Da atenuante da confissão espontânea


PorPedro Duarte- Postado em 25 fevereiro 2013

Autores: 
Irving Marc Shikasho Nagima

Prescreve o artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, que a confissão espontânea da autoria do crime, perante autoridade, é circunstância que sempre atenua a pena.

Diante da vasta divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a atenuante da confissão espontânea, viu-se a necessidade de elaborar o presente estudo para orientação dos jurisconsultos e demais estudantes da ciência do direito a respeito de sua aplicabilidade nas ações penais.

Prescreve o artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, que a confissão espontânea da autoria do crime, perante autoridade, é circunstância que sempre atua a pena. Assim, a princípio, entende-se que se o agente confessar espontaneamente a autoria do fato delituoso, em presença de autoridade, faz jus à circunstância legal genérica de redução de pena.

De início, cabe ressaltar que o fundamento desta atenuante é meramente político-criminal (ZAFFARONI e PIERANGELI, p. 790), isto é, “baseia-se fundamentalmente em considerações político-criminais (v.g., exigências da prevenção especial, favorecimento da administração da justiça)” (PRADO, p. 268). Trata-se, pois, “de regra de política processual para facilitar a apuração da autoria e prevenir a eventualidade do erro judiciário” (DOTTI, p. 622). Assim, “a confissão espontânea é considerada um serviço à justiça, uma vez que simplifica a instrução criminal e confere ao julgador a certeza moral de uma condenação justa” (CAPEZ, p. 455).

Pois bem. Do texto legal supracitado é possível extrair, então, que são dois os requisitos (simultâneos) para o reconhecimento da atenuante: a) existir confissão espontânea de autoria de crime; e b) seja feito perante autoridade. Preenchidos os dois requisitos, em tese, o agente tem sua sanção penal atenuada, vez que se trata de “direito público subjetivo do réu” (STF. HC 106.376/MG. Rel. Carmen Lúcia. T1. Julg. 01.03.2011). Vejamos cada um dos requisitos:

Confessar significa “Declarar (o acusado) sua responsabilidade em crime que lhe é atribuído” (GUIMARÃES, p. 195). É, em outras palavras, o reconhecimento do agente pela prática de algum fato. Para NUCCI, “Confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, (...) a prática de algum fato criminoso” (p. 253/254). No entanto, para a maioria, não basta que haja a confissão. Deve ela ser espontânea.

Espontâneo é aquele ato “De livre vontade; voluntário” (FERREIRA, p. 271). Destarte, a confissão para ser considerada como atenuante deve ser “fundada em decisão autônoma do autor, independente da natureza da motivação (egoísmo, altruísmo, nobreza etc.)” (SANTOS, p. 335), ao contrário do entendimento damasiano (de que “o que importa é o motivo da confissão, como, p. ex., o arrependimento, demonstrando merecer pena menor, com fundamento na lealdade processual” – p. 578).

Há quem entenda que exista diferenciação entre ato espontâneo e voluntário. NUCCI leciona que “A confissão, para valer como meio de prova, precisa ser voluntária, ou seja, livremente praticada, sem qualquer coação. Entretanto, para servir de atenuante, deve ser ainda espontânea, vale dizer, sinceramente desejada, de acordo com o íntimo do agente” (p. 254). No entanto, como vimos acima, é desnecessária a existência de motivação, pois a circunstância possui caráter manifestamente objetivo (STJ. HC 171.064/SP. Rel. Celso Limongi. T6. DJe 15.06.2011).

Outrossim, ainda sobre a confissão, há posicionamento de que é desnecessário que a confissão seja espontânea. Satisfaz o requisito a mera existência de confissão para a configuração da atenuante. Essa correte parte-se da premissa de que se essa atenuante é embasada por critérios políticos-criminais, a fim de facilitar a apuração da autoria e da instrução criminal, é desnecessária a espontaneidade.

Corrobora com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça:

(...) CONFISSÃO PARCIAL. UTILIZAÇÃO PARA A CONDENAÇÃO. ATENUANTE CONFIGURADA. RECONHECIMENTO E APLICAÇÃO OBRIGATÓRIOS. (...) 1. A confissão realizada em juízo sobre a propriedade da droga é suficiente para fazer incidir a atenuante do art. 65, III, d, do Código Penal, quando expressamente utilizada para a formação do convencimento do julgador, pouco importando se a admissão da prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial. (STJ. HC 186.375/MG. Rel. Jorge Mussi. T5. DJe 01.08.2011).

E também: STJ. HC 98.931/SP. Rel. Maria Thereza de Assis Moura. T6. DJe 15.08.2011.

Em relação à admissão da autoria do crime, entende-se que há certo equívoco na nomenclatura utilizada, vez que somente é reconhecida a autoria do crime por ocasião da sentença condenatória transitada em julgado. Até esse momento, para fins constitucionais, presume-se a inocência do acusado. Neste sentido, Celso DELMANTO e outros ensinam que “Nem se diga, por outro lado, que a atenuante usa a expressão ‘autoria do crime’, pois, evidentemente, está querendo se referir a autoria do fato tido como criminoso, já que, em face da garantia constitucional da presunção de inocência (...) só se pode falar em autoria do crime após a condenação transitada em julgado”. (p. 303).

O segundo requisito é que a confissão espontânea deve ser realizada perante autoridade. Isto quer dizer que não é válido outro meio de confissão, para esta circunstância legal, senão àquela realizada diante de autoridade. Entenda-se por autoridade, não qualquer autoridade pública, mas sim a autoridade criminal, seja ela o Delegado de Polícia, o Magistrado ou o Representante do Ministério Público. Portanto, pode ser realizada tanto na fase judicial quanto na fase pré-processual (inquisitorial).

Urge frisar que, diferentemente da redação original do Código Penal (modificada pela reforma de 1984 – artigo 48, inciso IV, alínea “d”), “não é necessário que a autoria seja desconhecida ou tenha sido imputada a outrem”(TRISTÃO, p. 171). Basta, portanto, que se preencham os requisitos alhures, isto é, que haja simples confissão da autoria, para que o agente se beneficie com a atenuante.

Outro aspecto referente à confissão espontânea, polêmico, refere-se à confissão qualificada. Quando a confissão do agente é qualificada, há incidência da circunstância legal redutora de pena?

Antes de responder a pergunta, esclarece-se que a confissão qualificada ocorre quando “o agente admite a prática do delito, mas alega em seu favor a existência de uma excludente de ilicitude ou de culpabilidade” (SCHMITT, 148/149), muito comum em crimes dolosos contra a vida.

O Superior Tribunal de Justiça tem-se posicionado no sentido de que a confissão qualificada não pode servir como base para a incidência da atenuante do artigo 65, III, d, do Código Penal. Confira-se, na parte que nos interessa:

(...) AFRONTA AO ART. 65, III, “D” DO CP. INOCORRÊNCIA. CONFISSÃO QUALIFICADA. (...) 3. Prevalece nesta Corte Superior o entendimento no sentido de que não se justifica a aplicação da atenuante pela confissão espontânea quando o acusado nega o dolo na conduta (...) (STJ. AgRg no REsp 999.783/MS. Rel. Maria Thereza de Assis Moura. T6. DJe 28.02.2011).

(...) CONFISSÃO ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE. CONFISSÃO QUALIFICADA (...) 1. A confissão qualificada na qual o agente agrega à confissão teses defensivas descriminantes ou exculpantes, não tem o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal (...) (STJ. HC. 129.278/RS. Rel. Laurita Vaz. T5. DJe 25.05.2009).

Contudo, o Supremo Tribunal Federal já decidiu de maneira diversa, entendendo que é possível a caracterização desta atenuante genérica, mesmo nos casos de confissão qualificada. Observe-se, na parte que nos interessa:

(...) CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES (...) A circunstância atenuante pertinente à confissão espontânea, ainda que parcial, é aplicável àquele que confessa a autoria do crime independentemente da admissão do dolo ou das demais circunstâncias narradas na denúncia. Precedentes (...) (STF. HC 99.436/RS. Rel. Carmen Lúcia. T1. Julg. 26.10.2010).

Sobre esse particular –confissão qualificada – a doutrina majoritária entende pela impossibilidade da aplicação da atenuante genérica. CAPEZ afirma que “A confissão qualificada, em que o acusado admite a autoria, mas alega ter agido acobertado por causa excludente da ilicitude (confessa ter matado em legítima defesa) não atenua a pena, já que, neste caso, o acusado não estaria propriamente colaborando para a elucidação da autoria, tampouco concordando com a pretensão acusatória, mas agindo no exercício de direito de autodefesa”(p. 455). Também é o posicionamento de NUCCI (p. 255) e SCHMITT (p. 149).

Em contrapartida, DELMANTO, citando Luiz Carlos BETANHO, “sustenta que ‘confessar a autoria não é o mesmo que confessar o crime; para a atenuante basta a confissão da autoria e não impede sua aplicação o fato de o réu ter negado parte da imputação ou invocado excludente de ilicitude’ (RT 683/281). Acreditamos que assiste razão a esse autor” (p. 303). Há julgados dos Tribunais estaduais no mesmo sentido (como, p. ex., TJPR. ApCrim 719.662-3, ApCrim 715.781-7 e ApCrim 748.162-3).

Também, tem-se debruçado a doutrina e a jurisprudência quanto à existência de retratação na confissão. Havendo retratação, isto é, quando o agente retrata-se da confissão anteriormente dita, a pena deve ser atenuada?

Via de regra, nos casos em que há retratação do agente, não incide a atenuante genérica, salvo se a confissão anterior for utilizada para a elucidação da autoria delitiva. Assim sendo, no caso de o acusado ter confessado o crime no inquérito policial e vier a se retratar em juízo, em tese, não é cabível a benesse. Entretanto, se mesmo havendo a retratação, o julgador (leia-se magistrado) utilizar da confissão retratada como base para o reconhecimento da autoria do crime, há que se levar em consideração essa circunstância legal na dosimetria da pena. Em suma: “a confissão extrajudicial regularmente testemunhada, não obstante retrata (sic) em juízo, mas corroborada pelos elementos de provas coletados na fase judicial, quando elevada em consideração pelo julgador na sentença, deverá ser considerada como um dos elementos que embasaram a condenação, o que conduz a necessidade de seu reconhecimento como uma circunstância atenuadora da pena” (SCHMITT, p. 148).

A propósito, já se decidiu que “Há evidente ilegalidade se o Tribunal de origem utilizou a confissão extrajudicial do paciente para embasar a condenação concluindo que a retratação feita em juízo era dissonante das demais provas, mas deixou de reconhecer a atenuante genérica da confissão espontânea, (...)” (STJ. HC 112.623/MG. Rel. Maria Thereza de Assis Moura. T6. DJe 15.06.2011). E também: “Se a confissão extrajudicial dos agentes é utilizada como fundamento para embasar e manter a conclusão condenatória (...) a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do CP, deve ser aplicada, sendo irrelevante a retratação ocorrida na fase do contraditório” (STJ. HC 107.310/SP. Rel. Jorge Mussi. T5. DJe 24.08.2009).

Com relação à confissão quando da ocorrência de prisão em flagrante ou quando há provas suficientes nos autos a fim de elucidar a autoria, “A Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça considera que o flagrante não impede se reconheça a atenuante da confissão” (STJ. AgRg no REsp 816.375/MS. Rel. Celso Limongi. T6. DJe 02.05.2011). No mesmo sentido: STF. HC 77.653/MS. Rel. Ilmar Galvão. T1. Julg. 17.11.1998; STJ. HC 68.010/MS. Rel. Laurita Vaz. Julg. 27.03.2008.

De outro lado, o Supremo Tribunal Federal já julgou que “Em se tratando de situação concreta em que ocorrida a prisão em flagrante, em razão do transporte de vultosa quantidade de droga, descabe cogitar da atenuante da confissão espontânea, no que esta última tem como objetivo colaborar com o Judiciário na elucidação da verdade real” (STF. HC 101.861/MS. Rel. Marco Aurélio. T1. Julg. 13.04.2011).

Por fim, quanto à possibilidade de compensação com a agravante de reincidência e à fixação dessa atenuante abaixo do mínimo legal (vide súmula 231 do STJ) não serão objetos deste estudo, diante de sua complexidade e amplitude da matéria. Contudo, em relação à compensação, podem-se antecipar os seguintes precedentes favoráveis à compensação: STJ, HC 102.449/SP, EDcl no AgRg no HC 127.017/MS, HC 201.627/RS. E os seguintes arestos contra a compensação com a reincidência: STJ, HC 126.126/SP, STF HC 102.486/MS, RHC 107.967/DF.

No mais, “seria salutar para o próprio sistema que a confissão fosse tratada, em eventual e futura reformulação legislativa, como uma causa geral de diminuição de pena, reduzindo-a, por exemplo, de um sexto a um terço”, pois a confissão, na prática, não traz qualquer ou quase nenhum benefício ao acusado. (DELMANTO, p. 303). Se, por questão de política-criminal é considerada um “serviço à justiça”, nada mais justo de que beneficiar aquele que confessa para ter sua pena reduzida, independentemente se fixada no mínimo legal ou se espontâneo.

Portanto, essa circunstância legal genérica é direito subjetivo do réu. Fundamenta-se na política-criminal, a fim de facilitar a apuração da autoria do crime e evitar erros judiciários. Para sua incidência, é necessário o preenchimento simultâneo de dois únicos requisitos: a) que a confissão da autoria seja espontânea e b) seja perante autoridade criminal. A cobrança de outro requisito (como por exemplo, os motivos da retratação) é ilícita, pois o que a lei não exige, não pode o julgador obrigar o agente a cumprir.

Como se pôde observar, o tema da atenuante da confissão espontânea é demasiadamente complexo e encontra divergência doutrinária e jurisprudencial. Para a doutrina, o importante é interpretar a norma legal de acordo com sua finalidade teleológica (art. 5º,LICC), prevendo o real alcance e intenção da norma não incriminadora. Para a jurisprudência, é necessário que os Tribunais uniformizem seus julgados, seja por meio de súmulas ou por meio de incidente de uniformização de jurisprudência, a fim de evitar qualquer injustiça no caso concreto, dando segurança jurídica aos tutelados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1.

DELMANTO, Celso. E outros. Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 3. Ed. São Paulo: RT, 2010.

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 9. Ed. São Paulo: Rideel, 2007.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: Parte Geral. 28. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. Vol. 1.

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 2. Ed. São Paulo: RT, 2007.