Do crime de apropriação indébita previdenciária


PorJeison- Postado em 21 setembro 2012

Autores: 
CHUNG, Rodrigo Silveira.

 

INTRODUÇÃO

            A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art.195 expõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade.

            O sujeito passivo das obrigações tributárias relativas às contribuições previdenciárias é, em alguns casos, diverso do ente arrecadador.

            Assim, surge o crime de apropriação indébita previdenciária com a finalidade de compelir o pagamento tempestivo na forma legal ou convencional à Previdência Social, prevendo reclusão de 02 (dois) a 05 (cinco) anos e multa.

            Neste contexto, o presente trabalho visa expor em linhas gerais acerca do crime de apropriação indébita previdenciária previsto no art. 168-A no Código Penal, tendo sido incluído pela Lei n° 9.983/2000.

            Como deslinde do tema, buscou-se obter a pesquisa através de legislação, doutrina e jurisprudência.        

Do crime de apropriação indébita previdenciária

A arrecadação das contribuições previdenciárias, assim como a dos impostos, auxiliam no financiamento da Seguridade Social, conforme regra contida no artigo 195 da Constituição Federal:

A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais.

Como se não bastasse à destinação da arrecadação dos impostos à Seguridade Social, as contribuições previdenciárias (espécie do gênero contribuição social) também não são inteiramente reservadas a Seguridade Social e ao INSS. Além da previdência social, o produto da arrecadação das contribuições previdenciárias é dirigido à manutenção da estrutura administrativa do Estado e fornece recurso financeiro para as múltiplas atividades burocráticas do governo.

Dessa forma, segundo Fábio Zambitte, “com o objetivo claro de coagir as empresas a efetuarem suas contribuições corretamente, o legislador ordinário instituiu tipos penais, visando àqueles que não cumprem as obrigações previdenciárias”[1]. Logo, o Estado por meio de imposições proibitivas de condutas que acaso venham ser desrespeitadas podem acarretar crime contra a Seguridade Social.

Assim, o crime de apropriação indébita previdenciária foi incluído à Parte Especial do Código Penal pela Lei nº 9.983, de 14 de julho de 2000, conforme os dispositivos abaixo:

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: 

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. 

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de: 

I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;  

II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;  

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.  

§ 2o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. 

§ 3o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:  

I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou  

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. 

Pela leitura do dispositivo penal, o legislador considerou, no caput, como crime de apropriação indébita previdenciária o fato de não repassar à Previdência Social ou simplesmente deixar de efetuar no prazo ou na forma legal as contribuições recolhidas dos contribuintes.

Ivan Kertzman esclarece que “os valores retidos devem ser repassados, tempestivamente, para a Previdência. Os valores, geralmente, devem ser recolhidos na mesma guia em que são pagas as contribuições patronais e as para outras entidades”[2]. Salienta ainda que as retenções mais comuns são:

a)     Retenção das contribuições dos empregados e dos empregados domésticos;

b)    Retenção das contribuições devidas pelo contribuinte individual que presta serviços a empresas;

c)     Retenção das contribuições devidas pelo produtor rural, pessoa física ou segurado especial, quando da aquisição de seus produtos rurais;

d)    Retenção dos 11% incidentes sobre a nota fiscal de prestação de serviço por empreitada ou por cessão de mão-de-obra, conforme a Lei 9.711/98;

e)     Retenção das contribuições devida pelas entidades desportivas que mantêm equipe de futebol profissional, quando da contratação de patrocínios ou promoção de eventos.

Muitas vezes o sujeito passivo da obrigação tributária não é o responsável pelo seu recolhimento. O empregado segurado, por exemplo, tem descontado da respectiva remuneração das contribuições previdenciárias e incumbe à empresa repassar a Previdência Social, conforme art. 30, I, da Lei n° 8.212/91. Com o intuito de evitar a ocorrência de crime, as empresas devem pagar, pelo menos, as quantias retidas. Isto porque, segundo Kertzman, a “ausência de recolhimento da parte patronal e de terceiros não constitui crime, nem infração sujeito a auto de infração. Neste caso, há apenas, a obrigação de recolher o valor do débito, acrescido de multa e juros”[3].

A empresa adquirente, consignatária ou à cooperativa em relação às operações de venda ou consignação da produção rural (art. 30, IV, da Lei n° 8.212/91) tem a atribuição legal das contribuições previdenciárias. Isto é, incumbe a essas empresas fazer a retenção e o recolhimento das contribuições devidas pelos produtores rurais sobre a receita bruta decorrente da comercialização de sua produção[4].

Incorrerá nas penas do art. 168-A, a empresa que proceder ao reembolso dos benefícios da Previdência Social sem efetuar o pagamento ao empregado dos benefícios previdenciários aos segurados: o salário-família e o salário-maternidade.

No que concerne aos requisitos para a configuração do crime tipificado no art. 168-A do Código Penal, o Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho do Tribunal Regional Federal da 5ª Região expôs o seguinte em seu Voto proferido no processo n° 2006.83.00.004253-7 acerca do crime em tela:

O delito perseguido, em seu conjunto, coloca na cadeira de infrator o administrador que deixa de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e na forma legal ou convencional, segundo a dicção do art. 168-A, do Código Penal. Neste sentido, tenho entendido e, defendido, ao longo de várias decisões e períodos diversos, que é necessário, antes de tudo, a presença do numerário que deixa de ser repassado à previdência social. A infração só se consuma, em primeiro plano, com a presença, na empresa, da quantia suficiente, que, não é repassada. O segundo elemento do crime é, evidentemente, a falta de repasse à previdência social. Daí, em suma, os dois requisitos: 1) ter o numerário e, 2) deixar de repassá-lo.

Não obstante, deve existir o elemento subjetivo que é, além de possuir o numerário, a consciência e vontade do agente em deixar de repassá-lo.

O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou a respeito que o crime de apropriação indébita previdenciária “não consubstancia crime formal, mas omissivo material – no que indispensável a ocorrência de apropriação dos valores, com inversão da posse respectiva – e tem por objeto jurídico o patrimônio da previdência social”. Ademais, o STF reafirmou que, “pendente de recurso administrativo em que discutida a exigibilidade do tributo, seria inviável tanto a propositura da ação penal quanto a manutenção do inquérito, sob pena de preserva-se situação que degrada o contribuinte”.[5]

Outro questionamento é a exigência ou não do animus rem sibi habendi, ou seja, “a intenção de ter a coisa para si”[6], tendo sido considerado pela 1ª Turma do STF como inexigível[7].

Logo, havendo o desconto das contribuições previdenciárias pela empresa e não havendo o repasse conscientemente ou deixar de recolher no prazo legal incorrerá nas penalidades do art. 168-A do Código Penal.

Contudo, o parágrafo segundo do referido artigo do Código Penal prevê para que a punibilidade seja extinta, deve ser efetuado o pagamento integral até o início da ação fiscal. Interessante notar que caso o pagamento efetuado em atraso, mediante denúncia espontânea, extingue a punibilidade da apropriação indébita previdenciária.

Por outro lado, em caso de parcelamento do débito, a jurisprudência tem entendido que pode suspender a punibilidade, conforme se observa da ementa que segue:

Embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento. Matéria criminal. Questões afastadas nos julgamentos anteriores. Não há omissão, contradição ou obscuridade que autorize a oposição dos embargos. Recurso não conhecido. Precedentes. Crime de apropriação indébita previdenciária. Artigo 168-A do Código Penal. Débito previdenciário incluído no programa de parcelamento ordinário de débitos tributários. Lei nº 11.941/09. Suspensão da pretensão punitiva estatal e do prazo prescricional em razão do parcelamento dos débitos fiscais. Artigo 68 da lei de regência. Possibilidade. Habeas corpus concedido de ofício. 1. No julgamento dos últimos embargos declaratórios, as questões postas pela parte embargante foram enfrentadas adequadamente. Inexiste, portanto, qualquer dos vícios do art. 337 do RISTF. 2. Embargos de declaração não conhecidos. 3. Nos termos do art. 68 da Lei nº 11.941/09, a pretensão punitiva estatal, bem como a prescrição criminal, deve-se manter suspensa durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente infrator estiver incluída no regime de parcelamento de seus débitos junto à Fazenda Nacional. 4. Na espécie, o ora embargante acostou aos autos o devido comprovante do parcelamento do débito objeto da denúncia, visto que foi incluído do programa de parcelamento ordinário de débitos tributários. Juntou, ainda, prova da quitação das parcelas referentes aos meses de março e de abril do ano corrente. 5. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para, nos termos dos arts. 68 e 69 da Lei nº 11.941/09, suspender a pretensão punitiva estatal nos autos da ação penal, pano de fundo do presente agravo de instrumento, bem como o respectivo prazo prescricional, até que haja a quitação do parcelamento ordinário em questão ou a ocorrência de seu eventual descumprimento, devendo o Juízo de origem acompanhar a ocorrência desses fatos.[8]

Ainda neste cenário, ressalta Kertzman que a jurisprudência dominante reconhece a inexigibilidade de conduta diversa como forma de afastar a punibilidade nos crimes de apropriação indébita previdenciária, quando verificado nos autos o estado de insolvência incontestável da empresa. Para tanto, é necessário que os bens da empresa e dos sócios-gerentes, diretores ou administradores encontrem-se onerados[9].

Por fim, o parágrafo terceiro do art. 168-A do Código Penal faculta ao juiz deixar de aplicar a pena ou unicamente a multa caso o agente seja primário e possuir bons antecedentes, desde que (I) tenha, após o início da ação fiscal e antes do oferecimento da denúncia, efetuado o pagamento da contribuição social previdenciária com os acessórios; ou (II) o valor das contribuições devidas, já com os acessórios, seja igual ou inferior ao estabelecido pela Previdência Social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento das ações fiscais. Neste caso, vigora o valor mínimo de R$ 10.000,00 por meio da Portaria n° 296/MPS, de 08/08/2007.

Logo, caso o réu seja primário, ter bons antecedentes e, ainda, o valor do débito for menor que o mínimo para ajuizamento de ações, o Juiz poderá deixar de aplicar a pena ou aplicar apenas multas até o recebimento da denúncia do Ministério Público Federal. Se o réu efetuar o pagamento antes do início da ação fiscal restará extinta a punibilidade.

CONCLUSÕES

Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari arrematam que “a norma tem objetivo claro, qual seja, evitar sonegação fiscal, inibindo o desvio de contribuições destinadas ao financiamento da Seguridade Social. Tutela a subsistência financeira das ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”[10].

Sendo assim, incumbe à empresa descontar as contribuições dos segurados empregados e recolher aos cofres da Previdência Social.

Para haver a configuração do crime é necessário ter o numerário e deixar de recolher à Previdência Social, sendo, portanto, uma conduta omissiva. O elemento subjetivo do tipo se contenta com o dolo, sendo dispensável o ânimo de apropriação para si.

Verificou-se ainda que, em caso de denúncia espontânea, antes do início da ação fiscal é extinta a punibilidade do crime. Por outro lado, pode o Juiz deixar de aplicar a pena ou somente a multa caso o réu seja primário e ter bons antecedentes, além de ter o pagamento da contribuição social previdenciária com os acessórios após o início da ação fiscal e antes do oferecimento da denúncia ou o valor das contribuições devidas, já com os acessórios, seja igual ou inferior ao estabelecido pela Previdência Social, como sendo o mínimo para o ajuizamento das ações fiscais.

Por fim, no caso de parcelamento previdenciário tem sido admitido como causa para suspender a pretensão punitiva estatal nos autos da ação penal. E em matéria de defesa, desde que o estado de insolvência incontestável da empresa, a inexigibilidade de conduta diversa tem sido admitida como causa de exclusão da punibilidade.

Referências

§  CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. E LAZZARI; João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 14ª Ed. Conceito Editorial, 2012.

§  KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. Ed. JusPodivm, 7ª edição, 2010.

§  IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. Ed. Impetus. 16ª edição, 2011.

§  http://pt.wikipedia.org/wiki/Animus_rem_sibi_habendi

§  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm

Notas:

[1] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. Ed. Impetus. 16ª edição, 2011, p. 466.

[2] KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. Ed. JusPodivm, 7ª edição, 2010, p. 313.

[3] Idem. Ibidem

[4] CASTRO, C. A. P. de.; LAZZARI, J. B.. Manual de Direito Previdenciário. 14ª Ed. Conceito Editorial, 2012, p. 441.

[5] Inq. 2537, AgR/GO, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe-107, 12.6.2008.

[6] Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Animus_rem_sibi_habendi. Acessado em 26/07/2012.

[7] HC 96092 / SP. Relatora Ministra Cármen Lúcia. DJe 1.7.2009

[8] AI 817100 AgR-ED-ED, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 05/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-126 DIVULG 27-06-2012 PUBLIC 28-06-2012

[9] Op. Cit., p. 316.