Democracia plebiscitária


Porgeovana- Postado em 07 dezembro 2010

Neste artigo Vladimir Safatle alerta sobre a democracia e o risco de facismo analisando os recentes plebiscitos na Suíça.

 

São Paulo, terça-feira, 07 de dezembro de 2010

 
 

VLADIMIR SAFATLE

Fascismo suíço

Todos conhecemos o peso das palavras. Mas qual nome dar a uma sociedade cada vez mais marcada pela exploração política do medo do outro, pela estigmatização de estrangeiros e pela obsessão identitária? O dicionário político do Ocidente criou um duro nome para tal deriva autoritária.
Se lembrarmos dele, talvez sejamos obrigados a dizer que um fantasma assombra a Europa: o fantasma de uma nova forma de fascismo ordinário.
A Suíça assumiu a vanguarda desse processo. Há alguns dias, ela jogou na lata de lixo o que restava de sua democracia ao aprovar, por plebiscito, uma lei de dupla pena para crimes cometidos por estrangeiros. Um imigrante que, por exemplo, assalte um banco suíço especializado em lavagem de dinheiro, terá de cumprir a pena prevista no Código Civil e, posteriormente, ser expulso do país. Ou seja, ele cumpre uma dupla pena.
Tal aberração jurídica simplesmente quebra o princípio fundamental da democracia, a saber, a isonomia diante da lei. A noção de que todos, à exceção de inimputáveis, como as crianças e os loucos, estão submetidos às mesmas leis é a base da democracia. Mas, ao criar leis especiais para crimes de imigrantes, a Suíça quebra a isonomia entre delitos e penas e instaura um regime de discriminação legal.
Os helvéticos já tinham colocado um pé fora da democracia ao aprovarem, novamente por plebiscito, uma lei que proibia a construção de minaretes em mesquitas muçulmanas. Segundo eles, tais minaretes representavam o desejo expansionista e belicista do islã.
Cartazes associando minaretes a mísseis foram espalhados pelos alpes. Com isso, eles quebravam a ideia de que todas as religiões devem ter o mesmo tipo de tratamento pelo Estado (e, se for para falar em belicismo religioso, nenhuma religião passa no teste). Talvez o próximo passo seja a simples interdição para a construção de mesquitas. Afinal, para alguns, muçulmano bom é muçulmano invisível.
Que tais leis aberrantes tenham sido aprovadas por plebiscito só demonstra uma distorção intolerável do mecanismo plebiscitário. A noção de plebiscito tira sua legitimidade da ideia de que a soberania popular se manifesta como totalidade. Ou seja, a totalidade da sociedade, que se organiza de maneira igualitária, exprime sua vontade.
Mas leis discriminatórias contra grupos religiosos, raciais ou nacionais quebram a noção de totalidade igualitária da vida social, inaugurando uma lógica de massacre de minorias pela maioria. Por isso tais leis nunca poderiam ser objeto de um plebiscito.
Aqueles que realmente se preocupam com a democracia talvez devessem voltar seus olhos para Suíça, Holanda, Itália, Dinamarca. De lá vem a verdadeira ameaça. 


VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.