Direitos Reais na Coisa Alheia: direito do promitente comprador, ou promessa de compra e venda com eficácia real, ou direito real de aquisição, direito real de preferência do locatário/inquilino


PorViviane Santos ...- Postado em 16 novembro 2011

Autores: 
Menezes, Rafael de

Rafael de Menezes

Reais na Coisa Alheia

 

Nosso assunto este semestre são os direitos reais limitados, ou “jura in re aliena”, ou direitos nas coisas alheias, ou seja, nas coisas de propriedade dos outros. São onze os dir. reais limitados que nós vamos estudar este semestre, e que se subdividem em: 1) direitos reais de gozo ou fruição, 2) contratos com efeitos reais e 3) direitos reais de garantia.

Já vimos os cinco direitos reais de gozo ou fruição: superfície, usufruto, uso, habitação e servidão. Veremos hoje os dois contratos com efeitos reais, ou contratos com obrigações reais.

A regra é um contrato produzir apenas efeitos/obrigações pessoais, e se resolver em perdas e danos quando descumprido (389, CC). O novo CC admite que os contratos em geral possam ter efeito real à luz do art 475, ao prescrever que a parte lesada pode “exigir-lhe o cumprimento”. Bom, já falamos bastante disso em Civil 3, inclusive existe um comentário a esse artigo 475 no nosso site, confiram!

Então, se de um modo geral, todo contrato pode eventualmente ter efeito real, existem dois contratos que, pela sua importância, tem realmente efeito real, previsto expressamente em lei, que são a compra e venda de imóvel a prazo, e a compra pelo inquilino de imóvel locado, vejamos:

1 – direito do promitente comprador, ou promessa de compra e venda com eficácia real, ou direito real de aquisição, são vários os nomes para o mesmo instituto: nós sabemos que a propriedade imóvel só se adquire pelo registro, então quando alguém compra uma casa, só será dono quando fizer o registro da escritura no Cartório de Imóveis, mesmo que já tenha pago o preço, ou mesmo que já tenha as chaves e a posse da casa (1227, 1245, § 1º). Imagine que alguém compre uma casa/apartamento a prazo, para pagar em cinco, dez, vinte anos, pois bem, após todo esse prazo, o comprador já morando no imóvel, já acostumado com a vizinhança, com os filhos estudando por perto, tendo realizado benfeitorias, etc, então após o pagamento integral do preço, o vendedor se recusa a fazer a escritura definitiva, optando por devolver o dinheiro ao comprador e recuperar o imóvel. Esta situação tem amparo na lei no art. 389 do CC novo e, principalmente no art. 1.088 do CC velho. Mas sem dúvida é algo injusto, por isso o legislador, através do Decreto Lei 58, de 1937, atribuiu efeito real ao contrato de compra e venda a prazo de imóvel, de modo que pago integralmente o preço, o vendedor fica obrigado a fazer a escritura definitiva, e se não o fizer, o Juiz fará no lugar do vendedor. Repetindo o problema: sempre que alguém compra um imóvel a prazo, faz uma escritura/contrato com o vendedor que se chama “promessa ou compromisso de compra e venda”, de modo que, pago integralmente o preço, o vendedor celebra com o comprador a escritura definitiva que será levada a registro no Cartório de Imóveis. Se tal promessa de compra e venda tiver uma cláusula de irretratabilidade ( = as partes não podem se arrepender) e se tal contrato for registrado no Cartório de Imóveis, uma vez pago todo o preço, o vendedor não pode se arrepender e terá que fazer a escritura definitiva, sob pena de adjudicação pelo Juiz. O referido DL 58/37 foi recepcionado pelo novo CC em dois artigos: 1.417 e 1.418. Observem que o 1.417 permite que a promessa seja feita por instrumento particular, dispensando a escritura pública, que só será exigida para o registro definitivo.

Entre 1917 (vigência do CC velho) e 1937 (vigência do DL 58) houve muita injustiça nesta questão, pois naquela época o país começava a desenvolver as cidades e muitos loteamentos foram feitos. As pessoas vinham do interior, adquiriam lotes nas cidades e passavam anos pagando, mas ao término do pagamento o vendedor preferia devolver o dinheiro e vender o lote a outro, pois com o crescimento das cidades tais loteamentos de início em lugares distantes, com o passar dos anos ficavam mais dentro das cidades e se valorizavam, sendo mais vantajoso para o vendedor devolver o dinheiro e revender a um terceiro.

Após o DL 58/37 e agora com o novo CC, o comprador, registrando o contrato do compromisso e pagando integralmente o preço, se torna dono do bem que lhe foi prometido irretratavelmente à venda, independente de novo contrato definitivo de compra e venda, que se o vendedor se recusar a fazer, será feito pelo Juiz através da adjudicação (1417 e 1418).

Conceito: pelo direito do promitente comprador, o vendedor de imóvel fica obrigado a fazer a escritura definitiva após receber todo o preço, se no contrato de promessa de compra e venda constar a cláusula de irretratabilidade e esse contrato for registrado no Cartório de Imóveis.

Não esqueçam: o comprador tem que 1) incluir a cláusula de irretratabilidade, 2) registrar o contrato do compromisso e 3) pagar o preço todo para ter direito real à aquisição do imóvel.

O comprador fica assim com a posse e quase a propriedade, é só pagar as prestações todas ao longo dos anos que terá direito à escritura definitiva e ao registro. Se o comprador não pagar as prestações, o vendedor vai tomar o imóvel. O comprador fica responsável pelos impostos sobre o imóvel, e também pode hipotecar seu direito real de aquisição. Se durante o pagamento das prestações o vendedor morre ou aliena o imóvel a um terceiro, não tem problema, pois o direito do comprador se opõe erga omnes, o comprador poderá se valer da sequela e exercer seu poder sobre o bem, mesmo que o vendedor o tenha alienado. Se é o comprador que morre ou transfere seu direito a terceiros também não tem problemas, o sucessor poderá exercer o direito do antecessor.

Quem quiser saber mais sobre loteamentos, consulte a lei 6.766/79.

2 – direito real de preferência do locatário/inquilino: conceito: é o dir. real de preferência do inquilino na compra do imóvel locado, se o proprietário quiser aliená-lo. Este direito real visa facilitar a permanência do inquilino no lugar onde já mora ou trabalha. Então se A aluga uma casa/apartamento a B, e A resolver vender o imóvel a C durante o contrato, B terá direito de preferência caso o contrato de locação esteja averbado no Registro do Imóvel (vide arts. 27 a 34 da lei 8.245/91, especialmente o art. 33). O registro confere ao inquilino sequela sobre o imóvel, a ser exercida erga omnes. O proprietário deve dar ciência expressa ao inquilino através de carta com AR e o inquilino tem trinta dias para dizer se quer ou não exercer a preferência e comprar o imóvel. Se o proprietário não der ciência ao inquilino, este terá seis meses para pedir para si a adjudicação do imóvel, depositando em Juízo o preço do imóvel. Nesta hipótese, C vai buscar com A seu dinheiro de volta. Se o inquilino não quiser exercer a preferência, vai ter que desocupar o imóvel em até noventa dias, salvo se o contrato de locação for por prazo determinado, contiver cláusula de vigência em caso de alienação, e tal contrato estiver igualmente averbado no Registro de Imóveis (576, CC, e art. 8º da lei 8.245/91).

Bom, não vou mais me prolongar nestes assuntos afinal compra e venda e locação são contratos já estudados desde Civil 3.