DO PRAZO PARA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DO DEVEDOR À EXECUÇÃO FISCAL


PorEulampio- Postado em 05 junho 2015

Autores: 
Eulâmpio Rodrigues Filho

Do prazo para oposição de Embargos do Devedor

à Execução Fiscal

        

 

Eulâmpio Rodrigues Filho

Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia-UFU

Doutor em Direito

Pós-Doutor em Direito

Advogado

 

 

I - Introdução

 

Em outras ocasiões elaboramos trabalhos abordando tema atinente ao prazo para oposição de embargos à execução civil, que foram publicados na RBDP, 50/74 e ss., e na RP, 56/197 e ss.

 

Como a curiosidade ainda nos inquieta, agora com relação aos embargos à Execução Fiscal, voltamos ao assunto reproduzindo os trabalhos anteriores e acrescentando novas justificativas à posição adotada contra inclusive a doutrina majoritária.

 

A propósito o STJ assim se posiciona conforme se vê em julgamentos reiterados:

 

«O prazo de 30 (trinta) dias para oposição de embargos do devedor, na execução fiscal, inicia-se da intimação pessoal da penhora, e não da juntada aos autos do respectivo mandado.

«2. Recurso Especial provido.»

«(STJ - 2ª T, REsp. n. 567.509/RO, Rel. Min. João Otávio Noronha, DJ 06.12.2006, p. 238)».

«1. Pacificado no âmbito da Primeira Seção que o termo a quo para a oposição de embargos do devedor é a efetiva intimação da penhora e não a juntada aos autos do mandado cumprido.

«2. Recurso especial improvido (REsp n. 684.897/MG, relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 19.12.2005).»

 

«O prazo para a oposição dos embargos à execução fiscal começa a fluir da intimação da penhora e não da juntada aos autos do respectivo mandado.

«Recurso especial não conhecido (REsp n. 648.600/SP, relator Ministro Francisco Peçanha Martins, DJ de 14.11.2005).»

 

II - Do prazo e da sua contagem

 

Nos termos do disposto no inc. III do art. 16 da Lei 6.830/80, os embargos do devedor hão de ser oferecidos no prazo 30 dias, «contados da intimação da penhora».

 

Por outra parte, o art. 12 «caput», da mesma Lei, fala que na execução fiscal a intimação da penhora ao executado se faz mediante publicação no órgão oficial, «do ato de juntada» do termo ou do auto de penhora.

 

O regramento da contagem de prazo, verificado no texto do inciso III do art. 16 referido conduziu jurisladores a concluírem que, se no inc. I está escrito que o devedor oferecerá os embargos no prazo do inciso III, de 30 dias, «contados da juntada da prova da fiança bancária», esse prazo deve fluir a partir do ato praticado pelo oficial de justiça, não da sua autuação, quando as datas não coincidirem, evidentemente.

 

Tal entendimento, que foge ao sistema do Código de Processo Civil brasileiro, ressai de interpretação literal da Lei, conforme explicitado pelos seus defensores, como se vê da obra preciosa de J. Virgílio Castelo Branco Rocha Filho (Execução Fiscal e Títulos Executivos Extrajudiciais, S. Paulo, Leud, 1982, pág. 56).

 

A prevalecer o pensamento, todos os prazos praticamente contar-se-iam do ato do oficial de justiça, e não da juntada do mandado cumprido (art. 184, § 2º, do CPC).

 

Basta se recorra ao que estabelece o art. 240 do CPC: «Salvo disposição em contrário, os prazos para as partes, para a Fazenda Pública e para o Ministério Público contar-se-ão da intimação».

 

Mas acontece que a normatização do ato (intimação pelo oficial) não pára aí, pois a contagem do prazo vem disciplinada no artigo subsequente (241): «começa a correr o prazo: I - quando a citação for pessoal ou com hora certa, da data da juntada do mandado devidamente cumprido».

 

Releva anotar que o texto fala em citação, embora constante da Secção correspondente à intimação, que deve ser entendida abrangida (cf. Theotonio Negrão, CPC e Legislação Processual em Vigor, 17ª ed., nota 6 ao art. 241, citando JTA, 78/44; Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, Rio, Forense, 1985, v. I, p. 263, n. 233, e Antônio Janir Dall’Agnol Júnior, Comentários ao CPC, Porto Alegre, Lejur, 1985, p. 406, n. 87.2).

 

Engano imaginar que essa disposição não se aplica ao prazo para oposição de embargos à execução fiscal por penhora, mesmo porque, o que observa-se estampado no art. 16, III, da Lei 6.830/80 é exatamente a regra equivalente à do art. 240 do CPC, no que toca à intimação, não existindo naquele dispositivo qualquer exceção à norma fixada no art. 241 do mesmo Código para a contagem do prazo.

 

O equívoco da interpretação dominante no Direito sobre a LEF parece estanciar exatamente na concepção da idéia de que a lei teria disciplinado no art. 16-III o procedimento para contagem do prazo para embargos, quando, tão somente fixa como termo inicial para tanto a intimação, observada, sugere-se, a disposição do art. 184, § 2º, do CPC.

 

De sorte que, enxergar no contexto do art. 16-III da LEF disciplina para contagem do prazo é ir além do que o mesmo dispõe, visto haver se utilizado do termo intimação, na sua ampla acepção.

 

O que se vislumbra no texto do artigo mencionado é o ponto de partida da contagem do prazo (intimação), cujo procedimento não é aí regulado, devendo, portanto, prevalecer o antevisto na regra geral do art. 241 do CPC, no caso.

 

E o que se expõe encontra ressonância na melhor doutrina que cuida do tema, lato sentido: «não se pode ver, assim, no texto do referido dispositivo (art. 738-I do CPC) uma exceção à regra geral e lógica de que as citações e intimações por mandado só se aperfeiçoam com a respectiva juntada do mandado aos autos» (Humberto Theodoro Júnior, Processo de Execução, S. Paulo, LEUD, 1983, 7ª ed., p. 354).

 

Poder-se-ia argumentar que, se o oficial de justiça faz a citação para pagamento ou nomeação de bens à penhora no prazo de 5 (cinco) dias, que corre independentemente de devolução do mandado, isto é, com este em suas mãos, o qual, após decorrido aquele lapso, sem que seja acudida a citação deve realizar a constrição, poderia o mesmo acontecer em relação à intimação, ou seja, o prazo fluiria ainda que o mandado continuasse em poder do meirinho.

 

A hipótese alvitrada não tem sentido. E não o tem, porque no caso verifica-se uma das exceções próprias do processo de execução, que consiste na expedição de mandado determinante, ao mesmo tempo, de mais de uma diligência: citação e penhora.

 

Realizadas a penhora e a intimação da mesma, encerram-se as diligências, não se justificando a permanência de mandado em poder do oficial, e consequentemente a fluência de prazo antes da sua autuação.

 

Aliás, a tese ora contraditada parece-nos tão frágil, que na hipótese - possível - de o mandado e as certidões desaparecerem antes da juntada, impossível seria falar em restauração de autos, porque estes, referentes à constrição, na acepção jurídica, não existiriam.

 

E a devolução do prazo após eventual repetição dos atos abriria margem à criação de situação delicada, principalmente no caso de já opostos os embargos, que constituem, enfim, ação do embargante contra a execução.

 

III - Dos casos de incidência de «disposições contrárias»

 

Às considerações precedentes incluímos a de que não comungamos de entendimento, no sentido de que uma das disposições contrárias ao art. 241 do CPC, evocadas no artigo que lhe antecede, é a do prazo para oferecimento de embargos à execução.

 

E tentamos justificar o posicionamento, proclamando que no art. 738-I do CPC, bem como no art. 16-III da LEF se fala em intimação, e não em outro ato, e que a intimação pessoal, não sendo regulada exaustivamente no processo de execução, da LEF, é aquela regulada no processo conhecimento (CPC).

 

De sorte que o termo inicial do curso do prazo é expressamente consignado no mesmo processo de conhecimento.

 

Vejamos.

 

a)Intimação pelo Oficial de Justiça

 

A intimação considera-se feita e o prazo começa a correr - art. 241, I – da data da juntada aos autos do mandado devidamente cumprido.

 

b)Intimação por edital

 

A intimação considera-se feita, por haver dilação, no dia em que se dá o fim do prazo desta - art. 241, III - e não no dia em que o edital é afixado ou publicado.

 

c)Intimação por precatória

 

A intimação tem-se por efetuada no dia em que a carta - e não eventual mandado ou correspondência - é juntada aos autos da execução, no caso.

 

Ao que observa-se disto, a intimação considera-se rea1izada, para efeito de contagem de prazo, quando levado a cabo o último dos atos que a integram.

 

Tirante o caso da intimação por edital, ela se faz quando processado o ato correspondente.

 

E, a teor do disposto no art. 247 do CPC, a ausência da prática de algum ou de alguns dos atos que integram a intimação, tem como resultado a nulidade por «falta de intimação». Isto significa que antes da conclusão do ato, com a juntada do instrumento respectivo aos autos, não produz ele, com relação ao executado, a não ser quanto à interrupção da prescrição, qualquer efeito (art. 617 do CPC).

 

Realce-se mais, que na Execução, os casos de incidência de «disposição em contrário» são os da nomeação de bens à penhora e aceitação, quando o prazo para oposição de embargos corre da assinatura do termo respectivo (art. 12 da LEF), e do depósito de importe em dinheiro, para segurança do Juízo, quando o prazo corre da prática do ato mesmo (art. 16-I) (cf. doutrina abrangente do TJSP, Ag. 43.936-I, Rel. Des. Rangel Dinamarco, «in» Execução Civil, S. Paulo Ed. RT, 1989, v. 2°, p. 165), e não de intimação.

 

Por isso, acredita-se pouco razoável o entendimento de que a ressalva aos casos de incidência de disposições contrárias à contagem do prazo a partir da intimação implique a transfiguração do ato intimatório modelado no Código.

 

O prazo, ou se conta da intimação, ou não, como se viu (art. 240 do CPC). E, intimação, só pode ser a que obedeça ao paradigma estabelecido na lei como padrão para todos os procedimentos.

 

Evidente que o referido art. 240 do CPC, ao despertar a atenção para a possibilidade de existência de disposição em contrário, previu casos de o prazo correr a partir de ato que não seja intimação, como se demonstrou.

 

O que parece importante observar é que o art. 738-1 do CPC não suprimiu qualquer dos atos integrantes da intimação para justificar a desnecessidade da juntada do mandado.

 

A consignar que, quando o legislador pretende estabelecer formas processuais diferentes das reguladas no CPC, regula-as expressamente, como se vê, v.g., na Lei de Alimentos (Lei 5.478/68), em seu art. 5° e parágrafos, que disciplinam ato citatório, malgrado o seu art. 27.

 

IV - Da intimação nos regimes anteriores

 

Além dessas observações, releva demonstrar, através do exame histórico do tema, que a tradição do nosso Direito é no sentido de que antes da juntada do mandado de intimação aos autos carece ele de aperfeiçoamento, não ensejando ainda a contagem do prazo para oposição de embargos.

 

João Monteiroensina que «os embargos do executado, nas ações pessoais, só podem ser opostos em dois termos da execução: a) ou nos seis dias seguintes à penhora,...»

 

A seguir, em nota esclarece que «o termo de seis dias começa, não do ato da penhora, mas da respectiva acusação em audiência, na qual se deve assinar o dito termo, pois que melhor é a doutrina que não dá a penhora por feita e acabada senão depois daquela acusação, ou como se exprime o Ac. Rel. do Rio, de 20.4.1877 (O Direito, XIII, 339) enquanto não é trazida a Juízo para os efeitos legais» (Theoria do Processo Civil e Commercial, Rio, Off. Graph. do Jornal do Brasil, 1925, 4ª ed., PP. 819 e ss.).

 

Quanto às execuções de sentença, por penhora, os códigos estaduais de S. Paulo, art. 1.011; do Espírito Santo, art. 1.344; de Santa Catarina, art. 1.756; de Minas Gerais, art. 1.353, segundo Câmara Leal, Código de Proc. Civil e Com. do Estado de S. Paulo, Liv. Acadêmica Saraiva, 1933, v. V, pp. 188 e ss., adotaram o mesmo sistema previsto no Reg. 737, art. 532, com a contagem do prazo para embargos após processado o auto de penhora.

 

Para o caso da ação executiva, os Códigos Estaduais estabeleciam mais ou menos a mesma regra: S. Paulo, art. 756; de Pernambuco, art. 476; do Distrito Federal, art. 343; da Bahia, art. 515; de Sta. Catarina, art. 1.246; do Rio, art. 1.537; de Minas Gerais, art. 604; do Espírito Santo, art. 405 (Câmara Leal, ob. cit., v. IV, pp. 410 e ss.).

 

O código unitário de 1939, para o caso de execução de sentença, por penhora, estabelecia que o prazo para oferecimento de embargos era de cinco dias, contados da intimação da mesma - chamada primeira fase - (arts. 946 e 1.009-I).

        

E, no que toca à ação executiva, o mesmo código unitário estabelecia: «Artigo 301. Feita a penhora, o réu terá dez dias para contestar a ação, que prosseguirá com o rito ordinário.»

 

Amorim Lima,comentando o texto, assegura: «O prazo decadencial corre da entrega em cartório do mandado cumprido (art. 292).» (Código de Processo Civil Brasileiro, S. Paulo, Liv. Acadêmica Saraiva, 1941, 2° v., p. 301, n. 73).

 

A seu turno, o clássico De Plácido e Silva, «in» Comentários ao CPC, Rio, Forense 1956, 2º vol., 4ª ed., pág. 337, explicita, em linguagem sempre elegante:

 

«Feita a penhora, decorridos os 10 dias assinados ao réu para contestá-la, ação que se caracteriza, precipuamente, por se iniciar pela penhora, como nas execuções, e por sua forma se processar, a ausência do réu equivale à falta de embargos na execução ou à sua rejeição.»

 

V - Considerações finais

 

À luz do raciocínio aqui exposto, a interpretação racional e a interpretação sistemática se impõem, no caso, por força do estatuído nos arts. 1º da LEF, e 598 do CPC, que autorizam expressamente a aplicação subsidiária à execução, das disposições compatíveis, que regem o processo de conhecimento.

 

Assim, se na parte do Código que regula o processo de execução por quantia certa só vem estipulado o termo inicial da contagem do prazo para oferecimento de embargos, não o fazendo em relação ao «modus operandi» a adotar para se proceder a essa contagem, o mecanismo não pode ser tirado do nada, razão pela qual o art. 241 do CPC é de ser aplicado como norma subsidiária irrecusável, ao art. 16-III da LEF, tomando-se como ponto de partida do prazo a juntada aos autos, da certidão de intimação da penhora.

 

Por outra parte, o art. 16-III não dá conformação diversa a ato processual regulado no Código de Processo Civil. Adota, sim, a intimação como o momento inicial da fluição do prazo para embargos.

 

Nessa ordem de idéias, a conclusão a que se chega é de que a teoria dominante, ao suprimir um dos atos inerentes à intimação do devedor na execução (juntada aos autos), para contagem do prazo visando ao exercício da ação de embargos nada mais fez que criar um ato processual não contemplado na lei.

 

E isto nos parece mais violação dos limites estabelecidos à interpretação, cujo objetivo é aclarar o sentido da lei, e não dotá-la de inovações que o próprio sistema repele por natureza.

 

Mormente se diz na hipótese sob exame, onde, por disposição constitucional qualquer incremento legal de alcance geral só se estabelece validamente por norma legislativa federal (art. 22, I, CF).

 

No caso, nem há falar na liberdade da forma dos atos processuais, consagrada no art. 154 do CPC, pois, no que toca à intimação e à citação, aquela é limitada pelo texto do art. 247, que declara nulo o ato praticado à míngua de observância das prescrições legais.

 

No mais, exame aprofundado da questão, com incursão pelas obras que cuidam do âmbito de aplicabilidade dos institutos jurídicos em função da sua natureza, bem como das regras de conflitos de normas, nos convence ainda mais da exatidão da tese minoritária.              

 

Ao tratar do tema, com relação ao prazo para oposição de embargos à Execução Civil, o Prof. Araken de Assis, reportando-se à evolução do entendimento da Lei, na 11ª edição do seu Manual, Ed. RT, 2007, pág. 1.128, assim se expressa:

 

«Contar-se-á o prazo de quinze dias dos embargos, segundo o art. 738, caput, no rito expropriatório do título extrajudicial, da juntada aos autos do mandado de citação. (...)

«(250) A versão originária do CPC contava o prazo da intimação da penhora, e não da juntada aos autos da prova da intimação; porém, sempre houve defesa do critério da juntada, como a de Eulâmpio Rodrigues Filho, Do prazo para oposição de embargos do devedor, p. 201.»

 

Para demonstrar o processo evolutivo, temos a considerar que o novo Código de Processo Civil ora em periodo de «vacatio legis», no seu art. 231-II determina que o prazo se conta da data de juntada aos autos do mandado cumprido, quando a citação ou a intimação for por oficial de justiça.

 

E, concluindo, recorda-se lição extraordinária do eminente processualista, Ministro do STJ, Prof. Sálvio de Figueiredo Teixeira, que em sua obra Prazos e Nulidade em Processo Civil, Rio, Forense, 1990, 2ª ed., pág. 38, proclama:

 

«Cada vez mais ganham as preocupações dos estudiosos sobre os escopos do processo civil. Tais inquietações repousam particularmente na interpretação correta que se deve dar à aplicação das normas processuais.

«Os prazos inserem-se nesse campo, não sendo acertada a idéia, como observa Eulâmpio Rodrigues Filho, de que a lei, no que toca aos prazos, seja infensa aos processos de interpretação, não se sujeitando à evolução pela exegese.»