Da irresponsabilização criminal do adolescente infrator


Pormarina.cordeiro- Postado em 21 março 2012

Autores: 
ROCHA, Roger

A inimputabilidade do menor de 18 anos não diz respeito apenas à capacidade de entendimento do adolescente, mas também ao inconveniente de submetê-lo ao mesmo sistema reservado aos adultos comprovadamente falido.

 

1.1 CONCEITO DE CULPABILIDADE

A culpabilidade é a reprovabilidade pessoal pela realização de uma ação ou omissão típica e ilícita. Assim sendo, não há culpabilidade sem tipicidade e ilicitude, ou seja, a culpabilidade é um juízo de reprovação pelo agente não ter agido em conformidade com a norma jurídica, e ainda, constitui o fundamento e limite da pena. Na culpabilidade, afere-se apenas se o agente deve ou não responder pelo crime cometido.  [01]

Para haver culpabilidade é indispensável a presença de um de seus elementos, são eles: a imputabilidade penal, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta conforme o Direito.

É a reprovabilidade do injusto do autor. O que é reprovado? O injusto. Por que se lhe reprova? Porque não se motivou na norma. Por que se lhe reprova não haver-se motivado na norma? Porque lhe era exigível que se motivasse nela. Um injusto, isto é, uma conduta típica e ilícita, é culpável quando é reprovável ao autor a realização desta conduta porque não se motivou na norma, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que agiu, que nela se motivasse. Ao não ter se motivado na norma, quando podia e lhe era exigível que o fizesse, o autor mostra uma disposição interna contrária ao Direito.  [02]

A maior parte da doutrina adota a culpabilidade do fato, aqui a censura deve recair sobre o fato praticado pelo agente, isto é, sobre o comportamento humano. A reprovação se estabelece em função da gravidade do crime praticado, de acordo com a exteriorização da vontade humana, por meio de uma ação ou omissão. [03]



 

1.2 TEORIAS DA CULPABILIDADE

A culpabilidade possui cinco teorias: a teoria psicológica, a psicológica-normativa e a teoria normativa, sendo a teoria limitada da culpabilidade e a teoria extremada espécies da teoria normativa, segundo Fernando Capez, o ordenamento jurídico brasileiro, adotou a teoria limitada da culpabilidade.

No Direito Penal da Antigüidade, a responsabilidade penal decorria, contudo, do simples fato lesivo, sem que se indagasse da “culpa” do autor da conduta. Percebeu-se, porém, no decorrer da evolução cultural, que somente podem ser aplicadas sanções ao homem causador do resultado lesivo se, com seu comportamento, poderia tê-lo evitado. Não se pode intimidar com proveito o homem com a ameaça da pena simplesmente pelo resultado de sua conduta. Ao contrário, a intimidação é apenas eventualmente eficiente quando se ameaça o homem com pena pelo que fez (e poderia não ter feito) ou pelo que não fez (mas poderia fazer), evitando a lesão a um bem jurídico. Isso significa que é necessário indagar se o homem quis o resultado ou ao menos podia prever que esse evento iria acontecer. Torna-se assim indispensável, para se falar em culpabilidade, verificar se no fato estavam presentes a vontade ou previsibilidade. Desses elementos (vontade ou previsibilidade) construíram-se dois conceitos jurídico-penais importantes: o dolo (vontade) e a culpa em sentido estrito (previsibilidade). O crime pode, pois, ser doloso (quando o agente quer o fato) ou culposo (quando o agente não quer, mas dá causa ao resultado previsível). Com isso, chegou-se a teoria psicológica da culpabilidade: a culpabilidade reside numa ligação de natureza psíquica (psicologia, anímica) entre o sujeito e o fato criminoso. Dolo e culpa, assim, seriam as formas da culpabilidade.  [04]

Através dos estudos realizados por Frank, chegou-se a conclusão que, somente o dolo e a culpa eram insuficientes para se falar em culpabilidade, assim se formou a teoria psicológica-normativa da culpabilidade. Para essa teoria, além do dolo e da culpa, que são elementos psicológicos presentes no autor, e a reprovabilidade, um juízo de valor sobre o fato, considerando-se que essa censurabilidade somente existe se há no agente a consciência da ilicitude da sua conduta ou, ao menos, que tenha ele a possibilidade desse conhecimento.  [05]

Com o advento da teoria da ação finalista de Welzel, passou-se a discutir esta teoria. A ação, como afirmam os finalistas, não pode ser desligada do fim do agente, sob pena de se fraturar a realidade do caso concreto. O fim da conduta, elemento intencional da ação, é inseparável da própria ação, como veremos a seguir. 

A teoria psicológica é a relação psicológica entre a conduta e o resultado, porém, não resolve o problema da culpa e da imputabilidade.

Dentro deste conceito, a culpabilidade não é mais do que a descrição de algo, concretamente, de uma relação psicológica, mas não contém qualquer elemento normativo, nada de valorativo, e sim de pura descrição de uma relação [06].

De acordo com essa tradicional teoria, a culpabilidade reside na relação psíquica do autor com seu fato; é a posição psicológica do sujeito diante do fato cometido. Compreende o estudo do dolo e da culpa, que são suas espécies. Em suma, a culpabilidade esgotando-se em suas espécies, dolo e culpa, consiste na relação psíquica entre o autor e o resultado, tendo por fundamento a teoria causal ou naturalista da ação. [07]

Ensina Fernando Capez:

A conduta é vista num plano puramente naturalístico, desprovida de qualquer valor, como simples causa de resultado. A ação é considerada componente objetivo do crime, enquanto a culpabilidade passa a ser elemento subjetivo, apresentando-se ora com dolo ora com culpa. Pode-se, assim dizer, que para essa teoria o único pressuposto exigido para responsabilização do agente é a imputabilidade aliada ao dolo e a culpa. [08]

A Teoria psicológica não explica de forma razoável a isenção da pena, nos casos de coação moral e obediência hierárquica à ordem manifestadamente ilegal em que o agente é imputável e agiu com dolo (como excluir-se então a culpabilidade?). [09]

A teoria psicológica-normativa da culpabilidade, também conhecida como complexa, coloca no mesmo plano dolo e culpa em seu conteúdo heterogêneo.

Quando a doutrina percebeu que dolo e culpa, sendo esta normativa e aquela psicológica, não podiam ser espécies de culpabilidade, passou a investigar entre eles um liame normativo. Frank, em 1907, com fundamento no disposto no art. 54 do CP alemão, que tratava do estado de necessidade inculpável, analisando o fato da tábua de salvação, percebeu que existem condutas dolosas não culpáveis. O sujeito que mata em estado necessário age dolosamente. Sua conduta, porém, não é culpável, uma vez que, diante da inexigibilidade de outro comportamento, não se torna reprovável. [10] 

De acordo com a teoria psicológico-normativa da culpabilidade, são seus elementos: imputabilidade, elemento psicológico normativo (dolo e culpa) e exigibilidade de conduta diversa. Percebe-se que a diferença fundamental desta teoria para a teoria normativa pura, é a substituição do elemento psicológico-normativo, ou seja, o dolo e a culpa, pelo potencial conhecimento do injusto.

Segundo Fernado Capez:

Essa teoria exige como requisito para a culpabilidade, algo mais do que “dolo ou culpa e imputabilidade”. Buscava-se uma explicação lógica para situações como a coação moral irresistível, na qual o agente dá causa ao resultado com dolo ou culpa, é imputável, mas não pode ser punido. [11]

A teoria normativista é a chamada extrema ou estrita. Relaciona-se com a teoria finalista da ação. Retira o dolo da culpabilidade e o coloca no tipo penal. Exclui do dolo a consciência da ilicitude e a coloca na culpabilidade. Em conseqüência a culpabilidade possui os seguintes elementos:

1) imputabilidade;

2) possibilidade de conhecimento do injusto;

3) exigibilidade de conduta diversa.

De acordo com a doutrina tradicional, culpabilidade é o liame subjetivo entre o autor e o resultado. Em face dos delitos culposos, esse conceito causa enormes dificuldades. Enquanto na culpa consciente pode-se falar em nexo subjetivo entre o sujeito e o resultado imputatio júris (imputação de um direito), na culpa inconsciente não existe esta ligação. [12]

Nestes termos, não se pode aceitar a teoria psicológica normativa, pois o dolo não pode ser elemento do fato e elemento da culpabilidade pelo fato. Chegou-se assim à teoria da culpabilidade, ou teoria normativa pura: o dolo e a culpa pertencem a conduta; os elementos normativos formam todos a culpabilidade, ou seja, a reprovabilidade da conduta. Assim, a culpabilidade ganha um elemento, a consciência da ilicitude (consciência do injusto), mas perde os anteriores elementos nanímicos-subjetivos, dolo e culpa stricto sensu, reduzindo-se, essencialmente, a um juízo de censura. [13]

A teoria normativa pura é reprovabilidade que pressupõe, possibilidade de compreensão da ilicitude da conduta, e que no âmbito da autodeterminação do sujeito tenha tido certa amplitude.

Para a teoria extremada, representada por Welzel e Maurach, e, no Brasil representada por Alcebíades Munhoz Neto e Mayrink da Costa, toda espécie de discriminante putativa, seja sobre os limites autorizadores da norma (por erro de proibição), seja incidente sobre situação fática pressuposto de uma causa de justificação (erro de tipo), é sempre tratada como erro de proibição. [14]

O ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria limitada da culpabilidade. Tal teoria é defendida por grande parte da doutrina, inclusive Fernando Capez, tanto a teoria limitada quanto à teoria extremada, derivam diretamente da teoria normativa, e divergem apenas na questão do tratamento das descriminantes putativas.

Para a teoria limitada da culpabilidade, o erro que recai sobre uma situação de fato (descriminantes putativas) é erro de tipo, enquanto o que incide sobre a existência ou limites de uma causa de justificação é erro de proibição. Defendem-na, no Brasil Assis Toledo e Damásio de Jesus. [15]



 

1.3 CULPABILIDADE COMO ELEMENTO DO CRIME OU PRESSUPOSTO DA PENA

Há uma grande controvérsia na doutrina quanto a esse assunto, alguns doutrinadores, tais como Fernando Capez e Damásio de Jesus, entendem ser a culpabilidade pressuposto da pena, outros como Eugênio Raúl Zaffaroni e Luiz Regis Prado entendem que a culpabilidade é elemento constitutivo do crime.

Durante muito tempo, a doutrina penal acreditava que o juízo de reprovação, sem dúvida alguma, seria uma das características do crime, sem a qual este, em hipótese alguma, estaria configurado. Entretanto, com o aparecimento da Teoria Finalista da ação, o dolo e culpa strito sensu, até então considerados como elemento da culpabilidade, passaram a integrar a conduta, esvaziando, dessa forma, o juízo de reprovação, o que levou alguns doutrinadores a repensarem sobre os conceitos formulados em relação ao correto posicionamento da culpabilidade.  [16]

Já os doutrinadores que entendem que a culpabilidade é e sempre será característica do crime, acreditam, basicamente, que o crime possui três  elementos, quais sejam: a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade. O verdadeiro pressuposto da pena é o crime, em si, com todas as suas peculiaridades. Em verdade, a culpabilidade incide sobre o comportamento do sujeito e não sobre ele isoladamente. O que o direito pune são os fatos praticados pelos indivíduos e não estes propriamente ditos. [17]

Preceitua Flávio Augusto Monteiro de Barros:

Culpabilidade é um pressuposto da sanção penal, visto que aquela não incide sobre o fato praticado pelo agente (crime), mas sobre o agente do fato. A reprovação da conduta é dirigida ao agente, que é quem vai sofrer a pena. Tanto é verdade que seus elementos são valorações feitas a posteriori diretamente sobre o sujeito [18]

Para essa corrente doutrinária, baseada na teoria finalista, bastaria então, apenas a existência do fato típico e ilícito para haver um crime.

Crime existe em si mesmo, por ser um “fato típico e ilícito” e a culpabilidade não contém o dolo e culpa em sentido estrito, mas significa apenas a reprovabilidade ou censurabilidade da conduta. O agente só será responsabilizado por ele se for culpado, ou seja, se houver culpabilidade. Pode existir, portanto, crime sem que haja culpabilidade, ou seja, censurabilidade ou reprovabilidade da conduta, não existindo a condição indispensável à imposição da pena.  [19] 

Para Fernando Capez:

Aspecto analítico: é aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade desse enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar, deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só nesse caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor não foi culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. Para existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito. [20]

Para essa teoria, basta apenas a ocorrência de fato típico e ilicitude, para a conduta ser considerada crime, tratando a culpabilidade, apenas como mero pressuposto para a imputação da pena. 

A teoria “tripartida” entende a culpabilidade como elemento constitutivo do crime, também baseada na teoria finalista de Welzel, porém com uma interpretação diferente da feita pela teoria “bipartida”.

Ao contrário da corrente “bipartida”, a corrente “tripartida”, assevera que ocorrendo o fato típico e ilícito, não há que se falar em crime e sim em injusto penal, para tornar clara tal definição, é de relevante importância a apreciação do exemplo de Eugenio Raúl Zaffaroni: aquele que por incapacidade psíquica não pode compreender a antijuridicidade de seu ato (o vulgarmente chamado de “louco”), não comete um delito, mas sua conduta é típica e não se encontra amparada por nenhuma causa de justificação (porque o louco – pelo simples fato de ser louco – não tem “permissão para matar”). O “louco” realiza uma conduta típica e antijurídica que não é delito. [21]



 

1.4 IMPUTABILIDADE PENAL E O ADOLESCENTE INFRATOR

Imputável é aquele que ao tempo da ação ou omissão apresenta maturidade mental, discernimento e autodeterminação para entender o caráter criminoso do fato e determina-se de acordo com esse entendimento. A imputabilidade segundo o Art. 4º do Código Penal Brasileiro, é determinada pelo tempo do crime: “Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.”

Assim define a imputabilidade Julio Fabbrini Mirabete:

De acordo com a teoria da imputabilidade moral (livre-arbítrio), o homem é um ser inteligente e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e por isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilícitos que praticou. Essa atribuição é chamada de imputação, de onde provem o termo “imputabilidade”, elemento (ou pressuposto) da culpabilidade. Imputabilidade é, assim, a aptidão para ser culpável.  [22]

Há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir conforme esse entendimento.  [23]

A concepção dominante da doutrina e na legislação vê a imputabilidade na capacidade de entender e de querer. A capacidade de entender o caráter criminoso do fato não significa a exigência de o agente ter consciência de que sua conduta se encontra descrita em lei como infração. Imputável é o sujeito mentalmente são e desenvolvido que possui capacidade de saber que sua conduta contraria os mandamentos da ordem jurídica.  [24] 

A imputabilidade penal é elemento da culpabilidade, assim como, exigibilidade de conduta conforme o direito e a potencial consciência da ilicitude, e ao contrário da inimputabilidade, o indivíduo inimputável, não apresenta maturidade mental para entender o caráter criminoso do fato e determina-se de acordo com esse entendimento. A imputabilidade é a regra, a inimputabilidade a exceção.

O Código Penal Brasileiro contempla quatro causas de exclusão da imputabilidade, são as seguintes:

-Doença mental (Art. 26 do Código Penal Brasileiro);

-Desenvolvimento mental incompleto (Art. 27 do Código Penal Brasileiro);

-Desenvolvimento mental retardado;

-Embriaguez completa, proveniente de caso fortuito.

Sendo a imputabilidade elemento da culpabilidade, torna-se indispensável ao indivíduo que ao tempo do crime tenha seu desenvolvimento mental pleno, ou seja, atinja a maturidade mental, para entender o caráter ilícito de sua conduta. 

Se tratando do adolescente, há uma presunção absoluta que este, ao atingir a idade de 18 anos, adquira tal entendimento, passando então a ser considerado imputável perante a lei.

Utilizou-se para tanto, o critério biológico para delimitar tal idade, conforme demonstra a Exposição de Motivos do Código Penal Brasileiro, número 23:

Manteve o projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser comedido a educação, não a pena criminal.

De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 (dezoito) anos do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o a contaminação carcerária. 

O legislador pátrio, ao elaborar a Exposição de Motivos número 23, reconhece de forma taxativa a falência do sistema carcerário no Brasil, e admite que o adolescente exposto a esse ambiente degradante tende a potencializar o seu grau de periculosidade.

São inimputáveis os menores de 18 anos por expressa disposição no Código Penal Brasileiro.  [25]

Adotou-se no dispositivo supra um critério puramente biológico (idade do autor do fato) não se levando em conta o desenvolvimento mental do menor, que não está sujeito à sanção penal ainda que plenamente capaz de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento. 

1.4.1 O critério utilizado para aferir a imputabilidade penal

Como anteriormente descrito, é presumível que o indivíduo ao atingir a idade de 18 anos, possa de fato compreender a ilicitude de seu ato e determinar-se conforme tal compreensão, tornando-se finalmente imputável.

Ensina Jorge Trindade:

Como a criança e o adolescente, num certo sentido recebem com emoção toda a experiência que lhe chega, que é sempre nova em sua vida, não conseguem fazer a mediação entre o impulso e o mundo externo, passando logo para a instância da ação. Eles têm diminuída sua capacidade de ser e estar no mundo, o que explica a inimputabilidade genérica frente à lei. Ademais, falta-lhes experiência, requisito importante para que se agreguem os fatos às respectivas conseqüências, razão pela qual são impedidos de serem culpáveis. [26]

É justo lembrar, que no Brasil utilizou-se o critério biopsicológico, em 1969, com alteração do art. 33 do Código Penal Brasileiro vigente na época, pelo Decreto-Lei nº. 1.004, na qual possibilitava-se imputação de pena ao menor entre 16 e 18 anos, se este revelasse suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento. Todavia, a dificuldade de detectar a capacidade de culpa e o desenvolvimento mental do adolescente, bem como a precariedade do sistema, tal critério deixou de ser utilizado, motivado por manifestação por parte dos magistrados, bem como estudiosos, dando lugar ao critério vigente, o critério biológico. [27] 

Nas palavras de Luiz Regis Prado:

Menores de 18 anos – consagra-se aqui o princípio inimputabilidade absoluta por presunção (art. 27, CP), com o fulcro do critério biológico da idade do agente, e que, a partir da Carta de 1988, tem assento constitucional (art. 228, CF). [28]

Como veremos nas páginas subseqüentes, o Projeto de emenda constitucional nº. 20/1999, visa justamente o retorno desta sistemática para aferir a imputabilidade do menor infrator.

De acordo com o critério biológico, para aferir a imputabilidade, é referida apenas à presunção de falta de discernimento, tal sistema é o adotado pelo Código Penal Brasileiro para determinar a inimputabilidade do adolescente infrator.

Verifica-se que o legislador adotou unicamente o critério biológico (cronológico absoluto), ou seja, a proteção integral da criança ou adolescente é devida em função de sua faixa etária.

Trata-se de uma presunção absoluta de imputabilidade que faz com que o menor seja considerado como tendo desenvolvimento mental incompleto em decorrência de um critério de política criminal. Implicitamente, a lei estabelece que o menor de 18 anos não é capaz de entender as normas da vida social e de agir conforme esse entendimento. [29]

Preceitua Fernando Capez:

Esse sistema somente interessa saber se o agente é portador de alguma doença ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Em caso positivo, será considerado inimputável, independentemente de qualquer verificação concreta de essa anomalia ter retirado ou não a capacidade de entendimento e autodeterminação. Há uma presunção legal de que a deficiência ou doença mental impede o sujeito de compreender o crime ou comandar sua vontade, sendo irrelevante indagar acerca de suas reais e efetivas conseqüências no momento da ação ou omissão. [30]

Esse critério é adotado como exceção no ordenamento jurídico brasileiro e é utilizado apenas para a aferição da imputabilidade penal.  [31]

O critério biopsicológico normativo é empregado no Código Penal Brasileiro, para a verificação da capacidade de discernimento do portador de doença mental. Pode-se dizer que enquanto o sistema biológico só se preocupa com a existência da causa geradora da inimputabilidade, não se importando se ela efetivamente afeta ou não o poder de compreensão do agente, o sistema psicológico volta suas atenções apenas para o momento da prática do crime. [32]

Já o critério psicológico ou psiquiátrico, tem em conta apenas as condições psicológicas do agente à época do fato. Diz respeito apenas às conseqüências psicológicas dos estados anormais dos agentes. Sua base primeira é o Código Canônico. Em nosso País, agasalhou-se a fórmula psiquiátrica do Código Penal do Império (1830), nos termos seguintes: 

Art. 10. Também não se julgaram criminosos: § 2. Os loucos de todo gênero, salvo se tiverem lúcidos inervallos e nelles commeterem o crime”. Nesse sentido, ainda, os Códigos Penais da Áustria (1852); da Espanha (1848); de Portugal (1886). [33]

O sistema biopsicológico ou misto atende tanto as bases biológicas que produzem a inimputabilidade como as suas conseqüências na vida psicológica ou anímica do agente. Resulta, assim, da combinação dos critérios biológico e o critério psicológico. Este sistema exige, de um lado, a presença de anomalias mentais, e, de outro, a completa incapacidade de entendimento (formula do art. 26 do Código Penal Brasileiro). É acolhido, na atualidade, pela maioria das legislações penais.  [34]

1.4.2 Inimputabilidade X Impunidade

A inimputabilidade é facilmente confundida com a impunidade, todavia, há uma larga diferença no sentido dessas palavras, apesar da grande proximidade de sua escrita e pronúncia.

Como visto anteriormente, a inimputabilidade, é a ausência de capacidade para ser culpável, ou seja, é a incapacidade do indivíduo de compreender a dimensão de seus atos, e determinar-se conforme esse entendimento, já a impunidade é a falta da devida sanção ao infrator.

Para Myrian Mesquita, impunidade é o gozo da liberdade, ou de isenção de outros tipos de pena, por uma determinada pessoa, apesar de haver cometido alguma ação passível de penalidade. É a não aplicação de pena, mas também o não cumprimento, seja qual for o motivo, de pena imposta a alguém que praticou algum delito. [35]

Inimputabilidade, todavia, não significa impunidade, vez que estabelece medidas de responsabilização compatíveis com a condição de peculiar pessoa em desenvolvimento. A inimputabilidade, causa de exclusão da responsabilidade penal, não significa, absolutamente, irresponsabilidade pessoal ou social. [36]

O fato do adolescente infrator não responder por seus atos delituosos de acordo com o Código Penal, nem perante a Justiça Criminal, não o torna impunível nem o faz irresponsável. Antes, conforme o sistema adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, os menores entre 12 e 18 anos são sujeitos de direitos e de responsabilidades e, por isso, quando cometem infrações, medidas socioeducativas podem ser impostas, inclusive a privação de liberdade, com o nome de internação, sem atividades externas. [37]

Ao contrário da máxima de sempre ouvida de que “para o menor não dá nada”, O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê medidas e até mesmo reconhece a possibilidade de privação provisória da liberdade do infrator não sentenciado (art. 108), para o que se exige o preenchimento de menos requisitos do que os previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, aplicáveis aos delinqüentes maiores de 18 anos, para o maior ser preso provisoriamente ou assim mantido durante o trâmite da ação penal. [38] 

Há que se afirmar que esta questão está mal focada, com isso, muitas vezes, por desconhecimento de causa, ignora-se, por exemplo, que o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu no País, um verdadeiro “Código Penal Juvenil”, estabelecendo um sistema de sancionamento, de caráter pedagógico, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo. [39]

Torna-se claro, que equivocada é a idéia que o adolescente infrator nada sofre ao cometer um ato ilícito. O adolescente que incide em ato infracional terá uma contrapartida, a medida socioeducativa, é claro, menos severa que a pena imposta a um indivíduo maior de 18 anos.

Todavia, há quem, desconhecendo o sistema de responsabilidade penal juvenil contemplado no ECA, e de forma destorcida, insista  em  confundir  inimputabilidade  penal  com impunidade,  pleiteando  a  extensão  do  Sistema  Penal  Adulto  ao adolescente  em  conflito  com  a  Lei,  buscando  a  redução  da  idade  de imputabilidade penal, fixada em 18 anos.

Diante desta equivocada idéia, muito bem se enquadra o posicionamento de João Batista Costa Saraiva:

Os preponentes desta idéia, destituída de fundamentação apta a legitimá-la  e construída  no  desconhecimento  do  sistema  terciário  de prevenção  esculpido  no  Estatuto,  fundado  no  Direito  Penal  Juvenil, desprezam  a  natureza  de  cláusula  pétrea  desta  disposição constitucional. [40]

Ante o exposto, fica claro, que de fato, tais palavras, inimputabilidade e impunidade, em nada se assemelham quanto ao significado, sendo este um argumento falho, aos que defendem a redução da maioridade para 16 anos, baseado na impunidade do adolescente transgressor.

 

1.5 POSSÍVEIS FATORES QUE CONTRIBUEM COM A DELINQÜÊNCIA NA ADOLESCÊNCIA

Para o promotor de Justiça e coordenador das Promotorias da Infância e Juventude do Estado, Ronald Albergaria, a exclusão social é, sem dúvida uma das maiores causas do aumento da delinqüência infanto-juvenil, junto à faixa menos favorecida financeiramente da população.  [41]

A exclusão, em sua essência, é multidimensional, manifesta-se de várias maneiras e atinge as sociedades de formas diferentes, sendo os países pobres afetados com maior profundidade. Os principais aspectos em que a exclusão se apresenta dizem respeito à falta de acesso ao emprego, a bens e serviços, e também à falta de segurança, justiça e cidadania. Assim, observa-se que a exclusão se manifesta no mercado de trabalho (desemprego de longa duração), no acesso à moradia e aos serviços comunitários, a bens e serviços públicos, a terra, etc. [42]

José de S. Martins afirma que nossa cultura barroca é uma cultura fechada, com base na conquista, exclui índios, camponeses no campo e, na cidade, migrantes, favelados, encortiçados, sem teto etc., em uma fenomenologia bastante conhecida como exclusão social.  [43] 

Para entender a questão da exclusão torna-se necessário detectar os determinantes históricos e as relações humanas como são construídas hierarquicamente para garantir a sua sobrevivência, apropriando-se dos bens e serviços acessíveis a uma pequena camada social, deixando de fora a maior parte da população, isto permeia até os dias de hoje. Entretanto, o problema mais grave não é a exclusão, mas sim a incapacidade ou impossibilidade da inclusão ou reinclusão dos excluídos.  [44]

Esta impossibilidade do Estado em reincluir, acarreta sem dúvida alguma, problemas futuros na conduta do indivíduo que se encontra em pleno desenvolvimento e exposto a um ambiente desfavorável a ele.

Cumpre ressaltar que é justamente na adolescência que o individuo adquire a capacidade de criticar sistemas sociais e de propor novos códigos de conduta.

Ensina Clara Rappaport:

Na adolescência o sujeito será então capaz de formar esquemas conceituais abstratos, conceitos como o amor, fantasia, justiça e democracia, e realizar com eles operações mentais que formam o princípio da lógica formal, o que lhe dará, sem dúvida, uma imensa em termos de conteúdo e flexibilidade de pensamento. Com isso adquire a capacidade para criticar os sistemas socias e propor novos códigos de conduta. [45]

Nessa fase da vida, o adolescente sofre uma influência direta das “más” companhias, pois é justamente neste período, que vai formar suas convicções no que diz respeito a sua conduta e valoriza, especialmente, as relações de inclusão e pertencimento baseadas em laços grupais.

Cabe, pois, uma definição mais precisa quanto à idade que compreende a adolescência.

Ensina Ana Cláudia V. S. Lucas:

O final da adolescência vai ocorrer em torno dos 18 ou 19 anos, quando o desequilíbrio dá início a uma estabilidade. O jovem supera o descontrole da segunda fase, atingindo a estabilidade, o que demonstra ter conseguido estabelecer uma boa estrutura de personalidade, ou então, atinge a estabilidade, mas com ausência das qualidades formais de um organismo, contaminado por padrões inaceitáveis, que podem comprometê-lo pelo restante de sua existência. [46]

Corrobora o entendimento de Tânia Zagury:

Na adolescência o indivíduo sofre uma série de variações emocionais, é comum períodos de serenidade sucederem-se a outros de extrema fragilidade emocional com demonstração freqüente de instabilidade, sentem-se imortais, fortes, capazes de tudo. As emoções são contraditórias. Deprimem-se com facilidade, passando de um estado meditativo e infeliz para outro pleno de euforia. [47]

Diante desses ensinamentos, fica claro, que o adolescente, neste período de sua vida é facilmente influenciado por seu grupo, podendo optar pelo caminho do crime, o que é mais comum para aqueles que sofrem com a exclusão social, considerando, também, a sensação de onipotência e excitação com o risco, próprias dessa fase.

Fazer-se presente na vida do educando é o dado fundamental da ação educativa dirigida às crianças e aos adolescentes excluídos da sociedade. A presença é o conceito central, o instrumento-chave e o objetivo maior desta pedagogia. A orientação básica desta pedagogia é resgatar o que há de positivo na conduta dos jovens em dificuldade, sem rotulá-los nem classificá-los em categorias baseadas apenas nas suas deficiências.  [48]

Porém, a delinqüência na adolescência, não se restringe apenas a exclusão, alguns estudiosos da área da psicologia sustentam que a delinqüência juvenil, está ligada também a fatores, tais como, a pobreza, a ausência da função paterna e ausência da mãe acabaram constituindo um contexto de vulnerabilidade, que levam os adolescentes à delinqüência. Nessa condição, desassistidos dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, que possibilitam o desenvolvimento em condições de liberdade e dignidade, a rua se torna uma alternativa ou o único espaço no qual esses sujeitos podem se reconhecer e adquirir uma identidade. [49]

Para Simone dos Santos Paludo:

O desenvolvimento moral é um processo racional e cognitivo, no qual a criança constrói um código moral por si mesma, baseada nas interações com os pares. Dessa forma, os adultos e as figuras de autoridade não transmitem regras e normas diretamente, a moralidade da criança é autoconstruída a partir da cultura que a cerca.  [50]

Nota-se que, o binômio exclusão social e ambiente desfavorável, qual seja, convívio próximo ao tráfico de drogas, prostituição, violência, entre outros, pode potencializar a delinqüência do adolescente.

Outro fator preponderante no comportamento delinqüente na adolescência é a inexistência ou a inobservância da autoridade dos pais, esta ausência afeta diretamente em sua conduta, como figuras que trazem o limite e a interdição (as proibições enquanto registros da lei).

Segundo Mariana Eizirik e David Simon Bergmann, crianças com ausência do pai biológico têm duas vezes mais probabilidade de repetir o ano escolar, e que crianças que apresentam comportamento violento nas escolas têm onze vezes mais chance de não viver na companhia do pai biológico do que crianças que não têm comportamento violento. Essas crianças, principalmente meninos, evidenciam maiores dificuldades nas provas finais e uma média mais baixa de leitura.  [51]

Para Winnicott, a criminalidade na adolescência está diretamente ligada ao fato da privação de uma estrutura familiar adequada, e tal privação potencializa a exteriorização de condutas delitivas, não obstante, o meio violento, onde vive o adolescente também contribui para a prática de pequenos delitos. [52]

À parte de qualquer manifestação exteriorizada de violência, o adolescente muitas vezes experimenta uma grande violência em si e em torno de si. Seus afetos, suas pulsões, seus sistemas de idéias e/ou expressos com uma intensidade extrema, quase violenta. Aos olhos do adolescente, o mundo externo parece exercer sobre ele uma pressão que comumente julga violenta e da qual poderá desejar se desfazer utilizando a mesma violência.  [53]

A adolescência é de fato um momento muito difícil, devendo haver uma observância criteriosa por parte do responsável, tendo em vista, que grande parte dos posicionamentos supramencionados, apontam como causa principal da delinqüência, a ausência ou a desestruturação da família. Não obstante, é necessário um cuidado especial aos ambientes freqüentados pelos adolescentes.

A agressividade não é inerente à adolescência, como muitos pensam. O que caracteriza esta faixa etária, do ponto de vista do crescimento intelectual e afetivo é entre outras coisas, o antagonismo, ou seja, a capacidade incansável e inesgotável do jovem de se opor, contestar e colocar-se contra tudo ou quase tudo que pessoas revestidas de algum grau de autoridade lhe apresentam, em especial se essas pessoas forem pai e mãe.  [54] 

Pode ainda, ocorrer a instabilidade emocional, as grandes mudanças físicas, intelectuais, emocionais e sociais que ocorrem na adolescência, podem influenciar o humor, a produção desordenada de hormônios, por exemplo, levando a fortes e contraditórios sentimentos, alternando alegria, euforia, tristeza e melancolia. Sem dúvida, isso pode tornar a convivência em família bastante difícil. [55] 

Porém, não se restringe a estes fatores a delinqüência na adolescência, ocorre ainda, os casos de desajustes cívicos e sociais, que para Berta Heil Ferreira, é a verdadeira delinqüência. Em seu estudo, concluiu que apenas de 2 a 5% dos adolescentes possuem transtorno de conduta. [56]

O transtorno de conduta é uma espécie de personalidade anti-social na juventude. Como a personalidade não está completa, antes dos 18 anos não se pode dar o diagnóstico de personalidade patológica para menores, mas a correspondência que existe entre a personalidade anti-social e o transtorno de conduta é muito próxima. Certos comportamentos como mentir ou matar aula podem ocorrer em qualquer criança sem que isso signifique desvios do comportamento, contudo a partir de certos limites pode significar. Para se diferenciar o comportamento desviante do normal é necessário verificar a presença de outras características e comportamentos desviantes, a permanência deles ao longo do tempo. [57]

Muitos adolescentes para fugir de uma situação de tensão, buscam a “estrada”, isto é, uma espécie de vontade deliberada de ruptura com a família e o “sistema”. Trata-se mais, ou pelo menos tanto, de partir e romper com o meio anterior. Uma das características do “estradeiro” reside em manifestar certo conformismo em seu anticonformismo, como mostram o aspecto físico, o vestuário, e a linguagem comum, já a “fuga”, é uma partida impulsiva, brutal, mais comumente solitária, limitada no tempo, normalmente sem objetivo preciso, em uma atmosfera de conflito, com a família ou com a instituição em que o adolescente encontra-se internado. Todas essas condutas representam uma tensão interna. Todavia, presunção do normal e do patológico não repousa nestas condutas em si, mas em suas significações.  [58] 

O problema reside na repetição destas condutas, nas quais se costuma encontrar igualmente outros tipos de atuação, delitos, tentativa de suicídio e ingestão de drogas, e para os quais freqüentemente se invoca o diagnóstico de tendência psicopata.

O furto representa a conduta delinqüente mais comum na adolescência, com efeito, as infrações contra os bens totalizam 75% de todas as infrações. A conduta de furto é por si só, responsável por grande parte do aumento nas cifras de delinqüência. Ademais, dois tipos predominam largamente entre as múltiplas condutas de furto, o furto de veículo e o furto em estabelecimentos comerciais. O furto de veículo representa a quarta parte de todos os delitos e muitas vezes esse delito é visto como um “empréstimo”.  [59]

A violência contra pessoas não apresenta mais do que 9% do total de delitos cometidos por adolescentes. A conduta homicida permanece excepcional, mas ainda que felizmente sejam raros, devemos notar dois elementos, um relativo aumento em seu número e uma idade cada vez mais precoce. Os fatores ambientais e sócio-econômicos parecem pesar muito, pois dois terços destes casos provêm de zonas urbanas desfavoráveis, cujos adolescentes fazem parte de bandos. O assassinato é mais freqüentemente cometido em grupo do que solitariamente. A maioria destes adolescentes já apresenta antecedentes de delinqüência, drogas, alcoolismo e, por vezes, antecedentes psiquiátricos.  [60]

No plano psicológico, o furto de veículo faz-se muitas vezes sem um contexto impulsivo, em resposta a uma necessidade imediata e a uma ocasião presente. Segundo Henry, trata-se de um delito “charneira”, pois a evolução do adolescente dependerá muito da resposta dada a esta primeira conduta delinqüente, a reação judiciária poderá fazer com que o futuro do jovem se incline quer para uma liquidação da conduta, quer, ao contrário, para um engajamento confirmado na dissocialidade. [61]

Diante desta assertiva, conclui-se que a intervenção do Estado em face aos primeiros contatos com a criminalidade na adolescência, poderia de fato, agir na raiz deste problema, recuperando o adolescente infrator, quando ainda é possível recuperá-lo.

A questão da delinqüência, não é uma regra geral, deve-se analisar o caso concreto, são inúmeros os fatores que podem levar o jovem para o mundo da criminalidade, porém, os considerados portadores de transtorno de conduta, como pequenos furtos, pichações na escola, etc., representam número expressivo, sem ainda fechar critérios diagnósticos para uma psicopatia.

1.6 O ADOLESCENTE INFRATOR EM FACE À CONTAMINAÇÃO CARCERÁRIA

Há muito já se discute quanto à falência do sistema prisional no Brasil, porém, diante da possibilidade da redução da maioridade penal, urge enfatizar tal assunto, pois é para lá que será encaminhado o adolescente infrator da norma penal, se de fato ocorrer à redução da maioridade penal.

Segundo Luis Flávio Gomes:

Os dois maiores grupos de criminosos que atualmente aterrorizam as maiores cidades do Brasil nasceram dentro de nossos presídios: O Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, RJ, e o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, SP. Isso reforça a idéia da ineficiência dos nossos presídios para a recuperação ou ressocialização dos criminosos. [62]

A total falência do sistema prisional é um fato, as prisões brasileiras não recuperam, ao contrário, degradam a condição humana, transformando o preso em um ser menos valorado em face aos outros cidadãos.

Para Carnelutti, o preso, ao sair da prisão, acredita não ser mais preso, mas as pessoas não. Para elas, ele sempre será um preso, um encarcerado, no mais, diz-se um ex-carcerário, nesta fórmula está a crueldade e está o engano. [63]

É de conhecimento de todos que as prisões brasileiras há muito não recuperam, porém, como se não bastasse, há ineficácia para o fim a que é destinada. As prisões potencializam o grau de criminalidade do recluso, tendo em vista a situação subumana a que o preso é submetido, a exemplo da superlotação dos presídios e o número elevado de casos de contaminação do vírus HIV.

A prisão é de fato uma monstruosa opção. O cativeiro das cadeias perpetua-se ante a insensibilidade da maioria, como uma forma ancestral de castigo. Para recuperar, para ressocializar, como sonharam os nossos antepassados?  Positivamente, jamais se viu alguém sair de um cárcere melhor do que entrou.  E o estigma da prisão?  Quem dá trabalho ao indivíduo que cumpriu pena por crime considerado grave? Os egressos do cárcere estão sujeitos a uma outra terrível condenação: o desemprego. Pior que tudo, são atirados a uma obrigatória marginalização. Legalmente, dentro dos padrões convencionais não podem viver ou sobreviver. A sociedade que os enclausurou, sob o pretexto hipócrita de reinseri-los depois em seu seio, repudia-os, repele-os, rejeita-os.  Deixa, aí sim, de haver alternativa, o ex-condenado só tem uma solução: incorporar-se ao crime organizado. Não é demais martelar: a cadeia fabrica delinqüentes, cuja quantidade cresce na medida e na proporção em que for maior o número de presos ou condenados. [64]

O sistema prisional é um espetáculo de horrores, que não choca a opinião pública e não comove os governantes, porque exatamente isso o que se espera dele: a expiação da culpa, o sofrimento, a punição do corpo e da alma dos depositários das nossas mazelas sociais. [65]

Somando as circunstâncias, de que o adolescente, até a faixa etária dos 18 anos ainda não ter atingido seu desenvolvimento completo, e a situação de extrema precariedade do sistema carcerário, não seria uma saída para a diminuição da criminalidade no País. Não se trata apenas da capacidade de entendimento do adolescente, mas também do inconveniente de submetê-lo ao mesmo sistema reservado aos adultos comprovadamente falidos.  [66]

A prisão perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece, é uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas, onde se diploma o profissional do crime. Se não a pudermos eliminar de uma vez, só devemos conservá-la para os casos em que ela é indispensável.  [67]

Tal situação se comprova pelo elevado número de reincidentes, cerca de 70% dos egressos do sistema carcerário retomam a prática da criminalidade. [68]

De uma parte as leis castigam a traição. De outro, autorizam-na. O legislador, com uma das mãos, aperta os laços de sangue e de amizade e com a outra, dá o prêmio àquele que a rompe. Sempre em contradição com ele mesmo, ora tenta disseminar a confiança e encorajar os que duvidam, ora espalha a desconfiança em todos os corações. Para prevenir um crime, faz com que nasçam cem. [69]

A citação supra muito bem se enquadra na questão da redução da maioridade penal, no que diz respeito à inoperância do Estado, pois este, não conseguindo agir na raiz do problema, busca uma forma alternativa de reduzir a criminalidade, agindo na conseqüência, enquanto devia agir na causa.

A pena deve ser usada como profilaxia social, não só para intimidar o cidadão, mas também para recuperar o delinqüente. [70]

O sistema prisional, não tem por escopo, apenas a segregação, tem por finalidade primordial a ressocialização, a pena não deveria ter apenas finalidade retributiva, buscando satisfazer o anseio por justiça da sociedade, deveria, na verdade recuperar, ressocializar.



 

Notas

1.   CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Ed. 12. v. 1. São Paulo, SP: Saraiva. 2008. p. 299.

2.   ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. V. 1. 5. ed. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2004. p. 572.

3.   CAPEZ, Fernando, op.cit., p.300.

4.   MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. v 1 .9. ed. São Paulo, SP: Atlas, 1996. p. 187.

5.   MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. v 1 .9. ed. São Paulo, SP: Atlas, 1996. p. 188.

6.   ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. V 1. 5. ed. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2004. p. 573.

7.   JESUS, Damásio E de. Direito Penal Parte Geral. v 1. 16. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 1996. p. 413.

8.   CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte geral. v. 1. ed. 12. São Paulo, SP: Saraiva. 2008. p. 304.

9.   Ibid., p. 305.

10.   JESUS, Damásio E de. Direito Penal Parte Geral. v 1. 16. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 1996. p. 402.

11.    CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte geral. v. 1. ed. 12. São Paulo, SP: Saraiva. 2008. p. 305.

12.   JESUS, Damásio E de. Direito Penal Parte Geral. v 1. 16. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 1996. p. 403.

13.   TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no delito penal. São Paulo, SP: Saraiva, 1977. p. 21.

14.   CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte geral. v. 1. ed. 12. São Paulo, SP: Saraiva. 2008. p. 307.

15.   Ibid., p. 305.

16.   Teoria da Culpabilidade. Disponível em: http://http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047">http://jus.com.br/revista/texto/5047&p=2. Acesso em: 28 mar. 2009.

17.   Ibid.

18.   BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de Direito penal, São Paulo, SP: Saraiva. 1996. p.105.

19.   MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. v 1 .9. ed. São Paulo, SP: Atlas, 1996. p. 95.

20.   CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte geral. v. 1. ed. 12. São Paulo, SP: Saraiva. 2008. p. 305.

21.   ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. V 1. 5. ed. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2004. p. 370.

22.   MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. v 1 .9. ed. São Paulo, SP: Atlas, 1996. p. 202. 

23.   Ibid., p. 202.

24.   JESUS, Damásio E de. Direito Penal Parte Geral. v 1. 16. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 1996. p. 410.

25.   Art. 27 do Código Penal: Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos as normas estabelecidas na legislação especial

26.   TRINDADE, Jorge, Delinqüência Juvenil. 2. ed. Porto Alegre, RS: Livraria do Advogado, 1996. p. 43.

27.   MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. v 1 .9. ed. São Paulo, SP: Atlas, 1996. p. 208.

28.   PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v 1. 2. ed.  São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2000. p. 272.

29.   MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. v 1 .9. ed. São Paulo, SP: Atlas, 1996. p. 208.

30.   CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte geral. v. 1. ed. 12. São Paulo, SP: Saraiva. 2008. p. 311.

31.   Ibid., p. 311.

32.   Ibid., p. 311.

33.   PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v 1. 2. ed.  São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2000. p. 271.

34.   Ibid., p. 271.

35.   MESQUITA, Myriam. Violência, segurança e justiça: a construção da impunidade. Rio de Janeiro, RJ: Revista de Administração Pública nº 32, 1998: 110.

36.   SARAIVA, João Batista da Costa. Adolescente e Ato Infracional. Porto Alegre, RS: Livraria do Advogado. p . 25.

37.   ESTEVÃO, Roberto da Freiria. A redução da Maioridade Penal é Medida Recomendável Para a Diminuição da Violência? In Revista Jurídica, nº 361. Porto Alegre, RS: Notadez, ano 55, 2007. p. 118. 

38.   Ibid., p. 120.

39.   SARAIVA, João Batista da Costa. Não a Redução da Maioridade Penal in Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 71. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, ano 16, 2008. p 62.

40.   SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre, RS: Livraria do Advogado, 2003. p. 65

41.   Disponível em: http://www.almg.gov.br/not/bancodenoticias/Not_599785.asp. Acesso em: 22 abr. 2009.

42.   DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social. São Paulo, SP: Paz e Terra. 1999. p. 37

43.   MARTINS, José de S. A Chegada do Estranho. São Paulo, SP: Hucitec. 1993. p. 65.

44.   MARTINS, José de S. Exclusão Social e a nova Desigualdade. 3. ed. São Paulo, SP: Paulus. 2007. p. 26.

45.   RAPPAPORT, Clara. Psicologia do Desenvolvimento. 1. ed. São Paulo, SP: Pedagógica Universitária, 1988. p. 74.

46.   LUCAS. Ana Cláudia V. S. in BITENCOURT, Cezar Roberto. Crime e Sociedade. 1. ed. São Paulo, SP: Juruá, 2000. p. 49.

47.   ZAGURY, Tânia.  Educar Sem Culpa, a Gênese da Ética. São Paulo, SP: Record, 2000. p. 82.

48.   COSTA, Antonio C. A Presença da Pedagogia: Métodos e Técnicas de Ação Socioeducativa. São Paulo, SP: Global. 1999. p 57.

49.   FEIJÓ, Maria Cristina e ASSIS, Simone Gonçalves. O contexto de exclusão social e de vulnerabilidade de jovens infratores e de suas famílias in Revista Estudos de Psicologia, n 1, v 9, Natal, RN, EDUFRN. 2004. p. 157.  

50.   PALUDO, Simone dos Santos. A Expressão das Emoções Morais da Crianças em Situação de Rua. Dissertação de Mestrado. UFRGS, 2004. p. 32.

51.   Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rprs/v26n3/v26n3a10.pdf. Acesso 25 abr. 2009.

52.   WINNICOTT D. W. in BITENCOURT, Cezar Roberto. Crime e Sociedade. 1. ed. São Paulo, SP: Juruá, 2000. p. 49.

53.   FILMAN, Alceu Edir. Manual de Psicologia do Adolescente. São Paulo, SP: Masson. 1989. p. 95.

54.   ZAGURY, Tânia. Encurtando a Adolescência. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1999. p. 47.

55.   Ibid., p. 48.

56.   FERREIRA, Berta Heil. Adolescência: Teoria e Pesquisa. Porto Alegre, RS: Sulina, 1980. p. 102.

57.   Disponível em: http://www.psicosite.com.br/tra/inf/conduta.htm. Acesso em: 14 mai. 09.

58.   FILMAN, Alceu Edir. Manual de Psicologia do Adolescente. São Paulo, SP: Masson. 1989. p. 93.

59.   Ibid., p. 94.

60.   ZAGURY, Tânia. Encurtando a Adolescência. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1999. p. 46.

61.   FILMAN, Alceu Edir. Manual de Psicologia do Adolescente. São Paulo, SP: Masson. 1989. p. 94.

62.   Disponível em: http://http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552">http://jus.com.br/revista/texto/9552r. Acesso em: 02 mai. 2009.

63.   CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. São Paulo, SP: Minelli, 2006. p. 20.

64.   SILVA, Evandro Lins e. De Beccaria a Filippo Gramatica, in JÚNIOR, Araújo. Sistema Penal para o Terceiro Milênio. Rio de Janeiro, RJ: Revan, 1991.  p. 25.

65.   AZEVEDO, Rodrigo Ghringuelli de. Visões da Sociedade Punitiva: elementos para uma sociologia do controle penal In Gauer, Ruth Maria Chittó. Sistema Penal e Violência. Rio de Janeiro, RJ: Lúmen Júris, 2006, p. 12. 

66.    WEINNANN, Amadeu de Almeida.  Da Responsabilidade Penal do Menor In Revista Magister de Direito e Processo Penal. 16 . Porto Alegre, RS: Magister. P.  85.

67.   BECCARIA, Cesare, Dos delitos e das penas. São Paulo, SP: Martin Claret, 2000, p. 45.

68.   THOMPSON, Augusto. Quem são os Criminosos? Rio de Janeiro, RJ: Lúmen Júris, 1998. p. 99.

69.   SILVA, Evandro Lins e. De Beccaria a Filippo Gramatica, in JÚNIOR, Araújo. Sistema Penal para o Terceiro Milênio. Rio de Janeiro, RJ: Revan, 1991. p.  27.

70.   MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 18 ed. São Paulo, SP: Atlas, 2001. p. 39.