Dois anos de alimentos Gravídicos


Porbarbara_montibeller- Postado em 27 março 2012

Autores: 
SOUZA, José Wagner Silva
CARVALHO, Maria Fernanda Souza

Resumo: Com o presente artigo, pretende-se tecer considerações críticas acerca da Lei n° 11.804, de 05 de novembro de 2008, a qual dispõe sobre os alimentos gravídicos, com foco prioritário no que cerne à sua natureza híbrida, em razão de suas prescrições de direito material e de direito processual, e à possibilidade ou não de responsabilidade decorrente da improcedência do pedido declaratório de paternidade.

Palavras chave: Alimentos gravídicos; Princípio da dignidade da pessoa humana; Direito à vida; Responsabilidade na relação parental.

Resume: With this presented article, we intend to develop critical considerations on the 11.804 Law, from November 5, 2008, which deals with pregnancy foods, focusing on its hybrid nature, due to its requirements of substantive and procedural law, and to the possibility of the responsibility arising from the dismissal of the declaratory order of paternity.

Keywords: Pregnancy foods; Principle of human dignity; Right to life; Responsibility on the parental relationship.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 ASPECTOS DE DIREITO MATERIAL E DIREITO PROCESSUAL DA LEI DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS. 3 CONCLUSÃO. 4 REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

A Lei n° 11.804, de 05 de novembro de 2008, denominada também de Lei dos Alimentos Gravídicos, disciplina a percepção de alimentos pela mulher em função do estado gestacional. Trata-se de instrumento normativo que visa ultrapassar limites tradicionais em relação às posturas jurídico-sociais adotadas diante das mulheres que concebem sem manter uma relação afetiva estável com o suposto genitor de sua prole – “mães solteiras” –, o que afasta a presunção de filiação. Essa lei objetiva assegurar a mínima assistência e cuidado necessários para a mulher grávida e o nascituro por meio da imposição da obrigação de pagar alimentos exclusivamente em virtude da gravidez.
Em que pese já existirem normas que versem sobre alimentos no ordenamento jurídico pátrio – Lei n° 5.478/1968 (Lei da Ação de Alimentos) e o Código Civil de 2002 – e este encontrar-se inchado, crucial foi a aprovação de uma lei específica para uma circunstância específica, ainda que transitória, que é o estado gravídico. A titular dos alimentos na Lei n° 11.804/2008 é a mulher grávida por encontrar-se em situação de vulnerabilidade, por mais saudável que seja seu estado gestacional, portanto, faz jus a um tratamento diferenciado.

2 ASPECTOS DE DIREITO MATERIAL E DIREITO PROCESSUAL DA LEI
DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Os denominados alimentos gravídicos passaram a ter regulamentação legal com a edição da Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008, a qual completou dois anos recentemente. Agora não há mais espaço para a discussão sobre o seu cabimento no campo jurisprudencial, pois o Poder Judiciário deve aplicá-la aos casos concretos quando cabível.
A lei conferiu legitimidade ativa à própria gestante, que, a partir de então, tornou-se parte legítima para, em nome próprio, acionar o suposto pai do nascituro com o fito de receber dele alimentos destinados à satisfação das despesas decorrentes da gravidez.
A Lei n° 11.804/2008 reconheceu o direito da personalidade do nascituro a uma formação na vida intra-uterina saudável e digna, acolhendo, obliquamente, a teoria concepcionista, que segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2007, p. 83), é aquela a qual entende que “o nascituro adquiriria personalidade jurídica desde a concepção, sendo, assim, considerado pessoa”, ou seja, agora a proteção legal ao bebê ultrapassa o ventre materno.
Leandro Soares Lomeu (2008, [n.p.]) define com clareza e didática, segundo o texto legal, os alimentos gravídicos como aqueles devidos ao nascituro, e, percebidos pela gestante, ao longo da gravidez, abrangendo os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
Douglas Phillips Freitas (2010, p. 282) define a natureza dos alimentos gravídicos como sui generis devido à agregação de elementos da pensão alimentícia e da responsabilidade civil.
Todavia, não se pode confundir os alimentos gravídicos com o instituto da pensão alimentícia devida em razão de parentesco derivada do casamento e da união estável, pois nestas relações familiares afetivas estáveis há presunção de filiação, conforme artigo 1597, do Código Civil. Ademais, o cônjuge e a companheira podem pleitear alimentos na separação do casal e no divórcio, posto que os artigos 1694, caput, 1702 e 1704, do CC/2002 dispõem sobre tal possibilidade. A mulher gestante tem direito aos alimentos gravídicos para satisfazerem as necessidades e dispêndios referentes ao seu estado gestacional, e não às suas despesas pessoais, uma vez que a nova lei dirige-se às “mães solteiras”, aquelas que não mantêm relação familiar afetiva estável com o suposto pai do nascituro.
Nesse sentido, Natália Cristina M. Pimenta (2009, [n.p.]) alega que os alimentos gravídicos são distintos dos alimentos devidos ao cônjuge e à companheira, visto que são devidos se houver indícios de paternidade:

Não se pode confundir, porém, os alimentos gravídicos com o instituto da pensão alimentícia. Esta é devida em razão de parentesco, de casamento e da união estável. Exige-se, portanto, a prova do parentesco ou da obrigação. Já os alimentos devidos ao nascituro, os alimentos gravídicos, são devidos pela simples existência de indícios de paternidade.

A Lei dos Alimentos Gravídicos representa uma das concretizações da constitucionalização do Direito, que é a nova dogmática de dever de todo o ordenamento jurídico infraconstitucional estar atrelado, formal e materialmente, às normas (regras e princípios) e aos valores constitucionais. Trata-se do processo de filtragem ou hermenêutica constitucional, que é a verificação da validade do Direito Infraconstitucional em relação à Constituição.
A Lei dos Alimentos Gravídicos coaduna-se com a realidade social e ampara-se para fins de materialização das normas constitucionais relativas ao Direito de Família contemporâneo, as quais são os princípios da dignidade da pessoa humana, solidariedade familiar, melhor interesse da criança, afetividade e função social da família, elencando a pessoa humana como centro da proteção jurídica, ao invés do individualismo e do patrimonialismo do século passado, que estiveram tão presente no Código Civil de 1916. Destarte, os alimentos gravídicos revelam a realização da personalidade dos membros familiares, a repersonalização do Direito Civil, a despatrimonialização do Direito de Família e a responsabilização nas relações parentais.
Nesse sentir, Leandro Soares Lomeu (2008, [n.p.]) afirma que a Lei de Alimentos Gravídicos expressa a desejada proteção da pessoa humana e dos direitos fundamentais consagrados na Carta Magna, correspondendo-os ao sistema do Direito Privado, gerando a via tão desejada do Direito Civil Constitucional, considerando assim um grande avanço da legislação pátria.
Maria Berenice Dias (2008, [n.p]) assegura que os alimentos gravídicos são inovação que referenda a moderna concepção das relações parentais na busca do resgate da responsabilidade paterna.
Como todos os alimentos, os alimentos gravídicos submetem-se à regra geral do binômio necessidade do alimentando-possibilidade do alimentante prevista no artigo 1694, § 1º, CC/2002. Ainda que o suposto genitor do nascituro seja um magnata, o quantum dos alimentos deve atender apenas e sempre as despesas decorrentes da gestação, e não as despesas pessoais da gestante, pois a titular dos alimentos gravídicos é a mulher grávida, e não a mulher que não está grávida. Assim, a lei impôs um limite máximo ao valor dos alimentos, tratando-se de mitigação da regra necessidade de quem recebe versus capacidade contributiva de quem paga.
Caberá a autora demonstrar no feito que os gastos extraordinários que recaíram sobre si são provenientes do interstício da concepção ao parto. Os dispêndios da gestação são todos aqueles determinados pelo médico, bem como aqueles considerados pelo magistrado em conformidade com as circunstâncias fáticas.
Além disso, caberá a gestante demonstrar a existência de indícios de paternidade por meio de provas iniciais legalmente previstas ou moralmente legítimas como, por exemplo, fotografias, e-mails, cartas, bilhetes, filmagens, testemunhas etc., para que o juiz possa ter amparo na motivação da fundamentação de sua decisão interlocutória na concessão liminar ou na sentença definitiva.
Cabe transcrever arestos dos Tribunais pátrios nesse sentido:

EMENTA: ALIMENTOS GRAVÍDICOS. LEI Nº 11.804/08. DIREITO DO NASCITURO. PROVA. POSSIBILIDADE. 1. Havendo fortes indícios da paternidade apontada, é cabível a fixação de alimentos em favor do nascituro, destinados ao amparo da gestante, até que seja possível a realização do exame de DNA. 2. Os alimentos devem ser fixados de forma a contribuir para a mantença da gestante, mas dentro das possibilidades do alimentante e sem sobrecarregá-lo em demasia. Recurso parcialmente provido. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70037659604, Sétima Câmara Cível, Relator Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgamento em 09/09/2010).

ALIMENTOS GRAVÍDICOS. LEI 11.804/08. FIXAÇÃO EM CARÁTER PROVISÓRIO. NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE. 1. A matéria encontra previsão na Lei 11.804/08, que disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a forma como será exercido, conforme artigo 1º, sendo certo que se aplicam subsidiariamente nos processos regulados por esta Lei as disposições da Lei no 5.478/68 e o CPC, segundo previsão expressa no artigo 11. 2. Somente em audiência, ausente o réu por ausência de intimação, com o depoimento pessoal da parte autora e uma testemunha, convencido o magistrado da existência de indícios da paternidade, fixou alimentos gravídicos. 3. A agravante, porém, não se conforma com o valor inicialmente fixado, pretendendo sua majoração. 4. À toda evidência, parte das despesas apresentadas pela autora já eram por ela suportadas antes mesmo da gravidez, que, sem dúvida, aumentou suas despesas ante o agravamento de seu quadro clínico.5. Ocorreu que, a fase processual é de alimentos provisórios, tendo em vista que foram fixados de acordo com alegações e prova produzida unilateralmente acerca das possibilidades do alimentante, sem a sua manifestação nos autos, conforme se vê às fls. 12. 6. Assim, considerando, ainda, que não há uma certeza comprovada da efetiva paternidade do agravado quanto à criança, que pelas razões do agravado, já nasceu, razoável a fixação dos alimentos em um salário mínimo, que deverá ser paga retroativamente a 1º de julho de 2009 até a data do parto.7. Outrossim, o réu deve arcar não só com o pagamento do salário mínimo mensal, mas com eventuais despesas extraordinárias decorrentes da gravidez e do parto, não cobertos pelo plano de saúde da autora, desde que comprovados pela mesma.8. Inexistência de prova e argumentos capazes de ensejar a majoração dos alimentos fixados. 9. Os alimentos provisórios podem ser modificados com a instrução do feito, comprovando-se o binômio possibilidade & necessidade, bem como a certeza da paternidade, permitindo ao julgador arbitrar os alimentos definitivos que, tendo em vista o nascimento com vida, serão convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão, nos termos do parágrafo único do artigo 6º. 10. Requerimento de expedição de ofícios que não se aprecia. Supressão de instância. 11. Desprovimento do recurso. (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ, 0010892-17.2010.8.19.0000 – Agravo de Instrumento, Vigésima Câmara Cível, Relatora Desembargadora Leticia Sardas, Julgamento em 11/08/2010).

Ementa: Alimentos gravídicos. Autora comprovou relacionamento com o réu no período da concepção. Prova oral é suficiente para a pretensão da pensão alimentícia provisória especial Desnecessidade de comprovação da paternidade. Devido processo legal observado. Sucumbência levou em consideração as peculiaridades da demanda. Apelo desprovido. (Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, Apelação Cível 994093242929 (6667034000), Segunda Turma Criminal, Relator Natan Zelinschi de Arruda, Julgamento em 26/11/2009).

Ressalta-se que o artigo 8º do projeto de lei foi vetado porque previa a possibilidade de se o suposto pai negasse a paternidade, seria realizado “exame pericial pertinente” a fim de que a investigação de paternidade fosse efetivada. Esse tipo de procedimento médico é o exame de DNA em líquido amniótico, o qual pode colocar em risco a vida do nascituro. Além do mais, trata-se exame invasivo e ofensor da dignidade da pessoa humana da mulher grávida.
De acordo com o caso concreto, o juiz determinará o modo do cumprimento da obrigação imposta ao réu, se mediante pagamento em dinheiro ou pagamento direto do gasto. Também nada impede a posteriori a alteração do valor (aumento, redução ou até mesmo extinção da obrigação) e da forma do adimplemento da obrigação, como ocorre nas demais revisões de alimentos previstas no Direito brasileiro.
Quanto ao foro competente para a propositura da ação é o do domicílio do alimentando, neste caso, o domicílio da gestante. O projeto de lei que originou a Lei de Alimentos Gravídicos previa um artigo que determinava a competência do domicílio do réu, entretanto este dispositivo foi vetado, posto que se mostrava em desarmonia com a sistemática adotada pela legislação processual vigente.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 713) defendem, quanto à competência do foro para o ajuizamento da ação, a aplicação da Súmula 383, do Superior Tribunal de Justiça, aplicável ao caso pela extensão da proteção da criança ou adolescente ao nascituro, estabelecida nos seguintes termos: “a competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda” (ANGHER, p. 1948).
O legislador pecou devido à sua omissão em relação ao aspecto processual relativo ao rito a ser seguido pelo processo após a defesa do réu que deve ser apresentada por meio de contestação no prazo de 5 (cinco) dias. O julgador ficará em um impasse em saber se aplica o procedimento da Lei n° 5.478/1968 ou o do processo civil comum ordinário.
Parece que o rito da Lei n° 5.478/1968 é o mais apropriado para suprir a lacuna legislativa por está mais concatenado com os direitos em jogo da Lei n° 11.804/2008, os quais exigem uma prestação jurisdicional mais célere e tem especificidade.
O prazo de 5 (cinco) dias para o oferecimento de defesa mostra-se razoável por atender ao princípio da celeridade processual, sobretudo na discussão de direitos indisponíveis, desde que não agrida a democracia do processo consubstanciada na preservação dos direitos ao contraditório e à ampla defesa.
Não obstante a omissão legal, pertinente à processualística civil contemporânea que busca o processo civil de resultado e garantidor de direitos e garantias fundamentais é a fixação dos alimentos inaudita altera pars, ou seja, antes da citação do demandado, tratando de tutela de urgência centrada na pessoa titular do direito e orientada pelo princípio do convencimento motivado. Nessa situação, trata-se de alimentos provisionais porque se configura tutela cautelar devido à inexistência de relação jurídica base entre as partes do processo, desde que presentes a fumaça do bom direito e o perigo da demora (urgência).
Interessante também na novel lei é a conversão dos alimentos gravídicos em alimentos para a criança de ofício a partir do conhecimento do nascimento, com a possibilidade de revisão nos próprios autos. A adoção dessa medida apresenta-se guiada pelos princípios da economia processual e da celeridade.
Dessa forma, decidiram o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal em relação à conversão imediata dos alimentos gravídicos para a criança a partir do nascimento:

PROCESSO CIVIL - CIVIL - AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS - HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO - SUSPENSÃO DO PROCESSO - DESNECESSIDADE - CONVERSÃO AUTOMÁTICA DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS EM PENSÃO ALIMENTÍCIA EM FAVOR DO MENOR (PARÁGRAFO ÚNICO, ART. 6º, LEI 11.804/2008) - RECURSO PROVIDO.
1. NOS TERMOS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA LEI 11.804/2008, OS ALIMENTOS GRAVÍDICOS FIXADOS EM ACORDO HOMOLOGADO PELO JUÍZO SE CONVERTEM AUTOMATICAMENTE EM PENSÃO ALIMENTÍCIA EM FAVOR DO MENOR, NÃO HAVENDO NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DO PROCESSO. 2. RECURSO PROVIDO. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDF, Classe do Processo 2009 07 1 024162-5 APC - 0024162-57.2009.807.0007 (Res.65 - CNJ) DF, Terceira Turma Cível, Relator João Mariosa, Julgamento em 15/03/2010).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ALIMENTOS MULHER GESTANTE - DECISÃO QUE FIXOU ALIMENTOS GRAVÍDICOS EM 01 SALÁRIO MÍNIMO - ARGUIÇÃO DE PERDA DE OBJETO QUE SE REJEITA - Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão. - Observância do binômio necessidade-possibilidade, bem como do princípio da razoabilidade, na atual fase dos autos. - Ausência de provas a justificar a reforma da decisão - Possibilidade de o agravante demonstrar, ao longo da demanda, situação diversa da atualmente apontada, o que ensejará a redução do quantum arbitrado. - Manifesta improcedência do recurso de agravo de instrumento. - Aplicação do disposto no art. 557, caput, do CPC. - NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ, 0044833-89.2009.8.19.0000 (2009.002.42469) – Agravo de Instrumento, Quarta Câmara Cível, Relator Desembargador Sidney Hartung, Julgamento em 11/03/2010).

EXECUÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS. EXTINÇÃO DO PROCESSO. LEGITIMIDADE ATIVA DO NASCIDO. TÍTULO EXECUTIVO. ACORDO JUDICIAL. ART. 6º, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI 11.804/08.
I - NOS TERMOS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA LEI 11.804/08, OS ALIMENTOS GRAVÍDICOS, INICIALMENTE REQUERIDOS PELA GENITORA, SÃO CONVERTIDOS EM PENSÃO ALIMENTÍCIA EM FAVOR DO NASCIDO, QUE PASSA A SER O TITULAR DO DIREITO AOS ALIMENTOS. II - O NASCIDO, PORTANTO, TEM LEGITIMIDADE ATIVA, REPRESENTADO POR SUA MÃE, PARA AJUIZAR EXECUÇÃO, CUJO TÍTULO EXECUTIVO É O ACORDO JUDICIAL HOMOLOGADO.
III - APELAÇÃO PROVIDA. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDF, Classe do Processo 2009 08 1 006122-9 APC - 0006122-24.2009.807.0008 (Res.65 - CNJ) DF, Primeira Turma Cível, Relatora Vera Andrigui, Julgamento em 13/01/2010).

Ainda no que diz respeito à revisão, aplica-se analogicamente o artigo 13, § 2º, da Lei de Alimentos em relação à retroatividade da obrigação à data da citação.
Parece que tal analogia não é razoável na conversão dos alimentos gravídicos em alimentos para a criança, pois a data da citação fixa os alimentos gravídicos, e não os alimentos da criança, alimentos distintos por se destinarem a satisfazer necessidades diversas. O período entre a citação e o nascimento tem como titular dos alimentos a gestante. O mais adequado, conveniente, oportuno e justo é fixar os alimentos da criança a partir da conversão (que retroage a partir do nascimento).
Maria Berenice Dias (2009, p. 482) ainda argumenta que se o suposto genitor não contestar a ação e não fizer o registro do filho, a procedência da ação deve ensejar a expedição do mandado do registro, sendo dispensável a instauração do procedimento de averiguação da paternidade para o estabelecimento do vínculo parental.
Controvérsia há no tocante ao termo inicial dos alimentos gravídicos. No projeto de lei era previsto que o termo inicial dos alimentos gravídicos era a citação, mas mesmo com o veto presidencial, esta é a regra disposta no Código de Processo Civil.
A doutrina tende a considerar que os alimentos gravídicos são devidos desde a concepção, pois a lei prevê que os mesmos estão compreendidos nas despesas adicionais do período da concepção ao parto.
Douglas Phillips Freitas (2010, p. 282) entende que os alimentos gravídicos têm seu termo inicial na citação porque a nova lei apregoa a integral proteção à mãe e à criança, devendo ser relativizada a norma de termo inicial a partir da citação descrita no CPC, tendo em vista que os alimentos gravídicos estão dentro do espaço de tempo da concepção ao parto.
Nesse diapasão, Silvia França de Souza Morelli (2009, p. 92) compreende que os alimentos gravídicos são devidos desde a concepção, podendo-se aplicar por analogia, em razão de sua natureza híbrida (alimentícia e indenizatória), a regra da indenização da responsabilidade civil, a qual determina como marco inicial o sinistro (fato originador da responsabilidade civil), previsto no artigo 398, do Código Civil de 2002.
Maria Berenice Dias (2009, p. 481) defende que os alimentos gravídicos são obrigação alimentar desde a concepção, pois (2008, [n.p.]) ninguém duvida que isso vai gerar toda a sorte de manobras do réu para esquivar-se do oficial de justiça.
Também, na mesma linha de raciocínio da autora supramencionada, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 713) alegam que os alimentos gravídicos são devidos desde a concepção, afastando-se a regra geral de que seriam devidos desde a citação, a fim de se evitar condutas artificiosas do devedor para obstar ou atrasar a sua citação, em detrimento do credor.
A execução dos alimentos gravídicos ocorrerá de acordo com as regras dispostas nos artigos 732 e 733, do Código de Processo Civil, podendo ser aplicada a sanção de prisão em desfavor do devedor destes alimentos.
A extinção dos alimentos gravídicos se dará automaticamente nos casos de aborto e depois do nascimento com vida da criança se demonstrada a ausência de vinculo genético, ou seja, a negativa de parentalidade.
O veto presidencial do artigo 10 do projeto de lei foi realizado porque o mesmo estabelecia a responsabilidade objetiva da autora da ação, o que lhe imporia o dever de indenizar independentemente da apuração da culpa e iria de encontro ao impedimento do livre exercício do direito de ação. A interposição de ação de alimentos gravídicos contra quem não é o verdadeiro pai gera celeuma doutrinária no que diz respeito à possibilidade ou não de recair sobre a gestante o dever de indenização por danos materiais e/ou morais.
Parte da doutrina vem defendendo que, a despeito do veto, a autora permanece com o dever de indenizar o réu, pela invocação do artigo 186, do CC/2002, que dispõe acerca da responsabilidade subjetiva, ou seja, condicionada à demonstração do dolo ou culpa. Aduz essa corrente que o veto eliminou apenas a responsabilidade objetiva da autora, que, em detrimento do livre exercício do direito de ação, impunha o dever de indenizar independentemente da apuração da culpa.
Nesse sentido, Francisco José Cahali (2009, p. 588) entende que o veto não retira a responsabilidade civil decorrente da iniciativa impropriamente direcionada a quem não é pai, devendo ser aplicada a responsabilidade pela via do Direito Civil e do princípio da sucumbência em face da gestante por ser a autora, e não da criança, ainda que ausente dolo ou má-fé e mesmo que haja substituição processual (após o nascimento do bebê).
Natália Cristina M. Pimenta (2009, [n.p.]) sustenta a aplicação da regra geral da responsabilidade subjetiva constante do artigo 186, do Código Civil, onde a autora poderá vir a responder pela indenização cabível, desde que verificada a sua culpa, ou seja, que esta agiu com dolo ou com culpa em sentido estrito ao promover a ação de alimentos gravídicos em face do réu que não é o pai biológico, o qual estaria amparado pelo direito subjetivo à reparação de danos materiais e/ou morais com embasamento na responsabilidade civil.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 714) argumentam que o réu poderá, após a comprovação judicial de que não é o pai, pleitear uma indenização por dano moral somente se conseguir evidenciar que a imputação a si dirigida decorreu de má-fé, devidamente comprovada da mãe da criança, tratando-se de hipótese de responsabilidade subjetiva, com o ônus probante da culpa recaindo sobre o suposto pai.
Em sentido oposto, Luiz Gonzaga Pereira de Melo Filho (2010, [n.p.]) assevera que a improcedência da pretensão autoral não justifica o manejo de ação de responsabilidade civil contra a mãe da criança nem de ação de repetição de indébito:

A superveniência da negativa de paternidade não é suficiente para dar ensejo à procedência de ação de responsabilização civil contra a gestante, pois a obrigação de indenizar só surgirá se esta tiver agido de má-fé, ou seja, se se valeu do seu direito de ação para lograr um auxílio financeiro em detrimento de um terceiro inocente, sabendo que este não era o pai do nascituro. Ademais, não é cabível a ação de repetição do indébito, pois os alimentos gravídicos, por sua própria natureza alimentícia, não são susceptíveis de restituição.

Para Luiz Gonzaga Pereira de Melo Filho (2010, [n.p.]), o veto ao artigo do projeto de lei dos Alimentos Gravídicos foi salutar, haja vista que caso a possibilidade de responsabilização da grávida diante da negativa de paternidade fosse permitida haveria ofensa direta ao princípio constitucional do acesso à justiça, estabelecendo um direito à indenização pelo simples fato de ter sido acionado judicialmente o suposto pai, pondo por terra o livre acesso à justiça e desestimulando a interposição de ações de alimentos gravídicos, cuja improcedência repercutiria na responsabilidade objetiva da promovente.
Maria Berenice Dias (2008, [n.p.]) explica que a possibilidade de indenização por danos materiais e/ou morais em desfavor da gestante sucumbente no processo criaria perigoso antecedente, abrindo espaço a que toda ação desacolhida, rejeitada ou extinta confira direito indenizatório ao réu, ou seja, a improcedência de qualquer demanda autoriza pretensão por danos materiais e/ou morais, tratando-se de flagrante afronta ao princípio constitucional de acesso à justiça, dogma norteador do Estado democrático de direito.
No tocante à responsabilidade civil derivada da improcedência do pedido autoral de declaração de filiação, ou seja, da rejeição do pleito de reconhecimento de paternidade, salutar foi o veto ao artigo do projeto de lei atinente à responsabilidade objetiva por danos materiais e/ou morais da genitora da criança dentro e fora do processo onde há pretensão de alimentos gravídicos. Uma aprovação de possível imputação desse tipo de responsabilidade ensejaria uma anomalia desarmônica dentro do ordenamento jurídico, pois feriria de morte o princípio constitucional reconhecedor do direito fundamental de acesso à justiça previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988.
Essa responsabilidade banida do processo legislativo serviu também para não se prestar a ser precedente e impedir a propositura de demandas indenizatórias por réus baseadas em rejeição ou extinção sem resolução meritória de processo de outrora. Permitir a previsão desse naipe de indenização é não visualizar que todo processo de jurisdição contenciosa, ainda que as partes transijam amigavelmente (no sentido mais amplo e ilimitado desta expressão), há o dano marginal, que é considerado todo e qualquer desgaste proporcionado ao jurisdicionado inserido em um processo.
Ressalta-se, igualmente, que o princípio da sucumbência não pode ser arguído como justificativa indenizatória para responsabilizar a gestante no caso de improcedência da relação de parentalidade entre o seu filho e o suposto pai, pois afrontaria o princípio do acesso à justiça, havendo um choque entre princípios, o que após uma análise de sopesamento dos mesmos, com arrimo nos princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, prevaleceriam os direitos fundamentais de conhecer a origem biológica e de acesso à justiça.
Destarte, caso a lei permitisse a discussão da responsabilidade da autora no mesmo ou em outro processo na hipótese de rejeição da pretensão, a Lei n° 11.804/2008 seria materialmente inconstitucional.
Ademais, o caráter de irrepetibilidade dos alimentos impede a imputação de responsabilidade civil em face da mãe do bebê, até mesmo segundo as normas do Direito Civil (Direito Comum), posto que alimentos não se restituem em favor daquele que cumpre a obrigação, ainda que a verdade real, se demonstrada no curso da fase processual instrutória, desonere o demandado de tal ônus.
Nessa esteira, Denis Donoso (2009, [n.p.]) afirma que os valores até então pagos pelo suposto pai injustiçado diante da negativa de paternidade não podem ser exigidos de volta, pois os alimentos não são repetíveis. Também este autor (2009, [n.p.]) concorda com as razões do veto do artigo que previa a responsabilidade objetiva, as quais são:

Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação.

É interessante destacar as palavras de Douglas Phillips Freitas (2010, p. 286) que os advogados, primeiros juízes da causa, ao buscarem a efetividade dos direito de suas clientes não o fazer de forma temerária para que os alimentos gravídicos não se tornem sinônimo de excessos e alvitamentos.

3 CONCLUSÃO

Indubitavelmente os alimentos gravídicos representam grande avanço na legislação brasileira em virtude da tutela jurídica às mulheres gestantes e ao nascituro, buscando o pleno exercício dos direitos à vida, à alimentação e à saúde, direitos fundamentais alicerçados no princípio da dignidade da pessoa humana, bem como em outros princípios do Direito de Família constitucional, já elencados.
Constata-se que a jurisprudência pátria concatena-se com o espírito do legislador, buscando por meio da prestação de tutela jurisdicional materializar os direitos fundamentais consagrados na Constituição e na Lei n° 11.804/2008 diante da concessão de alimentos gravídicos em sede tutela de urgência (concessões de liminares).
Verificado que o suposto pai prejudicado no âmbito judiciário diante da confirmação de negativa de paternidade, depois de meses de cumprimento de prestação alimentícia, não tem o direito a propor ação de reparação por danos morais e materiais em face da gestante, mas sim do Estado.
Considera-se que a grávida simplesmente pelo fato ter buscado em via judicial a percepção de alimentos gravídicos, por si só, configura estado de necessidade, causa excludente de ilicitude, visto que se presume a necessidade de fruição de benefício de alimentos.
Desta feita, revela-se pertinente que a reparação decorrente da obrigação alimentar seja então repassada para o Estado, pois sendo zeloso guardador deve assumir o ônus da responsabilidade civil decorrente da improcedência da paternidade se recair danos materiais e/ou morais sobre o suposto genitor, tendo em vista que é inconcebível transferir ao particular que age sob o estado de necessidade o que deve ser responsabilidade do Estado.

4 REFERÊNCIAS

ANGHER, Anne Joyce. Vade mecum: acadêmico de direito. 10.ed. São Paulo: Rideel, 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação cível n° 994093242929. São Paulo: TJSP, 2009. Disponível em: http://www.tjsp.jus.br. Acesso em: 07.10.2010.

______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. APC n° 0006122-24.2009.807.0008. Brasília: TJDF, 2010. Disponível em: http://www.tjdf.jus.br. Acesso em: 07.10.2010.

______. ______. APC n° 0024162-57.2009.807.0007. Brasília: TJDF, 2010. Disponível em: http://www.tjdf.jus.br. Acesso em: 07.10.2010.

______. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de instrumento n° 0044833-89.2009.8.19.0000. Rio de Janeiro: TJRJ, 2010. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br. Acesso em: 07.10.2010.

______. ______. Agravo de instrumento n° 0010892-17.2010.8.19.0000. Rio de Janeiro: TJRJ, 2010. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br. Acesso em: 07.10.2010.

______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de instrumento nº 70037659604. Porto Alegre: TJRS, 2010. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br. Acesso em: 06.10.2010.

CAHALI, Francisco José. Alimentos gravídicos. In: Direito de família e o novo código civil. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

DIAS, Maria Berenice. Alimentos gravídicos?. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1853, 28 julho 2008. Disponível em: . Acesso em: 06.10.2010.

______. Manual de direito das famílias. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

DONOSO, Denis. Alimentos gravídicos. Aspectos materiais e processuais da lei nº 11.804/2008. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2028, 19 janeiro 2009. Disponível em: . Acesso em: 06.10.2010.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos e a lei 11.804/08. In: Leituras complementares de direito civil: direito das famílias. Salvador: Juspodivm, 2010.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. I.

GONÇALVES, Hortência de Abreu. Manual de artigos científicos. São Paulo: Avercamp, 2004.

LOMEU, Leandro Soares. Alimentos gravídicos: aspectos da lei 11.804/08. Revista do instituto brasileiro de direito de família, 19 novembro 2008. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=467. Acesso em 06.10.2010.

MELO FILHO, Luiz Gonzaga Pereira de. Alimentos gravídicos: danos materiais, danos morais e repetição do indébito. Escola superior da magistratura da Paraíba, João Pessoa, 2010. Disponível em: http://esma.tjpb.jus.br/index.php?option=comcom_content&view=article&id=.... Acesso em: 06.10.2010.

MORELLI, Silvia França de Souza. Alimentos gravídicos. In: Revista da escola superior da magistratura de Sergipe. Aracaju: ESMESE/TJ, n° 12, 2009.

PIMENTA, Natália Cristina M. A importância social da lei dos alimentos gravídicos. Revista Jus Vigilantibus, 5 junho 2009. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/40288. Acesso em: 06.10.2010.

TARTUCE, Flávio. Novos princípios do direito de família brasileiro. Revista do instituto brasileiro de direito de família. 28 junho 2007. Disponível em: http://www.ibdfam.com.br/plubic/artigos.aspx?codigo=329. Acesso em: 21.09.2010.