COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO: MECANISMOS, HISTÓRIA E EFICÁCIA


Pormathiasfoletto- Postado em 16 junho 2013

Autores: 
MANCCINI, Giulia

 

 

 

RESUMO

A cooperação internacional para o desenvolvimento é um dos mais importantes caminhos para o desenvolvimento igualitário do mundo e melhora na qualidade de vida da população de muitos países pobres. É um movimento que tomou força no fim da Segunda Guerra Mundial e vem se transformando de acordo com a evolução da história, sempre em busca de uma progressão na situação econômica e social dos países, pautada no entendimento internacional de que a cooperação deve ser parte da agenda internacional para o desenvolvimento.

 

PALAVRAS-CHAVE: Cooperação Internacional. Desenvolvimento. Objetivos do Milênio. Relações Internacionais

 

 

INTRODUÇÃO

 

            Em setembro do ano de 2000, foi celebrada a Cúpula do Milênio, reunião dos maiores dirigentes mundiais, para definir a Declaração do Milênio das Nações Unidas. Ao analisar os maiores problemas mundiais, a declaração estabeleceu 8 metas que ficaram conhecidas como Objetivos do Milênio (ODM), os quais devem ser atingidos por todos os países até 2015. As nações se uniram em uma aliança global encaminhada para reduzir a pobreza, melhorar a saúde e promover a paz, os direitos humanos e a sustentabilidade ambiental[2].

            Os objetivos têm como propósito servir como um guia definidor de prioridades para os países orientarem suas políticas internas. Entretanto, apesar do empenho de alguns governos, não houve grandes melhoras nas condições dos países e se percebeu que não bastava o esforço interno de uma nação sem uma orientação política internacional de apoio ao desenvolvimento, pois a grande maioria dos países não possuía condições econômicas de alcançar tais objetivos. Assim, os dirigentes mundiais se reuniram novamente em março de 2002, na Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento, a qual teve lugar em Monterrey, no México, para definirem políticas de ajuda mútua em busca das metas estabelecidas. A crítica afirma que os resultados foram discretos e não atingiram as principais demandas dos países em desenvolvimento em matéria de comércio, investimentos, dívida externa, organismos financeiros multilaterais e outros[3]. Entretanto, essa Conferência estabeleceu um marco de âmbito mundial: formou uma aliança global para o desenvolvimento, na qual todos os países concordaram em adotar e executar medidas conjuntas para reduzir a pobreza, direcionando o cumprimento dos Objetivos do Milênio ao campo da cooperação. 

Mais tarde, nesse mesmo ano, os Estados Membros das Nações Unidas se reuniram na Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável em Johanesburgo, África do Sul, onde reafirmaram os ODM como metas cronológicas mundiais de desenvolvimento. Adeclaração do milênio se converteu em uma carta de navegação para o sistema das nações unidas[4],surgindo uma institucionalização da cooperação, a qual, em vez de ser ocasional e sujeita a eventualidades das relações diplomáticas, deveria se tornar permanente[5]. E para isso, a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento foi definida como um importante mecanismo e voltou ao foco da agenda internacional.

 

  1. A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO

 

A Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) pode ser entendida como o conjunto de ações direcionadas e executadas por atores públicos e privados de distintos países que buscam, conjuntamente, promover um progresso mais justo e equilibrado no mundo, objetivando a construção de um planeta mais seguro e pacífico[6]. Mediante a introdução de mudanças econômicas, sociais e políticas, tem como meta atual a consolidação dos Objetivos do Milênio, possuindo como foco a melhora na vida das pessoas que habitam os países do Sul[7]. Tal cooperação é executada mediante uma ampla gama de organizações nacionais e internacionais, que formam uma rede institucional que integra o que hoje se conhece como Sistema de Cooperação Internacional ao Desenvolvimento.

Quando se fala em cooperação, a crença popular direciona seu conceito para a simples doação de dinheiro de um país a outro. Entretanto, a cooperação possui um sentido bem mais amplo, sendo a doação de dinheiro apenas uma das modalidades de cooperação, em que também se encontra a possibilidade de transferência de conhecimentos tecnológicos e estruturais, organização de ações especializadas em locais assolados por guerras e catástrofes naturais, doação de alimentos, instrumentos e medicamentos e também concessão de empréstimos em condições mais favoráveis do que as oferecidas por bancos privados, cujo único objetivo é a obtenção de benefícios econômicos particulares. Podemos, assim, identificar a cooperação como uma maneira solidária de entender as relações humanas, ou também, como veremos adiante, uma maneira estratégica de orientar a política externa de acordo com seus interesses.

Uma das principais formas de Cooperação é conhecida como Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD), a qual é caracterizada pela transferência de recursos de origem pública, ou seja, da administração do Estado, a outro país menos desenvolvido, implicando certo grau de concessão[8]. Para que uma transferência de dinheiro público, de um país próspero a outro pobre, possa ser catalogada como AOD deve cumprir certos requisitos como: os recursos atribuídos devem ter origem pública inquestionável e no caso de Estados devem prover dos orçamentos gerais do Estado e das Comunidades Autônomas, prefeituras e conselhos; A ajuda deve ser dedicada à promoção do desenvolvimento econômico e bem estar social de um país do Sul, pelo que se encontram excluídas outras finalidades, como as militares e toda ajuda que sirva exclusivamente a interesses comerciais e políticos do doador;  O país candidato a receber essa ajuda deve constar na relação de Estados e territórios receptores, conhecida como Lista do Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento[9];  A transferência, em caso de ser um empréstimo, deve possuir um grau de concessionalidade8  de ao menos 5%. Em caso de que seja uma ajuda ligada, deve ter como mínimo de 35% e se está dirigida a um dos países menos adiantados, será de ao menos 50%[10].

Por fim, é importante ressaltar que a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento não possui como fim único a execução dos Objetivos do Milênio, mas representa o entendimento internacional de que o mundo está unido e que os problemas de um país não estão circunscritos àquele determinado território, ao contrário, possuem reflexos em toda a comunidade internacional. Seja a cooperação exercida pela ideia de solidariedade mundial, seja pela busca de interesses diplomáticos e aliados políticos, é pacífico o entendimento de que problemas regionais causam consequências mundiais, como guerras que levam refugiados as fronteiras em busca de asilo político, fome e pobreza que causam grandes migrações ilegais para países ricos em busca de melhores condições, as questões ambientais que refletem não somente em todo o território global como em um grande espaço temporal, entre outros. De forma que os Objetivos do Milênio, além de fins em si mesmos, representam um instrumento de melhora mundial. Por exemplo[11],

 

 

Os Objetivos do Milênio relacionados com a fome e com doenças formam parte do capital humano. Os ODM relacionados com o abastecimento de água e o saneamento e com os habitantes de favelas formam parte da infraestrutura. O objetivo de sustentabilidade são parte do capital natural. O objetivo da redução de pobreza é parte do crescimento econômico.

 

 

De modo geral os objetivos relacionados com a fome, a educação, a igualdade de gêneros, a saúde e o meio ambiente revestem de importância vital para o crescimento econômico global. Logo, além de convenientes por si só, os Objetivos do Milênio representam uma parte da acumulação de capitais e uma parte do caminho para o desenvolvimento igualitário mundial, o qual a Cooperação Internacional pode proporcionar.

 

       2. DESENVOLVIMENTO

 

A Cooperação Internacional tem como objetivo impulsionar o desenvolvimento igualitário do mundo, mas antes de aprofundar nos detalhes da Cooperação Internacional, será brevemente analisado o conceito desenvolvimento e o seu contexto histórico.

Inicialmente, quando se pensa em um exemplo de país desenvolvido, o modo de vida que a pressão ideológica e midiática associam com os países do Norte, vem a cabeça. Logo, relacionamos desenvolvimento com capacidade de consumo (poder financeiro de adquirir carros, roupas de marca, computadores, etc.), devido à crença de que o consumo promove bem estar. Essa crença é conhecida como “ideal da modernidade” e foi muito difundida quando surgiu o termo desenvolvimento. De modo que o grau de desenvolvimento de uma nação dependeria de sua riqueza econômica e se expressaria por meio de indicadores como o PIB ou o PIB per capta. Essa crença teve início no final da Segunda Guerra Mundial, com a rápida recuperação dos países devastados, por meio da Cooperação Internacional Financeira oferecida, fato que levou estudiosos a acreditarem que havia um único caminho traçado por esses países, para alcançar o desenvolvimento. Posteriormente, com o surgimento de novos países independentes na Ásia e na África, os seus governantes aspiravam o desenvolvimento como uma forma de reafirmação social e acreditaram que se seguissem o caminho adotado pelos países do Norte, alcançariam tal meta[12].

Na década de setenta, contudo, a euforia do desenvolvimento acabou, pois se percebeu que não havia um único modo de alcançá-lo, e os países entravam em profundas crises internas. Nesse novo cenário, o crescimento econômico é entendido como requisito necessário, mas não suficiente. Diversas interpretações ligam agora o desenvolvimento com as dimensões sociais como o bem estar das pessoas, a redistribuição do ingresso (um antecedente imediato deste fenômeno é a consolidação do Estado de bem estar e a satisfação de necessidades básicas). Também ganha espaço a preocupação pelas seguintes peças elementares do desenvolvimento: a participação cidadã em assuntos de interesse público, a igualdade de gênero e o respeito ao meio ambiente e aos direitos das minorias. Este processo de distanciamento dos indicadores econômicos e de aproximação das necessidades humanas diminuiu de velocidade no início dos anos oitenta, quando se estalou a crise da dívida externa na América, a qual colocou em xeque o sistema financeiro internacional.

O tema voltou em 1990, quando o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em seu primeiro Informe sobre o Desenvolvimento Humano definiu o que conhecemos na atualidade como Desenvolvimento Humano (DH) e criou outro modo de medi-lo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que media de forma parcial o nível de Desenvolvimento Humano nos distintos países. O IDH se concentra em três elementos que se podem valorar objetivamente e que se consideram imprescindíveis para incrementar as oportunidades das pessoas:

  1. A esperança de vida ao nascer, como indicador de uma vida longa e saudável.
  2. O acesso à informação e conhecimentos, como indicador do nível educacional da população.
  3. O ingresso per capta, como indicador de uma vida digna.

O valor do IDH oscila entre 0 e 1 (quando mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano). Com esta pauta, os países são classificados de acordo com seu nível de IDH em três grupos: DH alto (0,8 ou mais), DH médio (de 0,5 a 0,799) e o DH baixo (menos de 0,5). Assim, o novo conceito definido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento se distanciou da visão limitadamente economicista e trouxe um ponto de vista mais amplo, abordando diversos fatores da vida humana e, ainda que mostre um resultado incompleto, é um importante avanço no modo de conceber as situações dos países e não deve ser ignorado. Portanto, quando hoje nos referimos ao desenvolvimento, esse conceito é o que se estará sendo usado.

 

         3. HISTÓRIA E FUNDAMENTOS TEÓRICOS

 

A Cooperação Internacional para o Desenvolvimento é um fenômeno mais antigo do que a Declaração do Milênio e, apesar de algumas discussões teóricas acerca da exata origem desse instrumento, há grande aceitação que o seu início foi no fim da Segunda Guerra Mundial, com a Declaração da Conferência de São Francisco, patrocinada pela Organização das Nações Unidas, quando esta encoraja a utilização dos recursos internacionais para promover o progresso social e melhorar os padrões de vida da população mundial. Em teoria a cooperação surge motivada por imperativos éticos como fomentar a justiça e o desenvolvimento equilibrado do mundo, contudo, se percebe que historicamente os interesses dos doadores têm prevalecido sobre as considerações éticas.

            O primeiro exemplo prático de cooperação que pode ser encontrado é o Plano Marshall, que resumidamente pode ser entendido como um programa desenhado pelos Estados Unidos para recuperar economicamente a Europa destruída pelas duas guerras mundiais. Apesar de todo o fundamento ético e solidário, o Plano Marshall possuía o claro objetivo de favorecer os interesses norte americanos nos campos político e comercial. Como o contexto que se formou foi o de Guerra Fria, a cooperação se tornou uma política difundida e foi utilizada pelos países para manter suas zonas de interesses. Tal política se articulou sobre a base dos interesses do país doador, marginando as nações receptoras e com isso ignorando abertamente os fundamentos éticos. O que transformou os países não desenvolvidos do Sul em peões da política internacional ficando a mercê das decisões dos países doadores do Norte, e seus problemas não foram resolvidos, ao contrário, propagou-se a pobreza, as migrações e a violência que ameaçam também ao Norte. O autor Erick Román Sanchéz[13]ilustra bem a forma como a cooperação era utilizada.

 

 

Não é estranho que durante essa época, os EUA foram um dos doadores mais ativos do mundo ocidental e que seus programas se centraram em zonas e países chaves, dentro dos parâmetros que impunha seu conflito com a URSS. Além do mais, é possível estabelecer uma relação direta entre certos acontecimentos políticos que afetavam aos interesses nacionais dos EUA e a aparição imediata de uma resposta em forma de programa de cooperação.

 

 

             Esse tipo de cooperação, voltada aos interesses exclusivos dos doadores possui sua base teórica no realismo político e neorrealismo, escolas mais difundidas na academia da sociedade internacional, as quais abordam as relações internacionais como uma constante luta de poder entre seus membros que vivem em uma sociedade anárquica e atuam de maneira racional e egoísta para alcançar seus interesses nacionais. Nessa dinâmica, a cooperação não é um exercício de solidariedade, e sim uma estratégia de política exterior, cuja finalidade é satisfazer as necessidades internas do doador. Hans Morgenthau[14], um dos principais teóricos do realismo, equiparou a ajuda internacional com os subornos aos governos receptores, os quais são utilizados pelos países desenvolvidos para obter benefícios que atendam ao interesse nacional. Ficando bem claro tal teoria, quando analisamos o seu surgimento diante do contexto de Guerra Fria, quando foi utilizada como o principal instrumento de “lealdade”  [15]para conter a ameaça comunista ou o avanço do capitalismo. E, depois da Queda do Muro de Berlim e consequente fim da Guerra Fria, a Cooperação e principalmente a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento se reduziram sensivelmente.

            Exemplos atuais que ilustram a teoria realista também podem ser encontrados no caso da União Europeia, que utiliza o modelo de cooperação para assegurar laços com suas ex-colônias a fim de reafirmar a presença europeia em escala mundial e garantir que os novos países adotem a economia de mercado e tenham como principais parceiros os países europeus, facilitando a internacionalização de suas empresas e garantindo a segurança do meio ambiente, visto que muitos desses países possuem ainda armas nucleares e outros tipos de armamentos e bombas que causam um grande risco de desastre ecológico. E também, após o 11 de Setembro de 2001, vários países têm optado por impor na agenda global o fomento da segurança como prioridade, inclusive por cima dos compromissos acordados através dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, principalmente os Estados Unidos da América, que voltou a utilizar sua ajuda como instrumento estratégico discricional de segurança e não precisamente de desenvolvimento, deslocando, com essa atitude, aqueles que não compartilham ou apoiam suas ações no plano internacional[16].

Assim, a evolução da cooperação mundial internacional ao desenvolvimento mostra que, desde o seu nascimento, tem estado muito ligada à defesa dos interesses do doador. O que até certo ponto resulta lógico, porque a cooperação é parte da política exterior de um país e de uma região e o objetivo essencial desta política é a defesa das posições nacionais.  Contudo, é preciso recordar que, em um mundo cada vez mais interconectado e afetado por graves desafios globais, já não tem sentido uma política exterior de miras curtas a serviço das demandas locais.

            Com o fim da Guerra Fria, surgiram muitas opiniões favoráveis que previam o surgimento de uma nova ordem mundial e pregavam que o confronto deveria ser substituído pela paz e confiança mútua. Nessa perspectiva, foi proposto que o dinheiro antes utilizado nos gastos militares fosse dirigido para promover o desenvolvimento equilibrado do mundo, projeto conhecido como Dividendos para a Paz. Fato que, se realizado, superaria a herança do Plano Marshall. “O fim da guerra fria não trouxe temas para a agenda internacional exatamente novos, somente os desvinculou da força que os prendia ao sistema bipolar leste-oeste, tornando-os globais.[17]. Como a soberania estatal encontrou seus limites nos problemas globais, a cooperação pareceu voltar aos eixos de sua proposta solidária. A corrente teórica que diverge da realista e possui o aporte teórico correspondente a essa esperança mundial, é a construtivista, para a qual as estruturas fundamentais da política internacional são basicamente sociais e não dependem das relações de poder. Estas estruturas sociais influenciam os governantes e condicionam os interesses, valores, ideologia e as percepções dos atores internacionais[18]. Ou seja, os interesses nacionais dos países são produto das construções que seus respectivos estadistas percebem a respeito do contexto internacional.

De modo que os atores realizam suas ações sustentadas por uma série de valores e interesses através de determinados meios e capacidades definidas pela estrutura social, a qual não corresponde a mero interesse nacional e egoísta, mas sim considera outros elementos importantes como a ética. Sendo ponto pacífico para os construtivistas que existe uma obrigação dos países do Norte para corrigir os problemas de alcance global, em grande maioria causados por eles mesmos[19], e a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento é um mecanismo eficaz para isso, existindo uma obrigação ética para praticá-la.

            O realismo e o construtivismo divergem sobre o fundamento da cooperação e possuem exemplos históricos para fundamentarem suas teorias. Entretanto, a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento é uma realidade que vem se desenvolvendo e não deve ser interrompida, pois, apesar da possibilidade de representarem interesses dos países doadores, não significa que esses interesses não possam ser conjuntos, ou seja, um determinado país do Norte pode estar investindo em uma área que lhe favoreça e favoreça ao país receptor também. Devido a globalização e aproximação dos países que temos hoje, a Cooperação é uma importante estratégia que, mesmo se em alguns casos seja somente por decisão do país doador, não significa que seja ineficaz no combate ao subdesenvolvimento.

 

        4. MODELOS DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO

 

Com a análise dos modelos de cooperação, é possível perceber que o seu progresso se deu juntamente as transformações históricas. Ou seja, o contexto do surgimento dos modelos serviu como linha definidora de suas políticas e modos de atuação. 

O primeiro modelo de cooperação é conhecido como Modelo Tradicional, o qual se caracteriza pelo fato dos objetivos dominantes e métodos de trabalho serem estabelecidos exclusivamente pelo doador, de acordo com os seus interesses, com ênfase na segurança social, devido ao contexto da Guerra Fria. Esse modelo é uma relação explícita de dominação, pois o poder é exercido de forma vertical e em apenas uma direção: o que está no nível superior (o doador) emite ordens para o país do nível inferior (receptor) cumprir. Trata-se de um enfoque exógeno, pois é o país doador quem impõe as regras (de fora) sem analisar o contexto interno do país receptor. É também unilateral e parcial, visto que as decisões são tomadas por apenas uma parte. Esse modelo possui como fundamento a caridade, a ajuda é dada por misericórdia, sem questionar se a razão das injustiças e sem transformar as relações de poder (status quo) no mundo, as quais são responsáveis pela causa e manutenção de grande parte das desigualdades e pobreza. Dessa forma, o modelo tradicional tenta resolver de forma temporal um problema grave e secular, sem diagnosticar nem atentar as suas causas[20].

O segundo modelo é o Moderno, o qual teve início nos últimos anos do século XX, principalmente após o fim da Guerra Fria, momento no qual novos atores internacionais como organizações civis, começaram a pedir mudanças na forma de conceber a cooperação. Esse modelo propõe que todos os países, independente da posição de doador ou receptor, trabalhem juntos para definir e executar um plano de ação conjunto. O trabalho é exercido em um plano horizontal, pois todos se entendem afetados pelos mesmos problemas, em maior ou menor grau, e é endógeno e multilateral, visto que as decisões são tomadas por todas as partes de acordo com seus problemas internos. Todos partem do princípio que os problemas globais se convertem em ameaças globais. O fundamento teórico desse modelo é a promoção da justiça, não da caridade. Pois sua busca é, não somente para a resolução do problema imediato , mas para a causa do mesmo. Para isso, o principal desafio consiste transformar práticas tradicionais já existentes em planos de cooperação modernos, através de mudanças estratégicas na política. Não extinguindo uma relação de cooperação já existente, mas abrindo a possibilidade da outra parte também definir suas linhas e necessidades.

Foi visto que historicamente o Modelo Tradicional prevalece sobre o Modelo Moderno, mas é interessante perceber que muitas vezes, as ações executadas por um doador podem ser abarcadas dentro de ambos os modelos. O que mostra que as relações não são estáticas e rígidas e que ambas as correntes teóricas e modelos de cooperação podem se entrelaçar da forma que melhor convier para as partes.

 

      5. ÉTICA E EFICÁCIA

 

Após muitos anos de prática de Cooperação Internacional ao Desenvolvimento, ainda não há consenso definido a respeito da dimensão ética desse instrumento. Ainda que o nome e a sua bandeira seja a cooperação solidária, vimos que grande parte da cooperação é exercida em busca de algum interesse. Situação que gera inacabados debates sobre a vigência dos fundamentos éticos da cooperação e do predomínio das motivações políticas, econômicas e geoestratégicas que se pretendem conseguir mediante o seu exercício[21].

O desenvolvimento de todos os países trará mais segurança ao planeta, visto que a pobreza e a falta de oportunidades dos maiores afeta irremediavelmente a estabilidade das minorias privilegiadas, pois deixa um grande número de pessoas marginalizadas. Contudo, essa marginalização é antagônica, pois de um lado essas pessoas não possuem os mesmo direitos, os mesmos benefícios e as mesmas condições de vida, de outro, também não possuem os mesmo deveres, vivendo de acordo com suas próprias regras. O que prejudica também ao Norte, principalmente no atual contexto de globalização, de forma que a luta contra a pobreza não deve ser vista somente como um interesse para o desenvolvimento, mas também como uma forma de segurança.  Essa convergência de objetivos é a base para o direcionamento de sustento político e econômico para a CID. De forma que o contexto ético vai de encontro à questão da eficácia.

            A questão da eficácia da Cooperação é bem delicada, pois em síntese, nenhuma ajuda será suficiente para solucionar por si só os problemas inerentes ao subdesenvolvimento. Muito pelo contrário, como abordado inicialmente, a cooperação é uma forma de auxílio a políticas internas e internacionais já voltadas a busca de objetivos comuns, como os Objetivos do Milênio. Ou seja, um esforço conjunto tanto em sua face internacional como, principalmente, em sua face interna. O que é possível perceber é que em pouco mais de 50 anos de funcionamento, a CID conseguiu ocupar um lugar relevante, mas não decisivo nas relações internacionais contemporâneas nas políticas e estratégias de desenvolvimento global. Foi inovadora em virtude dos instrumentos que põe em marcha para impulsionar tal desenvolvimento, promovendo encontros entre líderes mundiais e formas de cooperação em si. Alguns autores afirmam que a CID se encontra longe de atender as necessidades pelas quais esta atividade foi constituída e direcionada[22].  Contudo, a grande maioria prefere não precisar um fracasso absoluto, pois as formas de medir a eficácia não são precisas e muitos problemas pontuais em campos técnicos, financeiros, científicos, sociais e ambientais já foram solucionados, mostrando a quantidade de instâncias que cotidianamente empenham seus esforço para alcançar objetivos comuns. Pequenas vitórias, mas que já valem muito diante da estática discussão teórica sobre fundamentos.

É claro que por serem pontuais e não institucionalizadas, ficam a mercê do cenário internacional e vontades políticas, tornando-se frágeis. Por exemplo, no caso europeu, entre 1990 e 2004 os países europeus procuraram ampliar sua presença no cenário internacional por meio de promoções de valores e princípios inerentes ao modelo europeu, como a democracia, o pluralismo político, a defesa dos direitos humanos, do meio ambiente, liberalização econômica, entre outros, privilegiando as discussões e negociações com países que adotassem tal modelo. Em segundo lugar, eles priorizaram a incrementaram o mecanismo de diálogo interregionais com o mundo em desenvolvimento, aproveitando a época de aprofundamento da integração da União Europeia. Entretanto, diante da atual crise enfrentada, os países europeus diminuiriam os fluxos de cooperação e se voltaram a sua própria região. Muitos desses países, inclusive, passaram a ser receptores de ajuda de organismos mundiais de cooperação, como o FMI. Levando o patamar ético e da eficácia a outro nível, o da obrigatoriedade histórica e ética de cooperar, diante da falta de condições econômicas enfrentadas. As possibilidades são muitas, mas todas com atuações pontuais como missões especializadas e cooperações técnicas. Diante dessa ciranda histórica que leva as nações a diferentes posições diplomáticas e econômicas ao longo da história, fica a presença já certa da cooperação e a necessidade, também certa, de seu constante aprimoramento.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Diante do exposto, pode-se concluir que a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento é um tema que estará sempre na agenda internacional, mesmo que durante alguns períodos históricos não seja o foco, ela é um instituto de melhora mundial que permeia diversos tipos de discussões sobre bem-estar social. Os Objetivos do Milênio representam a conscientização mundial de que há muito a melhorar e, mais do que apenas o conhecimento, significam a aliança global para promover a realização das metas e o investimento no desenvolvimento.

            A Cooperação Internacional visa somar necessidades e capacidades provenientes de toda a rede global, realizando uma ampla quantidade de atividades, com a finalidade de reverter condições políticas e econômicas. Também, visa aprofundar as relações entre Norte e Sul e conscientizá-los de que ambos tem problemas e deveres conjuntos, ainda que o Sul não se beneficie do mesmo modo que o Norte. Entretanto, ambos podem conviver conjuntamente na ampla margem de ação que a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento promove. Atualmente, percebemos que a maior parte dessas relações são impostas pelo Norte de acordo com sua política externa e conveniência e que a cooperação já existe não resultou capaz de satisfazer as necessidades básicas de milhões de pessoas no mundo. Contudo, a solução não é eliminar esse instituto devido aos seus vícios históricos e problemas diplomáticos, e sim promover a conscientização e o aprimoramento das formas de cooperação. Por fim, resta-nos avaliar o futuro, principalmente diante da atual crise que o mundo de forma geral, e a Europa de forma específica passam, crise essa que inverteu o papel de doadores e receptores nos principais organismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial e trará novas e inesperadas posições diplomáticas para a cooperação internacional para o desenvolvimento. O caminho é aproveitar essa deixa para os países do Sul mostrarem seu valor, não apenas estratégico, mas ético e social.

 

 


[1]Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) desde agosto de 2011, professor orientador Fernando Kinoshita. Membro do Ius Gentium – Grupo de Pesquisa em Direito Internacional UFSC/CNPq.

[2] Os oito Objetivos do Milênio foram resultados de anos de análises dos problemas mundiais pelas Nações Unidas e, apesar das críticas e descrenças, é um importante instrumento na luta para a melhora mundial. Os oito objetivos são: Erradicar a extrema pobreza e a fome; Universalizar a educação primária; Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; Reduzir a mortalidade na infância; Melhorar a saúde materna; Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; Garantir sustentabilidade ambiental; e Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Fonte: http://www.objetivosdomilenio.org.br/. Acesso em 29.07.2012.

[3]LALLANDE, Juan Pablo Prado. La dimensión ética de la cooperación internacional al desarrollo, entre la solidaridad y el poder en las relaciones internacionales.Biblioteca Digital de la Iniciativa Interamericana de Capital Social, Etica y Desarrollo del Banco Interamericano de Desarrollo (BID). Disponível em <http://www.iadb.org/etica>. Acesso em 05 jul. 2012.

[4]NAÇÕES UNIDAS. OBJETIVOS DE DESARROLLO DEL MILENIO: una mirada desde América Latina y el Caribe. Santiago de Chile, Naciones Unidas. Agosto del 2005.

[5]A previsão da importância da Cooperação em uma sociedade institucionalizada, no caso, as Nações Unidas, já pode ser encontrada em DUPUY..

[6]SÁNCHEZ. Erick Román. Cooperación y Desarrollo: Nueve Preguntas sobre el Tema. Amycos, 2002. p.22.

[7]O conceito dicotômico Norte-Sul, juntamente a tradicional caracterização “países desenvolvidos” e “países em desenvolvimento” surge na esteiras dos choques de petróleo e das tentativas de reformulação das relações econômicas internacionais. SARAIVA, José Flávio Sombra. História das Relações Internacionais Contemporâneas: da sociedade internacional do século XIX à era da globalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 278.

[8]Grau de Concessão se refere a parte doada, de forma que o país receptor obtém melhores condições de crédito do que conseguiria de um empréstimo feito por um banco comercial, como prazos maiores para cancelar o crédito e os interesses, maior período de graça e menores taxas de juros.

[9] A lista dos países e territórios doadores e receptores pode ser encontrada no site <http://www.oecd.org/dac/#countriesList>. Acesso em 31 jul. 2012.

[10] Mais detalhes sobre as condições da Ajuda ao Desenvolvimento pode ser encontrados em SÁNCHEZ. Erick Román. Cooperación y Desarrollo: Nueve Preguntas sobre el Tema. Amycos, 2002. p. 26 a 29.

[11] SACHS, Jeffrey D. Invirtiendo en el desarrollo. Un plan práctico para conseguir los Objetivos de Desarrollo del Milenio. Nova York: Milennium Project, 2005. p. 26 e 27.

 

[12] A trilha universal que se deve seguir: No primeiro momento, se considerou que um países adquire a condição de desenvolvido quando seus indicadores econômicos o PIB e o PIB per capta, crescem de forma constante. Se pensava que para alcançar este crescimento econômico, os países deviam transitar por uma série de etapas comuns a todos. Assim, uma vez que um Estado consolida o crescimento econômico (graças ao aumento da economia e das inversões produtivas), se supõe que se insere no mundo moderno, superando as distintas etapas que transitaram os países do Norte. Paulatinamente, a cultura democrática assumiria também pelas nações do Sul. Para mais detalhes, ver em SÁNCHEZ. Erick Román. Cooperación y Desarrollo: Nueve Preguntas sobre el Tema. Amycos, 2002. p.51.

[13]SÁNCHEZ. Erick Román. Cooperación y Desarrollo: Nueve Preguntas sobre el Tema. Amycos, 2002. p.39.

[14]A teoria sobre as relações internacionais de Hans Morgenthau pode ser encontrada em seu livro “A Política das Nações”

[15] Lealdade entendida como forma de estabelecer um vínculo entre o país doador e o receptor, no qual este deveria adotar a mesma ideologia (comunista ou capitalista) do que aquele.

[16] LALLANDE, Juan Pablo Prado. La dimensión ética de la cooperación internacional al desarrollo, entre la solidaridad y el poder en las relaciones internacionales. Biblioteca Digital de la Iniciativa Interamericana de Capital Social, Etica y Desarrollo del Banco Interamericano de Desarrollo (BID). Disponível em <http://www.iadb.org/etica>. Acesso em 05 jul. 2012.p.20.

[17] SARAIVA, José Flávio Sombra. História das Relações Internacionais Comtemporâneas: da sociedade internacional do século XIX à era da globalização. São Paulo: Saraiva, 2008. p.318.

[18]NOGUEIRA, João Pontes e MESSIARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: Correntes e Debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. 7ª reimpressão. p. 163 a 168.

[19]Há correntes históricas que defendem que os países do Norte são os responsáveis por grande parte da pobreza e do subdesenvolvimento dos países do Sul, visto que quando aqueles foram Metrópoles, exploraram as riquezas naturais e humanas. E os movimentos de descolonização não deram nenhum suporte para uma posterior estruturação, ao contrário, foram após guerras de independência e impossibilidades de continuar dominando no caso do Norte.

[20]SÁNCHEZ. Erick Román., op. cit. p. 32 e 33.

[21] LALLANDE, Juan Pablo Prado, op. Cit., p.20.

[22] Idem.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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