Direito autoral e internet: paradoxos e soluções


Porbarbara_montibeller- Postado em 18 abril 2012

Autores: 
OLIVEIRA, Rodolpho Silva

RESUMO

Este artigo tem por escopo tomarcomo situação problema a questão do acesso à informação e conhecimento por parte da sociedade, verificando sua interação perante o ambiente virtual e a questão da função social do direito autoral, bem como as normas atuais da Lei de Direitos Autorais brasileira, juntamente com o anteprojeto – buscando a reforma – da lei citada. Sendo assim, tomou-se como hipótese de trabalho que deve existir um sopesamento entre os princípios de liberdade de acesso à informação com os de proteção aos Direitos do Autor, tendo-se a necessidade de vislumbrar-se sempre o interesse público e a importância da promoção do acesso ao conhecimento, à informação para promover uma sociedade igualitária e pautada na cidadania.

Palavras-chave: Direito Autoral. Internet. Acesso à informação. Reforma

ABSTRACT

This article is scope to take the problem situation as the issue of access to information and knowledge on the part of society, checking their interaction to the virtual environment and the question of the social function of copyright, as well as the current rules of the Brazilian Copyright Law, along with the bill - seeking reform - of the law cited. Thus, taken as a working hypothesis that there must be a weighing between the principles of freedom of access to information with the protection of copyright, and the need always to glimpse the public interest and the importance of promoting access to knowledge, information to promote an egalitarian society and based on citizenship.

Keywords: Copyright act. Internet. Access to information. Reform.

SUMÁRIO: 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS; 2.A relação entre a sociedade digital e O DIREITO AUTORAL; 2.1 O Direito do Autor e a Reprodução, Distribuição e Comunicação de Obra ao Público na Internet; 3 SOLUÇÕES DOS CONFLITOS; 3.1       As licenças “Creative Commons”; 3.2 A LDA e a Internet: adequação e inovação em pauta;  4 CONCLUSÃO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

            Quando uma balança precisa ser equilibrada para que seu eixo permaneça exatamente igual em seus dois extremos, é necessário que haja uma compensação de pesos, ora retirando de um lado, ora colocando em outro, e vice-versa. Pensar no Direito em um tempo e espaço em que grandes avanços tecnológicos estão cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas é pensar em sua evolução. Internet e Direito Autoral devem ser colocados em um equilíbrio, de modo que o progresso da humanidade seja diretamente proporcional ao desenvolvimento das normas jurídicas.         Um dos pontos principais nesta dualidade entre direitos de autor e internet é o imediatismo em que se tem acesso à obra, aos dados, à informação. A obra não é mais estática. Ela torna-se acessível em qualquer parte deste mundo globalizado. A obra deixa de ser material e passa a ser difundida em uma velocidade jamais vista. É neste ponto que surgem as principais indagações inerentes a esta relação entre autoria e internet.

2 A relação entre a sociedade digital e O DIREITO AUTORAL

            O que se deve ter em mente nesta discussão é que o tratamento tradicional dos direitos autorais aplicados às relações sociais não deve ser trazido de forma imperativa a uma sociedade digital. Deve ser levado em conta que as relações atinentes à rede virtual apresentam peculiaridades que não podem ser ignoradas. Nesse sentido, se torna importante verificar o comportamento dos aspectos materiais e morais da autoria neste impacto provocado pela Internet.                                                                                            Primeiramente cabe destacar o comportamento dos direitos morais do autor no âmbito da internet.                                   Tendo em vista tais direitos morais, há grandes chances do princípio da integridade da obra ser violado na Internet, já que um acesso pretensioso a determinada obra na rede, com o intuito de modificá-la, viola os direitos à paternidade da obra autoral. Desse modo, corroboramos com o pensamento de que os direitos morais do autor devem ser preservados e protegidos na esfera digital. Analisando o ataque aos direitos morais de autoria, versa Eliane Abrão (2002, p.158) neste sentido:

A par das violações de ordem puramente moral (danos morais), voltadas aos sentimentos subjetivos da pessoa do autor, as violações aos direitos moral de autor são as que se referem à ausência de identificação (crédito), ou à falsa indicação de autoria na obra, à publicação de inéditos, em impedimentos ao desejo do autor de modificar a obra antes ou depois de utilizada, e às mutilações feitas à obra, com adições, subtrações ou quaisquer modificações não consentidas.                      

            A nosso ver, o principal aspecto do Direito Moral do Autor que deve ser preservado na rede mundial de computadores é a paternidade da obra, funcionando assim como uma garantia da própria função social do direito autoral. Corroborando com esta idéia, Guilherme Carboni (2008, p.72) diz:

[...] se não houvesse uma clara identificação do autor de uma obra ou de uma informação, estariam comprometidos os princípios da transparência e da veracidade das informações, necessários à formação de um espaço público democrático, principalmente no âmbito da internet, onde circula muita informação “sem lastro”, isto é, sem que se possa comprovar a sua verdadeira autoria e procedência.

Já Liliana Paesani (2006) complementa a idéia de que à vida privada do usuário de internet não há que se falar em proteção ao direito moral em casa de modificação em obra autoral, já que não está divulgando a obra modificada, entretanto, ao divulgar a obra na rede, configura-se a lesão ao direito moral autoral, neste sentido ela afirma:

[...] considerando-se que o destinatário, isoladamente, modifique a obra, utilizando-se da tecnologia da multimídia (off-line), não poderá ser alegada uma lesão ao direito [moral] do autor, pois não existe uma divulgação a terceiros. Supondo-se, ao contrário, que um usuário, depois de modificar a obra, a divulga em rede, estará efetivamente violando os direitos morais do autor, pois a atividade (on-line) não se limita à vida privada do usuário (p. 72).

Infere-se, pois, que a violação aos direitos morais do autor, no domínio da internet se configuram a partir do momento em que se utiliza determinada obra de outrem sem se fazer referência expressa à autoria e/ou quando se modifica obra alheia com o intuito de divulgar na rede como de autoria própria ou sem indicar o autor original. Ao analisar propriamente este conceito, Eliane Abrão (2005) assim versa:

Mas, há outro fator, que ocorre com menor freqüência, mas que acarreta grande mal aos autores de obras protegidas: trata-se da alteração, modificação ou mesmo mutilação, das obras, muitas vezes por inconseqüência, e outras vezes por má-fé. É o caso dos textos e imagens que circulam sob nome de pessoas famosas, ou de textos de pessoas famosas assinados por desconhecidos da grande mídia, ou de imagens sem o devido crédito dos seus fotógrafos, quando não alteradas. Essas ocorrências constituem violação aos direitos morais dos autores, sendo exceção, apenas aquilo que se destine ao humor, a uma forma de paródia ou se constituam em paráfrases, dado o outro direito fundamental da pessoa humana que é o exercer a crítica, fazendo uso de sua liberdade de expressão (p. 88).

Apoiando a proteção que deve imperar sobre a obra em relação aos direitos morais de autor, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte por unanimidade, em sede da Apelação Cível nº 01.002559-6, conheceu do recurso principal interposto lhe negando provimento, mantendo a sentença condenatória, nos termos do voto do Relator Desembargador Osvaldo Cruz:

EMENTA : CIVIL. PROCESSO CIVIL. DIREITOS AUTORAIS. PLÁGIO DE OBRA LITERÁRIA. LIVRO FLAGRANTEMENTE REPRODUZIDO EM OBRA PUBLICADA PELA INTERNET SEM O CONSENTIMENTO DOS AUTORES. DISTRIBUIÇÃO NÃO AUTORIZADAS DE FOLHETO CONTENDO TRECHOS DA OBRA SEM MENCIONAR A AUTORIA. OFENSA AOS DIREITOS AUTORAIS DOS ESCRITORES. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO. Preenchidos os requisitos de admissibilidade conheço da presente Apelação Cível. Cinge-se a presente demanda em indenização por danos morais e materiais face a reprodução, pelo apelante, de obra literária escrita pelos apelados. O caso em tela deve ser analisado à luz do disposto na Lei 9.610/98, que regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos (art. 1º), assegurando-lhe os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou (art. 22). Além disso, o art. 5º estabelece: "Para os efeitos desta Lei, considera-se: I - publicação - o oferecimento de obra literária, artística ou científica ao conhecimento do público, com o consentimento do autor, ou de qualquer outro titular de direito de autor, por qualquer forma ou processo; [...] VI - reprodução - a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido; VII - contrafação - a reprodução não autorizada; [...]." Mais adiante, no art. 7º, consta: "São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; [...] Como dito inicialmente, a Lei de Direitos Autorais (9.610/98) ampara o pleito indenizatório em seu art.22 "Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”, e mais adiante, no art. 108, dispõe expressamente que "Quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade da seguinte forma: [...]" . No presente caso, inegável que o dano moral sofrido pelos autores deriva do próprio ato ilícito violador de direito, pois como visto, o legislador fixou a responsabilidade objetiva por contrafação de obra intelectual na qual seja omitido o nome do autor, não se exigindo, portanto, o elemento culpa. Sobre o assunto, afirma Rui Stoco: Como se verifica, a indenização por dano moral do autor de obra intelectual é assegurada no caso de terceiro que deixa de indicar ou anunciar como tal o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor, intérprete ou executante. [...] É como reproduzir no rádio uma canção e não informar o nome do seu autor (o que vem se tornando comum, lamentavelmente), ou apresentar uma peça de Molière ou de Shakespeare sem informar seus nomes ou, ainda, fazer uma exposição de fotografias ou de obras de arte sem identificar o seu autor. Utilizar é fazer uso, aplicar. Do que se infere que a expressão "utilização, por qualquer modalidade", é infeliz e restritiva e não expressa todo o alcance que o legislador buscou. Nessas hipóteses o responsável pelo ato responderá por dano moral. Note-se que a responsabilidade é objetiva, pois basta a utilização sem divulgação da identidade do autor para caracterizar-se o ato ilícito. Não se indaga da intenção do agente nem se releva o fato de ter incorrido em erro ter sido apenas imprudente ou negligente (desidioso) (Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 820). No mesmo norte, o Superior Tribunal de Justiça assentou que " a indenização, no caso, é devida como conseqüência do desprezo de direito moral, que está diretamente vinculado à pessoa do autor, e funda-se no fato de ser a obra a projeção de sua personalidade"" (JB 95/98, Min. Francisco Rezek). Por tais considerações, nego provimento ao recurso, mantendo a sentença hostilizada em todos os seus termos. É como voto. (TJ-RN, Segunda Câmara Cível - AC 2009.009247-1, Rel. Des. Osvaldo Cruz julgado em 30/03/2010)

            No que concerne aos direitos patrimoniais do autor no âmbito da Internet, percebe-se que a obra no mundo contemporâneo adquire uma característica de fracionalidade. Ao ser rapidamente alastrada e potencialmente disponibilizada, a obra intelectual torna-se suscetível de cópias, tornando a discussão sobre autoria ainda mais exacerbada. Liliana Paesani (2006, p.66) traz o seguinte pensamento:

o próprio conceito de obra entra em crise hoje, pois, com a nova tecnologia, a obra pode ser decomposta em partes infinitesimais (como uma fotografia). Indaga-se até que ponto pode ser aplicada a tutela do direito de autor para a utilização por terceiros e qual é o limite além do qual se torna necessário o consentimento do autor.        

Percebemos que a obra intelectual na sociedade moderna não mais fica engessada em um número limitado de exemplares. A obra acaba sendo encadeada desde a sua origem, sendo diretamente proporcional o número de cópias com o contato com o público. O que se deve ressaltar é que o fato de termos o fenômeno das cópias na rede mundial de computadores não deve ser sinônimo de violação aos direitos do autor. Entendemos que as cópias feitas para uso pessoal e não econômico não constituem violação aos direitos autorais. Neste sentido, Leonardo Tessler (2002, p. 177) diz que “o caráter público relacionado à utilização da obra também é relativo. Isso porque, mesmo que públicos, existem atos desprovidos de qualquer intuito de exploração econômica.”  Voltando-nos para as obras musicais, a título exemplificativo, que carregam uma grande discussão em seu bojo por envolver uma poderosa indústria fonográfica, podemos trazer a opinião de Fábio Barbosa (2006), quando este apresenta alguns dados importantes, relatando sobre os arquivos de MP3 disponibilizados na internet:

Embora as produtoras de fonogramas e suas associações aleguem que tiveram prejuízos nas vendas musicais com a utilização do MP3 nos últimos anos, estudos comprovam que esta tecnologia vem proporcionando maior combate à pirataria. Também oferece poucos obstáculos à venda de CDs. [...] A redução da pirataria ocorre porque a adoção de sites que vendem músicas on-line está fazendo com que se reduza a pirataria na grande rede. Os “apaixonados por músicas” estão cada vez mais adotando este tipo de serviço (p. 405, 409).

            E conclui:

Realmente impedir uma cópia através de instrumentos tecnológicos é de difícil aplicabilidade. No entanto o Direito Autoral não se tornará mais fraco, ou “morrerá” [...], já que [...] o caos da informação fará com que se busque informação confiável, e a confiabilidade vem ocorrendo com a proteção do Direito Autoral à informação, o que afasta e diminui a pirataria (p. 411).

O que prevalece neste pensamento é que a proliferação de cópias de obras intelectuais, cópias aqui entendidas como decomposição da obra original, como por exemplo, uma música “baixada” por um usuário da rede, não obsta o exercício do direito do autor àquela obra. Obviamente tais cópias devem estar livres de qualquer viés econômico ou pecuniário (o que já entra na questão da pirataria), devendo ser destinadas apenas ao uso pessoal do indivíduo. Conforme já citado, o acesso primário a uma determinada obra por meio da Internet não significa, necessariamente, que o aspecto econômico do direito do autor será obstaculizado. Ao se copiar um arquivo de música através da rede, por exemplo, o indivíduo está buscando conhecer determinado autor musical, para, na maioria das vezes, vir a adquirir a obra física, o álbum, o disco. O que aqui deve ser percebido é o caráter de acesso à informação que a cópia pessoal pode adquirir. É que ao se fazer uma cópia pessoal de determinada obra, acaba-se tendo a possibilidade do acesso ao conhecimento, à informação e à cultura, o que já se configura na função social da autoria. É exatamente isto o afirmado por Paranaguá e Branco (2009):

Por outro lado, há quem faça o download de obras disponíveis na internet porque a) não as encontra em lojas por se tratar de obras fora de circulação; b) não teria recursos financeiros para pagar pelas obras se estas não estivessem disponíveis na internet; c) quer apenas conhecer a obra antes de adquiri-la legitimamente ou de ir a um espetáculo onde a obra será executada em público; ou, ainda, d) porque são obras com licenças públicas, cujo autores querem de fato disponibilizá-las, incluindo-se, neste aspecto, o download (grifo nosso, p. 82).  

E sintetizam nosso posicionamento ao articularem:

Vê-se com clareza que nem toda música (entenda-se aqui obra intelectual, sendo a música apenas um exemplo) baixada da internet pode ser considerada um item de pirataria, especialmente se consideradas todas as observações feitas com relação à função social da propriedade intelectual. Por isso, não se pode afirmar que fazer o download de músicas na internet é necessariamente o mesmo que furtar um CD de uma loja. Naturalmente, os argumentos apresentados com relação à música podem ser, de maneira geral, aplicados aos demais gêneros artísticos (p. 82).

Na atualidade digital outro aspecto que a obra tem assumido é a sua desmaterialização. Segundo Philippe Queau (apud. Paesani, 2006), o que diferencia a economia dos séculos passados com a atual é a imaterialidade subsistente nos dias de hoje. Isso acarreta duas espécies de problemas. Primeiramente, a rápida desmaterialização do suporte da informação. Em segundo, a incapacidade em distinguir com precisão o que é novo e inovador daquilo que é originário e primário numa obra intelectual. Desta forma, o direito do autor perpassa por uma verdadeira evolução, onde não é possível utilizar das regras atinentes aos direitos autorais no meio tradicional, mesmo com modificações. Trata-se de uma solução precária, pois esta evolução citada é tão importante quanto a invenção do alfabeto e da escrita. É necessária a mudança na noção de originalidade e de autoria para acompanhar-se o desenvolvimento social trazido com as novas questões tecnológicas.                                   

2.1 O Direito do Autor e a Reprodução, Distribuição e Comunicação de Obra ao Público na Internet    

            Dos direitos patrimoniais autorais desprendem-se certas faculdades concernentes ao autor para cumprir o direito sobre sua obra. Tais faculdades são, conforme preleciona Leonardo Tessler (2002), dividas em faculdades instrumentais e substanciais[1]:

As faculdades instrumentais [...] não concernem ao uso, gozo ou fruição da obra. São, na verdade, atos preparatórios, que pressupõem futura exploração da obra e, por esse motivo, merecem tutela. Em decorrência, não necessariamente precisam de utilização pública, ao contrário das faculdades substanciais, que têm a utilização pública como pressuposto (p.178).

            Para que se entenda melhor o desempenho dos direitos autorais no campo virtual, é conveniente que se destaque três faculdades inerentes ao autor em relação à sua obra. São elas: a reprodução, a comunicação e a distribuição da obra intelectual.                                            A reprodução é uma faculdade instrumental que o autor possui sobre a obra. Implica na produção de um primeiro exemplar que serve de parâmetro para posteriores cópias a serem feitas. A reprodução, para Tessler (2002):

É, sem dúvida [...] a faculdade instrumental mais importante. Embora possa ter outros significados, sempre que mencionada no Direito Autoral será vista no sentido corpóreo, caracterizando-se como um ato de produzir cópias a partir de uma matriz. Em decorrência disso, instalou-se grande conflito ao tentar adaptar a reprodução às ações que se processam na Internet. Isso porque, no ambiente digital, o mero ato de acessar uma obra gera a produção de cópia. O embate entre o direito de reprodução do autor e o direito de acesso à obra por parte do usuário, mais que espinhoso, anuncia a crise do Direito Autoral (p. 180).

            Na Internet, a reprodução encontra algumas peculiaridades. A informação que trafega na rede é feita através do fracionamento de dados em pequenas unidades de dados, transmitida de um modo bem mais rápido, se agrupando no destino final. Quando chegam no computador do usuário, essas unidades se armazenam na partição RAM (Random Access Memory), que guarda os dados em forma de cópia. Durante todo o processo de transmissão, estes dados em unidades são copiados – mesmo de forma parcial – por RAMs intermediários (TESSLER, 2002).                                                                       Este aspecto é visto não apenas quando o usuário busca que o arquivo disponível na rede seja alocado em seu computador como da mera visualização da obra na Internet, que ainda assim faz com que uma cópia seja produzida no RAM, mesmo que de forma temporária. A questão aqui é entender até que ponto esta cópia produzida no RAM (seja de forma permanente ou temporária) pode ser considerada uma violação aos direitos do autor.            

            Assim nos mostra a Lei 9610/98, quando define reprodução em seu art. 5º, VI:

[...]

VI - reprodução - a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido (grifo nosso).

            Henrique Gandelman (2007) corroborando com o que traz o supracitado artigo diz que:

O direito de reproduzir uma obra é exclusivo de seu titular, inclusive o direito de reproduzi-la eletronicamente em uns e zeros (para serem lidos por computadores). E se alguém armazena de forma permanente no seu computador material protegido pelo direito autoral, uma nova cópia é feita, necessitando, portanto, de uma autorização expressa do respectivo titular. Alguns tribunais norte-americanos vêm considerando a cópia RAM de uma obra, por exemplo, uma cópia protegida por copyright. A LDA/98, Art. 5º, VI, define como reprodução de uma obra intelectual protegida o seu armazenamento permanente (ou temporário) (p. 180).

            É neste sentido que o Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), de modo implícito a proteger empresas capitalistas exploradoras de direitos de autor, que se volta para a cópia e não para o autor em si, traz em sua declaração comum referente ao n.° 4 do artigo 1º:

O direito de reprodução, tal como estabelecido no artigo 9.º da Convenção de Berna, bem como as exceções previstas nessa disposição, são plenamente aplicáveis ao ambiente digital, em especial no que se refere à utilização de obras sob forma digital. Considera-se que a armazenagem de uma obra protegida sob forma digital num suporte eletrônico constitui um ato de reprodução na acepção do artigo 9.º da Convenção de Berna.

            Com uma postura diferente, Tessler (2002) mostra que:

Na maioria das vezes em que o usuário realiza armazenamento de obra digital, é privativamente que o faz, sem ferir o direito autoral. E, em procedendo desta forma, nada há de ilegal. [...] a fixação, memorização (armazenamento permanente), enquanto ato anterior à reprodução, é indiferente para o Direito Autoral. Daí a desnecessidade de se discutir se a armazenagem é temporária, permanente, ou qual a natureza da cópia realizada pelo RAM. Em suma, o direito do autor só virá a ser atacado se houver reprodução e com intuito de exploração econômica. Armazenamento de dados no computador, simplesmente, não é reprodução, é ato livre (p. 187).

            Deste modo, a reprodução por si só não é um ato ilícito. O fato de o usuário comum armazenar uma cópia de uma obra em seu computador (mesmo através de download) não é passível de proteção autoral[2]. O que se deve proteger é quando esta reprodução tem um cunho econômico, onde a exploração pecuniária é que explica a reprodução. Neste caso, os direitos autorais devem ser protegidos em face de um enriquecimento ilícito. Não se pode olvidar da questão do acesso à informação do indivíduo através da rede, cerne da Sociedade da Informação. O contato e o uso de determinada obra na Internet se faz através de um processo chamado browsing. Este se configura como o próprio ato de navegar pela rede, e seu funcionamento:

implica realizar várias “cópias”. Acessar várias páginas, visualizar textos, escutar músicas, assistir a vídeos, fazer downloads de arquivos, tudo isso está na seara do browsing e, para que se realize, ele precisa efetuar cópias. Se por um lado o browsing possui para alguns a faceta de ferir os direitos autorais, por outro é, em si, a encarnação do direito de acesso à informação do indivíduo (TESSLER, 2002, p. 189).          

E conclui sua idéia relacionando as cópias (propositais ou não) com o princípio fundamental à informação da pessoa:

Portanto, a questão da cópia na Internet, mais do que infração ao direito do autor, toca o princípio fundamental de o indivíduo ter acesso à informação. Nisso está o caráter social e humanitário do direito autoral, ou seja, entender a obra também como meio de enriquecimento cultural dos povos (TESSLER, 2002, p. 190).                    

Por este contento, percebe-se que a reprodução em rede de conteúdo intelectual, longe de ser uma afronta aos direitos do autor, é verdadeira assoma do direito à informação inerente à Sociedade da Informação. A reprodução na Internet é meio para que o conhecimento e o acesso à cultura sejam cotejados e o indivíduo exerça tal direito fundamental em pleno contexto de revolução tecnológica.            

            Outra faculdade (substancial) do autor sobre sua criação é a alusiva à comunicação da obra ao público. No domínio digital, comunicação é referente à apresentação da obra intelectual ao público. Diz a Lei brasileira (Lei nº 9610/98):

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

[...]       

V - comunicação ao público - ato mediante o qual a obra é colocada ao alcance do público, por qualquer meio ou procedimento e que não consista na distribuição de exemplares (grifo nosso).

No entendimento tradicional, a comunicação ao público é a apresentação da obra a um conjunto de pessoas indeterminadas reunidas em um local público[3], ou mesmo em um local não-público e separadas geograficamente, que estejam em simultaneidade no acesso a determinada obra. No tocante a Internet, o instituto se diferencia. Não há que se falar em comunicação em local público ou mesmo em simultaneidade constante no acesso a obras na Internet. Esta assume uma posição pública na acepção de atingir determinado número de indivíduos, onde há a potencialidade dos dados em serem conhecidos[4]. Neste contexto, há de se perceber que a comunicação ao público perpassa por dois aspectos, quais sejam, a comunicação da obra à coletividade e a disposição da obra em público, que se consubstancia no acesso individual. Atendo-se ao último feitio, não há de se configurar violação de direito autoral o fato do uso privado de obras pelo usuário, conforme demonstra Tessler (2002):

Entenda-se que, em havendo utilização privada dos dados, tal ato não fere direito de autor. Este se manifesta somente quando houver a utilização pública da obra. Nessa perspectiva, há que se respeitar o uso da obra pelo internauta quando a utilização tiver natureza privada, sem intuito de lucro, como, por exemplo, um download, uma visualização, ou mesmo uma reprodução (p. 192).

            Intenta-se então que compreender a obra intelectual na Internet como, além de comunicação ao público, armazenamento em computador não desconfigura o direito do autor. Na verdade amplia os direitos dos usuários e compete para a difusão de idéias e informações.      Atinente ao aspecto patrimonial do direito do autor tem-se a exploração econômica da obra. Esta exploração é efetuada tanto pelo autor como por quem obtiver os direitos pecuniários sobre a obra. “Embora o autor tenha interesse em proteger sua criação, maior interesse tem aquele que de fato explora a obra” (TESSLER, 2002, p. 194). Desse modo, quando uma obra está inserida na rede, pressupõe que esta inserção foi autorizada previamente pelo autor, seja porque o autor cedeu os direitos patrimoniais a terceiros (produtores, editores, empresários), seja porque ele mesmo autorizou a veiculação da obra na rede como meio de divulgação de sua criação. Dessa forma:

[...] no momento em que se deu a autorização para o ingresso da obra em rede, o direito patrimonial do autor está satisfeito. Se a obra foi negociada a preço fixo, após autorização, o autor não terá mais nenhum interesse econômico na obra. Se for negociado pagamento atrelado às vendas da obra, persistirá o interesse econômico por parte do autor no sentido de almejar o maior número de transações comerciais. Contudo, mesmo nesse último caso, o direito patrimonial do autor – direito de colocar em circulação – estará satisfeito (TESSLER, 2002, p. 194).

 

            No meio digital, a distribuição tradicional de exemplares – objetos tangíveis – não se configura. Isto pelo pressuposto lógico de que no espaço cibernético a obra é vinculada a uma transmissão eletrônica sem uma tangibilidade. Entretanto, os elementos internacionais ainda tratam a transmissão de dados na Internet de forma tradicionalmente isonômica à distribuição material.            

            O sistema de copyright norte-americano apresenta um instituto intitulado First Sale Doctrine que consiste em oferecer ao adquirente de determinada obra direitos como o de dar, vender ou alugar a obra para um terceiro sem anuência do autor. O obstáculo neste instituto se configura quando é aplicado no campo digital. Nota-se que não é viável que este mesmo controle se dê no mundo virtual, enorme veiculador que é de idéias e informações. Tessler (2002), ao comentar sobre a First Sale Doctrine diz que há:

[...] quem defenda que, havendo a compra da obra, se o adquirente quiser repassá-la a terceiro, será obrigado a apagar a obra original do seu computador. Em verdade, isso faz sentido, afinal, quando alguém vende um livro, deixa de tê-lo sob seu domínio. Ocorre da mesma forma no caso de aluguel ou de empréstimo. Mas quem usa Internet sabe que uma situação como esta, de tão inviável, chega a ser patética (p. 197).

E exemplifica:

Imagine-se uma situação que uma biblioteca virtual permite acesso de um e-book a um internauta. Após enviar o livro eletrônico, a biblioteca apaga o seu arquivo. Aquele que tomou emprestado a obra, depois de usá-la terá que enviá-la de volta à biblioteca e eliminar o arquivo de seu computador? Isso é um absurdo. Num caso como este, o internauta faz o download e, não raro, repassa a obra a um sem número de pessoas (p. 197).

            A obra na Internet é espontaneamente transmitida, intermitente a um fluxo de dados gigantesco. O uso privativo da obra, no bojo do direito do internauta não deve se configurar numa afronta aos direitos de autor. Ao tentar-se aplicar a First Sale Doctrine em seu aspecto limitador tenta-se aplicar a Internet dentro do direito autoral, quando na verdade, deve-se amoldar os direitos autorais às novas realidades sociais que se configuram. Descrevendo sobre a disponibilização de obras no seio digital e possíveis conseqüências, Nigri (2006) traz que:         

Quando se fala em disponibilização de conteúdo na Internet, fala-se da possibilidade da existência de livre fluxo de informação, agilidade de comunicação através de grande velocidade, tomando-se por base o livre acesso à informação por um número incalculável e limitado de pessoas, em qualquer lugar do mundo. Trata-se, na realidade, da disponibilização de música, texto, imagens, obras literárias, obras audiovisuais, etc. (p. 57).

Entretanto, mostra opinião contrária a esta disponibilização desvinculada de prévia anuência do autor, quando diz:

Conseqüentemente, vislumbramos a possibilidade da ocorrência de violação dos direitos de diversos titulares. Quando se disponibiliza música, sem a devida autorização, ocorre violação de direitos das gravadoras, editoras, produtoras de fonogramas, autores, compositores. No caso de textos, vislumbramos violações de direitos de autor, de escritor, do editor; em se tratando de disponibilização de obras audiovisuais, estão envolvidos direitos de atores, autores, diretores, produtores, direitos conexos de artistas, intérpretes ou executantes; no caso de disponibilização de imagens (ou voz) de pessoas sem a devida autorização do retratado, estamos diante da possível violação do direito de imagem (p. 57).

            É necessário frisar que a obra intelectual, bem como o próprio direito autoral cumpre a função social, dentre outros aspectos, de permitir o acesso à informação, ao conhecimento e à cultura. Deste modo, normas autorais engessadas aos interesses de poucos visando apenas o lucro capitalista não devem ser sobrepostas aos interesses públicos. Não há também que se defender o desaparecimento de toda e qualquer proteção à obra do autor. O que se procura é que um equilíbrio sustente a relação entre direitos autorais e Internet. Carboni (2008), ao relacionar direitos autorais, internet e acesso à informação, assim diz:

Com a internet, a possibilidade de acesso à informação e à cultura ampliou-se exponencialmente. Conseqüentemente, o direito de autor também teve o seu âmbito de proteção ampliado, em virtude da divulgação das obras intelectuais nesse novo meio. O desafio que se impõe é o de equacionar o direito de autor com o direito social de acesso à informação e à cultura, de forma a que a esfera pública volte a ser um espaço destinado à livre formação da opinião pública (p. 200).

Todavia, as indústrias que movimentam as obras intelectuais têm aplicado práticas monopolistas na rede sob o escopo de defender os direitos de autor, quando na verdade estão em busca apenas de seus interesses econômicos e políticos. Nesta vereda, estas empresas utilizam-se de engenhos tecnológicos para burlar o acesso livre das obras pelo usuário de modo que “a Internet que antes era um meio livre de tráfego de informação, a cada dia que passa se torna ambiente labirintoso, em vista das crescentes barreiras que se estabelecem ao acesso do usuário” (TESSLER, 2002, p.201). Defendendo este ponto de vista, assim versa Kaminski:

Os mecanismos tecnológicos favorecem o controle e visam impedir (ou ao menos dificultar) a disseminação ou a distribuição não-autorizadas. Há a necessidade de um certo monitoramento, um gerenciamento que controle não apenas a utilização, mas também os direitos de fruição. Assim, o Direito pode facilmente “tomar conhecimento” de que a res virtual existe – pois existirá um contrato eletrônico envolvido – e também protegê-la com o auxilio das medidas tecnológicas, gerando uma autorização, que pode ser a licença de uso.

Tais mecanismos são adstritos a gestão de direitos autorais e se configuram no gerenciamento e controle das obras através, principalmente, de códigos. Para restringir a distribuição não autorizada de tais obras na Internet, criou-se a Digital Rights Management – DRM (Gestão de Direitos Digitais, em português), tentativa de proteção a qualquer conteúdo produzido na configuração digital.

O sistema DRM visa proteger o direito de autor através da codificação das informações, sendo somente ser possível acessar conteúdos digitais quem tiver posse de uma “chave”, geralmente uma senha, que é disponibilizada ao usuário que tenha comprado o direito de uso da obra. Desta forma, o indivíduo quando quer adquirir determinada obra deve esperar o sistema DRM checar sua identidade, ao passo que uma instituição bancária é convocada para receber o pagamento contraprestado, onde a senha de acesso é liberada para decodificar o arquivo e cominar na cessão da chave ao usuário.  Carboni (2008), ao analisar os sistemas DRM, assim versa:

[...] todos os sistemas DRM falharam na tentativa de proteger os direitos de autor e, ao mesmo tempo, respeitar os direitos dos compradores de uma obra, Até hoje, nenhum sistema foi bem sucedido na tentativa de prevenir a cópia ilegal e a chamada “pirataria”. Além disso, após um determinado tempo, as obras protegidos por direitos autorais caem em domínio público, podendo ser usadas livremente por qualquer pessoa. Porém, os sistemas DRM normalmente utilizados não possuem esse limite temporal e, mesmo que seja possível criá-lo, ainda não há mecanismos para remover o sistema de controle de cópias que foi embutido nas obras que se tornaram de domínio público.

Kaminski (2002, p. 111) corrobora no mesmo sentido, quando alega que:

[...] os sistemas DRM estão restringindo a utilização de arquivos  digitais em troca da proteção dos interesses dos detentores de direitos autorais; [...] a tecnologia DRM consegue controlar o acesso (número de visualizações, duração, as alterações, o compartilhamento, a cópia, a impressão e o salvamento dos arquivos. [...] essas tecnologias podem estar incluídas no sistema operacional, no programa (software), ou nos componentes de um dispositivo (hardware). A acessibilidade é, por fundamento, incompatível com a tecnologia DRM operando no nível de hardware, um sistema de um proveitos maximizado para a prevenção da pirataria e visto como portador de um efeito colateral benéfico.

Trazendo à tona outro termo das restrições tecnológicas na Internet – as TPMs (technological protection measures), que funcionam como um termo técnico para DRM, Branco e Paranaguá (2009) apregoam que:

As restrições tecnológicas – TPMs (technological protection measures), ou “medidas tecnológicas de proteção” – são chaves criptográficas que retiram do consumidor o direito de decidir como utilizar os bens culturais adquiridos de forma legítima, atuando através do reconhecimento de características tecnológicas programadas de fábrica. Ou seja, a TPM impede ou limita, no mundo digital, que façamos coisas que sempre fizemos no mundo analógico, como na época das fitas K-7, limitando ou impedindo não só a cópia, como outros tipos legítimos de utilização até mesmo permitidos por lei.

E mostram a utopia das restrições tecnológicas frente a gama informacional presente no mundo digital:

[...] fica cada vez mais comprovado que as restrições tecnológicas não funcionam, ou melhor, não são eficazes. [...] A internet está repleta de informações passo a passo sobre como quebrar a codificação de restrições tecnológicas, sejam elas aplicadas a músicas, filmes, livros etc. [...] Na internet, há inúmeros websites que disponibilizam gratuitamente informações simples, utilizáveis por qualquer usuário, mesmo aquele que não dispõe de conhecimentos técnicos, para burlar as TPMs. Logicamente, tais informações só estão disponíveis porque uma pessoa capacitada conseguiu desvendar o segredo. Mas o certo é que não há restrição tecnológica que não possa ser quebrada – em minutos, horas, ou dias (BRANCO; PARANAGUÁ, 2009, p. 89).

            As mudanças originadas pela expansão da tecnologia digital devem trazer interpretações plausíveis entre as lides dos direitos de autor e rede virtual, de modo a preservar o princípio da liberdade à informação e promover as formas de expressão cultural, assim como a repartição das obras intelectuais entre os usuários, até mesmo ocasionais, da Internet. Não é sensato que fórmulas ultrapassadas, institutos fadados à extinção e normas jurídicas parciais sejam aplicadas em um contexto, que ainda em formação, já necessita de novas idéias, novos procedimentos e novos objetivos. Tal posicionamento somente funciona nos interesses, principalmente econômicos, de certos grupos em preservar ao máximo os direitos de autor de modo que a exploração do bem intelectual gere os maiores lucros possíveis.

3 Soluções dOS Conflitos

              O papel do direito em uma sociedade deve ser o de mediar as relações surgidas no curso do processo social, utilizando-se de ferramentas do próprio sistema para encontrar um equilíbrio prático e eficaz para solução dos conflitos existentes entre princípios de direito.

              O conflito existente entre o direito à informação e o direito autoral é o que se entende por colisão de direitos fundamentais, que sobrevém “quando o exercício de um direito fundamental de um titular impede ou embaraça o exercício de outro direito fundamental de outro titular, sendo irrelevante, para tanto, a coincidência dos direitos envolvidos” (FREIRE, 2005, p.14). Em sentido estrito[5], esta colisão se dá entre direitos fundamentais diferentes, no sentido em que, por exemplo:

Esta dimensão da colisão de direitos fundamentais possui acentuada importância nas hipóteses de colisão entre o direito fundamental de liberdade de manifestação de opinião e os direitos fundamentais do afetado negativamente pelos efeitos da emissão de opinião (FREIRE, 2005, p. 17).

              Tem-se que os conflitos existentes entre o direito à informação, ou direito de acesso à informação e os direitos de autor são conflitos que se configuram como colisão de direitos fundamentais em sentido estrito[6], que são resolvidos, no caso concreto, pela aplicação da regra da proporcionalidade.

              Pela regra da proporcionalidade aplicada em sentido estrito, Freire (2005) nos diz que:

A regra parcial da proporcionalidade em sentido estrito exige uma correspondência juridicamente adequada entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio escolhido. Nesse sentido, a proporcionalidade em sentido estrito expressa o equilíbrio resultante do confronto entre vantagens e desvantagens ocasionadas na medida restritiva ao direito fundamental, necessária à proteção de outro direito fundamental ou bem constitucionalmente protegido (p. 22).

              E trazendo a tona o pensamento de Alexy, prossegue:

Alexy identifica a regra da proporcionalidade em sentido estrito com o método da ponderação de bens [...] A regra parcial da proporcionalidade em sentido estrito consubstancia a lei de ponderação, que vale para o sopesamento de princípios independentemente de sua natureza (FREIRE, 2005, p. 23).

              Desta forma, prevalece o sentido que de conflitos entre direitos fundamentais deve haver um sopesamento destes, sendo que a solução de tais conflitos se dará com limitações de um lado ou ambos, aplicando-se a razoabilidade e a flexibilização ao caso concreto[7]. Não obstante, alguns métodos de equilíbrio estão sendo buscados para que se sopesem os interesses autorais com a busca à informação, preceito fundamental em uma sociedade que busca a isonomia e a cidadania como fundamentos.

              Em um primeiro momento, é necessário que haja o balanceamento entre as obras protegidas pelos direitos de autor inseridas no ambiente eletrônico, de modo a permitir a livre circulação de informações, estruturando uma rede informacional a serviço do interesse público. Neste sentido, Kaminski (2002):

[...] os benefícios das novas tecnologias devem ser acessíveis ao público, bem como aos detentores dos direitos autorais. À medida que mais informações ficam disponíveis apenas em formato eletrônico, o direito legítimo do público em utilizar os materiais de terceiros deve ser protegido. Para que os direitos autorais sirvam, verdadeiramente, aos propósitos de promoção do progresso, os direitos de utilização justa da população devem ser mantidos na era eletrônica, e o aproveitamento legal dos trabalhos deve ser permitido, sem custo transacional (p. 122).

              Deste modo, destrincha-se o desenvolvimento de mecanismos que promovam a circulação de idéias no ambiente virtual de modo a equilibrar interesses difusos e se realize o sopesamento dos direitos fundamentais envolvidos.

              3.1         As licenças “Creative Commons

              Creative Commons é um projeto criado por um grupo de estudiosos da lei e tecnologia cujo objetivo é o incentivo para autores de obras intelectuais – artísticas, cientificas, etc., veiculem seus trabalhos no seio digital de forma fácil e livre. Tal iniciativa decorreu da percepção que o excesso de proteção acarreta para a sociedade, o que acaba por inibir a própria criatividade e obstaculariza a inovação cultural. Explica Kaminski (2002):

O primeiro projeto da empresa é o de criar uma série de licenças que declarem as condições sob as quais um determinado trabalho poderá ser copiado e utilizado por terceiros. Músicos que queiram divulgar seu trabalho, por exemplo, poderão permitir às pessoas que copiam músicas para uso não-comercial. Artistas gráficos poderão permitir um número de cópias ilimitado de determinada obra, desde que sejam creditados (p. 125).

               Desta forma, trazem Branco e Paranaguá (2009):

A partir do uso do sistema Creative Commons, autores de obras intelectuais (textos, fotos, músicas, filmes etc.) podem licenciá-las por meio de licenças públicas, autorizando, assim, a coletividade a usar suas obras dentro dos limites das licenças. Acessando o site <www.creativecommons.org.br>, autores e outros titulares de direito autoral podem autorizar o download de um filme, sua exibição pública (incluindo, a seu critério, o circuito comercial) e mesmo o “sampleamento” da obra (modificações e recriações sobre o original). No âmbito do website, é celebrado um contrato entre o titular do direito e aqueles que solicitam autorização (p. 114).

                             Os autores, portanto, tem liberdade para escolher como querem que suas obras sejam veiculadas na internet, de modo a escolherem as licenças que querem que sejam a elas atribuídas. Traz o próprio site do projeto:

O Creative Commons disponibiliza licenças que abrangem um espectro de possibilidades entre a proibição total dos usos sobre uma obra - todos os direitos reservados - e o domínio público - nenhum direito reservado. Nossas licenças ajudam você a manter seu direito autoral ao mesmo tempo em que permite certos usos de sua obra - um licenciamento com "alguns direitos reservados" (CREATIVE COMMONS, 2010).

              Permite-se que o autor tenha “alguns direitos reservados”, ao invés de “todos os direitos reservados”, assim permitindo que a sociedade use sua obra segundo a licença pública seguida. “Esta solução protege os direitos do autor, ao mesmo tempo que permite, mediante instrumento juridicamente válido, o acesso à cultura e o exercício da criatividade dos interessados em usar a obra licenciada (BRANCO; PARANAGUÁ, 2009, p. 115).

              As principais licenças Creative Commons  são as esquematizadas a seguir:

              a) Atribuição – Esta é a opção obrigatória para quem desejar licenciar sua obra no Creative Commons. Basicamente a licença autoriza que a obra seja livremente copiada, distribuída e utilizada. Assim, “contorna-se o problema disposto no art. 46, II, da LDA, referente à cópia integral da obra, já que há autorização expressa do autor para que se copie integralmente sua obra” (BRANCO; PARANAGUÁ, 2009, p. 116). “Entretanto, ele requer que a obra seja sempre atribuída ao autor original, constando em todos os meios de divulgação, quando adequado ao meio, o nome do autor” (LEMOS, 2005, p. 86), em consonância com os direitos morais de autor, cuja paternidade é inerente.

              b) Vedados usos comerciais – Nesta licença, o autor, assim como na Atribuição, autoriza a cópia, a distribuição e a utilização de sua obra, mas proíbe qualquer uso da obra de forma comercial. “Dessa forma, as pessoas que tiverem acesso à obra podem utilizá-la, nesse particular, apenas em consonância com o já disposto na LDA, que tem por parâmetro o uso de obras sem qualquer intenção de lucro” (BRANCO; PARANAGUÁ, 2009, p. 116). Portanto “[...] qualquer pessoa que tenha obtido acesso à obra não pode utilizá-la para fins comerciais, como, por exemplo, vendê-la ou utilizá-la com a finalidade de obter lucro” (LEMOS, 2005, p. 86).

              c) Não a obras derivativas – Por esta licença o autor também autoriza a cópia, a distribuição e a utilização da obra. Entretanto, diferentemente das duas licenças anteriores, que autorizam que a obra seja utilizada na elaboração de obras derivadas, ela não autoriza o uso da obra de modo a servir de suporte para obras derivadas. “Por isso, a obra licenciada não pode ser alterada ou reeditada sem a autorização expressa do autor” (BRANCO; PARANAGUÁ, 2009, p. 117).

              d) Compartilhamento pela mesma licença – Esta licença é relativa à atribuição do autor que, autorizando a cópia, a distribuição e a utilização da obra, impõe que caso a obra cedida seja utilizada em obras derivadas, esta deve ter, essencialmente, a mesma licença para ser partilhada. Desta forma, conforme preleciona Lemos (2005):

o autor impõe a condição de que, se a obra for utilizada para a criação de obras derivativas, como, por exemplo, uma música ser incluída em um filme ou uma foto ser incluída em um livro, ou mesmo uma reconstrução da obra original, o resultado deve ser necessariamente compartilhado pela mesma licença (p. 87).

              Esta licença se explica pelo fato de que uma obra não pode ser feita por derivação sem outra anterior que a inspire. É justo que de uma obra licenciada livremente, a obra posterior também leve adiante esta licença.

              e) CC-GPL e CC-LGPL – Estas duas licenças tiveram origem no Brasil, destinadas ao licenciamento de software. Tais licenças foram delineadas para exercer o atendimento às necessidades de software livre do país, sendo baseadas nas licenças internacionais General Public License (GPL) e Lesser General Public License (LGPL), com a especificidade de utilizarem-se dos preceitos inerentes do Creative Commons. Explica Lemos (2005):

Estas licenças garantem todos os quatro direitos básicos do software livre: a liberdade de estudar o programa, com acesso ao seu código-fonte; a liberdade de executar o programa para qualquer finalidade; a liberdade de modificá-lo e aperfeiçoá-lo; a liberdade de distribuí-lo livremente. Note-se que na GPL, em contrapartida, mesmo que tenham ocorrido alterações no programa, este deve continuar sendo distribuído livremente sob os mesmos termos da GPL. Quanto à LGPL, ela permite que, em algumas circunstâncias, o programa seja distribuído sob termos de outras licenças.

              O interessante do projeto é que as licenças podem ser perfeitamente utilizadas em conjunto, sendo faculdade do autor escolher quais licenças estarão atreladas à obra. Sendo assim:

Um determinado autor pode escolher licenciar sua obra, por exemplo, pela modalidade “Atribuição – Vedados usos comerciais – Compartilhamento pela mesma licença”. Ou pode optar apenas por “Atribuição”. Como o modelo é matricial, cada autor pode escolher a licença adequada aos seus interesses e a suas necessidades, combinando-a com outras licenças (LEMOS, 2005, p. 89).

              Em termos jurídicos, as licenças públicas são espécies de contratos atípicos, cuja previsão se encontra no art. 425 do Código Civil brasileiro, sendo também classificadas como contratos unilaterais, não sendo o licenciado de nenhuma forma remunerado e os deveres oriundos da relação são deveres acessórios, não tirando esta natureza. Desta forma:

Sendo contratos atípicos, ainda assim sobre eles devem incidir todos os princípios contratuais a que já nos referimos, como a boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico e o respeito a sua função social, sendo-lhes atribuída as características dos contratos unilaterais. Também é fácil observar a submissão desses contratos às regras da LDA, uma vez que apenas as faculdades livre e explicitamente licenciadas pelo detentor dos direitos autorais podem ser aproveitadas por terceiros nos termos de licença. Nesse caso, observa-se com nitidez a causa da licença e o exercício de sua função social, na medida em que o licenciado se valha da obra nos exatos termos autorizados pelo autor (BRANCO; PARANAGUÁ, 2009, p. 119).

              Entretanto, certos juristas brasileiros não vêem com bons olhos o movimento trazido com o Creative Commons e defendem um ponto de vista diferente. Neste sentido, diz Hildebrando Pontes (2009, p. 155):

As licenças Creative Commons encampam uma construção doutrinária que não se coaduna com a nossa, convalidando conceitos distorcidos e incongruentes. Essa inadequação doutrinária afeta, acima de tudo, o conceito de autor, o de obra, o de obra coletiva e o de obra derivada, que são tratados pelo nosso direito à imagem e semelhança dos postulados herdados do Direito Continental que nos vincula

              E tece sua crítica ao projeto:

Diante das dificuldades do controle da utilização das obras no espaço digital, os seguidores do movimento Creative Commons pretendem tornar irrestrita a circulação das obras, transformá-las em meros conteúdos virtuais, flexibilizar os conceitos autorais consolidados, políticas consideradas essenciais para o desenvolvimento do processo de formação cultural do país. Corre-se o risco de se criar com essa visão unilateral um falso problema: direito de autor em oposição ao processo cultural brasileiro como se fossem campos antagônicos, cuja convivência de valores é incompossível (2009, p.137)

              Data vênia, o supracitado autor está equivocado. As licenças públicas de Creative Commons não são mecanismos de fuga aos princípios jurídicos. Elas seguem a necessidade da prévia autorização do autor, este sim livre para escolher como se dará a veiculação de sua obra ao público. “A LDA continua eficaz em meio ao Creative Commons. O que se tem, no entanto, é a garantia de se poder usar obra alheia segundo o que determinam as autorizações concedidas” (BRANCO; PARANAGUÁ, 2009, p. 120).

              Porém, Pontes (2009) discorda veementemente dos termos do Creative Commons e finaliza seu pensamento arremetendo:

Sabe-se que o autor tem todo o direito de autorizar a utilização de sua obra pelos meios disponíveis, inclusive o virtual. Sabe-se também que a internet é caótica, na justa medida em que configura a expressão da liberdade total, promovendo a ruptura do princípio da territorialidade. [...] as diferentes modalidades de licenças Creative Commons não garantem que as obras licenciadas sejam respeitadas por terceiros nas condições estabelecidas  no corpo das próprias licenças. Em razão disso, o sistema de licenças Creative Commons pela sua própria fragilidade, em vez de constituir-se em meio seguro de contratação, contribui indisfarçavelmente para a desconstituição dos direitos autorais na internet (p. 155/156).

              Na verdade, ações como o Creative Commons, longe de obstaculizar o direito do autor, o torna mais livre e conciliatório. Deste modo, estimula-se a ampliação de modelos cooperativos de forma que ao autor é dada a opção de permitir a utilização, divulgação e transformação de suas obras por outras pessoas, gerando o alargamento do patrimônio cultural comum, além de promover o acesso ao conhecimento e à informação. O papel do autor, longe de somente criar uma obra é de incentivar que esta atinja a coletividade, de modo que possa influenciar o meio em que é inserido, assim como foi influenciado. A Internet, meio propulsor de idéias, favorece este papel do autor. É o que traz Lemos (2005):

Por isso, o direito autoral, caracterizado como um grande “Não!”, começa a se transformar em razão desses “microatores”, que passam a ter canais para indicar ao mundo que preferem o caminho do “Sim”. Um “Sim” que tenta recuperar a promessa libertária original da internet e da tecnologia digital de emancipação criativa, e que faz do direito não um instrumento de preservação do passado, mas de transição para o futuro (p. 92).

              Entretanto, além dos “microatores” que atuam no sentido de promover a integração dos direitos autorais com a sociedade digital, é necessário promover a adequação das normas jurídicas relativas aos direitos de autor à realidade atual.

3.2 A LDA e a Internet: adequação e inovação em pauta

              A Lei de Direitos Autorais brasileira de 1998 já nasceu restritiva. Fruto de movimento neoliberal internacional, a lei brasileira atende as exigências da OMC que forçou a criação de leis de proteção rígidas aos países que dela quisessem fazer parte. Sendo listado como tendo a sétima pior legislação autoral no que diz respeito ao acesso à educação[8], o Brasil adota uma postura engessadora ao livre acesso à informação e excessiva proteção legal às obras intelectuais, como por exemplo, não permitir, teoricamente, que professores usem filmes e músicas em sala de aula ou que museus façam reproduções de seus acervos para fins de conservação, além de tornar ilegal práticas comuns na esfera virtual.                Urge então a necessidade de atualização da legislação autoral brasileira com o intuito de equilibrar os interesses envolvidos na questão, conforme preleciona Kaminski (2002):

A lei ideal de direitos autorais deve balancear os interesses da propriedade intelectual dos autores, editores e detentores de direitos autorais com os anseios da sociedade pelo livre intercâmbio de idéias. Evoca a disseminação do conhecimento, enquanto garante uma proteção adequada para os trabalhos criativos e investimentos econômicos (p. 122).

              Foi tendo este equilíbrio em vista que o Ministério da Cultura (MinC) elaborou o Anteprojeto que altera a Lei 9.610/98 de forma a adequar as normas jurídicas aos novos moldes sociais trazidos pela revolução tecnológica e dirimir conflitos causados por certos dispositivos legais que ensejam interpretações divergentes. O processo de reformulação da legislação iniciou-se em 2007, quando o MinC lançou o Fórum Nacional de Direito Autoral, espaço de debate entre os diversos setores envolvidos no tema e a sociedade civil. Segundo a cartilha desenvolvida pelo MinC, a qual apresenta a idéia da reforma da LDA: “Foi a oportunidade que praticamente todas as categorias envolvidas na questão (autores, artistas, editoras, gravadoras, usuários, consumidores etc) tiveram de expor suas críticas e sugestões” (BRASIL, 2010).                                                        No final de 2009, concluindo-se o Fórum, deu-se início ao processo de elaboração da proposta de reforma da LDA, tendo em vista as questões já suscitadas e debatidas. A proposta então foi organizada e disponibilizada para consulta pública em página da Internet, no site do Ministério da Cultura, em julho de 2010, sendo ainda um espaço para receber contribuições ao texto até o dia 31 de agosto de 2010. Com o recebimento total de 8.431 sugestões, a proposta está na fase de análise das contribuições, e seguirá a seguinte ordem, conforme demonstrado no balanço da consulta pública:

1º) analisar as contribuições (já em andamento); 2º) produzir relatório técnico; 3º) realizar reuniões com os setores envolvidos; 4º) consolidar a proposta do Governo; 5º) apresentar a APL ao Congresso Nacional (antes do fim do ano) (BRASIL, 2010).

              A proposta amplia as limitações do direito autoral, com o objetivo de garantir o acesso da coletividade às obras intelectuais, alterando alguns dispositivos restritivos. Temos, para efeito de comparação, os seguintes casos:

A atual redação do caput Art. 46 da Lei 9.610/98 (LDA) diz: “Não constitui ofensa aos direitos autorais:” Pelo anteprojeto, passaria a vigorar com a seguinte redação:

Não constitui ofensa aos direitos autorais a utilização de obras protegidas, dispensando-se, inclusive, a prévia e expressa autorização do titular e a necessidade de remuneração por parte de quem as utiliza, nos seguintes casos (BRASIL, 2010).

            Percebe-se que já no caput do artigo, a proposta é demonstrar que se dispensa a autorização do titular do direito nos casos descritos nos incisos. Alguns exemplos de mudança, especificamente do Art. 45, no Capítulo IV do Título III, que trata das Limitações aos Direitos Autorais são, conforme o anteprojeto de lei do MinC, in litteris:

[...]

 II – a reprodução, por qualquer meio ou processo, de qualquer obra legitimamente adquirida, quando destinada a garantir a sua portabilidade ou interoperabilidade, para uso privado e não comercial;  [...]

VI – a representação teatral, a recitação ou declamação, a exibição audiovisual e a execução musical, desde que não tenham intuito de lucro e que o público possa assistir de forma gratuita, realizadas no recesso familiar ou nos estabelecimentos de ensino, quando destinadas exclusivamente aos corpos discente e docente, pais de alunos e outras pessoas pertencentes à comunidade escolar;

 [...]

              XIII – a reprodução necessária à conservação, preservação e arquivamento de qualquer obra, sem finalidade comercial, desde que realizada por bibliotecas, arquivos, centros de documentação, museus, cinematecas e demais instituições museológicas, na medida justificada para atender aos seus fins;

 [...]  

XVI – a comunicação e a colocação à disposição do público de obras intelectuais protegidas que integrem as coleções ou acervos de bibliotecas, arquivos, centros de documentação, museus, cinematecas e demais instituições museológicas, para fins de pesquisa, investigação ou estudo, por qualquer meio ou processo, no interior de suas instalações ou por meio de suas redes fechadas de informática;        [...]Parágrafo único. Além dos casos previstos expressamente neste artigo, também não constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução, distribuição e comunicação ao público de obras protegidas, dispensando-se, inclusive, a prévia e expressa autorização do titular e a necessidade de remuneração por parte de quem as utiliza, quando essa utilização for:

 I – para fins educacionais, didáticos, informativos, de pesquisa ou para uso como recurso criativo; e

II – feita na medida justificada para o fim a se atingir, sem prejudicar a exploração normal da obra utilizada e nem causar prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores (BRASIL, 2010).

            Apreende-se a preocupação em equilibrar o direito do autor com os direitos que possui o cidadão enquanto pertencente a uma coletividade, pois a lei não deve apenas atinar-se a proteger o interesse individual, conforme declarou Guilherme Varella (apud SADA, 2010), advogado do Instituto de Defesa do Consumidor, quando diz que “existe uma outra função da lei que é a esfera pública e de atendimento do interesse público e consagração de alguns direitos que são fundamentais, que são os direitos à educação, à cultura e o acesso ao conhecimento”.                                                                          Ainda se pode destacar da proposta de reforma legislativa autoral a ampliação de ação do próprio autor em relação às obras, em caso de contratos com terceiros. Pela cartilha elaborada pelo MinC, tem-se:

O novo texto torna explícito o conceito de licença (autorização para uso sem transferência de titularidade) para que o autor conheça as alternativas para melhor controle dos usos de suas obras. Os contratos de edição, necessários para a difusão da obra em larga escala, não podem mais incluir a cessão (transferência definitiva) de direitos. O autor pode cedê-los, mas isso terá de ser feito num contrato específico. Além disso, o estabelecimento de contratos mais seguros e claros favorecerá os autores no caso de novos usos criados a partir das inovações tecnológicas (BRASIL, 2010).

            Com esta maior liberdade, ao autor se permitirá que possa rever cláusulas contratuais abusivas e priorizar sua participação nos lucros, visto que a lei atual favorece mais o aspecto lucrativo para os intermediários do que para os próprios autores. Além do mais, a suposta proteção autoral na verdade esconde interesses mais profundos. Vários acordos internacionais, conforme já citados neste texto, visam a proteção dos interesses de indústrias que tratam as obras intelectuais como mercadorias, aplicando regras de mercado com vistas ao lucro e restringindo o acesso à informação, além do próprio domínio político que os países monopolizadores de bens intelectuais possuem, frente aos países mais pobres que acabam tendo que ceder às pressões impostas por organismos internacionais[9]. Segundo Sada (2010):

Essas restrições e exigências internacionais são frutos de investidas das indústrias do campo do direito autoral (fonográfica, audiovisual, editorial, games e softwares), a partir da década de 80. [...] O segundo passo foi incorporar a exigência de respeito aos direitos autorais no dispositivo 301, que é um mecanismo que dá benefícios tributários para países em desenvolvimento para exportar aos EUA. A cada ano é feito um relatório que analisa a legislação de direitos autorais de cada país e seu cumprimento e apresenta um julgamento. [...] Atualmente, há duas iniciativas de endurecimento de legislação de direitos autorais no mundo. A primeira é c chamada “resposta gradual” com o intuito de combater a pirataria na internet que fizeram downloads ilegais e, se houver reincidências, a conexão de internet seria cortada. Esse tipo de regulamentação foi debatida em diversos países europeus, sempre acompanhada de protestos e controvérsias.

            O anteprojeto de reforma da lei de direitos autorais, portanto, vem contra este movimento mundial, seguindo uma esteira progressista, favorecendo a flexibilização dos direitos de autor para abrir espaço à promoção da informação, da cultura e do conhecimento, principalmente atentando-se para o espaço digital, como pertencente a uma revolução tecnológica que tem conseqüências em todos os espaços sociais, sendo inerente ao direito regular as relações surgidas no seio das mudanças e adequando suas normas para atender de forma sistemática e eficiente os interesses e direitos aqui envolvidos.

4 CONCLUSÃO

De uma obra disponibilizada no âmbito digital, nasce o mesmo direito para quem dela tenha contato secundário do que um comprador exclusivo da mesma teria. A obra utilizada de forma privada, sem aferição de qualquer lucro para o indivíduo é a pura aplicação do acesso à informação. A obra utilizada de maneira coletiva, sem nenhuma vantagem pecuniária para os envolvidos é a plena veiculação de conhecimento e cultura. Obstar a promoção do conhecimento de forma a promover o direito de autor em face de interesses meramente individuais não é exatamente uma forma de promover justiça social.

     Ao autor nunca será tirado o direito de ter seu nome veiculado à sua obra. A paternidade, além de funcionar como direito moral do autor, que é um direito absoluto, funciona como forma de assegurar a procedência da obra, da informação, do conhecimento. Desta maneira, juntamente com a obra deve vir atrelado o nome de seu criador. Há, contudo, novas formas de criações, onde a figura individual do autor dá vez ao coletivo. Obras coletivas utilizam-se do conceito de contribuição em grupo, vez que um grupo traz a obra à tona através de participações individuais. É a autoria ganhando contornos marcadamente contemporâneos.      

     É cabível ao direito de autor uma função social, estabelecendo a obra como uma forma de inclusão social, gerando cultura, informação e conhecimento e promovendo isto não apenas de forma individual, mas coletiva, atendendo o interesse público em geral. Há que se falar do equilíbrio entre direitos de autor e direitos à informação, vez que funcionam como verdadeiros princípios constitucionais. Neste caso, o sopesamento de princípios torna-se necessário e satisfatório, levando a análise do caso específico em conta, utilizando-se da razoabilidade e proporcionalidade para satisfazer, na medida do possível, os interesses envolvidos.

É bem verdade que a legislação brasileira referente aos direitos de autor traça contornos rígidos e engessados, fruto das pressões internacionais de excessiva proteção autoral, especialmente no meio virtual. Sendo assim, a iniciativa de renovação da legislação visando o equilíbrio de interesses e objetivando uma maior acessibilidade da população às obras culturais disponíveis ou a serem disponibilizadas em rede, indo na contramão do que esperam as potências mundiais – monopolizadoras de bens sociais e públicos. A proposta de reforma da Lei de Direitos Autorais brasileira é fruto de um movimento da sociedade civil juntamente com segmentos do Ministério da Cultura para promover a atualização dos dispositivos legais que regulam os direitos de autor, visando uma adequação coerente com a sociedade tecnológica que se faz cogente.                                                       O direito autoral não pode ser visto como um fim em si mesmo, antes disso, deve visar o desenvolvimento econômico, cultural e tecnológico. A Internet não pode ser vista como um campo sem qualquer controle, antes disso deve servir de meio de promulgação informacional de incremento de conhecimento e cultura. Direito Autoral e Internet devem ser vistos em conjunto como fomentadores do acesso à informação, base para qualquer sociedade que queira primar pela isonomia e cidadania.

                                                        REFERÊNCIAS

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Notas:

1 “As faculdades substanciais são aquelas que dizem respeito à efetiva exploração econômica da obra” (TESSLER, 2002, p. 181).

[2] “Deixa de ser relevante a figura de quem exerce a atividade de intermediação da troca de informações entre o autor e o público, o que resulta na inadequação de toda a normativa centrada na cópia e na distribuição das cópias” (PAESANI, 2006, p. 66).

[3] “A LDA é mais uma vez extremamente detalhista e restritiva ao cuidar da possibilidade de uso de obras alheias em eventos públicos, o que chama de comunicação ao público. Determina em seu art. 68 que, sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não se pode utilizar obras teatrais, composições musicais ou literomusicais e fonogramas em representações e execuções públicas” (BRANCO; PARANAGUÁ, 2009, p. 106).

[4] “A desmaterialização da obra diminui os limites entre a reprodução, difusão e sua circulação. A presença do suporte material é que tem determinado o direito à multiplicação e comercialização da mesma, diversamente do direito de utilização (como por exemplo, o direito de execução, de representação e de radiodifusão); nas estradas eletrônicas, ao contrário, reprodução, circulação e difusão parecem coincidentes” (PAESANI, 2006, p. 66).

[5] Tratando da sub-regras que permeiam a regra da proporcionalidade, Luís Virgílio Afonso da Silva (2002) traz que: “a subdivisão da regra da proporcionalidade em três sub-regras, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, conquanto praticamente ignorada pelo STF, é bem salientada pela doutrina pátria. Algumas vezes, contudo, a análise dessas sub-regras não tem sido feita de maneira a torná-las compreensíveis e aplicáveis na prática jurisprudencial. Muitas vezes é fornecido apenas um conceito sintético de cada uma delas, sem que se analise, no entanto, a relação entre elas, nem a forma de aplicá-las. Com isso, são ignoradas algumas regras importantes da aplicação da regra da proporcionalidade, impossibilitando sua correta aplicação pelos tribunais brasileiros. Uma dessas regras, trivial à primeira vista, mas com importantes conseqüências, é a ordem pré-definida em que as sub-regras se relacionam. [...] A real importância dessa ordem fica patente quando se tem em mente que a aplicação da regra da proporcionalidade nem sempre implica a analise de todas as suas três sub-regras. Pode-se dizer que tais sub-regras relacionam-se de forma subsidiária entre si. Essa é uma importante característica, para a qual não se tem dado a devida atenção. A impressão que muitas vezes se tem, quando se mencionam as três sub-regras da proporcionalidade, é que o juiz deve sempre proceder à análise de todas elas, quando do controle do ato considerado abusivo. [...] É justamente na relação de subsidiariedade acima mencionada que reside a razão de ser da divisão em sub-regras. Em termos claros e concretos, com subsidiariedade quer-se dizer que a análise da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com a análise da adequação; e a análise da proporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível, se o problema já não tiver sido solucionado com as análises da adequação e da necessidade” (p. 34).

[6] Colisões de direitos fundamentais em sentido estrito nascem sempre então, quando o exercício ou a realização do direito fundamental de um titular de direitos fundamentais tem conseqüências negativas sobre direitos fundamentais de outros titulares de direitos fundamentais. Nos direitos fundamentais colidentes pode tratar-se ou dos mesmos ou de direitos fundamentais diversos (ALEXY, 1999, p. 55).

[7] Alexy, nesse sentido, traz: “O olhar sobre o fenômeno da colisão de direitos fundamentais deu à luz constelações altamente diferentes que, porém, têm algo em comum: todas as colisões podem somente então ser solucionadas se ou de um lado ou de ambos, de alguma maneira, limitações são efetuadas ou sacrifícios são feitos. A questão é como isso deve ocorrer. Na resposta a esta questão devem ser tomadas decisões fundamentais sobre a estrutura fundamental da dogmática dos direitos fundamentais.

[8] Segundo a Consumers International.

[9] Como a adesão à OMC, que impõe a aceitação do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – TRIPS.