Decadência do direito para revisar benefícios de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social


PorJeison- Postado em 18 dezembro 2012

Autores: 
PORTANOVA, Guilherme Pfeifer.

 

A discussão travada no Judiciário sobre a problemática instituída sobre o instituto da decadência através da alteração de redação do artigo 103 da Lei 8.213/91, pela Medida Provisória 1.523-9, de 27.06.1997 posteriormente convertida na Lei n. 9.528/97, que incluiu a previsão de prazo decadencial para a revisão de ato de concessão de benefício, encontra-se hoje adstrita ao campo de direito intertemporal, ou seja, quando começou, quando a pergunta correta deveria ser o que começou.  

 

Em que pese a nova posição do Superior Tribunal de Justiça através da Primeira Seção, que revendo posição anteriormente firmada pela Terceira Seção ( esta, até então, especialista em questões que envolviam  direito previdenciário, e cuja competência para tal era da mesma ), acolheu posição restritiva, que ao meu ver, completamente inconstitucional e equivocada, pois entendeu que a decadência abarca a todos a partir do seu advento legal, datada de 27/06/1997.

 

Com todo respeito a Corte Especial, mas a Primeira Seção, até recentemente, não julgava questões do RGPS, esta de exclusiva competência da Terceira Seção, e por isso, levou uma visão administrativa para solver a problemática relativamente à decadência, ou seja, herdou como dificilmente não poderia ser, vícios e ideologias de sua antiga especialidade.

 

Os argumentos hodiernos menos prejudiciais aos segurados do RGPS, ao contrário do que a Primeira Seção entendeu, encontraram dentre todas as possíveis soluções, razoável desfecho para a mesma no campo do  direito intertemporal para a aplicação da regra decadencial trazida, em caráter original, pela Medida Provisória 1.523-9, de 27 de junho de 1997, que hoje vigora com a seguinte redação:

 

Lei 8.213/91: “Art. 103 É de 10 (dez) anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de con-cessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação, ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo (redação dada pela Lei 10.839, de 2004)”.

 

O critério temporal de aplicação da norma encontra-se orientado no sentido de não operasse a decadência para os benefícios concedidos antes de 27.06.1997 / MP 1.523-9, contudo, repete-se, nada disse o Poder Judiciário  acerca do critério material.

 

Em suma, as instâncias judiciais não cuidaram de examinar com a devida acuidade, o exato conteúdo do “direito de revisão” sobre o qual poderia incidir causa extintiva de direito, como é a decadência.

 

                         Como é da sabença geral, decadência é a extinção do direito pela negligência do titular em relação ao seu exercício, sendo certo, assim, que apenas direitos não exercidos podem ser alvos de sua incidência.

 

                         O “direito de revisão” depende de seu antecedente lógico, da existência prévia do benefício, ou seja, de um direito subjetivo já exercitado, insuscetível, portanto, de ser extinto pela decadência.

 

                       É necessário, pois, que o “direito de revisão” seja um direito autônomo, diverso dos poderes que integram o direito ao benefício. 

 

                         Para ser um direito, o “direito de revisão” precisa estar estabelecido em algum dispositivo legal, como nos dispositivos do Plano de Benefícios ( Lei 8.213/91 ) que tratam de revisão do ato administrativo de concessão dos benefícios:

 

“Art. 37. A renda mensal inicial, recalculada de acordo com o disposto nos artigos 35 e 36, deve ser reajustada como a dos benefícios correspondentes com igual data de início e substituirá, a partir da data do requerimento de revisão do valor do benefício, a renda mensal que prevalecia até então”.

 

 “Art. 150. [...]

 

Parágrafo único. O segurado anistiado já aposentado por invalidez, por tempo de serviço ou por idade, bem como seus dependentes em gozo de pensão por morte, podem requerer a revisão do seu benefício para transformação em aposentadoria excepcional ou pensão por morte de anistiado, se mais vantajosa”.

 

                         Como se nota, o Plano de Benefícios só trata como “direito de revisão”, autônomo, o de requerer a modificação do ato concessório, para que se leve em conta fatos antes não examinados, sempre com efeitos financeiros a contar do pedido.

 

                      Ao direito de revisão” não corresponde, pois, a obrigação de verificar a legitimidade do ato concessório original, mas a de adequá-lo a fatos novos.

 

                         A norma legal não atribuiu ao segurado o direito de solicitar revisão do ato concessório para adequá-lo à legalidade, sendo de deduzir-se, então, que de “direito de revisão” não se trata, mas de poder jurídico integrante do direito à prestação, tal como a rei vindicatio integra o direito de propriedade.

 

                         De fato, ao pleitear o exame da legalidade do ato administrativo de concessão da prestação, o segurado nada mais faz do que tentar reaver seu direito (mesmo que apenas em parte) de quem injustamente o está retendo (o réu).

 

                         Se a possibilidade de pleitear o exame da legalidade do ato administrativo é poder inerente a um direito já exercido (à prestação), não se há falar em decadência. O direito já exercido não pode ser extinto, pena de a lei estar prejudicando o próprio ato de concessão do benefício, o que não se afigura viável (CR/88, art. 5°, XXXVI).

 

                         Pelo que até aqui já se comentou, a revisão do ato de concessão, tal comoposta no artigo 103 do Plano de Benefícios da Previdência Social ( Lei 8.213/91 ), só pode ser a revisão que vise à apreciação de fatos não considerados na expedição do ato administrativo original.

 

                         A proteção constitucional ao ato jurídico perfeito não admite restrição que inviabilize a realização da qualidade que lhe dá sentido: a perfeição, ou, em outras palavras, a conformação à ordem jurídica.

 

                         Perfeito é o ato jurídico consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou ( LICC, art. 6°, § 1° ), ou, em outras palavras, aquele que realizou a adequada incidência das regras legais sobre os fatos que lhe serviram de base. Direito de revisão deste ato só pode ser aquele que, sem afetar-lhe a perfeição, assegura a consideração de novos fatos para servirem de base à incidência das normas legais.

 

                         É preciso considerar, por fim, que o direito de revisão ao qual alude o artigo 103 do Plano de Benefícios só pode ser aquele com exercício dependente de requerimento.

 

                      Não seria razoável imaginar que a perfeita aplicação da norma jurídica ( princípio basilar de qualquer Estado de Direito ) deva depender de expresso requerimento do cidadão.

 

                         Nada do que aqui se disse conflita com o precioso estudo oferecido por agnelo amorim filho no festejado artigo doutrinário intitulado “Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis”:

 

“Segundo Chiovenda (“Instituições”, 1/35 e segs.), os direitos subjetivos se dividem em duas grandes categorias: a primeira compreende aqueles direitos que têm por finalidade um bem da vida a conseguir-se mediante uma prestação, positiva ou negativa, de outrem, isto é, do sujeito passivo. Recebem eles, de Chiovenda, a denominação de “direitos a uma prestação”, e como exemplos poderíamos citar todos aqueles que compõem as duas numerosas classes dos direitos reais e pessoais. Nessas duas classes há sempre um sujeito passivo obrigado a uma prestação, seja positiva (dar ou fazer), como nos direitos de crédito, seja negativa (abster-se), como nos direitos de Propriedade. A segunda grande categoria é a dos denominados “direitos potestativos”, e compreende aqueles poderes que a lei confere a determinadas pessoas de influírem, com uma declaração de vontade, sobre situações jurídicas de outras, sem o concurso da vontade destas.

 

[...]

 

Compreende-se facilmente o motivo da escolha da lesão do direito como termo inicial do prazo de prescrição: é que a lesão dá origem a uma ação, e a possibilidade de propositura desta, com o fim de reclamar uma prestação destinada a restaurar o direito, é que concorre para criar aquele estado de intranqüilidade social que o instituto da prescrição procura evitar. →

 

 Assim, com a prescrição, limita-se o prazo para exercício da ação. Esgotado o prazo, extingue-se a ação, mas somente a ação, pois o direito correspondente continua a subsistir, se bem que em estado latente, podendo até, em alguns casos, voltar a atuar. A sobrevivência do direito violado (em estado latente) por si só não causa intranqüilidade social. O que causa tal intranqüilidade é a ação, isto é, a possibilidade de ser ela proposta a qualquer momento. Deste modo, não se faz necessário extinguir o direito para fazer cessar a intranqüilidade, basta extinguir a ação. É por isso que se diz comumente,e com procedência,que a prescrição extingue a ação e não o direito.

 

[...]

 

Deste modo, fixada a noção de que a violação do direito e o início do prazo prescricional são fatos correlatos, que se correspondem como causa e efeito, e articulando-se tal noção com aquela classificação dos direitos formulada por Chiovenda, concluir-se-á, fácil e irretorquivelmente, que só os direitos da primeira categoria (isto é, os “direitos a uma prestação”), conduzem à prescrição, pois somente eles são suscetíveis de lesão ou de violação, conforme ficou amplamente demonstrado.

 

Por outro lado, os da segunda categoria, isto é, os direitos potes-tativos (que são, por definição, “direitos sem pretensão”, ou “direitos sem presta-ção”, e que se caracterizam, exatamente, pelo fato de serem insuscetíveis de lesão ou violação), não podem jamais, por isso mesmo, dar origem a um prazo prescri-cional. 

 

[...]

 

As considerações feitas acima conduzem, pois, inevitavelmente, à fixação desta primeira regra, indispensável à distinção entre prescrição e decadência: Todas as ações condenatórias (e somente elas)estão sujeitas à prescrição.

 

[...]

 

Por que razão há prazos de prescrição e prazos de decadência? Por que há ações que conduzem à prescrição e ações que conduzem à decadência, quando seria muito mais simples unificar os conceitos e dar uma só denominação aos principais efeitos da incidência do tempo sobre as relações jurídicas? É exatamente porque os dois institutos, embora tendo fundamentos comuns, divergem quanto ao objeto e quanto aos efeitos.

 

[...]

 

As considerações feitas acima levam, inevitavelmente, à conclusão de que, quando a lei, visando à paz social, entende de fixar prazos para o exercício de alguns direitos potestativos (...), o decurso do prazo sem o exercício do direito implica na extinção deste,pois,a não ser assim,não haveria razão para a fixação do prazo. →

 

→ Tal conseqüência (a extinção do direito) tem uma explicação perfeitamente lógica: é que (ao contrário do que ocorre com os direitos suscetíveis de lesão) nos direitos potestativos subordinados a prazo o que causa intranqüilidade social não é, propriamente, a existência da ação, mas a existência do direito, tanto que há direitos desta classe ligados a prazo, embora não sejam exercitáveis por meio de ação. O que intranqüiliza não é a possibilidade de ser proposta a ação, mas a possibilidade de ser exercido o direito. Assim, extinguir a ação, e deixar o direito sobreviver (como ocorre na prescrição), de nada adiantaria, pois a situação de intranqüilidade continuaria de pé. Infere-se, daí, que quando a lei fixa prazo para o exercício de um direito potestativo, o que ela tem em vista, em primeiro lugar, é a extinção desse direito, e não a extinção da ação. Esta também se extingue, mas por via indireta, como conseqüência da extinção do direito.

 

O mesmo fato não é observado com referência à outra categoria de direitos (os “direitos a uma prestação”): a lei não fixa - e nem tem motivos para fixar - prazo para o exercício de nenhum deles. Com relação a estes direitos, os prazos que existem, fixados em lei, são tão-somente para a propositura das ações por meio das quais eles são protegidos. Assim, o decurso do prazo sem propositura da ação, implica na extinção desta, e não na extinção do direito que ela protege, pois - repita-se - em face dos denominados “direitos a uma prestação”, a ação funciona como meio de proteção e não como meio de exercício.

 

 

 

Por conseguinte, também se impõe, necessariamente, a conclusão de que só na classe dos potestativos é possível cogitar-se da extinção de um direito em virtude do seu não exercício. Daí se infere que os potestativos são os únicos direitos que podem estar subordinados a prazos de decadência, uma vez que o objetivo e efeito desta é, precisamente, a extinção dos direitos não exercitados dentro dos prazos fixados. A conclusão imediata é, igualmente, inevitável: as únicas ações cuja não propositura implica na decadência do direito que lhes corresponde são as ações constitutivas, que têm prazo especial de exercício fixado em lei, e apenas essas, pois - insista-se - a lei não fixa prazos gerais para o exercício de tais ações, a exemplo do que ocorre com as condenatórias (art. 177).

 

[...]

 

Deste modo chegamos, por dedução, a esta segunda regra: os únicos direitos para os quais podem ser fixados prazos de decadência são os direitos potestativos, e, assim, as únicas ações ligadas ao instituto da decadência são as ações constitutivas, que têm prazo especial de exercício fixado em lei.

 

[...]

 

Uma grande vantagem do critério aqui sugerido é que, tendo como um dos pontos de partida, para sua dedução, a categoria dos direitos potestativos, pode, contudo, ser acolhido e utilizado até mesmo por aqueles que não reconhecem essa categoria, desde que admitam a existência de ações constitutivas, pois as duas situações são perfeitamente conciliáveis, conforme acentua Carnelutti”.  OS GRIFOS SÃO NOSSOS.

 

                         Em apertada síntese do trecho acima, este esta a dizer que a segurança jurídica admite o esgotamento de direitos através dos institutos da decadência e da prescrição. A decadência, para os casos em que não há lesão de direito, quando o segurado da previdência social busca, com caráter constitutivo, modificar o direito à prestação, já exercido ( por ex. averbar tempo de serviço não computado quando do ato concessório ).

 

                        A autarquia previdenciária já acolhe esta idéia quando subordina os efeitos financeiros da revisão administrativa, com apresentação de novos elementos de fato, à data do requerimento, ou, em outras palavras, ao exercício do direito potestativo de alterar o ato administrativo de concessão.

 

                        O próprio Judiciário Federal já acolhe esta ideia, quando subordina o interesse de agir ao prévio requerimento administrativo, nos casos de apresentação de elementos não examinados no ato de concessão do benefício.

 

                     Por quê ?  Porque não houve lesão, não há pretensão nem ação. Quando há lesão, há pretensão e ação, logo, prescrição.

 

                     E não se diga que é difícil saber quando há lesão. Há lesão quando o ato jurídico perfeito que a Carta Política protege ( correta aplicação das normas legais ) não se mostra assim tão perfeito, por resultar de aplicação das normas legais em desacordo com o fim social a que se destinam ( realizar princípios e garantias constitucionais, por exemplo).

 

                        Quando o segurado da previdência social busca a troca do ato jurídico imperfeito pelo perfeito o que se tem é prescrição; quando a troca do ato jurídico perfeito por um mais perfeito ainda, decadência. Quando em jogo a retificação do ato administrativo, prescrição; quando a revisão, decadência.

 

 

 

                        No caso das ações revisionais de prestação previdenciária do regime geral de Previdência Social, não busca a REVISÃO propriamente dita, mas sim a RETIFICAÇÃO do ato jurídico de concessão, razão pela qual entendo inaplicável o prazo decadencial trazido pelo artigo 103 da Lei 8.213/91.

 

                   Diante de tudo o que aqui fora exposto e considerando que o ato jurídico perfeito ( adequada aplicação das normais legais ) que a Constituição assegura ( artigo 5°, XXXVI ) não pode ser prejudicado pela incidência de lei que fixe prazo decadencial.

 

Considerando que o prazo de prescrição das parcelas devidas em razão da procedência da ação já realiza o ideal de segurança jurídica.

 

Bem como, que não se pode olvidar que em nada conflita com o texto legal Plano de Benefícios, artigo 103, a interpretação que considere como revisão do ato de concessão apenas aquela que revele caráter constitutivo.

 

A única solução lógica e jurídica para a problemática da decadência instituída pela Medida Provisória 1.523-9, de 27.06.1997, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/97 é que o Supremo Tribunal Federal em sede de INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE, atribua ao artigo 103 do Plano de Benefícios da Previdência Social ( Lei 8.213/91 ) interpretação conforme a Constituição Federal a qual é guardião, sem redução de texto, para que à expressão revisão do ato de concessão” seja atribuído o sentido de revisão, em caráter constitutivo, do ato de concessão”.

 

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