DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO, REDES SOCIAIS DIGITAIS E A HIPERVISIBILIDADE NA INTERNET COMO UM POSSÍVEL OBSTÁCULO À CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PERSONALIDADE


Porbgomizzolo- Postado em 26 março 2015

DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO, REDES SOCIAIS DIGITAIS E A HIPERVISIBILIDADE NA INTERNET COMO UM POSSÍVEL OBSTÁCULO À CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PERSONALIDADE

Jorge Renato dos Reis

Monique Pereira

RESUMO: O texto que aqui se apresenta objetivou abordar os direitos fundamentais de personalidade, especialmente os direitos à privacidade e à imagem, ambos reconhecidos pela constituição pátria. Tais direitos aqui são analisados em um contexto diferente do qual nasceram, ou seja, à luz da tecnologia que a sociedade encontra ao seu dispor, levando-se em conta de uma forma especial as redes sociais digitais. Tais redes modificaram como um todo a comunicação entre as pessoas na contemporaneidade, pois interliga, sem quaisquer fronteiras, milhões de pessoas nas redes. Todavia, por vezes, tais usuários acabam com suas vidas totalmente expostas no mundo virtual. Dessa forma, o que se pretendeu no presente trabalho foi demonstrar que o avanço do uso dessas ferramentas tecnológicas sem um marco regulatório jurídico próprio cedeu espaço para o surgimento de conflitos de interesses, envolvendo a violação de direitos de personalidade, que podem ameaçar a estabilidade social e a segurança jurídica do individuo. Assim, identificouse os seguimentos que tiveram sua paisagem modificada através do surgimento das redes sociais e qual é o papel que estas ferramentas exercem no mundo contemporâneo, e, por fim, verificou-se se tais dispositivos virtuais configuram-se, de fato, em um obstáculo à concretização dos direitos fundamentais de personalidade.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais; Direitos de Personalidade; Redes Sociais; Sociedade da Informação.

ABSTRACT: The text presented here is aimed to address the fundamental personal rights , especially the rights to privacy and image, both recognized for their country constitution. Such rights are analyzed here in a different context from which they were born , or the light of technology that society finds at its disposal, taking into account the special form of a digital social networks . Such networks as a whole changed communication between people in contemporary times , it connects without any boundaries , millions of people in the networks . However , sometimes these end users with their lives fully exposed in the virtual world . Thus , what was intended in the present work was to demonstrate that advance the use of these technological tools without a legal regulatory framework itself gave way to the emergence of conflicts of interest involving the violation of personality rights , which could threaten social stability and legal security of the individual. Thus , we identified the segments that have changed their landscape through the emergence of social and what is the role that these tools play in the contemporary world , networks , and finally , we determined whether such virtual devices configured - if, indeed , an obstacle to the realization of the fundamental rights of personality.

KEYWORDS: Fundamental Rights; Personality rights; Social Networks; Information Society.

1 Introdução

O presente artigo possui como tema central os direitos fundamentais de personalidade, mais precisamente os que concernem aos direitos à privacidade e à imagem, expressamente reconhecidos na Constituição Federal de 1988, analisados em um contexto diferente do qual nasceram, ou seja, à luz do momento tecnológico que a humanidade hodiernamente perpassa. Levam-se em conta, aqui, as redes sociais, este verdadeiro “turbilhão” de informações e exposição da vida cotidiana contemporânea. As redes sociais digitais modificaram todo o sistema e a concepção da comunicação contemporânea, transformando-a num sistema novo e dinâmico, estabelecendo “teias” de informação que interligam diversos grupos sociais em redes. O avanço do uso dessas ferramentas tecnológicas sem um marco regulatório jurídico próprio tem cedido espaço para o surgimento de conflitos de interesses, envolvendo a violação de direitos de personalidade, que podem ameaçar a estabilidade social e a segurança jurídica do individuo. Assim, revela-se de grande importância para os usuários dessa ferramenta tão popular, um estudo sobre um possível obstáculo que tais ferramentas digitais podem causar aos direitos fundamentais à privacidade e à imagem, ambos conferidos pela Constituição Federal de 1988. Dessa forma, o presente estudo pretende investigar a mudança social e cultural causada na sociedade contemporânea como um todo, em razãodo surgimento das novas ferramentas sociais da internet, bem como analisar a ampla e efetiva proteção e concretização dos direitos fundamentais - em especial à privacidade e à imagem -, estabelecidos pela ordem democrática Constitucional vigente. Além disso, importante identificar quais são os seguimentos que tiveram sua paisagem modificada através do surgimento das redes sociais e qual é o papel que estas ferramentas exercem no mundo contemporâneo, e, por fim, verificar se tais dispositivos virtuais configuram-se, de fato, em um obstáculo à concretização dos direitos fundamentais de personalidade.

2 Compreensão preliminar do fenômeno das redes sociais digitais

Nos últimos tempos, em especial nas últimas décadas, a sociedade tem vivenciado um revolucionário processo de transformação que alcança todos os âmbitos e revela uma nova forma de organização sociocultural, política, econômica e tecnológica muito diferente da formação histórica esteada no capitalismo industrial que imperou do final do século XVIII a meados do século XX. A Internet - aqui considerada não somente como a rede que liga redes de computadores, mas como uma ferramenta deveras importante que construiu um novo conceito de sociedade, é a protagonista das mais importantes criações do século XX, principalmente por contribuir para a instauração de um novo estágio sociocultural. Nas palavras de Matias, “essa verdadeira revolução na qual as informações são obtidas e disseminadas contribuiu para a consolidação da chamada ‘sociedade da informação’, que caracteriza o século XXI” (MATIAS, 2005, p. 118). Para Lévy (1999) a Sociedade de Informação é o codinome da “cibercultura”, que nada mais é que um complexo sistema de comunicação através de sistemas virtuais de informática, criando uma ideia de “inteligência coletiva”. Para o autor, o processamento de informações realiza a conexão humana com o restante do universo, atingindo a “cibercultura” um espaço imaterial. Para Manuel Castells (1999) essa rede virtual conecta toda uma sociedade em rede, que conecta outras redes, fundindo em uma figura de máquina, ser humano e informação. Castells ainda prevê que essa figura pode ser o fato gerador de um caos social, na medida em que “a informação representa o principal ingrediente de nossa organização social, e os fluxos de mensagens e imagens entre as redes constituem o encadeamento básico de nossa estrutura social” (CASTELLS, 1999, p. 573) Ainda analisando a opinião de Castells, este revela que a facilidade de comunicação em rede demanda “um estudo de uma ferramenta que rege a sociedade, mudando as relações sociais e a dinâmica existencial das pessoas e o meio comunicativo delas” (CASTELLS, 1999, p. 565) No tocante às redes sociais digitais, imperioso ressaltar que estas “filhas da internet” vieram para ficar. Estas ferramentas de comunicação geraram uma mudança ainda maior nas relações humanas, além de abrirem novas possibilidades no que diz respeito à democracia. A primavera árabe de 20113 e as mobilizações de junho de 2013 no Brasil são demonstrações vivas da força das redes sociais na democracia. Além disso, com a ajuda destas redes, na atual sociedade de informação todos são aparentemente iguais, uma vez que “todos ficaríamos em idênticas condições perante ela, num meio qualificado pela interatividade” (BOFF; PIMENTEL; 2009, p. 15) Em relação à mudança de comportamento, sociabilidade do indivíduo e transformação da paisagem social contemporânea, Castells (2005, p. 23) faz o seguinte apontamento: o que nós observamos, não é ao desaparecimento da interação face a face ou ao acréscimo do isolamento das pessoas em frente dos seus computadores. Sabemos, pelos estudos em diferentes sociedades, que a maior parte das vezes os utilizadores de Internet são mais sociáveis, têm mais amigos e contatos e são social e politicamente mais activos do que os não utilizadores. O mesmo autor defende uma “sociedade em rede” como o núcleo, a coluna vertebral da Era da Informação, conceituando-a como “uma estrutura social baseada em redes operadas por tecnologias de comunicação e informação fundamentadas na microeletrônica e em redes digitais de computadores que geram, processam e distribuem informação a partir de conhecimento acumulado nos nós dessas redes”. (Castells, 2005, p. 20) Sendo a internet e as redes sociais digitais uma rede de comunicação sem fios e sem qualquer limite, as pessoas acabam utilizando-as em todos os domínios de suas vidas. O indivíduo não disfarça sua identidade nas redes, confundindo a realidade virtual com a virtualidade real, moldando as tecnologias de informação conforme as suas necessidades. Não há um consenso sobre o conceito de redes sociais e em que medida elas se distinguem, ou não, das chamadas mídias sociais. Recuero conceitua uma rede social como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais). Uma rede, assim, é uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das conexões estabelecidas entre os diversos atores. A abordagem de rede tem, assim, seu foco na estrutura social, onde não é possível isolar os atores sociais e nem suas conexões. (RECUERO, 2009, p. 24) André Telles (2012) diferencia as redes sociais das mídias sociais de acordo com o objetivo do dispositivo: se interação social, é considerada rede social; se o objetivo maior é o compartilhamento de conteúdo, é mídia social. Para o autor, redes sociais, que antes eram chamadas de sites de relacionamento, são ferramentas que tem por objetivo a reunião de pessoas que, uma vez inseridas neste meio, podem expor seu perfil com seus dados: textos, fotos, mensagens, depoimentos e vídeos, além de interagir constantemente com outros membros. As redes sociais contemporâneas em estudo, ou melhor dizendo, os sites de redes sociais na internet mais conhecidos e utilizados virtualmente são páginas como o Facebook, Twitter, Orkut, LinkendIn, Youtube, além de Blogs. Estes são os furacões digitais onde são publicados, compartilhados e propagados conteúdos dos mais diversos âmbitos todos os dias. Segundo uma pesquisa realizada pelo IBOPE no ano de 2011, cerca de 87% dos internautas (o que corresponde a um número de 39,3 milhões de pessoas) no Brasil, fazem uso de algum tipo de rede social. Ainda conforme a mesma pesquisa, em agosto de 2011, a rede social digital mais utilizada pela sociedade brasileira, o Facebook, atingiu 30,9 milhões de usuários (250 milhões no mundo inteiro), ou 68,2% de internautas, ultrapassando o Orkut, que era considerado o maior site de rede social no Brasil até então e registrou alcance de 64% (29 milhões de usuários). A rede Twitter também manteve seu ritmo de crescimento no Brasil e em agosto atingiu 14,2 milhões de usuários, ou seja, 31,3% da população online. Importante salientar que essa pesquisa foi realizada em 2011, ou seja, o número de usuários aumentou em muito, e, só tende a aumentar com o passar do tempo. Nesses sites de redes sociais, cada pessoa possui o livre acesso e o juízo de publicação de sua vida, seus preceitos, seus gostos e desgostos, suas ideias e ideais, suas políticas, além de possuir a faculdade de adicionar ou não pessoas em seus grupos de amigos, postar fotos, links e jogos. Enfim, os usuários dessas redes têm uma infinidade de opções que é proporcionado nas redes sociais. Como se sabe, essas redes podem ser usadas para o bem, tanto quanto para o mal. Para o bem, uma vez que é um mecanismo de rápido acesso a informações, bem como por ser esta uma possibilidade de interação e aproximação de pessoas, amigos antigos, ou então um relicário de lembranças compartilhadas. Assim como há os benefícios citados anteriormente, além de tantos outros, existem os malefícios. Isso porque muitas pessoas têm usado tais redes para denegrir a imagem humana, postando fotos íntimas e atacando o próximo com ofensas morais. Isto quando as redes não são utilizadas por indivíduos que publicam toda sua rotina, seus compromissos. Tais usuários acabam com suas vidas totalmente expostas no mundo virtual. Com efeito, um fato se dá como certo: as redes sociais mudaram a forma de como muitas pessoas se relacionam hoje em dia. Nesse sentido Andrew Keen (2012, p. 10), autor da obra “Vertigem digital: por que as redes sociais estão nos dividindo, diminuindo e desorientando” critica as redes sociais digitais ao mencionar que “Em vez de vida virtual ou de uma segunda vida, a mídia social de fato está se tornando a própria vida – o palco central e cada vez mais transparente da existência humana, o que os investidores de risco do Vale do Silício hoje chamam de internet de pessoas”. Sean Parker, um dos presidentes da rede social mais utilizada no mundo, o Facebook, interpretado no cinema no filme “A rede social”, indicado ao Oscar em 2010, previu que “Nós vivemos em aldeias, depois vivemos em cidades, e hoje vamos viver na internet.”. De fato, a mídias sociais, ou então as redes sociais, são como a nossa própria casa: é o lugar onde habitamos e existimos. Nessa seara,imperioso que se questione, considerando o fato de que, ainda, que a utilização de tais ferramentas (redes sociais na internet) sejam valiosas para uma série de informações cotidianas, até que ponto seu uso desenfreado sem a devida responsabilidade atinge os direitos fundamentais de personalidade do ser humano?

3 O conflito dos direitos fundamentais de personalidade na era da informação

A proteção à dignidade da pessoa humana serve como elemento básico à compreensão dos demais direitos fundamentais inseridos na Carta Constitucional a serem analisados nesse estudo. A abordagem desta temática concerne direitos contemporâneos que devem ser observados na era da informação: direitos de personalidades, que abrangem direitos à privacidade e à imagem. Para fazer-se uma abordagem acerca de tais direitos, importante uma rápida análise sobre os aspectos e nuances que cercam o atual Estado Constitucional. O modelo atual de Estado Democrático de Direito foi declarado a partir da Carta Magna de 1988, introdutória ao Direito Constitucional contemporâneo, fundamentado em princípios e direitos fundamentais e de aplicabilidade imediata. (Bonavides, 2004) Conforme abordam Reis e Dias (2011, p. 74), o poder transformador constitucional não podem ser quantificado, tendo em vista os efeitos causados por ele, transcendendo o mundo jurídico, fazendo uso de normas programáticas e inserindo relevância constitucional a novas temáticas. As normas da Constituição vinculam todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) a uma linha de pensamento, sustentada na dignidade humana, junto aos demais principior e direitos fundamentais (objetivando uma aplicação imediata), inerentes ao bem estar social. Sendo o princípio da dignidade da pessoa humana o marco orientador do Estado Democrático de Direito no Brasil, tem-se o conceito básico para o aprofundamento em pontos mais específicos. Ao compreender que a partir da dignidade é possível indicar outros direitos fundamentais, conectam-se os direitos a serem detalhados neste projeto, mais precisamente, os direitos de privacidade e imagem. Os direitos fundamentais à privacidade e à imagem estão inseridos nos chamados direitos de personalidade, que por sua vez possuem origem no princípio da dignidade da pessoa humana, com vistas à proteção de uma série de garantias para o desenvolvimento do ser humano. A garantia a tais direitos ratifica o próprio modelo do Estado Democrático de Direito, uma vez que procura efetivar a proteção ao princípio da dignidade da pessoa humana, constituído como o norte daConstituição pátria. Ferrara (p. 29) conceitua o direito de personalidade como “os direitos supremos do homem, aqueles que garantem o gozo dos seus bens pessoais. Ao lado dos direitos a bens externos, os direitos de personalidade garantem o gozo de nós mesmos, asseguram a cada um a senhoria da sua pessoa”. Dessa forma, acredita-se que os direitos de personalidade estão inseridos como integrantes da própria concepção de pessoa, ou seja, são qualidades de elevado grau de importância para a vida do ser humano. Designa-se assim um conjunto de direitos subjectivos que incidem sobre a própria pessoa ou sobre alguns fundamentais modos de ser, físicos ou morais, da personalidade, e que inerem, portanto, à pessoa humana – são direitos das pessoas que tutelam bens ou interesses da sua própria personalidade. Os direitos de personalidade exprimem, na conhecida fórmula de Adriano de Cupis, ‘o <> necessário e imprescindível do conteúdo da personalidade (Pinto 2000, p. 62). Roxana Borges defende os direitos de personalidade como projeções físicas, psíquicas e morais da pessoa, como sendo atributos essenciais do homem, ou seja, direitos que derivam da própria condição e qualidade de ser humano. Ainda, a autora esclarece que quando se trata de direitos de personalidade, sujeito e objeto de direito não se confundem: [...] as projeções da personalidade, suas expressões, qualidades ou atributos são bens jurídicos e se apoiam no direito positivo. Os direitos de personalidade são uma categoria especial de direito, diferente dos direitos obrigacionais e dos direitos reais. Por meio dos direitos de personalidade se protegem a essência da pessoa e suas principais características. Os objetos dos direitos de personalidade são os bens e valores considerados essenciais para o ser humano Enfrentados, assim, ainda que de modo sucinto o conceito de direitos de personalidade, a seguir analisar-se-á os alicerces de tal direito: o direito à privacidade e à imagem. Inicialmente, analisando o direito à privacidade, que se encontra na Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, inciso X, tem-se que este direito fundamental procura resguardar a intimidade e vida privada do homem, sendo o limite de vivência do indivíduo seus interesses e informações, com vistas a impedir que estranhos invadam seu espaço. Um direito subjetivo de toda pessoa – brasileira ou estrangeira residente ou transeunte, física ou jurídica – não apenas de constranger os outros a respeitarem sua esfera privada, mas também de controlar suas informações de caráter pessoal – sejam estas sensíveis ou não – resistindo às intromissões indevidas provenientes de terceiros. Nesse sentido, o direito à privacidade traduz-se na faculdade que tem cada pessoa de obstar a intromissão de estranhos na sua intimidade e vida privada, assim como na prerrogativa de controlar suas informações pessoais, evitando acesso e divulgação não autorizados (VIEIRA. 2007, p.30). Quanto ao direito à imagem, percebe-se que este instituto encontra-se intimamente ligado aos meios de comunicação, com o advento do desenvolvimento tecnológico como fotografias, filmes, além das redes sociais digitais, que vinculam a imagem ao indivíduo de forma construtiva ou até mesmo destrutiva. Percebe-se, pois que desde tempos imemoriais o homem procurou meios que propiciassem uma reprodução de sua compleição física, ou seja, formas de reprodução de suas características físicas, começando por desenhos rústicos, passando-se às efígies, às pinturas, até alcançar, já na primeira metade do século XIX, a fase da fotografia, que permitiu a popularização dessa necessidade humana de reprodução de sua imagem. Da fotografia, passou-se à filmagem – inicialmente para o cinema, posteriormente para a televisão e, na última década, para a internet – e então aquela grande conquista do homem, quando mal utilizada, tornou-se capaz de voltar-se contra ele, pela facilidade e rapidez com que a divulgação dessa sua imagem pode significar momentos de glória ou de destruição moral, financeira e social (SOUZA. 2008, p.48) Com efeito, toda essa revolução tecnológica teve o condão de atribuir uma preocupação ainda maior com os direitos à privacidade e à imagem. O uso da imagem de alguém está subordinado ao consentimento desta pessoa.A doutrina contemporânea admite que o consentimento, neste caso, pode ser tácito ou expresso, gratuito ou oneroso, proferido previamente ou posteriormente à utilização da imagem em si. Mas em nenhuma hipótese implicará à renúncia de seu Direito à Imagem, em razão do caráter personalista que esse possui. Nas palavras de Affornalli (2010, p. 51), o direito à própria imagem é “essencial, absoluto, oponível erga omnes, geral, irrenunciável, imprescritível, inexpropriável, impenhorável e que, apesar de ser intransmissível, tem um conteúdo patrimonial, uma vez que é passível de exploração econômica”. (2010, p. 51) Por fim, importante ressaltar que, uma vez que o direito à imagem é um dos desdobramentos dos direitos da personalidade, a atenção a ele deve ser destinada quanto a questões patrimoniais, apesar de ser um direito eminentemente existencial. E diante disso, deve-se ficar atento para que os direitos da personalidade não sejam banalizados em razão de negociações comerciais envolvendo exposições à imagem. Assim, tem-se que o Estado Democrático de Direito possui papel fundamental no resguardo e na concretização desses direitos fundamentais de personalidade não somente quando se fala em ofensa por parte do Poder Público, mas sim, e, especialmente, quando essa ofensa provém de particulares.

4 A atual tirania das redes sociais como uma possível ameaça à privacidade e à imagem do homem contemporâneo Com efeito, no que diz respeito ao uso da internet, mais precisamente das redes sociais virtuais, essas deixam uma noção para seus usuários de que nesse espaço pode-se tudo. A transparência virtual e a abertura que se tem na rede fazem com que os usuários, como inteligentemente referiu Castells, confundam a realidade virtual com a virtualidade real. Além da hipervisibilidade que é oferecida aos usuários da rede, ainda existem certos aplicativos que conseguem transmitir para todos os seus “amigos” da internet onde aquele indivíduo se encontra em um exato momento. Em um segundo, é possível transmitir a exata localização do indivíduo, como os famosos aplicativos em redes “instagram” e “foursquare”. Essase mais algumas centenas de atividades(leiase, aplicativos) que os usuários de redes sociais podem usufruir, acabam por difundir uma série de informações privadas que conforme se difundem no meio virtual, podem acarretar em sérios danos para o seu usuário. Claro que não se pretende aqui ser extremista ao ponto de não reconhecer diversos avanços que as redes sociais proporcionam à sociedade, principalmente no âmbito dos movimentos sociais, comoa construção de identidades coletivas e a não limitação de fronteiras espaciais que a rede proporciona, caracterizando seu dinamismo e até mesmo a propagação da democracia, através de movimentos políticos, sociais, fóruns de discussões, de relacionamento, entre outros. (Winck, 2012) A mudança de tecnologia foi o primeiro grande passo. Como se percebe, toda esta mudança não é apenas tecnológica: ela é, sobremaneira, social e cultural. De outra banda, toda essa mudança digital não pode ser vista tão somente como uma consequência das inovações tecnológicas e benéfica no sentido de propagação de bens coletivos, mas, principalmente, como uma possível forma de limitação de direitos individuais e privados na medida em que é utilizada por seus usuários. Keen (2012, p. 107) faz uma abordagem acerca do fenômeno que compreende atualmente as redes sociais na sociedade contemporânea: Tomando emprestada uma metáfora já um pouco usada, social é o tsunami que está modificando toda a nossa paisagem social, educacional, pessoal e empresarial. Temo que Mark Zuckemberg não esteja só ao ver o social como aquela onda que, para o bem ou para o mal, arrasa tudo em seu caminho. Em prosseguimento, o referido autor faz uma reflexão acerca do que esse fenômeno causa no íntimo do indivíduo: [...] não há dúvida de que, para o bem ou para o mal, os átomos industriais dos séculos XIX e XX foram substituídos pelos bytes em rede do século XXI. Mas, não: em vez de nos unir entre os pilares digitais de uma pólis aristotélica, a mídia social de hoje na verdade estilhaça nossas identidades, de modo que sempre existimos fora de nós mesmos, incapazes de nos concentrar no aqui e agora, aferrados de mais à nossa própria imagem, perpetuamente revelando nossa localização atual, nossa privacidade sacrificada à tirania utilitária de uma rede coletiva. (KEEN, 2012, p. 23) Como se vê, esses fenômenos que hoje fazem parte da vida dos indivíduos, acabam colocando em risco direitos tão importantes para a pessoa humana, como os direitos de personalidade. Os usuários dessas redes costumam utilizá-la como um meio livre, desembaraçado e seguro, o que não corresponde com a realidade. No entanto, alguma perspectiva para o futuro já existe, como revela Manuela Santos (2009, p. 111) A internet não é um faroeste norte-americano, uma terra de ninguém. Uma evidencia disso é que muitos autores usam a expressão “direito cibernético”, que nada mais é do que o próprio direito aplicado e adaptado às novas condições do meio digital. Assim, há crimes digitais, há responsabilidade civil decorrente de situações ocorridas no meio virtual [...] Outro avanço legal encontrado para punir crimes na internet que violem a imagem do ser humano entrou em vigor recentemente, com a lei 12.737/2012, apelidada de “Lei Carolina Dieckmann”, que dispõe sobre crimes na internet. Tal dispositivo altera o Código Penal para tipificar como infrações uma série de condutas no ambiente digital, principalmente em relação à invasão de computadores, além de estabelecer punições específicas, algo inédito até então. A nova leiclassifica como crime casos em que há a invasão de computadores, tabletsou smartphones, conectados ou não à internet, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações. A liberdade que se detém com o uso da rede não pode significar a eliminação do direito do cidadão à privacidade, nem de preservar sua imagem. Uma maior proteção desses direitos tão importantes para o ser humano devem ser resguardados e atendidos pelo regulamento jurídico com normas mais concretas e eficazes. 

5 CONCLUSÃO

O ser humano, conduzido pelo espírito livre e democrático do mundo contemporâneo, ao deparar-se com as novas tecnologias e técnicas de utilização/propagação da informação, acabou exposto a um universo novo e cheio de possibilidades. Em decorrência do uso desenfreado de uma importante ferramenta da internet, das redes sociais digitais, a propagação de informações da vida privada se dá de forma muito rápida e de uma forma capaz de privar o homem de(seus direitos fundamentais: de ter sua privacidade resguardada e sua imagem zelada. Assim, caracteriza-se de suma importância a construção de um marco legal para solução de conflitos na esfera digital, principalmente no âmbito das redes sociais, pois seu uso pode, sim, ser um obstáculo à concretização dos direitos de personalidade.4 Assim, fica o alerta para a ciência do Direito, que depara-se com o desafio de estabelecer políticas que contemplem os mecanismos capazes de resguardar esses direitos tão soberanos à pessoa humana. 

Referências

ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privadas benefícios coletivos: a dimensão pública do direito autoral na sociedade da informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008.

AFFORNALLI, Maria Cecília Naréssi Munhoz. Direito à própria imagem. Curitiba: Juruá, 2010.

BOFF, Salete Oro; PIMENTEL, Luiz Otávio; Propriedade do conhecimento científico e tecnológico. Direitos Culturais, v. 1, p. 161-180, 2007.

BONAVIDES, Paulo. Teoria do estado. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito Constitucional. São Paulo:Malheiros, 1996.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em: 17/01/2014.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo; A Sociedade em Rede: Do Conhecimento à Acção Política. Imprensa Nacional: Belém, 2005.

KEEN, Andrew. Vertigem Digital: por que as redes sociais estão nos dividindo, diminuindo e desorientando. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: 1999.

MATIAS, Eduardo Felipe P. A Humanidade e suas Fronteiras: do Estado Soberano à Sociedade Global. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

MORAES, Walter. Direito da personalidade. Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 26.

PINTO, Paulo Mota. Notas sobre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e os direitos de personalidade no direito português. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). A constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.

REIS, Jorge Renato dos; DIAS, Felipe da Veiga. A hermenêutica como substrato dos conflitos de direitos fundamentais: liberdades comunicativas vs. Direitos de personalidade. Revista de estudos constitucionais, hermenêutica e teoria do direito. v. 4. p. 65-80, 2012.

SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1988.

SCHIRMER, Candisse; TRENTIN, Taise Rabelo Dutra. Participação cidadã: potencializando os atores sociais na esfera local. In: COSTA, Marli Marlene Moraes da; RODRIGUES, Hugo Thamir (Organizadores). Direito & Políticas Públicas VII. Curitiba: Multideia, 2012.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. Revisão técnica: Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

SOUZA, Sérgio Ricardo de. Controle judicial dos limites constitucionais à liberdade de imprensa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

TELLES, André. Precisamos padronizar as definições entre Redes Sociais e Mídias Sociais! Midiatismo. Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2013.

VIEIRA, Tatiana Malta. O direito à privacidade na sociedade da informação: efetividade desse direito fundamental diante dos avanços da tecnologia da informação. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2007.

WINK, Fernando Pritsch. Redes Sociais na Sociedade da informação: a solidariedade na atuação dos movimentos sociais no ciberespaço. In: ADOLFO, Luiz Gonzaga. Direitos Fundamentais na Sociedade da Informação. Florianópolis: UFSC/GEDAI, 2012. p. 11-27

http://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/viewFile/1...