A contratação direta de jurados para composição de comissões avaliadoras de políticas públicas: aspectos jurídicos da aplicação do art. 25, II c/c art. 13, II da Lei nº 8.666/93


PorJeison- Postado em 18 fevereiro 2013

Autores: 
FERREIRA, Fernanda Mesquita.

 

1. Introdução

 

            Em diversas situações, a Administração Pública se vê compelida a contratar especialistas para compor comissões julgadoras de prêmios ou bolsas para a execução de determinada política pública. Tal iniciativa pode ser vista com certa frequência em instituições federais ligadas à área da cultura, como é o caso da Fundação Biblioteca Nacional, da FUNARTE, do IPHAN, dentre outros.

 

            Considerando-se a especificidade do serviço, qual seja, a de avaliação de trabalhos e currículos de candidatos em matérias técnicas, a Administração Pública, em geral, não detém nos seus quadros funcionais profissionais com expertise necessária para tal mister. Outras vezes, existem tais profissionais, mas em quantidade insuficiente, ou ainda, a própria Administração entende que profissionais externos ao órgão acrescentarão maior legitimidade no julgamento dos candidatos.

 

            Face à tal necessidade, mostra-se juridicamente viável a contratação direta desses especialistas com fulcro no art. 25, II c/c art. 13, II da Lei nº 8.666/93. No entanto, por se tratar de uma exceção à regra constitucional da licitação (art. 37, XXI, CF), e ainda diante da provável existência de uma variedade de profissionais no mercado com condições de atender à demanda da Administração, deve-se analisar com cautela o preenchimento dos requisitos legais para a promoção de uma contratação segura. 

 

2.     Do fundamento legal da contratação e seus requisitos

 

            Pois bem, a contratação de profissionais especializados em determinada área de conhecimento para atuação como jurado em comissões avaliadoras de programas públicos estará, a princípio, amparada na inexigibilidade de licitação prevista no art. 25, II c/c art. 13, II da Lei 8.666/93, considerando a própria textualidade de tais dispositivos, a saber:

 

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

 

(...)

 

II – para contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

 

(...)

 

Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:

 

II – pareceres, perícias e avaliações em geral;

 

            Como veremos mais adiante o serviço técnico pode localizar-se não apenas na área tecnológica, como também na biológica ou na humana, e ainda não necessariamente ficará adstrito ao conhecimento teórico, podendo pressupor a execução do projeto em si[1], quando tal objeto se mostrar essencial para o atendimento da necessidade da Administração Pública.

 

            Já se podem inferir, então, os requisitos cuja presença entremostra-se indispensável à contratação com fulcro no dispositivo em referência, a saber: serviço técnico profissional especializado; objeto singular da contratação e notória especialização do profissional a ser contratado. Além do que, face ao proibitivo legal constante da parte final do enunciado legal citado, é indispensável que a contratação almejada não possa ser reconduzida à categoria de serviços de publicidade e divulgação, o que, de resto, não é o caso em estudo.

 

            Todavia, antes de debruçar-nos sobre tais pressupostos, é relevante operar menção a dois dispositivos constantes da Lei nº 12.708/2012 (LDO de 2013), por guardarem certa nota de prejudicialidade em relação à contratação em tela. Eis o teor de tais previsões (grifos nossos):

 

Art. 18. Não poderão ser destinados recursos para atender a despesas com:  

 

VIII - pagamento, a qualquer título, a agente público da ativa por serviços prestados, inclusive consultoria, assistência técnica ou assemelhados, à conta de quaisquer fontes de recursos;

 

§ 2o A contratação de serviços de consultoria, inclusive aquela realizada no âmbito de acordos de cooperação técnica com organismos e entidades internacionais, somente será autorizada para execução de atividades que, comprovadamente, não possam ser desempenhadas por servidores ou empregados da administração pública federal, no âmbito do respectivo órgão ou entidade, publicando-se no Diário Oficial da União, além do extrato do contrato, a justificativa e a autorização da contratação, na qual constarão, necessariamente, a identificação do responsável pela execução do contrato, a descrição completa do objeto do contrato, o quantitativo médio de consultores, o custo total e a especificação dos serviços e o prazo de conclusão.

 

§ 3o A restrição prevista no inciso VIII do caput não se aplica ao servidor que se encontre em licença sem remuneração para tratar de interesse particular.

 

            Desta forma, cumprirá ao órgão público atestar que a contratação pretendida não pode ser executada a contento por servidores dos seus próprios quadros funcionais, e ainda que a contratação não contará com a participação de agente público da ativa, exceto em caso de licença sem remuneração para tratar de interesse particular, de modo a afastar a questão prejudicial mencionada.

 

            Ultrapassado este ponto, passamos a examinar os demais pressupostos legais para a regular contratação de jurados para compor comissões avaliadoras de programas públicos.

 

            Quanto a este particular, pedimos vênia para trazer à baila as lições abalizadas do renomado autor Marçal Justen Filho[2]:

 

(...) os serviços técnicos albergados no inc. II (do art. 25 da Lei nº 8.666/93) refletem atuação pessoal de um ser humano, com cunho de transformação do conhecimento teórico-geral ou da inventividade em solução prática-concreta.

 

A necessidade experimentada pela Administração Pública, que motiva a contratação administrativa do particular, poderá demandar a aplicação de instrumentos e equipamentos – mas não poderá ser satisfeita senão através de utilização fundamental da capacidade humana de transformar conhecimento teórico em solução prática. A natureza da prestação produzida nos serviços técnico profissionais especializados reflete a habilidade subjetiva de produzir a transformação de conhecimento teórico em solução prática.         

 

Isto significa que cada prestação traduzirá um elemento subjetivo, decorrente da função de “intermediação” (entre conhecimento teórico e solução prática) desenvolvida pelo prestador de serviço. Cada prestador do serviço desenvolverá atuação peculiar, inconfundível, reflexo de sua criatividade – criatividade essa que é precisamente o que a Administração busca.

 

A contratação de serviços, nos casos do inc. II do art. 25, visa obter não apenas uma utilidade material. É evidente que interessa à Administração a produção de um certo resultado, mas a contratação também é norteada pela concepção de que esse resultado somente poderá ser alcançado se for possível contar com uma capacidade intelectiva extraordinária.       

 

            Por sua vez, Hely Lopes de Meirelles[3] assenta, a respeito, que serviço técnico profissional especializado é aquele que “exige, além da habilitação profissional pertinente, conhecimentos mais avançados na técnica de sua execução, operação ou manutenção. Esses conhecimentos podem ser científicos ou tecnológicos, vale dizer, de ciência pura ou de ciência aplicada ao desenvolvimento das atividades humanas e às exigências do processo social e econômico em todos os seus aspectos”.

 

            Sobre a abrangência do serviço técnico profissional especializado previsto no inciso II do art. 13 da Lei nº 8.666/93, vale destacar outro trecho do ilustre Professor Marçal Justen Filho[4]:

 

A propósito dos incs. II e III, valem as observações deduzidas sobre o inciso anterior. Tal como lá, o dispositivo deve ser interpretado extensivamente: as expressões vocabulares são utilizadas para cobrir todas as possíveis situações dentro de determinadas órbitas de atividade.

 

Assim, o inc. II alcança atividades das mais diversas naturezas, que têm em comum um objeto singular, consistente no diagnóstico e documentação de uma situação passada, presente ou futura de bens e pessoas. Tanto podem ser questões de engenharia, como econômicas, como contábeis, como (até mesmo) a reconstrução histórica de fatos passados relevantes para o desempenho das funções atribuídas ao Estado. Em todos os casos, o serviço visa a instrumentalizar as decisões da Administração, ministrando-lhe subsídios de natureza técnica acerca das circunstâncias relevantes para uma decisão.

 

            Assim, eventual contratação com fulcro no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 só se configura legitimada, como visto, se e quando a resolução da necessidade experimentada pela Administração puder ser satisfeita apenas mediante a utilização fundamental da capacidade humana de transformar conhecimento teórico em solução prática. Em suma: é fundamental que o objetivo colimado pela Administração tão-somente possa ser alcançado se for possível contar com uma capacidade intelectiva extraordinária.

 

            Parece-me que a hipótese aventada encaixa-se nessa situação, considerando-se  a complexidade que reveste a avaliação de projetos que concretizarão políticas públicas do Governo, a demandar profissional qualificado, vale dizer, com capacidade intelectiva invulgar, com vistas a conduzir tal processo.

 

            Continuando, é necessário, ainda conforme, explanado, que o serviço denote singularidade.

 

            No concernente ao alcance do conceito de serviços de natureza singular, cumpre pontuar aprioristicamente que a natureza singular do objeto não está a significar ausência de pluralidade de sujeitos em condições de desempenhar o objeto (JUSTEN FILHO, ob. Cit., p. 368). Carência de pluralidade é hipótese de incidência do inc. I. Singular é a natureza do serviço, não como poder-se-ia supor, o universo de pessoas capacitadas a executá-lo.

 

            Dito isto, vejamos o conceito da expressão “natureza singular” na concepção de JUSTEN FILHO[5]:

 

a fórmula “natureza singular” destina-se a evitar a generalização da contratação direta para todos os casos enquadráveis no art. 13 (ou dele extraíveis). É imperioso verificar se a atividade necessária à satisfação do interesse público é complexa ou simples, se pode ser reputada como atuação padrão e comum ou não. A natureza singular se caracteriza como uma situação anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por todo e qualquer profissional ‘especializado’. Envolve os casos que demandam mais do que a simples especialização, pois apresentam complexidades que impedem a obtenção de solução satisfatória a partir da contratação de qualquer profissional (ainda que especializado).

 

(...)

 

Ou seja, a natureza singular resulta da conjugação de dois elementos, entre si relacionados. Um deles é a excepcionalidade da necessidade a ser satisfeita. O outro é a ausência de viabilidade de seu atendimento por parte de um profissional especializado padrão. Portanto, a viabilidade de competição não pode ser avaliada apenas em face da necessidade estatal, mas também depende da verificação do mercado. É perfeitamente imaginável que uma necessidade estatal excepcional e anômala possa ser atendida sem maior dificuldade por qualquer profissional qualificado.

 

            Em síntese, além da tecnicidade, profissionalidade e especialização (já vistos), exige também a lei que o serviço ostente viés singular. E, para tanto, imperioso reconhecer, de um lado, que o objeto em discussão é diverso daquele usualmente executado pela própria Administração e, de outro, que um profissional qualquer de qualificação média não resolve o que é proposto pela Administração.

 

            Por fim, necessária, para fins de enquadramento no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, a notória especialização do profissional a ser contratado.

 

            Pertinente realçar que a notória especialização não é verificada como requisito para apuração da realização da licitação, mas para identificação das condições subjetivas do profissional a ser contratado (JUSTEN FILHO, ob.cit., p. 370)

 

            Observe-se que tal requisito é decorrência lógica da complexidade do objeto a ser contratado. Isto porque tal complexidade está a exigir impreterivelmente que somente pessoas de alta qualificação sejam escolhidas pela Administração. Em vista disso, e com o fito de evitar a contratação de pessoas não qualificadas, enuncia a lei dois requisitos para implementação da contratação: a especialização e a notoriedade.

 

            No que tange especificamente à especialização, cumpre ao administrador verificar, mediante a análise do Curriculum Vitae do profissional, se foi preenchido este requisito, tanto por sua trajetória profissional, como pela experiência que enverga na área de conhecimento em que a contratação está inserida.

 

            Por sua vez, a notoriedade está a significar o reconhecimento da qualificação do sujeito por parte da comunidade. De consignar-se que não se exige, na espécie, conforme JUSTEN FILHO, notoriedade no tocante ao público em geral, mas que o conjunto dos profissionais de um certo setor reconheça no contratado um sujeito dotado de requisitos de especialização.

 

            Enfim, ante tudo o que foi exposto neste tópico, infere-se que, desde que a Administração adote as cautelas acima expostas, restarão observados os requisitos que franqueiam o manejo do art. 25, II c/c art. 13, II da Lei nº 8.666/93, razão pela qual não se vê empecilhos para que a contratação mencionada radique nesses dispositivos.

 

3.    Da justificativa do preço

 

            Outro requisito legal para a contratação direta de jurados por notória especialidade é a demonstração da compatibilidade do preço ofertado com o praticado por profissionais de semelhante nível ao mercado em geral,para o que o administrador poderá valer-se de meios idôneos para essa averiguação, como por exemplo, contratos firmados pelo próprio consultor com terceiros, ou outros contratos da Administração Pública com serviços semelhantes, ou ainda qualquer outro documento idôneo.

 

            Nesse particular, é oportuno trazer à colação o entendimento da Advocacia-Geral da União sobre o tema, cristalizado na Orientação Normativa nº 17, de 1º de abril de 2009, que estabelece:

 

“É OBRIGATÓRIA A JUSTIFICATIVA DE PREÇO NA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO, QUE DEVERÁ SER REALIZADA MEDIANTE A COMPARAÇÃO DA PROPOSTA APRESENTADA COM PREÇOS PRATICADOS PELA FUTURA CONTRATADA JUNTO A OUTROS ÓRGÃOS PÚBLICOS OU PESSOAS PRIVADAS.”

 

4.    Da previsão orçamentária e financeira       

 

            Por fim, cabe registrar que a Administração deverá assegurar-se da efetiva existência de recursos orçamentários suficientes para fazer frente às despesas advindas da pretendida contratação.

 

            No que concerne à previsão orçamentária e financeira para cobertura da despesa, na forma do art. 16 da LC 101/2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, os autos do processo administrativo devem ser instruídos com manifestação da área de orçamento e finanças, demonstrando que os recursos serão aplicados em consonância com a Lei Orçamentária, indicando, inclusive, a programação orçamentária com o título do projeto e a indicação de que a ação está prevista no Plano Plurianual, se for o caso, com respectiva declaração do ordenador de despesas.

 

5.Conclusão

 

            No presente trabalho, abordamos a questão da contratação direta pela Administração Pública de profissionais especialistas em diversas áreas técnicas para composição de comissões avaliadoras de políticas públicas.

 

            A referida contratação poderá ser enquadrada no art. 25, II c/c art. 13, II da Lei nº 8.666/93, desde que demonstrado no processo administrativo respectivo o atendimento dos seguintes requisitos: serviço técnico profissional especializado, objeto singular da contratação e notória especialização do profissional a ser contratado. Como visto, não é necessário que haja apenas um profissional com condições de prestar os serviços pretendidos pela Administração.

 

            Por força da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2013, Lei nº 12.708/2012, a contratação somente será autorizada para execução de atividades que não possam ser desempenhadas por servidores do próprio órgão, e ainda não poderá abranger agentes públicos da ativa, exceto em caso de licença sem remuneração para tratar de interesse particular.

 

            Como toda e qualquer hipótese de inexigibilidade de licitação, a Administração deverá apresentar a justificativa do preço da contratação, tendo como parâmetro o valor cobrado por profissional de semelhante nível no mercado em geral, além da previsão orçamentária e financeira para cobertura da despesa.

 

6. Bibliografia

 

FERNANDES, Jorge Ulysses Jacoby. Contratação Direta sem Licitação.6. ed.Belo Horizonte: Fórum, 2007.

 

FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010.

 

JUNIOR, Jessé Torres Pereira. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 6. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2003.

 

JUNIOR, Jessé Torres Pereira; DOTTI, Marinês Restelatto. Políticas Públicas nas Licitações e Contratações Administrativas. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

 

MEIRELLES, Hely Lopes de. Estudos e Pareceres de Direito Público, São Paulo: RT, VIII, 1984.

 

Notas:

[1] Este é o entendimento que se pode depreender da leitura de FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. Ed. São Paulo: Dialética, 2010, pp. 175-176.

[2] FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. Ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 367

[3] MEIRELLES, Hely Lopes de. Estudos e Pareceres de Direito Público, São Paulo: RT, VIII, 1984, p. 83

[4] FILHO, Marçal Justen. Op. cit., p. 176

[5] FILHO, Marçal Justen. Op. cit., p. 368

 

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