisão ser motivados, para o exercício do controle do ato administrativo, fundamentado no art. 93, inciso X da Constituição Federal;
O Princípio da Duração Razoável do Processo disposto no inciso LXXVIII da Constituição Federal traz que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Mais uma vez a denominação de processo administrativo encontra-se previsto na Constituição, pois foi introduzido através da EC 45/2004 com o intuito de dar mais celeridade, em virtude da morosidade no andamento dos processos tanto judicial como administrativo.
Traçando essas premissas nucleares, percebe-se que a ampla processualidade encontra-se de maneira intensa na atividade administrativa, porém, não se pretende com este artigo trazer um rol taxativo com todos os princípios processuais, mas demonstrar de uma maneira geral que existe um núcleo comum da teoria geral do processo no âmbito do direito administrativo, tendo em vista o reconhecimento da existência de processo, sob este aspecto, com todas as garantias e direitos previstos legalmente.

8 CONCLUSÃO

A constitucionalização do direito administrativo, decorrente das transformações de ordem histórica, filosófica e teórica, vem contribuindo de maneira essencial na atividade administrativa, perdendo cada vez mais espaço a visão puramente formal, legalista e o caráter impositivo do poder público, em contraposição cresce a aplicação da juridicidade e o aspecto da consensualidade administrativa, possibilitando a maior participação dos interessados na decisão final e conferindo maior legitimidade ao processo.
A incorporação do sentido principiológico e as novas formas interpretação constitucional, tendo a Constituição Federal como o centro do ordenamento jurídico, tem por finalidade garantir a efetividade e a concretização dos direitos fundamentais.
Os novos paradigmas advindos com a Constitucionalização do Direito Administrativo podem ser identificados em 04 linhas de ideias: 1 - Pela redefinição da supremacia do interesse público sobre o privado e a ascensão do princípio da ponderação de direitos fundamentais; 2 - Pela superação da clássica concepção do princípio da legalidade como vinculação positiva do administrador apenas à lei; 3 - Pela possibilidade de controle judicial do mérito do ato administrativo e sua motivação e; 4 - Pela releitura da legitimidade democrática da administração.
A ampla processualidade administrativa também se insere nessas modificações sofridas no âmbito do direito, vez que a garantia de um processo administrativo com todos os direitos de defesa e recursos próprios previstos legalmente são considerados instrumentos de garantia dos direitos fundamentais, verificado principalmente em decorrência da nova ótica de legitimidade democrática, com maior participação do cidadão nos processos decisórios da administração pública.
Assim, o processo administrativo amparado nos princípios processuais constitucionais, qual seja o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e seus desdobramentos, é um meio de concretização desses direitos fundamentais e serve não apenas de limitação em face de abusos cometidos pelo poder estatal, mas também, deve implementar e atuar decisivamente a promover essas garantias.
Neste cenário, a constitucionalização do direito administrativo torna-se peça essencial ao administrador, hoje também visto como operador jurídico, pois a partir da releitura dos diversos institutos deste ramo do direito com fundamento na interpretação constitucional, tem como finalidade pública garantir a efetividade e concretização dos direitos fundamentais, contribuindo para manutenção do Estado Democrático de Direito.

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