Dano Moral por ricochete na seara Trabalhista


Porbarbara_montibeller- Postado em 13 março 2012

Autores: 
LOPES, William Cândido

1 – CONCEITO DE DANO MORAL EM RICOCHETE

A responsabilização civil decorrente de danos encontra em constante e crescente atualização para garantir, de forma cada vez mais ampla e irrestrita, a integral reparação devida ao patrimônio material e imaterial das vítimas de ato ilícito de terceiros.

 

Ao longo deste processo de atualização, a doutrina francesa desenvolveu teoria sobre o que nomeou de dano par ricochet[1], expressão alusiva ao vocábulo ricochetear, conforme transcrição abaixo:

 

“embora o dano deva ser direto, tendo como titulares da ação aqueles que sofrem, de frente, os reflexos danosos, acolhe-se também o dano derivado ou reflexo, “le dommage par ricochet”, de que são os titulares que sofrem, por conseqüência, aqueles efeitos, como no caso do dano moral sofrido pelo filho diante da morte de seus genitores e vice-versa”[2].

 

De outro turno, traz-se o conceito jurisprudencial desenvolvido pelo Doutrinador Sebastião Geraldo de Oliveira, Desembargador do TRT da 3ª Região, em julgado daquela Corte Trabalhista, in verbis:

 

“Dano moral indireto, reflexo ou, em ricochete, é aquele que, sem decorrer direta e imediatamente de certo fato danoso, com este guarda um vínculo de necessariedade, de modo manter o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o prejuízo. Ainda que sejam distintos os direitos da vítima imediata e da vítima mediata, a causa indireta do prejuízo está intensamente associada à causa direta, tornando perfeitamente viável a pretensão indenizatória”[3].

 

Pode se concluir então, após a análise dos supracitados conceitos, que não apenas a vítima direta pode fazer jus à reparação cabível em caso de ato ilícito, mas também outras pessoas que, indiretamente, isto é, por ricochete, tenham sofridos seus efeitos. Significa reconhecer que um ato danoso repercute de várias maneiras nas vidas das pessoas, gerando uma multiplicidade de conseqüências que se irradiam, muitas vezes, para além do patrimônio do indivíduo diretamente atingido, violando o patrimônio moral e material de terceiros.

 

Sérgio Cavalieri Filho aponta a vítima do dano reflexo como sendo a “titular de relação jurídica que é afetada pelo dano não na sua substância, mas na sua consistência prática”[4].

 

No caso de responsabilidade extrapatrimonial, esse terceiro se identifica na pessoa daqueles que compõem o círculo de convivência mais íntimo da vítima direta, conforme leciona Maria Helena Diniz, vejamos:

 

“Na responsabilidade extracontratual é mais fácil caracterizar o direito à indenização dos lesados indiretos. P. ex.: o homicídio de uma pessoa (vítima direta) pode provocar, como vimos, danos a terceiros, lesados indiretos, que deverão ser indenizados de certas despesas que terão de fazer (CC, art. 948). Os lesados indiretos pela morte de alguém serão aqueles que, em razão dela, experimentem um prejuízo distinto do que sofreu a própria vítima. Terão legitimação para requerer indenização por lesão a direito da personalidade da pessoa falecida, o cônjuge sobrevivente, o companheiro (Enunciado n. 275 do CJF aprovado na IV jornada de Direito Civil), qualquer parente em linha reta, ou colateral até quarto grau (CC, art. 12, parágrafo único)”[5].

 

Na mesma linha, Rui Stoco leciona que “o dano sofrido pela vítima pode repercutir em terceira pessoa, de sorte que esta, indiretamente, sofrerá detrimento. A hipótese é a de uma pessoa que sofre o “reflexo” de um dano causado a outra pessoa”[6].

 

Em outros dizeres, o que a doutrina denomina de dano moral em ricochete, dano moral reflexo ou, ainda, de dano moral indireto, é o dano que, gerado a partir do acontecimento envolvendo determinada pessoa, possui a capacidade de causar sofrimento a diversas outras que não foram diretamente atingidas.

 

Na Seara Trabalhista esse dano deve ocorrer no bojo de uma relação de trabalho ou em decorrência dela, de modo que sejam lesados, além do próprio trabalhador, pessoas de sua convivência próxima, sensíveis ao ato danoso que possa vir a afetá-lo.

 

2 – DISPOSIÇÕES NORMATIVAS

Atualmente, o ordenamento jurídico pátrio não contempla norma específica para o dano em ricochete. Cumpre ressaltar, contudo, que o artigo 927 do Código Civil, ao estatuir a responsabilidade daquele que, “por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, não faz qualquer restrição a ser o indenizado apenas a vítima diretamente lesionada.

 

O próprio artigo 186 do Código Civil definiu tratar-se de ato ilícito aquele que “violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral”, dispositivo que deve ser interpretado de maneira a conferir eficácia plena à reparação de qualquer dano relevante, patrimonial ou extrapatrimonial, ainda que provocado por via reflexa.

 

Na mesma linha, o artigo 944 do Código Civil, ao prescrever que “a indenização mede-se ela extensão do dano”, cria parâmetro objetivo a ser utilizado para aferição de indenização de qualquer pessoa vitimada, seja ela direta ou indiretamente atingida.

 

Em verdade, deve-se promover a leitura do instituo à luz da Constituição Federal, cuja força irradiante se faz sentir em todo o ordenamento jurídico, informando a criação de novas normas que a ela não contrariem e a interpretação daquelas já componentes do sistema jurídico.

 

Nesse sentido, a compensação do dano moral direto e indireto, assenta suas raízes na proteção da própria dignidade da pessoa humana, alçada a princípio fundamental da República Federativa do Brasil pelo art. 1º, II, da Carta Magna.

 

Não fosse o suficiente, também jaz inscrito dentre os direitos fundamentais expressos no texto constitucional, a teor do art. 5º, inc. X, que dita serem invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. O mesmo se dá em relação ao rol de direitos sociais do art. 7º,cujo inciso XXVIII prevê, como direito dos trabalhadores, “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado,quando incorrer em dolo ou culpa”.

 

Destarte, a interpretação a ser conferida à reparabilidade de danos morais deve ser a mais ampla possível, a fim de que não sejam mitigados direitos fundamentais dos trabalhadores ou de seus entes mais próximos.

 

Nesse diapasão, Francisco Gérson Marques de Lima leciona que:

““quando a CF prevê como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), já está, por si só, vedando os maus tratos carcerários,resguardando o direito à intimidade e o respeito à integridade moral, bem como o direito à sobrevivência, segundo padrões dignos da sociedade atual. Daí porque o direito personalíssimo do cidadão há de sofrer interpretações ampliativa e progressista”[7](grifo nosso).

 

Seguindo o mesmo raciocínio, lembrando a dimensão constitucional da reparação do dano moral, Sérgio Cavalieri Filho explica que hoje vigora o que pode ser chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade, tendo a Constituição conferido “ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos[8].

 

A importância da proteção ao ser humano no cerne do processo que promoveu a superação do positivismo clássico e a constitucionalização do Direito Civil, que o Código Civil de 2002, em harmonia com o princípio constitucional basilar da dignidade da pessoa humana, trouxe à baila capítulo específico sobre os direitos de personalidade[9]

 

Esse capítulo, ao estatuir, no art. 12, que se pode “exigir que cesse a ameaça ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos,sem prejuízos de outras sanções previstas em lei”, também confere base normativa ao pedido de indenização por dano causado a direito personalíssimo de qualquer ser humano, ainda que atingido por via reflexa, ou seja, em face de prejuízo causado diretamente a outra pessoa que com ele se relacione.

 

3 – HIPÓTESES DE DANO MORAL REFLEXO DECORRENTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA

Não há que se olvidar que, no campo das relações trabalhistas, o fato danoso que mais comumente possui o condão de incidir para além da figura do próprio empregado é o ligado ao acidente de trabalho, especialmente o que acarreta o óbito do trabalhador.

 

Isso ocorre porque a morte do trabalhador desestrutura o núcleo familiar, não somente com a extinção da renda auferida com o seu trabalho, por si só motivo de angústia para os familiares, mas pelo sofrimento que o óbito provoca aos entes afetivamente mais ligados, privados da convivência de quem era pai, irmão, cônjuge, noivo, um amigo querido. Enfim, de alguém cuja existência se conectava mais estreitamente à rotina e à vida de outras pessoas.

 

Cumpre ressaltar que a vida é o bem jurídico mas fundamental do ser humano, e do qual decorrem todos as outras salvaguardas intrínsecas à condição humana, tais como o direito à integridade física e psíquica, à imagem, à intimidade,à honra e à liberdade em suas mais variadas vertentes.

 

Destarte, quando a vida do ser humano é ceifada em decorrência de seu trabalho, ocorre a mais grave ruptura da cartilha de direitos personalíssimos da pessoa natural, repercutindo diretamente no círculo sócio-afetivo que compunha a intimidade desse trabalhador.

 

Por isso, atualmente, não restam dúvidas sobre a lesividade do evento “morte” sobre terceiros, fazendo com que a casuística registre as mais diversas ações originadas da morte do trabalhador quando provocada em decorrência e no bojo da relação empregatícia.

 

Nessa vertente traz-se a colação da seguinte decisão, em que se reconheceu o dano moral reflexo ocasionado pela morte do empregado em assalto ocorrido durante a jornada de trabalho:

“DANO MORAL EM RICOCHETE. ASSALTO. MORTE DO EMPREGADO. Provado nos autos que o empregado faleceu em decorrência de assalto ocorrido no local e horários de trabalhos, diante da negligência da ré quanto à segurança privada em seu estabelecimento, o empregador tem que ser responsabilizado pelo dano moral suportado pela esposa do de cujus, assim denominado dano reflexo ou em ricochete, definido como o prejuízo sofrido por pessoa próxima ligada à vítima direta do ato ilícito.”[10].

 

Traz-se à baila, a teor de ilustração e conhecimento, o seguinte aresto:

 

““Acidente de trabalho. Dano moral. Culpa patronal caracterizada pela permissão de lavagem do tanque do caminhão sem a observância de procedimento de medições exigidas em seus manuais. Concausa da morte em razão de problemas cardíacos originados da falta de ar sofrida quando da limpeza do tanque de caminhão sem oxigênio. Transtornos típicos para a indenização moral, renda mensal vitalícia para os herdeiros e constituição de capital.”[11].

 

Nem sempre, contudo, o óbito será fator determinante para o reconhecimento da lesão reflexa a direitos personalíssimos.

 

Pode-se tomar como exemplo, o caso em que o acidente de trabalho tenha deixado seqüelas gravíssimas no empregado,incapacitando-o para o trabalho, bem como deixando-o dependente de cuidados especiais pelo tempo de vida restante. Em tal hipótese é inegável o prejuízo moral causado autonomamente ao núcleo familiar desse trabalhador, talvez em grau ainda mais acentuado que o provocado pela morte, haja vista a lesão perpetuar-se ao longo do tempo de sobrevida do obreiro.

 

Em caso dessa natureza, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu o direito a indenização dos “familiares do empregado, vítima de acidente de trabalho que ficou irreversivelmente inválido e dependente de cuidados especiais[12].

 

Nesse sentido, traz-se a colação de Acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, in verbis:

 

““RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL REFLEXO. REPARABILIDADE. Dano moral indireto, reflexo ou em ricochete é aquele que, sem decorrer direta e imediatamente de certo fato danoso, com este guarda um vínculo de necessariedade, de modo a manter o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o prejuízo. Ainda que sejam distintos os direitos da vítima imediata e da vítima mediata, a causa indireta do prejuízo está intensamente associada à causa direta, tornando perfeitamente viável a pretensão indenizatória. Nesse passo, constatando-se que o acidente de trabalho sofrido pelo marido da reclamante provocou lesão em sua coluna vertebral, limitando-lhe os movimento de braço e perna do lado esquerdo, prejudicou sua locomoção e lhe impôs restrições na vida afetiva, não se pode negar os danos reflexos causados à sua esposa,que sofreu alteração dolorosa e drástica na vida de relação e na vida doméstica, sem falar nas repercussões emocionais de tal situação, tudo compondo um quadro fático que clama por reparação”[13].

 

Mesmo fora da seara do acidente de trabalho não é difícil cogitar outras hipóteses em que os ilícitos cometidos contra o trabalhador podem ferir o patrimônio moral de terceiros.

 

Vale lembrar os casos em que trabalhadores são forçados a prestar seu labor em condições análogas às de escravo. Geralmente são levados para lugares distantes de suas moradias, onde ficam impossibilitados de se comunicarem, de retornarem para o convívio familiar ou mesmo de proverem o sustento dos que de si dependem. Não há como negar que seus familiares, privados de sua convivência e do sustento que lhes devia ser proporcionado, também são atingidos pelo ilícito, fazendo jus à reparação moral cabível.

 

Outro caso em que tal lesão é evidente ocorre no aliciamento de mulheres, muitas vezes para o exterior, que se tornam vítimas de exploração sexual, sendo forçadas à prostituição para promover seu sustento.

 

Em tais casos, não há como negar, à semelhança do trabalho em condições análogas à de escravo, que o quadro é de tal maneira degradante que macula o patrimônio moral não somente da pessoa diretamente envolvida, mas também do núcleo familiar que lhe é mais próximo.

 

Recentemente, ao julgar o HC nº 95848, o Supremo Tribunal Federal manteve em prisão um empregador condenado por torturar e jogar soda cáustica em um funcionário de sua empresa.

 

Segundo noticiado no sítio eletrônico do STF[14], as investigações policiais revelaram que o empresário queria que o funcionário assumisse a culpa por um furto ocorrido na empresa. Em vista de ato ilícito tão grave cometido pelo empregador, não é razoável conceber que a família também não seja reflexamente atingida ao acolher de volta no recesso do lar, doente e abalado, o pai de família que vira sair saudável no começo do dia.

 

Mas não somente a violência física contra o trabalhador é capaz de gerar danos aos seus familiares. Casos há em que o assédio sexual e o assédio moral no ambiente de trabalho podem provocar abalo psíquico de tal monta no ser humano que o levam a desenvolver fobias, comportamento depressivo e outras chagas cujas consequências são sentidas no seio familiar de maneira contundente.

 

Em verdade, muitas outras situações podem dar azo à reparação do dano moral indireto.

 

 Importante trazer a baila seguinte ponderação: nem todo ato ilícito provoca o nascimento de danos morais reflexos, mas somente aqueles que, por seu relevo e magnitude, agridem o trabalhador de tal maneira que lesionam não somente a ele, mas aos que com ele compartilham da convivência diária. O sopesamento é de ser feito caso acaso pelos operadores do direito que militam na Justiça do Trabalho, não havendo espaço para fórmulas pré-concebidas quando a matéria é conferida pela dinâmica da própria vida humana em suas múltiplas relações interpessoais.

 

4 – COMPETÊNCIA

Não há mais dúvidas de que pertence à Justiça do Trabalho a competência para julgar ações indenizatórias de danos morais e materiais decorrentes da relação empregatícia, notadamente após a paradigmática decisão em que o Supremo Tribunal Federal, revendo sua jurisprudência, declarou que tais lides, quando pautadas em acidente de trabalho,pertenciam, com efeito, à esfera competencial jus trabalhista, definindo como marco inicial o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004[15].

Tal fato foi matéria da Súmula Vinculante nº 22, cujo teor cristaliza o entendimento do Excelso Pretório, sobre a competência da Justiça do Trabalho, quando a causa de pedir versar sobre a reparação de danos decorrentes de acidente de trabalho, in verbis:

 

““A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional no 45/04”.

 

A competência para tais ações se justifica no inciso VI, do art. 114 da Carta Política, que insere no rol competencial da Justiça do Trabalho "as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho", não colocando, o legislador constituinte derivado, restrições a serem tais danos diretos ou indiretos, sendo bastante que decorram da relação trabalhista.

 

Consoante esclarece Francisco Gérson Marques de Lima as controvérsias decorrentes da relação de trabalho são, justamente, as surgidas do trabalho, "mas apenas indiretamente ou reflexamente, por via oblíqua, podendo se referir a terceiros que se viram atingidos, de alguma forma, pela prestação dos serviços, ou cujas obrigações não sejam especificamente laborais[16], o que se adapta, perfeitamente, às situações em que a ação é ajuizada por terceiros que se sintam atingidos, em seu patrimônio moral, com a lesão por ele sofrida.

 

Com efeito, em nada altera a competência o fato de o objeto da lide ser a reparação de danos morais sofridos, indiretamente, por terceiros, haja vista que a origem de tais danos reside no mesmo fato delituoso, ou seja, no ato ilícito praticado no bojo de relação trabalhista.

Nessa linha de entendimento, os operadores do direito do trabalho reunidos na I Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho[17] aprovaram tese pela competência da Justiça Laboral quando se tratar de ação ajuizada para reparação de danos em ricochete, consubstanciada no Enunciado nº 36, assim redigido:

 

ACIDENTE DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. AÇÃO AJUIZADA POR HERDEIRO,DEPENDENTE OU SUCESSOR.Compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar ação de indenização por acidente de trabalho, mesmo quando ajuizada pelo herdeiro,dependente ou sucessor,inclusive em relação aos danos em ricochete. (destacou-se).

 

O próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar lides sobre indenização de danos morais, confirmou a linha jurisprudencial inaugurada com o CC 7.204, declarando a competência material plena da Justiça do Trabalho para decidir as questões alusivas a danos morais decorrentes da relação empregatícia, ainda que em ações propostas pelos dependentes ou sucessores do trabalhador, senão vejamos:

 

“"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EPATRIMONIAIS, DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO AJUIZADAOU ASSUMIDA PELOS DEPENDENTES DO TRABALHADOR FALECIDO.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIAL.Compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar pedido de indenização por danos morais e patrimoniais, decorrentes de acidente do trabalho, nos termos da redação originária do artigo 114 c/c inciso I do artigo 109 da Lei Maior. Precedente: CC 7.204. Competência que remanesce ainda quando a ação é ajuizada ou assumida pelos dependentes do trabalhador falecido, pois a causa do pedido de indenização continua sendo oacidente sofrido pelo trabalhador ."[18].

 

““CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONSTITUCIONAL. JUÍZO ESTADUAL DEPRIMEIRA INSTÂNCIA E TRIBUNAL SUPERIOR. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA SOLUÇÃO DO CONFLITO. ART. 102, I, ‘O’,DA CB/88. JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA PARAJULGAMENTO DA AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAISDECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO PROPOSTA PELOS SUCESSORESDO EMPREGADO FALECIDO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA LABORAL.1. Compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir o conflito de competência entre Juízo Estadual de primeira instância e Tribunal Superior, nos termos do disposto no art. 102, I,‘o’, da Constituição do Brasil. Precedente [CC n. 7.027, Relator o Ministro CELSO DEMELLO, DJ de 1.9.95] 2.A competência para julgar ações de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho, após a edição da EC 45/04,é da Justiça do Trabalho. Precedentes [CC n. 7.204, Relator o Ministro CARLOSBRITTO, DJ de 9.12.05 e AgR-RE n. 509.352, Relator o Ministro MENEZES DIREITO,DJe de 1º.8.08]. 3.O ajuizamento da ação de indenização pelos sucessores não altera a competência da Justiça especializada. A transferência do direito patrimonial em decorrência do óbito do empregado é irrelevante. Precedentes. [ED-RE n. 509.353, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 17.8.07; ED-RE n.482.797, Relator o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 27.6.08 e ED-RE n.541.755, Relator o Ministro CÉZAR PELUSO, DJ de 7.3.08]. Conflito negativo de competência conhecido para declarar a competência da Justiça do Trabalho.”[19].

 

Respaldados por tal entendimento, os Tribunais Trabalhistas não têm destoado do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme julgados transcritos abaixo:

 

““RECURSO DE REVISTA - DANO MORAL - RECLAMAÇÃO TRABALHISTAAJUIZADA PELA FILHA DO EMPREGADO MORTO EM ACIDENTE DE TRABALHO -COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA LABORAL. Nos termos do art. 114, VI, da Constituição Federal, da Súmula nº 392 do TST e de reiterada jurisprudência desta Corte Superior, a Justiça do Trabalho afigura-se competente para o julgamento de demanda envolvendo o pagamento de danos morais decorrentes da relação laboral, ainda que a reclamação trabalhista seja ajuizada por herdeiro do empregado. Recurso de revista não conhecido.”[20].

 

“RECURSO DE REVISTA - 1. ACIDENTE DO TRABALHO - ÓBITO - AÇÃO DEINDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - AÇÃO AJUIZADA PELA VIÚVA E FILHOS DOTRABALHADOR FALECIDO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1.1.Diante do conteúdo do art. 114, inciso VI, da Constituição Federal, compete à Justiça do Trabalho julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes das relações de trabalho , aí incluídas aquelas fundadas em acidente do trabalho (Súmula392 do TST). 1.2. A competência, no caso, se estabelece em razão da matéria (STF,Conflito de Competência 7.204/MG, Rel. Min. Carlos Ayres Britto). 1.3. Com efeito, foge ao propósito das regras definidoras da competência da Justiça do Trabalho pretender que a qualidade das partes modifique o juízo competente para a apreciação da causa.Se a lide está calcada na relação de trabalho, se a controvérsia depende da análise dos contornos e do conteúdo dessa relação, a competência é da Justiça especial (STF, RE-AgR 503043/SP, Rel. Min. Carlos Ayres Britto). 1.4. A competência para processar e julgar ação de indenização por danos morais, decorrentes de acidente do trabalho, ainda que ajuizada pela viúva e dependentes do trabalhador falecido, é da Justiça do Trabalho.Recurso de revista conhecido e desprovido”[21].

 

Portanto, dúvida nenhuma resta, seja do ponto de vista de previsão constitucional, seja sob a ótica jurisprudencial do STF, do TST e do STJ, acerca da competência da Justiça do Trabalho para o deslinde de ações que tratem da reparação de danos morais reflexos decorrentes da relação empregatícia.

 

5 – LEGITIMIDADE

A questão relativa à legitimidade é o verdadeiro cerne da questão relativa da reparação de danos morais indiretos. Afinal, o acolhimento dessa doutrina, como se houvera um bigue-bangue jurídico, expandiu o universo de legitimados de maneira exponencial, exigindo uma nova maneira de pensar diversas questões atinentes à responsabilidade civil.

 

O receio, compreensível, é com a fomentação da chamada indústria do dano moral, de que muitos se utilizam para adquirir vantagens pecuniárias indevidas.

 

Nessa linha, grande parte dos doutrinadores se dedica a estabelecer limitações ao número de legitimados, desenvolvendo teorias que, volta e meia, permeiam as decisões do Poder Judiciário.

Importante asseverar, dentre as tais teses, a de que somente os que dependem economicamente do trabalhador possuem legitimidade para ajuizar, de modo autônomo, ações reparatórias de dano moral reflexo. Caio Mário da Silva Pereira ilustra bem essa corrente ao defender a adoção da regra da certeza do dano, ou seja, “se pela morte ou incapacidade da vítima, as pessoas, que dele se beneficiavam, ficaram privadas de socorro, o dano é certo, e cabe ação contra o causador”[22].

 

Contudo, esta corrente padece do vício de vincular o dano extrapatrimonial à necessária existência de prejuízo econômico, quando, na verdade, a origem do dano moral é o sofrimento provocado pelo ato ilícito e não necessariamente o dano patrimonial eventualmente originado do mesmo fato.

 

 Tanto assim o é que, consoante a Súmula 37 do STJ, é pacífico o entendimento de que “são cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato”. Em face disso, não é comum a adoção dessa tese pelos Tribunais pátrios.

 

Em sentido contrário, ou seja, consagrando a desnecessidade de dependência econômica dos terceiros para com a vítima direta, colhe-se, por todos, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

 

“"PROCESSUAL CIVIL E RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE. DANO MORAL.LEGITIMIDADE E INTERESSE DE IRMÃOS E SOBRINHOS DA VÍTIMA.CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA. CONVÍVIO FAMILIAR SOB O MESMO TETO.AUSÊNCIA DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTE DATURMA. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO.I – A indenização por dano moral tem natureza extrapatrimonial e origem, em caso de morte, no sofrimento e no trauma dos familiares próximos das vítimas. Irrelevante, assim,que os autores dos pedido não dependessem economicamente da vítima.II – No caso, em face das peculiaridades da espécie, os irmãos e sobrinhos possuem legitimidade para postular a reparação pelo dano moral."[23]

 

Outra tese de limitação ao número de legitimados é a que apregoa obediência à ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829 do Código Civil18. De acordo com essa corrente, se a indenização já houver sido requestada por herdeiro necessário, haverá impedimento em se conferir a compensação, pelo mesmo fato aos herdeiros subseqüentes na ordem de sucessão da norma civil.

Exemplo dessa corrente constou de julgado da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, assim ementado:

 

“INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – AÇÃO PROPOSTA PELA FAMÍLIA DOEMPREGADO FALECIDO EM ACIDENTE DE TRABALHO – PEDIDO FEITO EMNOME PRÓPRIO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – INDENIZAÇÃOPLEITEADA POR PAI E IRMÃOS DO EMPREGADO FALECIDO E ANTERIORMENTEJÁ DEFERIDA À VIÚVA E AO FILHO DO OBREIRO.(...)4. No que tange ao mérito, a rigor, o problema que se colocaria no presente caso, mas não esgrimido pela Reclamada, é o de já terem os herdeiros diretos do Obreiro recebido a indenização por dano moral, decorrente do sofrimento que tiveram com a morte daquele de quem eram dependentes.5. De acordo com o art. 1.829, I, do CC, são sucessores do falecido seus descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente. Só seriam sucessores do falecido os ora Reclamantes em caso de inexistência de descendentes (CC, art. 1.836). Ademais,conforme o art. 943 do CC, o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.

6. Assim, no caso, seria de se negar a indenização ao pai e aos irmãos do Obreiro falecido, pois a indenização já foi paga em outra reclamatória à viúva e seu filho. Do contrário, poder-se-ia chegar ao paroxismo de se pleitear dano moral pela perda de amigo íntimo em acidente de trabalho.(...)”[24].

 

A crítica que se faz a essa corrente, todavia, é a de que o dano moral reflexo não decorre de qualquer direito sucessório, haja vista pertencer ao próprio autor da ação e não àquele eventualmente sucedido em decorrência de óbito.

 

O direito vindicado, pois, não é direito do falecido transmissível sucessoriamente, mas direito próprio. Nesse caso, o legitimado possui direito autônomo à compensação em face do estado anímico de sofrimento que experimentou, ainda que ocasionado por lesão cometida contra terceiro de quem era próximo.

 

Neste diapasão o escólio de Rui Stoco:

 

“Não há confundir a legitimação com a ordem de sucessão hereditária. Tanto pode ser parte legítima o pai, o irmão, o filho, o sobrinho ou qualquer outro parente, como, ainda,um terceiro como, ‘ad exemplum’, os chamados conviventes, os companheiros, ainda que essa relação seja do mesmo sexo. O fundamental é que se possa identificar nessas pessoas uma lesão efetiva a valores não materiais e que lhes tenha causado dor, tristeza profunda, desamparo, solidão e outros sentimentos de ordem subjetiva que justifiquem a compensação”[25]

 

O que se pode extrair do exposto até agora é que as teses que limitam, com base em critérios irrazoáveis, a titularização dos danos morais indiretos, são passíveis de crítica por tenderem a mitigar o direito fundamental à reparação do gravame moral, direito este que repousa, em última análise, no próprio princípio da dignidade da pessoa humana.

 

Na verdade, todo aquele que sofre dano por ato ilícito tem direito à reparação. Esse é o cerne da legitimidade na responsabilidade civil. Bem por isso, conforme preceitua Carlos Alberto Bittar, titulares do direito à reparação "são as pessoas que suportam os reflexos negativos de fatos danosos; vale dizer, são aqueles em cuja esfera de ação repercutem os eventos lesivos”[26].

 

Assim, os legitimados para a reparação de dano moral reflexo são todos aqueles que experimentaram gravame em sua esfera patrimonial, independente de vínculo familiar ou de dependência econômica para com a vítima direta. O que importa, no caso, é que a situação fática posta como causa de pedir seja verossímil e bastante para caracterizar o sofrimento de cunho moral alegado pelo autor.

 

Tem-se entendido, quando se cuida do círculo familiar mais próximo, que tal dano é presumido, dispensando efetiva comprovação. Já no caso de parentes afastados de tal núcleo, de concubinato, de amigos e demais terceiros, que não gozam de tal presunção, se faz necessária também a comprovação do próprio abalo moral, ainda que indiretamente, visto que o sofrimento em si não é aferível, mas as manifestações, sintomas e eventos dele resultantes o são.

 

Nesse diapasão, a doutrina de José Affonso Dallegrave Neto:

 

“"no caso do acidentado falecer por decorrência de acidente ou doença ocupacional,poderão ingressar com ação de dano moral todos aqueles que mantinham laço afetivo como de cujus [...]. A dor e a angústia que originam o dano moral, neste caso, não é pela incapacidade laborativa do acidentado, mas pela perda de um ente querido. São legítimos para pleitearem esta espécie de dano moral não aqueles ‘a quem o morto devia alimentos'' (art. 948, II, CC), mas todos aqueles que conviviam com o falecido e com ele mantinham intensa afeição.’ (...)nenhuma dificuldade ocorre quanto aos parentes próximos da vítima; as dúvidas se dão em relação àqueles que saem do círculo limita do que se considera a família propriamente dita. Em relação a ela, o prejuízo se presume,de modo que o dano, tanto material como moral, dispensa qualquer demonstração; fora daí, é preciso provar que o dano realmente se verificou”[27].

 

Partindo dessa premissa é que se examinará, do conjunto probatório dos autos,a relação do terceiro com a vítima do acidente, com vistas à caracterização, ou não,de dano moral a ser reparado. Entendimento contrário violaria a garantia de pleno acesso ao Poder Judiciário.

 

Nessa linha, sobre legitimidade para reparação de danos morais em ricochete,vale trazer a lume o aresto seguinte:

 

“"AGRAVO – INDENIZAÇÃO DE DANO MORAL E MATERIAL – ILEGITIMIDADE ATIVADO CÔNJUGE – MATÉRIA DE PROVA – É matéria de prova os possíveis reflexos queos supostos danos suportados pelo marido da autora possam ter gerado na órbita de seus direitos patrimoniais ou extrapatrimoniais, o que impede o reconhecimento de ilegitimidade ativa em despacho saneador."[28]

 

Sendo assim, não é por intermédio de regras objetivas que se pode definir a legitimidade para a vindicação de danos morais reflexos, sobressaindo,pois, a importância da instrução como ferramenta da solução adequada e justa a ser proferida em cada caso, aferindo-se a natureza das relações existentes entre o trabalhador diretamente vitimado e as demais vítimas que pleiteiam a existência de dano em ricochete.

 

6 – PROCEDIMENTO A SER ADOTADO

Questionamento que pode surgir diz respeito ao procedimento a ser utilizado nas ações indenizatória movidas, em nome próprio, pelos dependentes ou conviventes mais próximos do trabalhador vitimado por acidente do trabalho ou por outro ato ilícito malferidor de seus direitos personalíssimos.

 

A Instrução Normativa nº 27/2005 estabeleceu critério de adaptação dessas ações aos ritos previstos na CLT, conforme previsão de seu art. 1º:

 

““Art. 1º. As ações ajuizadas na Justiça do Trabalho tramitarão pelo rito ordinário ou sumaríssimo, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, excepcionando-se, apenas, as que, por disciplina legal expressa, estejam sujeitas a rito especial, tais como o Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Habeas Data, Ação Rescisória, Ação Cautelar e Ação de Consignação em Pagamento.”

 

Desta forma, a tais ações se aplicam as disposições processuais trabalhistas concernentes a custas, emolumentos e depósito recursal, aplicando-se-lhes, ainda,a sistemática recursal trabalhista, inclusive no tocante à nomenclatura, à alçada, aos prazos e às competências (arts. 2º, 3º e 4º da IN nº 27/2005[29]).

 

Nada obstante, se deve ter em mente que são titulares de ação indenizatória por danos morais em ricochete não o próprio trabalhador vitimado, mas terceiros que vindicam o direito em nome próprio. Nesse passo, abstraindo-se da discussão acerca da manutenção do jus postulandi em tais casos, haja vista os arts. 791 e 839da CLT preverem tal faculdade apenas para empregados e empregadores, não é possível exigir dos autores dessas ações o requisito da assistência pelo ente sindical, sob pena de criar-se obstáculo intransponível para a concessão da verba honorária em ações dessa natureza.

 

Isso porque, a rigor, embora sejam, no mais das vezes, familiares e pessoas próximas do trabalhador, tais pessoas não se enquadram na categoria profissional em que este se enquadrava, não fazendo jus, pois, à assistência judiciária que deve ser prestada pelo ente sindical representativo da categoria respectiva. Nesse caso, a concessão de honorários advocatícios encontraria óbice intransponível, visto que não poderia ser preenchido, pelos autores, requisito reputado indispensável pelo Tribunal Superior do Trabalho.

 

Ora, o direito deve se pautar pela razoabilidade, não se prestando a criar formalidades processuais não condizentes com a própria realidade que busca disciplinar. Nesse passo, a interpretação que mais se afina com a teleologia do processo é a de que, em tais ações, os honorários estejam condicionados à mera sucumbência.

 

7 – DA QUANTIFICAÇÃO DO DANO

Como todo dano de natureza extrapatrimonial, não há critérios que possam ser objetivamente utilizados para a fixação do valor indenizatório devido. É preciso se apegar, concretamente, à profundidade da relação afetiva que o autor possuía com a vítima do acidente, para que, caso a caso, se possa aferir um valor proporcional ao gravame sofrido, conforme se depreende do teor do artigo 944 do Código Civil:

 

“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.”

 

A par do critério legal, outros vêm sendo adotados pelos operadores do direito,valendo destacar, nesse sentido, o Enunciado nº 51 da I Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, cujo texto consigna que o valor da condenação por danos morais decorrentes da relação de trabalho “será arbitrado pelo juiz de maneira equitativa, a fim de atender ao seu caráter compensatório, pedagógico e preventivo”.

 

Outro aspecto pertinente à problemática da indenização de dano moral em ricochete merece atenção no presente trabalho.

 

Trata-se do entendimento, defendido por parte da doutrina pátria, de que o valor da indenização deve ser global e rateado entre todos os legitimados, a fim de se evitar o pagamento repetido sob o mesmo título de dano moral por lesão cometida contra o empregado, o que caracterizaria bis in idem[30].

 

Nesse passo, já tendo havido fixação do montante indenizatório em ação anterior, ao legitimado que dela não participou caberia, tão-somente, o ajuizamento de ação própria com o fito de participar do rateio daquele quantum.

 

Essa a corrente adotada por Rui Stoco, sob o argumento de que:

 

“não se pode pôr em dúvida que a compensação do pretium doloris é uma só. Se ingressa em Juízo um só legitimado, terá direito a um determinado valor. Por exemplo, 200 salários mínimos.Se ingressam dois ou mais legitimados, deverão repartir entre si os mesmos 200 salários mínimos, e assim por diante.E se posteriormente outro legitimado pleiteia reparação pelo mesmo fato, quando outro já tenha obtido aquele valor em ação judicial, só restará a este último pleitear parte desse valor daquele que já recebeu e não pretender ‘valor novo”[31].

 

Sebastião Geraldo de Oliveira, compartilhando de tal posicionamento, considera que a "indenização única ou fixada em bloco evita que ocorra elastecimento excessivo da condenação, com o risco de desviar a reparação do dano moral de suas finalidades básicas”[32].

 

Contudo, embora seja compreensível a preocupação com a instalação de uma indústria da indenização, tem-se que a solução apontada pela corrente doutrinária mencionada apresenta problemas jurídicos e também de ordem prática.

 

Como bem disserta Glaci de Oliveira Pinto Vargas:

 

““A indenização do número de pessoas lesadas não pode oferecer obstáculo para o ressarcimento do dano, pois, segundo interpreta a maioria dos doutrinadores, ordena-se a reparação dos danos morais a favor de toda e qualquer pessoa que os houver experimentado. Neste caso, deve-se levar em conta que o Direito antes de tudo tem que ser lógico”[33]

 

Nesse passo, tem-se que o dano moral é personalíssimo e gera um direito de ação autônomo a ser exercido ao exclusivo talante de seu detentor.

 

Sendo assim, não há como justificar que o autor que um pouco mais tardiamente tenha ajuizado sua ação se submeta às amarras de um valor fixado em ação diversa, sendo-lhe vedada, na prática, a aferição de sua dor pessoal, em julgamento específico para as peculiaridades e concretude de seu caso.

 

O Superior Tribunal de Justiça, consignando a autonomia entre ações de indenização propostas por diversos interessados, já pontuou, em determinado caso, que:

 

“Não há solidariedade entre os parentes, de sorte que a transação feita pela esposa e mãe das vítimas com a ré não faz desaparecer o direito à indenização dos demais autores, filhos e irmãos dos extintos, em face da independência da relação de parentesco”[34].

 

No mesmo diapasão, Carlos Alberto Bittar defende existir:

“plena autonomia do direito de cada lesado, de sorte que, nas demandas do gênero se atribuem indenizações próprias e individualizadas aos interessados: assim acontece, por exemplo, quanto a mulher e filho, com respeito à morte provocada do marido ou pai (...).Nada impede se faça sob litisconsórcio o pleito judicial, quando admissível, mas cada demandante faz jus a indenização compatível com a sua posição”[35].

 

Diante do acima exposto, essas as interpretações mais razoáveis a prevalecerem, notadamente quando há particularidades que merecem atenção especial do Poder Judiciário e que devem ser sopesadas, caso a caso, para afixação de um quantum indenizatório personalizado.

 

CONCLUSÃO

Podemos extrair, em síntese, deste estudo, as seguintes conclusões:

 

Dano moral em ricochete é aquele que, embora decorrente de um fato ocorrido com determinada pessoa, possui o condão de atingir o patrimônio moral de terceiros, notadamente daqueles que possuem vinculação afetiva mais estreita coma vítima direta.

 

A reparação do dano moral em ricochete deve ser compreendida à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da constitucionalização do Direito Civil,a ser objeto, portanto, de interpretação ampliativa e protetiva dos direitos personalíssimos.

 

O acidente de trabalho, com óbito, é um dos fatos, na seara trabalhista, que mais comumente podem gerar danos morais indiretos, atingindo, em ricochete, familiares e parentes que gozavam de convivência próxima com o trabalhador falecido. Há outros atos cometidos contra o trabalhador, contudo, que por sua gravidade, possuem o condão de gerar dano moral em ricochete independentemente da morte do trabalhador, tais como o trabalho em condições análogas à de escravo,divulgação de informações depreciativas, assédio moral, dentre outros.

 

De acordo com o inciso VI, do art. 114, da Constituição Federal de 1988, a competência para o julgamento de tais ações, quando decorrentes da relação de trabalho, é da Justiça do Trabalho, ainda que a ação seja ajuizada por terceiros que buscam, em nome próprio, a reparação de danos morais indiretos provocados pelo acidente de trabalho. Tal entendimento foi consolidado pela Súmula Vinculante nº22 do Supremo Tribunal Federal.

 

Há muitas teorias que buscam a limitação do da legitimação para a vindicação do dano moral em ricochete. Dentre elas destaca-se a que defende que o direito à indenização deve seguir a ordem de vocação hereditária. A crítica que se faz a ela,contudo, é a de que todas as pessoas atingidas em seu patrimônio moral possuem direito à reparação em nome próprio, não se confundindo esta modalidade de reparação autônoma com qualquer direito transmitido por herança e, bem por isso,sujeito à preferência dos herdeiros necessários.

 

Vale ressaltar que, embora no núcleo familiar mais próximo estejam os legitimados mais facilmente identificáveis, a proteção à dignidade da pessoa humana confere tal titularidade a todos aqueles que forem atingidos, em seu patrimônio moral, pelo ato ilícito, independentemente de parentesco ou dependência econômica, não havendo que se confundir legitimidade, que se afere em abstrato, com o próprio direito de fundo, que depende da análise da situação fática concretamente existente.

 

O procedimento a ser seguido deve obedecer ao rito ordinário ou sumaríssimo disciplinados na CLT, conforme ditame da Instrução Normativa nº 27 do Tribunal Superior do Trabalho. Essa orientação, contudo, carreia dificuldade na configuração dos requisitos para a concessão de honorários advocatícios de acordo com as Súmulas nº 219 e 329 do TST. Isso porque os autores de ações para reparação de danos em ricochete não integram a categoria a que pertencia o trabalhador, não fazendo jus, portanto, à assistência jurídica gratuita do ente sindical. Dessa forma, a concessão da verba honorária, em tais casos, deve guiar-se pela regra geral da sucumbência.

 

Não há critérios que possam ser objetivamente utilizados para a fixação do valor indenizatório devido. É preciso se apegar à profundidade da relação afetiva que o autor da ação possuía com o trabalhador vitimado, para que, caso a caso, se possa aferir um valor proporcional ao gravame sofrido, a teor do art. 944 do Código Civil. Com relação à forte corrente doutrinária defensora de que o valor da indenização deve ser global para todos os legitimados, tem-se que tal possibilidade vergasta o direito de ação autônomo que cada legitimado possui, havendo, ainda, a dificuldade prática de fixar-se uma indenização, que seja de cunho global, sem conhecimento efetivo de todos os legitimados que pretendem, com efeito, pleitear a reparação em juízo.

 

O fato é que as ações de reparação de dano moral em ricochete devem ocupar um espaço cada vez mais importante na processualística trabalhista, haja vista que a tendência, com a mudança competencial fomentada pela EC nº 45, é decrescimento do número de ações dessa natureza na Justiça do Trabalho.

 

Por esse motivo, este estudo pretendeu contribuir para a melhor compreensão e debate da matéria, carreando-a para a realidade do Direito e do Processo do Trabalho, a fim deque o amadurecimento da matéria tenha como vetor o princípio da dignidade da pessoa humana, assegurando-se da forma mais ampla possível, assim, a reparação de violações de direitos personalíssimos dos trabalhadores e de seus familiares e conviventes mais íntimos.

 

BIBLIOGRAFIA

CAHALI, YUSSEF SAID. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: RT. 2005.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Atlas. 2008.

DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr. 2007.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7: responsabilidade civil. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Responsabilidade Civil – Aspectos Processuais. São Paulo: Atlas. 2007.

MARQUES DE LIMA, Francisco Gérson. Explorando o sentido etimológico dos termos "oriundas" e "decorrentes" do art. 114 da Constituição Federal. In"http://www.prt7.mpt.gov.br/artigos/maio_29007_Justica_Trabalho_Decorrentes_e_oriundos.pdf ". Acesso em 18 de novembro de 2011.

Fundamentos Constitucionais do Processo. São Paulo: Malheiros, 2002.

Lei de Introdução ao Código Civil e aplicação do Direito do Trabalho. SãoPaulo: Malheiros, 1996.

NERY Jr., Nelson; NERY, Rosa M. de A. Código Civil anotado e legislação extravagante. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9ª ed. São Paulo: Malheiros. 1998.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: LTr. 2007.SAAD, Eduardo Gabriel.Consolidação das Leis do Trabalho: comentada. 42ª ed.atual. e rev. Por José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco. SãoPaulo: LTr. 2009.

VARGAS, Glaci de Oliveira Pinto. Reparação do Dano Moral: controvérsias e perspectivas. Porto Alegre: Síntese. 1998.


[1] PEREIRA. Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. 11ª Ed. São Paulo. Malheiros. 2001, p. 68.

[2] CAHALI. Yusef Said. Dano Moral. 3ª Ed. São Paulo: RT. 2005. p. 116.

[3] (TRT 3ºR. 2ª T., RO 1019-2007-042-03-00-3, Rel. Des. Sebastião Geraldo de Oliveira. DJEMG 29.07.2009. Acesso em  14.11.2011)

[4] FILHO. Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 8ªed. São Paulo: Atlas. 2008. p. 102.

[5] DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. 22ª ed. São Paulo. Saraiva. 2008. p. 86.

[6] STOCO. Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo. LTR. 2007. p. 1244.

[7] LIMA. Francisco Gérson Marques de. Lei de Introdução ao Código Civil. E Aplicação do direito do trabalho. São Paulo. Malheiros. 1996. p. 35.

[8] FILHO. Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 8ªed. São Paulo: Atlas. 2008. p. 80.

[9] Nelson Nery Jr. e Rosa Nery sugerem, como mais adequada, a expressão “direitos da humanidade”.

[10] TRT 3ªR., RO 00518-2008-148-03-00-0, Rel. Des. José Miguel de Campos, DJEMG 18-12-2008. Acesso em 22.12.2011.

[11] TRT 2ª Região/ 6ª T., RO 01432-2006-087-02-00,Relator Des. Rafael. E. Pugliese Ribeiro, DOE SP, PJ TRT 2ª DE 25/08/2006. Acesso em 23.12.2011.

[12] TJMG/17ª Câmara Cível; AG 1.0024.06.201768-6/0011; Rel. Des. Lucas Pereira; DJEMG 15-11-2007. Acesso em 24.11.2011.

[13] TRT 3ª R./ 2ª T., RO 1019-2007-042-03-00-3, Rel. Des. Sebastião Geraldo de Oliveira, DJEMG 29-07-2009. Acesso em  03.01.2012.

[14] 1ª Turma nega liberdade para empresário acusado de jogar ácido em funcionário”. Inhttp://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=113864. Acesso em  13.12.2011.

[15] "Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho,ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores. Nada obstante, como imperativo de política judiciária — haja vista o significativo número de ações que já tramitara me ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa —, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04." (CC7.204, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 29-6-05, DJ de 9-12-05).

[16] Explorando o sentido etimológico dos termos "oriundos" e "decorrentes" do art. 114 da Constituição Federal