A DIGNIDADE HUMANA CONVERGENTE AO NASCITURO


PorSavioSchimith- Postado em 02 julho 2016

Autores: 
Sávio Schimith Rodrigues Mansur

A DIGNIDADE HUMANA CONVERGENTE AO NASCITURO

 

RESUMO

Hoje a imaginada solidez de institutos jurídicos construídos em outrora, especialmente sob a égide iluminista que reconfigurou o mundo ocidental, já não se mostra confortável em coexistir com uma perspectiva contemporânea onde os desafios sociais, econômicos e naturais teimam a aparecer em sequência meteórica. O desenvolvimento científico afronta, a cada dia, nas diversas áreas das pesquisas acadêmicas, os mais aguçados jusfilósofos que procuram por respostas emergentes aos anseios do ser social. E as questões a serem postas à discussão não param por aí, a propriedade privada sofre visitações constantes da função social, as famílias sofrem impacto direto dos anseios homossexuais em rever sua essência, as células-tronco induziram a medicina a uma verdadeira revolução do pensamento científico pelas descobertas operadas, os embriões excedentários criopreservados em laboratório clamam por uma definição de sua natureza jurídica – “perguntam” a todo instante porque não são pessoas se são humanos? –, a instabilidade dos mercados internacionais entre outras considerações. Pois bem, a visão jurídica não pode ser míope às conturbações existentes, lançando-se à clausura das pseudogarantias conquistadas, mas revisitando o passado, com os olhos no futuro, progredir frente ao novo que agora se apresenta erigindo respostas a essa sociedade global que em contrapartida lhe questiona, afronta e incomoda. Contudo nos debruçaremos, pelo menos por agora, ao delimitar a condição do nascituro não como “simples massa orgânica”, ou perspectiva biológica do ser, mas como condição primeira da digna existência do nascituro como gênese da inerente condição humana, sobre o laço vital percebido entre o feto e a gestante.

PALAVRA-CHAVE: dignidade, gestante, nascituro, família, personalidade.

 

ABSTRACT

Today the imagined strength of legal institutions built in the past, particularly under the aegis of Enlightenment that reshaped the Western world, no longer shows comfortable coexist with a contemporary perspective where social, economic and natural challenges persist to appear in meteoric sequence. Scientific development affront, every day, in different areas of academic research, the most jusfilósofos sharp looking for emerging answers to the concerns of social being. And the questions to be put to discussion does not stop there, private property undergoes constant visitations social function, families suffer direct impact of homosexual longings to review its essence, stem cells induce medicine to a revolution of scientific thought the operated discoveries, supernumerary embryos cryopreserved in the laboratory call for a definition of its legal nature - "ask" all the time because they are not people are human? - The instability of international markets among other considerations. Well, the legal vision can not be short-sighted to existing conurbations, launching the closure of pseudogarantias conquered, but revisiting the past, with eyes on the future, progress against the new now presented by erecting responses to this global society in However asks you, shame and bother. However we will look, at least for now, to delimit the unborn condition not as "simple organic mass," or biological perspective of being, but as the first condition of existence worthy of the unborn child as the genesis of the inherent human condition, about the vital link perceived between the fetus and the pregnant woman.

KEYWORDS: dignity, pregnant women , unborn child , family, personality.

 

 

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ABSTRAÇÕES JURÍDICAS

Sávio Schimith Rodrigues Mansur[1]

 

Deve-se pontuar, primeiramente, a ponte ideológica propositalmente construída para a convergência da dignidade da pessoa humana no nascituro.  Entenda-se esse convergir como o fluir para a condição de centralidade da vida humana, pois de outra sorte não poderíamos perceber a origem do homem senão a partir de seu mais óbvio vínculo com o útero materno, o portal para a vida.

A despeito dos avanços científicos que hoje nos impulsiona a questionar o momento inicial da vida, propomos avançar a partir daquilo que hoje nos condiciona legalmente a percepção jurídica, a Teoria Natalista, no Brasil ou em Portugal; e o antagonismo propositado pela Teoria Concepcionista e pela Teoria da Personalidade Condicionada.

Contudo não se buscará aprofundar essencialmente as teorias sobre o emergir da condição de pessoa, mas a caminhada proposta por cada visão para esse patamar de excelência da humanidade.  Condicionando nossa argumentação a lógica natural que o existir do rio precede o fluir de suas águas, ainda que apenas para subsumir o entendimento ao epicentro da construção jusfilosófica, entalhada a partir dos riscos impostos pelo avanço da ciência genética sem freios ou contrapesos.

Muitas vezes a obviedade da vida cansa os olhos mais incautos e provocam respostas desconexas da realidade, que não avaliam os avanços sociais impostos pela caminhada prevalecente da comunidade científica.

A construção de valores sociais são pilares da humanidade e, dentre eles, a dignidade da pessoa humana nos atrela a essência racional de nossa espécie.

Conduzir o pensamento jurídico de forma frouxa à tensão dos acontecimentos sociais pode provocar um total rompimento dos tecidos que compõem o organismo social como um todo e sua própria existência futura.

A dignidade humana é raiz que alimenta nossa racional existência, propondo frutos de uma unidade fraterna do hoje com o ontem da história, sempre vislumbrando um amanhã melhor, avançado e evoluído.

O rompimento de paradigmas e a crítica responsável às teorias que hoje já não estabelecem solidez para os avanços científicos que pululam a todo o instante se apresentam inevitáveis, irremediavelmente atreladas à fluidez do tempo.  Contudo tal ângulo de vislumbre deve ser adoçado pela inexorável razão de sermos humanos, inquestionavelmente diferentes e únicos em nossa existência.

O poder criador aguça o interesse humano desde os idos tempos e não é outra a enigmática essência do cientificismo que, como não poderia deixar de se evidenciar, proporcionou novos tempos e oportunidades a experimentação à raça humana.  Entretanto a prudência com os limites estabelecidos por aquilo que somos é irrefutável por qualquer permissa lógica que se propaga a partir do princípio da natureza humana. Vejamos aonde chegaremos limitando, em laboratórios, nossa expectativa existencial futura.  Quais os riscos? Até onde nos comprometeríamos a pesquisar? Qual o limite para a manipulação genética? Muitas são as perguntas e seriam infindáveis nesse momento.

Caberá à ciência do direito estabelecer controles ao poder advindo do cientificismo galopante, com o advento do moderno, necessário e melhor: “A distribuição desigual da capacidade de percepção faz parte do poder. O poderoso percebe o que abrigam os outros, mas não permite que percebam o que ele próprio abriga[2]. O problema não é o desvio para o mecanismo, e sim o impulso à maestria, ao domínio. E o que esse impulso à maestria desconsidera, e pode até mesmo destruir, é a valorização do caráter de dádiva que existe nas potências e conquistas humanas [3].

Assim sendo, partiremos do princípio, propondo abrir caminhos e criar desafios à jusfilosofia.  Perseguindo o nascituro, sua razão de ser a partir da dignidade que lhe é inerente enquanto ser humano, bem como o necessário avanço do campo das expectativas para o da efetividade de seus direitos, perspectivando, desde já, a necessidade futura de novas construções jurídicas para responder socialmente os avanços da genética.

 

A DIGNIDADE HUMANA

 

De início pode-se estatuir o ensinamento do Prof. Dr. José de Melo Alexandrino[4] para quem “o princípio da dignidade da pessoa humana parece pertencer àquele lote de realidades particularmente avessas à claridade, chegando a dar a impressão de se obscurecer na razão directa do esforço despendido para o clarificar[5] [6].

A dignidade humana como todo conceito possui um contexto histórico formador, razão pela qual retornar a essência de sua formação torna-se profundamente importante para a compreensão da realidade, pensamento também abraçado por Bernard Edelman[7] que complementa essa perspectiva salientando a importante em se lastrear a evolução de uma simples palavra para que se possa atestar seu sentido, sua adequação à vida.

Avançando na instrumentalização de novos pensamentos percebe-se o Prof. Dr. Fábio Konder Comparato[8] estabelecendo o seguinte questionamento como principal ponto filosófico: “Que é o homem? A sua simples formulação já postula a singularidade eminente deste ser, capaz de tomar a si mesmo como objeto de reflexão. A característica da racionalidade, que a tradição ocidental sempre considerou como atributo exclusivamente humano[9].

Observa-se que os vários vértices do entendimento contemporâneo busca de alguma forma intuir que o ser humano pode ser objeto de estudos em suas mais íntimas raízes genéticas sustentado pela graduação da ciência. Não nos esqueçamos da eugenia como fonte primária de chagas expostas na história moderna: A eugenia foi um movimento dotado de uma grande ambição: aprimorar geneticamente a raça humana.  O termo, que significa “bem-nascido”, foi cunhado em 1883 por sir Francis Galton, primo de Charles Darwin, que aplicou métodos estatísticos ao estudo da hereditariedade [10].

Imaginar o ser humano como simples objeto ou instrumento para a consecução científica é um pouco forte para um ideal moral, contudo não podemos apenas suscitar obstáculos com base em aneurismas sociais, medos e inseguranças.  Há a gritante urgência por passos mais firmes olhando para o futuro genético, permeando a relação mãe-filho, a própria integração social e pensarmos os limites do homem.

Insta-nos o pensamento sobre as medievais considerações de São Tomás de Aquino que influenciaram sobremaneira a sociedade moderna e ainda hoje é prevalecente nos mais diversos ramos do pensamento sobre a pessoa, quem “formulou, para a época, um novo conceito de pessoa e acabou por influenciar a noção contemporânea de dignidade da pessoa humana ao definir a pessoa como substância individual de natureza racional” [11].

Interessa-nos a dignidade como qualidade inerente ao homem e primazia de sua diferenciação das demais criaturas.  Nota-se que toda a razão de desenvolvimento social tem por finalidade o homem e, portanto, proteger sua origem torna-se uma prioridade que vislumbra não somente o agora do homem, mas também as gerações futuras.  Na perspectiva do Prof. Dr. Carlyle Popp “toda a razão da existência da sociedade, da organização do Estado, das preocupações com toda a gama de direitos e deveres, inclusive nos chamados direitos difusos como a proteção ao meio ambiente, resume-se na pessoa humana. É por causa dela que todas estas relações têm alguma razão de ser[12].

Nessa esteira do pensamento se revisita o Prof. Dr. José de Melo Alexandrino para interpor a caracterização histórica do pensamento filosófico atinente às planificações do livre pensar sobre a pessoa. Vejamos:

Eis aqui reunidas, de uma só vez, as ideias de reciprocidade, intersubjectividade e atribuição, ou seja, aquilo que só muito mais tarde virá a ser fixado, entre outros, por Pufendorf, Kant e Hegel (reciprocidade), Arendt e Habermas (intersubjectividade) e Luhmann (prestação). A marca essencial da primeira linha de pensamento estava traçada: independentemente da essência da humanidade, ou Yen (que também designa moralidade)40, a dignidade é uma tarefa e uma missão, que implica para o homem um dever de atenção a si mesmo. Ora, só dois mil anos mais tarde se voltará a ouvir algo de verdadeiramente semelhante. Em 1486, Giovanni Pico della Mirandola41, partindo da indeterminação da natureza do homem e da capacidade racional que permite ao homem tomar consciência da sua dimensão como ser livre42, vem perspectivar a dignidade do homem precisamente através da acentuação do valor da conduta de cada um43: «[n]ão te fizemos celeste nem terreno, nem mortal nem imortal, a fim de que tu, árbitro e soberano artífice de ti mesmo, te plasmasses e te informasses, na forma que tivesses seguramente escolhido»44; «[q]uem não admirará este nosso camaleão?»45; e mais tarde: «[f]oi a filosofia que me ensinou a depender mais da minha consciência do que dos juízos dos outros»46.[13]

 

A dignidade humana atinge novo patamar filosófico a partir das constatações de Immanuel Kant, para quem a concepção de dignidade parte da autonomia ética do ser e não dos valores religiosos.

E essa secularização do pensamento sobre as bases filosóficas nos levam às novas perspectivas sobre o romper das barreiras científicas, conforme preceitos estatuídos pela Profª. Drª. Stela Barbas, para quem “a nova revolução biotecnológica, menos política e econômica, e mais social e cultural, ao possibilitar agir sobre as células da vida ameaça desnaturar a identidade humana e fabricar outros seres autónomos planeados pela ciência e pela técnica[14].

Retornando ao pensamento de Immanuel Kant podemos citar o ideal de dignidade exposto em seu livro Metafísica dos Costumes:

Somente o homem considerado como pessoa, isto é, como sujeito de uma razão prático-moral eleva-se acima de qualquer preço; pois como tal (homo noumenon) tem de ser avaliado não meramente como meio para outros fins, nem mesmo para seus próprios fins, mas como fim em si mesmo, isto é, ele possui uma dignidade (um valor interno absoluto), pela qual ele constrange todos os outros seres racionais do mundo a ter respeito por ele e pode medir-se com qualquer outro dessa espécie e avaliado em pé de igualdade [15].

 

A percepção valorativa nos permite avaliar a contextualização da dignidade a partir do “preço” de uma infinidade de objetos dentre os quais o homem não se encaixa, sendo-lhe desproporcional qualquer tentativa de equivalência existencial. “Para Kant, tudo tem um preço ou uma dignidade: aquilo que tem um preço é substituível e tem equivalente; já aquilo que não admite equivalente, possui uma dignidade. Assim, as coisas possuem preço; os indivíduos possuem dignidade” [16].

A dignidade é, portanto, um atributo individual e inerente à condição humana, não se equiparando a qualquer outra determinação social, seja pela família, país, política ou coletividade, que o distingue em sua personalidade jurídica, veja:

Diferentemente do que ocorre com direitos como liberdade, igualdade, entre outros, a dignidade humana não trata de um aspecto particular da existência, mas sim de uma qualidade inerente a todo ser humano, sendo um valor que identifica o ser humano como tal.  Logo, o conceito de dignidade humana é polissêmico e aberto, em permanente processo de desenvolvimento e construção.

Há dois elementos que caracterizam a dignidade humana: o elemento positivo e o elemento negativo.  O elemento negativo consiste na proibição de se impor tratamento ofensivo, degradante ou ainda discriminação odiosa a um ser humano.  Por isso, a própria Constituição dispõe que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5º, III) e ainda determina que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, XLI).

Já o elemento positivo do conceito de dignidade consiste na defesa da existência de condições materiais mínimas de sobrevivência a cada ser humano.  Nesse sentido, a Constituição estabelece que a nossa ordem econômica tem “por fim assegurar a todos existência digna” (art. 170, caput).[17]

 

Cabendo ainda ressaltar o parecer de Maria Celina Bodin de Moraes, que “assinala que o conteúdo da dignidade humana pode ser composto por quatro princípios: o da igualdade, integridade física e psíquica, liberdade e solidariedade” [18].

 

PERSCRUTAÇÕES SOBRE A PESSOA

 

Enquanto conceito disciplinado pela doutrina brasileira a pessoa é espécie da qual o sujeito de direito é o gênero [19].  Deve-se ponderar que tal abstração jurídica se faz necessária para abarcar as complexas realidades sociais comumente organizadas para o bem comum:

Conceitua-se, então, sujeito de direito como o centro de imputação de direitos e obrigações pelas normas jurídicas.  São sujeitos, entre outros, as pessoas naturais (homens e mulheres nascidos com vida), os nascituros (homens e mulheres em gestação no útero), as pessoas jurídicas (sociedades empresárias, cooperativas, fundações etc.), o condomínio edilício, a massa falida e outros.  Todos eles são aptos a titularizar direitos e obrigações em variadas medidas e se cumpridas diferentes formalidades [20].

 

A pessoa em si resume uma abstração jurídica atinente ao reflexo de composição social do ser humano a partir da organicidade coletiva imposta pela Lei.

O Prof. Dr. Fábio Ulhoa Coelho ainda progride em suas análises citando a existência de entes personalizados e despersonalizados na esfera coletiva do homem social, sendo nefrálgicas suas mais diversas operações.

Quando se concede o alinhamento conceitual de pessoa a um determinado ente social dá-lhe o amparo personificado para a prática genérica de atos e negócios jurídicos, trata-se de um atributo legal, não atinente, portanto, aos agentes despersonalizados:

Os sujeitos de direito podem ser pessoas (personificados) ou não (despersonificados).  No primeiro caso, ele recebe do direito uma autorização genérica para a prática dos atos e negócios jurídicos.  A pessoa pode fazer tudo o que não está proibido.  Já os sujeitos não personificados podem praticar apenas os atos inerentes à sua finalidade (se possuírem uma) ou para os quais estejam especificamente autorizados [21].

           

Para o Prof. Dr. Cézar Fiuza[22] as pessoas, naturais ou jurídicas, são os sujeitos dos direitos subjetivos.  Progride o ilustre doutrinador dando seu parecer positivo sobre ser redundante a ilustração da personalidade como atributo jurídico que confere a alguém o status de pessoa:

É interessante observar que personalidade é invenção do Direito.  Daí dizermos que personalidade é atributo jurídico.  A personalidade não é natural.  Tanto não é natural, que antigamente havia seres humanos aos quais o Direito não atribuía personalidade.  Eram os escravos, considerados coisas perante o ordenamento jurídico.

Mais uma prova de que personalidade é atributo jurídico e não natural, é a existência das pessoas jurídicas, entes não humanos, aos quais o Direito concede personalidade [23].

           

Nesse ínterim também estabelece o Prof. Dr. Carlos Roberto Gonçalves[24] sobre a personalidade, entendendo-a como um conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos constitucionais da vida, liberdade e igualdade. Estando o conceito de personalidade umbilicalmente ligado ao de pessoa [25]. Pode ser definida como aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações ou deveres na ordem civil. É pressuposto para inserção e atuação da pessoa na ordem jurídica [26].

Tendo em vista as já conhecidas implicações doutrinárias a respeito da personalidade e a força empregada para afastar qualquer força dissonante a respeito do nascituro tem-se que abortar os receios e enfrentar os desafios. Senão vejamos:

Ainda a título de efeitos patrimoniais, há a questão referente à sucessão hereditária e, consequentemente, a legitimidade sucessória daquele que poderá vir a se tornar criança em decorrência do emprego da técnica da reprodução assistida “post mortem”.  Nos termos do art. 1.798, do Código Civil, são considerados legitimados para suceder a pessoa do falecido: a) as pessoas físicas existentes; b) os nascituros, sendo que estes possuem capacidade sucessória passiva condicional.  Como deve ser analisada e resolvida, a esse respeito, a situação da criança que vem a ser originada em razão de técnica de reprodução assistida “post mortem”?  Nesse particular, é importante o registro de que o então projeto do Código Civil foi formulado no final da década de sessenta do século XX, época em que ainda eram incipientes as notícias e os avanços sobre as técnicas de reprodução assistida, em especial da fertilização “in vitro” [27].

           

Pensamos que novas proposições a respeito das Teorias sobre a personalidade devem ser trabalhadas, considerando a Teoria Natalista, a Teoria Concepcionista e a Teoria da Personalidade Condicionada. As barreiras a serem enfrentadas pela humanidade no acelerado caminhar propugnado pela ciência genética são enormes.

Por esse viés deve-se pensar que urge aprofundamentos conceituais sobre o iniciar da vida e a maneira como se propõe tratar o embrião tendo em vista as concepções da biotecnologia.

 

A NECESSIDADE DO HOMEM DE SE AGREGAR

 

As grandes transformações da sociedade se comportam como reflexo de um “agrupamento”, dentre os quais a família se destaca por constatação histórica.  Nota-se, por princípio natural, que a família é identificada como “célula básica de toda e qualquer sociedade” e essa realidade, de forma atemporal, se mostra presente nas discussões atinentes à diversidade estrutural desse nicho da sociedade contemporânea: a) famílias tradicionais: papai/mamãe/filhos; b) famílias monoparentais: novos membros no contexto das famílias, como padrasto ou madrasta; c) famílias ampliadas: família nuclear, mais os parentes diretos ou colaterais existindo uma extensão das relações entre pais e filhos para avós, pais e netos; d) famílias não convencionais: escapa à fórmula biológica de pai, mãe e filhos morando juntos etc.

A necessidade humana de ajuntamento, pertencimento e relacionamento se demonstra vital pela experiência da vida, instrumentalizando-se como meio de sobrevivência, coerência racional característica do homem que propicia os alicerces da sociedade.

Pois bem, esse homem social, longe de suas efêmeras paixões, permite-se experimentar os núcleos que se apresentam mais tipicamente sólidos e constata a importância do modelo familiar, de onde emerge o coerente aparecimento dos “filhos”. A boa saúde, assim como o bom caráter, é um elemento constitutivo do florescimento humano[28].

Paralelamente às experiências sociais e metafísicas, outras frentes são abertas pelo homem em seu cientificismo típico, gerando frutos nas mais diversas áreas do conhecimento, podendo citar por exemplo a filosofia, a matemática, a física e a própria medicina, de onde destacamos o avanço genético na busca pelo prolongamento da vida.

Exatamente da urgência de sobreviver, da própria paixão pela vida, dos modelos sociais estatuídos e dos avanços genéticos é que surge o imbricar bioético da reprodução humana assistida, em suas modelações, quer seja pela inseminação artificial homóloga x heteróloga ou pela fertilização in vitro (FIV), para os casais que buscam a consolidação de um núcleo familiar.

Ultrapassados os ditames das barreiras biológicas chegamos à trincheira ética, moral e jurídica, com a qual a experiência social traz à tona questões legais importantes para se trabalhar com dedicação, em busca de respostas que respeitem um “mínimo ético”, alargando para além do horizonte da medicina as possibilidades apresentadas para esse homem e sua luta por segurança e perpetuação da espécie.

A grande pergunta se consolida em saber se de fato existem barreiras ético-morais para o avanço científico, perscrutando quais os alicerces existenciais da humanidade.  Entretanto não pára por aí, pois inúmeras perguntas ainda se encontram em aberto, como questionar se os riscos da reprodução humana estão confinados ao casal ou prosperam em impactar o ambiente social? A percepção fenotípica de uma determinada cultura pode ser transformada pela manipulação de interesses através da reprodução humana? Quais os direitos da pessoa fruto da reprodução humana assistida por inseminação artificial heteróloga? E assim se aglomeram os por quês...

Nessa caminhada a ciência jurídica se propõe a transcrever os interesses do homem, agente social por excelência, reorganizar sua importância para a própria sociedade a qual pertence, filtrar os interesses individuais apresentados e fincar as estacas dos interesses coletivos essenciais a espécie, proteger o homem de si mesmo e sempre avançar na construção de uma sociedade que amadurece no resguardo à vida.

A gênese da ciência jurídica está na sociedade, que por sua vez se desenvolve a partir da objetiva necessidade que o ser humano possui de ser alguém a partir do outro, transcorrendo assim um ciclo interminável de desenvolvimento que busca sanar a constante insatisfação antagônica àquilo que já está estabelecido. 

O “passado social” ecoa na história não apenas pelas conquistas demonstradas pelo tempo, mas principalmente pelas possibilidades que criou para o desenvolvimento futuro da humanidade a partir das consolidações estabelecidas do conhecimento e do questionamento de paradigmas, que são referenciais para a ciência como um todo – vide física quântica.

Nota-se ainda o desenvolvimento social percebido pelo prisma jurídico onde a realização da personalidade se amplia como fruto do enlace solidário, constituído na caminhada contínua do ser humano em detrimento ao egocentrismo exacerbado de um aglomerado global de indivíduos instigados pelo capital.

Uma vez estampados, até aqui, os pensamentos circundantes a partir dos quais se assentam a ambiência do ideal que aqui é ignescente em relação ao nascituro, bem como do homem como ser vivo gregário, para que se demonstre firmemente a realidade de um “direito em nós”, extracorpóreo, construtor de pontes de entendimento, por onde caminham as perspectivas jurídicas referentes às necessidades individuais e metafísicas da pessoa humana, envoltos em um querer que busca a transformação de um conceito aberto que se opõe ao antagonismo de supressão do ser pelo ter.  

 

A ESSÊNCIA SOCIAL DO SER HUMANO

 

Devem-se fixar, desde já, os parâmetros pelos quais se costura o presente pensamento, que não se distancia totalmente do existencialismo de Jean-Paul Sartre, mas pondera a restrição crítica a qualquer reducionismo por onde se perceba apenas a Teoria Natalista.  A perspectiva do entendimento estabelecido de que “a existência precede a essência”, onde não há determinismo à realidade humana, que apenas a liberdade interessa; onde o homem, por uma escolha livre e estruturada, faz a si mesmo, interessa-nos, entretanto não finaliza o campo de pesquisa existencial. 

Ao contrário, a opção que aqui se faz se dá exatamente em questionar a essência do ser humano e o momento em que se potencializa sua existência, percebendo os novos desafios identificados a partir da ciência médica e genética que com arroubos desconstrói estruturas anteriormente confortáveis para ao pensamento jusfilosófico.

Não se pode olvidar das novas técnicas de reprodução humana assistida e dos muitos desafios propostos com seu avanço, como as discussões a respeito do patrimônio genético, dos embriões excedentários e do próprio nascituro, dentre tantas vertentes de questionamentos a serem respondidos pela maturação social do semear da ciência médica.

A realidade sociológica do homem se apresenta não apenas porque uns influenciam os outros em seu espaço de convivência, mas principalmente por uma virtude que se propõe pela natureza, tendo a clara percepção da fragilidade do ser humano para viver sozinho, seguindo o pensamento Aristotélico. Percebendo que o homem pertence ao mesmo tempo às espécies gregárias e solidárias, bem como possui uma propensão a uma vida sociável.

Igualmente, um dos argumentos mais interessantes a se estabelecer como estratégia de pesquisa científica sobre a essência social do homem é a fala.  Sim, a fala, pois através de um simples desafio se percebe a clara exigência que existe de um homem que fala necessitar de outro que lhe ouve.  A natural capacidade de articular a linguagem para estabelecer uma comunicação estruturada e complexa também diferencia o homem dos demais animais e o faz transformador no exercício de seu intelecto através da fala.

Existe uma dificuldade intrínseca ao ser humano em atentar para as desigualdades e, muitas vezes, ao revés de entendê-las como desarmonia social na estruturação da sobrevivência, busca expurgá-las do exercício de adequação social, fruto de sua superficial incompreensão.

Dá-se o exemplo pedagógico das abelhas, que também são animais gregários e sociais, vivem em colônias organizadas em que os insetos são divididos em castas, possuindo funções bem definidas que são executadas visando sempre à sobrevivência e manutenção do enxame, onde uma vez postos os ovos pela abelha rainha todas as abelhas operárias abraçaram o trabalho de alimentar os ovos até seu desenvolvimento para fase adulta.

O interessante também para se discutir no contexto social é que o nascituro já complementa por essência um determinado nicho familiar, confirmando a necessária construção de um entendimento que desconstrua paradigmas a respeito da pessoa humana, como a própria percepção originária da vida.

Veja novamente o exemplo das abelhas, uma vez proposta pela rainha da colmeia o voo nupcial, onde os zangões inundarão de esperma sua bolsa reservatório, ela passará a produzir ovos que serão tratados cuidadosamente até o desenvolvimento final respeitando o ciclo natural.

Nota-se inevitável perceber que a própria condição de subsistência do ser humano pressupõe o desenvolvimento natural de outros seres humanos e sua defesa desde a concepção para reformulação natural da sociedade.

Sabe-se que tal tratativa é complexa e aberta a várias interpretações atinentes às peculiaridades da vida, entretanto não se pode furtar à sua absoluta importância jusfilosófica para a ciência jurídica, atrelada intimamente a esse homem que possui sua essência na inter-relação social.

Enfim, embora seja passível de compreensão que o ser humano queira relativizar sua responsabilidade social naquilo que ele mesmo propõe a existir, que dá azo à vida, não é legalmente coerente transtornar conceitos éticos e morais para favorecer o interesse individual de qualquer pessoa em razão de um nascituro, nem ao menos o de um embrião, determinando aquele que será chamado de filho em detrimento de outros que serão lançados nas câmaras frias da criopreservação, como no caso da fertilização, por falta de interesse dos genitores.

A própria realidade da vida se constrói a partir do encontro natural do “EU” com o “OUTRO”, como no momento em que uma mulher acolhe em seu útero o embrião, sabendo ou não, que se desenvolverá plenamente, virá à vida e um dia lhe chamará de mãe!

 

A NATUREZA NÃO FAZ NADA POR ACASO

            “A natureza não faz nada bruscamente”.

Jean-Baptiste Lamarck

Importa aqui ponderar alguns alicerces do pensamento jurídico para se discutir o “direito de nascer” do nascituro, resguardando-nos para que futuramente possamos avançar no entendimento do “direito ao útero”, vislumbrando os embriões excedentários na reprodução humana assistida por FIV.  Logicamente a perspectiva é superficial, uma vez que o tema é extenso, complexo e tormentoso.

De fato, seguindo o pensamento até aqui proposto, a natureza não faz nada por acaso e o homem é o único animal que tem a capacidade de falar, conforme dito anteriormente, constituindo-se assim socialmente: a voz é simples sinal do prazer e da dor e, por isso, a têm também os animais, enquanto a sua natureza chega até o ponto de ter e de significar aos outros a sensação do prazer e da dor[29].

O fundamento de qualquer sistema jurídico é, incontestavelmente, o ser humano; exatamente esse “Ser” que fala e se envolve socialmente.  Sua singular necessidade protetiva e de permanência, como espécie e como indivíduo, no planeta, em contraponto ao valor e à significação dos outros seres vivos e das outras coisas existentes o diferencia.

Desde o ventre o nascituro interage com a genitora, ouvindo-a, chutando-a, transformando-a durante toda a sua gestação em mãe.  A personalidade dessa mãe é diretamente afetada pelas vontades que agora não são apenas sua, mas “nossa”, no sentido de que ela com o feto se percebem uníssonos ainda que de fato sejam dois seres distintos, contribuindo para a maior de todas as junções humanas percebidas na natureza que eclode metafisicamente em vida e amor.

Através desta percepção biológica se influenciou profundamente a antropologia que futuramente seria conhecida como evolucionista, da qual se estabeleceu a concepção da origem da sociedade, isto é, das formas simples de organização social que evoluíram para formas mais complexas de organização social [30].

Nesse viés se percebeu que a tutela antropocêntrica constituiu o homem o epicentro do Direito, dando-lhe privilégios e determinando-lhe deveres.  Razão pela qual se estabelece a importância que urge em costurar definições a respeito dos momentos transitórios da vida humana, seja enquanto zigoto, embrião, feto (nascituro), já no ventre materno, e até mesmo para a pessoa humana já existente.

Nota-se também que não se pode abdicar da apreciação do pensamento cristão que também influenciou a sociedade ocidental na avaliação do corpo e da alma, tendo implicações profundas e ontológicas quanto à definição do que seja pessoa.

Contudo essa perspectiva de constituição do homem a partir da dualidade corpo e alma se mostram frustrante enquanto resposta imediata a atual realidade tecnológica usufruída pela medicina contemporânea.  Deve-se avançar no pensamento para abarcar as razões da origem do ser humano, mais especificamente da pessoa humana.  Frisa-se que não cabe aqui uma perspectiva metafísica da origem do ser, mas a natural para que assim se possa definir um lugar possível não apenas para os nascituros, mas para os frutos da ciência médica em geral como o caso dos embriões excedentários dentro da percepção jurídica da pessoa humana.

 

A IMPORTÂNCIA DO NASCITURO NO CONTEXTO MATERNO

 

 1.1.     A ideia de “pessoa”, a ideia do “Eu”.

 

Relacionar as tratativas sobre os nascituros com as discussões concernentes à pessoa humana pode se mostrar, às vezes, uma aventura desmedida, entretanto, o aprendizado constante nos leva a entender que a construção jusfilosófica se faz necessária.

Segundo Marcel Mauss a ideia do “EU” é recente tal como o pensamento individualista pós-iluminismo.  Digamos que a antropologia social, a sociologia, a história nos ensinam a ver como o pensamento humano “caminha” (Meyerson); lentamente, através dos tempos, das sociedades, de seus contatos, de suas mudanças, por caminhos aparentemente mais arriscados, ele consegue articular-se, trabalhando para mostrar como é preciso tomar consciência do “nosso” dever solidário, para aperfeiçoá-la, para articulá-la ainda mais.

 

 1.2.     A personalidade do nascituro

 

O Código Civil do Brasil aduz implicitamente sobre o início da vida do ser humano, no seu artigo 2º, “in fine”, ao dizer que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Já o direito Português, em seu artigo 66 do Código Civil, diz sobre o “começo da personalidade: 1-A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida; 2- Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento”.

Ressalte-se que tratados internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, promulgada no Brasil por meio do Decreto 99.710, de 21/11/1990, incorporam-se ao ordenamento jurídico nacional como atos normativos infraconstitucionais, nos termos do artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição de 1988. Vale dizer: o conceito de criança, para fins jurídicos no Brasil, engloba não apenas as pessoas já nascidas, mas todos os seres humanos, sendo irrelevante se nascidos ou ainda por nascer.

Nota-se extremamente contemporâneo sobre as perspectivas jurídicas do nascituro o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal emitido no processo 436/07.6TBVRL.P1.S1:

O nascituro não é uma simples massa orgânica, uma parte do organismo da mãe ou, na clássica expressão latina, uma  portio viscerum matris, mas um ser humano (ente humano) e, por isso, já com a dignidade da pessoa humana, independentemente de as ordens jurídicas de cada Estado lhe reconhecerem ou não personificação jurídica e da amplitude com que o conceito legal de personalidade jurídica possa ser perspectivado.

O que o Direito, criação normativa mutável e, por isso mesmo, potencialmente instável, nunca lhe poderá negar é a personalidade humana, isto é, a sua conformação ôntico-naturalística como ser humano que é, de natureza pré-jurídica, isto é, anterior e independente de todo o Direito.

Trata-se de uma realidade ontológica e, por isso mesmo, que se move essencialmente no mundo do ser [daí a palavra ente (do termo latino ens, entis = particípio presente do verbo ser em latim)] ao contrário do Direito que é uma ciência de valores (sociais, morais, etc que, tidos como necessários à vida em sociedade, vêm a ser normativizados ou são normativizáveis) e, como tal, de criação cultural, que se move no terreno do dever ser, constituindo, portanto, uma realidade essencialmente axiológica.

Como afirma o Prof. Diogo Leite Campos, «desde a fase da concepção até à velhice é sempre o mesmo indivíduo que se desenvolve, amadurece e morre. As suas características tornam-no único e insubstituível» (Leite Campos, «O Início da Pessoa Humana e da Pessoa Jurídica» in Revista da Ordem dos Advogados (ROA), ano 61, Dezembro de 2001 (edição comemorativa), pgs. 1257 [31].

 

 

 

A INFLUÊNCIA DO NASCITURONA TRANSFORMAÇÃO DO EU, MÃE,OPERADA PELA ESSÊNCIA DA VIDA NO EXISTIR DO OUTRO, FILHO– Considerações a partir da visão do Prof. Dr. Diogo Leite de Campos a respeito do Direito de Nós

“(...) a ciência não só carrega elementos ideológicos no

seu interior, mas até serve à dominação social dos

‘donos do poder’, quando impõem aqueles falsos

conteúdos à prática social.” [32]

 

Ocorre que a mulher que se propõe a engravidar, e aí deixemos de lado por um tempo, propositalmente, o genitor masculino, para analisar a condição psicológica de quem receberá o embrião em suas “entranhas”, e com ele usufruirá de um íntimo e singular desenvolvimento humano, compromete-se com a vida.

Nota-se que a mulher, não conseguindo engravidar naturalmente, recorre ao tratamento para reprodução humana medicamente assistida, por exemplo, tendo por convicção a necessidade de um descendente, assumindo o risco, em determinados métodos de tratamento – como FIV[33] – de uma gestação múltipla.  Entretanto, somente após o nascimento se erguerá em seu interior o desejo ou não de nova gestação.

No caso específico da reprodução medicamente assistida por fertilização in vitro, os embriões excedentes são criopreservados, uma vez sendo imprevisível a quantidade de embriões maduros pela opção da técnica médica aplicada para aumentar o índice de acerto, descoberta que provoca posteriormente uma crise ética que abate os genitores.

Percebe-se que há uma forçosa necessidade de afastar do pensamento social a ideia do embrião ser encarado como pessoa humana, a exemplo da estratégia argumentativa da senciência, focada no Sistema Nervoso Central não desenvolvido etc., para justificar as pesquisas médicas.

Talvez a grande pergunta que anseia por respostas seja definir se o embrião possui condição direta ou indireta de ser encarado como pessoa.

Eclode também com o presente tema a questão efervescente do aborto, pois cunhando o embrião como pessoa humana estaria erguendo uma pré-condição duríssima aos avanços sociais e legais pretendidas pela defesa do aborto, na visão daqueles que o defendem. Fatos esses que se afastam da ideia nuclear do pensamento do direito visitado não apenas como anseio de um único indivíduo, mas da correspondente vibração no outro ser.

A realidade da vida genitora, em especial, se transforma após o nascimento do primeiro filho, fato que se inicia desde o útero – canções que embalam o sono do feto.  A criança lhe influencia, tornando-a diferente, transformando-a, traçando novos objetivos, suas aspirações, sua vontade e seu favor.

O direito do “EU por VOCÊ, e para VOCÊ”, necessita que a premissa da existência seja estabelecida, que a própria vida seja resguardada, que o silêncio de nove meses seja respeitado para que o “outro”, o embrião – agora feto, possa transformar o “novo existencial” do EU, que consiste em ser e não ter, na mais imaculada concepção humana.

Saber qual a efetiva transformação do embrião, enquanto outro, na perspectiva transformadora, realizadora e estabilizadora do EU é a grande luta de valor atinente à pessoa humana, bem como a defesa de sua dignidade.

Imagina-se que de todas as experiências vivenciadas por um ser humano talvez a maternidade seja aquela que viabiliza, graciosamente, a maior de todas as mutações, transformações, fazendo surgir um novo ser, não apenas o que nasce, mas também a partir da genitora que se instrumentaliza para dar a luz.

Pode-se discutir o direito da mãe e, a partir desse vislumbre indireto a perspectiva do nascituro, mas também o próprio direito da coletividade em ser impactada e remodelada com a existência de um novo ser humano.

Deve-se perspectivar o feto como “pessoa latente”, matriz transformadora e equalizadora do outro e da sociedade.

Negar-lhe o direito ao útero, no caso do aborto, é o mesmo que excluir a vida, ressoa negativamente no todo, macula a realidade humana com o utilitarismo descabido e a coisificação da própria existência do ser.

A existência de um novo ser humano, ainda que persistam as discussões filosóficas, a respeito de sua qualidade enquanto pessoa deve ser enaltecida a áurea magnitude de um bem inestimável.

A vida impacta a vida – a luta pela vida faz surgir à solidariedade, vide as catástrofes ambientais, a simples existência de um feto já é uma contribuição de transformação do EU pelo OUTRO.  É o feto quem possibilita a inocência primária, que alivia a alma, que faz surgir novos valores sociais, que de fato humaniza a “pessoa”.

O impacto que um homem proporciona, dispensando sua sexualidade, extrapola qualquer limite filosófico, desde a concepção que se estende ao prazo final da gestação, seja na fase mais rudimentar enquanto zigoto até o feto já desenvolvido a nascer após nove meses.

As transformações são tão grandiosas que a chegada de um filho mobiliza toda uma cadeia familiar de parentes e amigos.  É a vida pedindo passagem...

O ciclo de realizações é intenso no próprio corpo da genitora, na observação social que contamina a responsabilidade do genitor e de todos os demais familiares que agora serão avós, tios, primos, enfim, “amigos”.

A vida desde sua forma embrionária, mesmo sem saber expressar dor e falar, contrariando o pensamento sencientista, impacta e revoluciona a vida do outro de igual maneira que se percebe na “pessoa”...

Negar ao feto essa verdade indelével da vida é o mesmo que furtar a própria humanidade de seus genitores e reafirmar a insistência de coisificar a vida através de um prisma estritamente individualista.

No drama social, conflitos de interesses latentes manifestam-se, o que ocorre em qualquer nível da organização social, e se desenrola até o desfecho em comportamento convencional atuado publicamente.

O que se deve observar também é a necessária luta para que atuais paradigmas da ciência não sejam encarados como convencional e, futuramente, transformados em axioma.  Entretanto, não se busca a acomodação com o erro, tampouco a produção do medo, que é um câncer que paralisa, corrói e mata o desenvolvimento humano.

De outra forma o que se propõe, na perspectiva de enxergar não apenas os fetos como pessoa humana, mas também os embriões, ainda que não expressem dor ou prazer, ecoa na luta por avanços científicos e sociais.  Avanços para adotar técnicas, quando ocorrer opção por FIV, que viabilizem a produção ideal de embriões a serem implantados em decorrência da idade da genitora e, em contrapartida, a responsabilidade social dos mesmos genitores em assumir a implantação de “todos” os embriões.

Enfim, a vida humana não pode ser desqualificada para atender aos anseios do avanço científico, pelo contrário, o próprio avanço da ciência deve abraçar o desafio proposto pela origem da vida e buscar novas técnicas e métodos que respeitem a dignidade da pessoa humana em todas as fases de sua existência.

 

CONCLUSÃO

 

O desenvolvimento de um ser humano se dá através do outro, mesmo que seja fato decorrente de um ato despretensioso, como cruzar o caminho de um “estranho” na rua, ou pelo acaso da vida que se viabiliza espontaneamente a experiência do novo, de algo transformador, conjuntamente, solidariamente, atestando a realidade importante das inter-relações para o desenvolvimento da pessoa humana.

Os impactos da esperança, da alegria e do amor que contagiam o homem são por excelência o fôlego da vida, que se traduzem normalmente em momentos como o nascimento de um bebê, experiência coletiva em sua maior expectativa.

As reservas existentes sobre os mistérios da vida humana teimam em invadir constantemente a “alma do homem”, impulsionando-o ao constante desenvolvimento que se dá coletivamente.  Apesar da fuga interior daquele que não se apercebe contaminado e, portanto, se deixa instrumentalizar pelo individualismo imposto pelo sistema dominante, seja econômico ou não.

Deve-se notar que nos momentos de maior desafio da humanidade, como em ocorrências catastróficas da natureza, ergue-se o mais digno sentimento da pessoa humana, por essência, que é a solidariedade.

Contudo não é mandatório falar das catástrofes para perceber as “mutações” induzidas pelo outro na realidade existencial da pessoa humana, de forma alguma. Basta calibrar o olhar pela necessidade que o outro compartilha contigo.

Os nascituros também provocam mudanças, sejam diretas ou indiretas, na realidade social como ser vivo geneticamente humano em todos os seus estágios de desenvolvimento.  Negar a possibilidade filosófica de tal assertiva, amparada na regular condição de vida dos embriões, seria abdicar até mesmo das possibilidades vislumbradas pela medicina genética, ocasionada pela potencial subdivisão celular do embrião humano. O desejo de desqualificação da condição humana do embrião se dá pelos anseios da ciência, que não são menos importantes, mas que também não justificam o enegrecimento do parecer conceitual sobre o tema.

Tampouco poderíamos negar a elevação da alma, do espírito, das erupções emocionais provocadas aos genitores, e a própria realidade existencial, com a expectativa do “filho” possível a partir de toda uma construção de família.

Sendo assim, entende-se que o homem não é uma ilha que se basta em si, mas um ser em processo constante de amadurecimento que se abastece no outro em seu percurso metafísico, percebendo substancialmente os nascituros como pessoa, desde o estágio embrionário inicial de aperfeiçoamento (capacidade de movimento imanente autoaperfeiçoante a partir da fusão dos gametas masculino e feminino).  Justifica-se por último sua excepcional capacidade transformadora a partir da peculiar inquietação médica imposta por sua complexa existência, seja como embrião criopreservado em laboratório ou enquanto feto às horas do nascimento, que estabelece um contínuo rebuliço social a partir de constantes embates entre as diversas teorias filosóficas sobre o início da vida (Natalista, Concepcionista, Embriologista etc).

    

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AnexoTamanho
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