A dualidade entre lixo e necessidade humana


Porrayanesantos- Postado em 06 junho 2013

Autores: 
DUARTE, Silvia Lopes de Almeida

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo fazer uma breve abordagem sobre o histórico sobre o consumismo humano como potencializador do sistema capitalista, bem como sua trágica conseqüência com relação ao meio-ambiente, constitucionalmente protegido e considerado como direito fundamental. Será abordada também a classificação sobre os diferentes tipos de resíduos com o objetivo da normatização, os tipos de tratamentos previstos e a dualidade entre lixo e a necessidade humana.

 

Palavras-chave: Desenvolvimento. Sustentável. Meio ambiente. Potencialização.

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Histórico; 3. Natureza jurídica do lixo; 4. Classificação dos resíduos sólidos; 5. Tipos de tratamento do resíduo urbano; 6. A dualidade entre lixo e necessidade humana; 7. Conclusão; 8. Referências bibliográficas.


 

 

1.        INTRODUÇÃO

 

A agressão aos bens da natureza e ao meio ambiente em geral vem sendo, nas últimas décadas, tema abordado em conferências e debates de forma corriqueira, tendo em vista a necessidade – que cresce a cada dia – de um planeta mais sustentável. Tal necessidade surgiu diante das implicações não só naturais, mas também políticas, econômicas e até mesmo culturais, em escala global. Os problemas referentes ao meio ambiente estão diretamente ligados ao desenvolvimento dos países, bem como a qualidade de vida dos seus povos. Previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 225, o meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado configura-se como direito fundamental, portanto, essencial à pessoa humana – em clara evidência do princípio referente à mesma, norteador jurídico do ordenamento. A real necessidade de sustentabilidade provocou real mudança no perfil de empresas e corporações de todos os ramos. Estudar-se-á a educação ambiental como exigência do atual sistema econômico atual, bem como a possibilidade de novas maneiras de um ambiente ecologicamente equilibrado.

 

2.            HISTÓRICO

 

A Revolução Industrial pode ser caracterizada como grande e essencial transformação da humanidade como um todo, gerando profunda transformação social sob todos os aspectos. O maquinário e a indústria entraram em cena e colaboraram para a produção em escala e sustentando o modelo do sistema capitalismo, baseado em bens, serviços e, consequentemente, consumo. Este foi o primeiro passo rumo à grande mudança que o mundo enfrentaria nos anos seguintes.

 

O fenômeno da urbanização intensificou-se no Brasil a partir da década de 60, sendo que a década de 70 foi responsável pelo crescimento da população urbana superar o da população total. O ano de 1972 se mostra como relevante perante o assunto do presente artigo por ter sido o ano da 1ª Conferência Mundial sobre meio ambiente em Estocolmo, na Suécia – considerado como marco inicial sobre a questão do meio ambiente e os países. O Brasil, que vivia em um regime de ditadura militar e almejava o desenvolvimento a todo – e qualquer – custo e o avanço econômico de forma exponencial, revelou-se manifestamente desinteressado sobre o tema, que viria a ser um grande desafio nos anos seguintes.

 

Em 1983, a Organização das Nações Unidas (ONU), durante assembléia geral formou comissão responsável sobre o tema, que viria a apresentar, em 1987, relatório intitulado Our Common Future (Nosso futuro comum), também chamado de relatório Brundtland – em referência a primeira-ministra da Noruega, presidente da comissão.

 

Poucos anos depois, já em 1992, a Eco-92 tornou-se foco de olhares de grande maioria dos líderes políticos do globo, atraindo a participação de 117 países, 22 mil pessoas e 9 mil ONGs interessadas sobre o assunto. Gerou, à época, grande repercussão e deixou um legado baseado em princípios constantemente aplicados em prol da disciplina ambiental. A preocupação sobre o meio ambiente não se encontra restrita à esfera das ciências naturais, pois se tornou, nos últimos anos, essencial às atuais necessidades do homem, sendo, portanto, núcleo de debates e estudos de diversas áreas, dentre elas política, econômica, cultural e educacional.

 

Ainda que ignorado pela humanidade por diversas décadas, o meio ambiente é hoje parte constante na vida em sociedade, nas causas de diversos grupos, da consciência popular e, principalmente no mundo jurídico, visto que se trata de direito resguardado pela Constituição federal. O enrijecimento das normas, a ênfase na erudição acerca do tema, bem como a incômoda e inevitável preocupação com as gerações futuras possibilitou interesse dentro da comunidade jurídica, gerando, portanto, conhecimento mais aprofundado no ramo do Direito conhecido como Direito ambiental.

 

3.        NATUREZA JURÍDICA DO LIXO

 

Segundo o art. 3º, III, da Lei 6938/81, o lixo urbano possui natureza jurídica de poluente. O Direito positivo é claro ao mencionar que a poluição é oriunda de “degradação da qualidade ambiental resultante das atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”.  O lixo urbano, pelo simples fato de ser produzido, já se enquadra na natureza jurídica de poluente, sendo, portanto, forma de degradação ambiental ao assumir o papel de resíduo urbano. Diante disto, deverá o mesmo ser submetido ao devido processo de tratamento.

 

4.        CLASSIFICAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

 

Como citado anteriormente, os resíduos são separados em classes, de modo a organizar o estudo dos mesmos. Levam-se em conta as propriedades físicas, químicas e infecto-contagiosas, conforme a NBR 10004:2004.

 

Resíduos classe I: Perigosos

 

Resíduos classe II: Não perigosos: anexo H da referida NBR

 

Quadro 1 - Codificação de alguns resíduos classificados como não perigosos

 

 

 

Código de identificação

Descrição do resíduo

Código de identificação

Descrição do resíduo

A001

Resíduo de restaurante (restos de alimentos)

A009

Resíduo de madeira

A004

Sucata de metais ferrosos

A010

Resíduo de materiais têxteis

A005

Sucata de metais não-ferrosos (latão, etc.)

A011

Resíduo de materiais não-metálicos

A006

Resíduo de papel e papelão

A016

Areia de fundição

A007

Resíduos de plástico polimerizado

A024

Bagaço de cana

A008

Resíduos de borracha

A099

Outros resíduos não perigosos

NOTA Excluídos aqueles contaminados por substâncias constantes C, D ou E e que apresentem características de periculosidade

 

 

Fonte: ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 10004 (2012)

 

Resíduos classe II A: Não Inertes – não se enquadram na classificação I (perigosos) ou resíduos classe II B (inertes), nos termos da norma NBR 10004:2004, anexo H. Estes resíduos podem ter propriedades como combustibilidade, biodegradabilidade ou solubilidade em água.

 

Resíduos classe II B: Inertes – resíduos que não tiverem nenhum constituinte solubilizado a concentrações superiores aos padrões de potabilidade da água, quando amostrados de forma representativa, segundo ABNT NBR 10007 e contato dinâmico e estático com água destilada ou desionizada, em temperatura ambiente, segundo NBR 10006.

 

O perigo é classificado com base em quantidades, características físicas, químicas, biológicas e concentrações, com base em seu potencial para causa do evento morte ou doenças irreversíveis ou impedir a cura de outras, em especial quando se trata de risco à saúde pública e grande nocividade.

 

5.        TIPOS DE TRATAMENTO DO RESÍDUO URBANO

 

Deposição: técnica pouco recomendada devido aos grandes prejuízos ambientais, sociais e econômicos. Basicamente, modo rústico e primitivo, traduzido na simples deposição do que não é aproveitável no meio ambiente. Gera danos ao meio ambiente, o desequilibra e visualmente prejudicado.

 

Aterragem: os aterros sanitários tem como objetivo reduzir o perigo para a saúde pública, mas também se apresenta como forma rudimentar de tratamento. Baseada, objetivamente, em buracos no solo onde são enterrados os restos não aproveitados e sem destino certo.

 

Aproveitamento energético dos aterros: variação dos aterros visando extração de gás combustível, como por exemplo, o metano.

 

Compostagem: baseada na transformação do material orgânico em nutrientes importantes para os vegetais. Trata-se, basicamente, de cuidar do solo de modo a evitar erosão, acidificação e controle da umidade. O ponto negativo é a constante presença de elementos industriais, que acabam por poluir o solo.

 

Reaproveitamento energético: pode ser direto ou indireto e baseia-se na redução das perdas e utilização de matéria-prima energética oriunda do próprio lixo. Pode haver conversão em potencial energético a partir da queima, sendo este o meio direto. O meio indireto é a reciclagem, comportamento exaltado nos tempos atuais de conservação e preservação ao meio ambiente. Baseado nas fases de separação, pré-processamento, lavagem, descontaminação e condicionamento. É importante frisar que a técnica não possui 100% de aproveitamento, já que diversos elementos não podem ser reciclados.

 

6.        A DUALIDADE ENTRE LIXO E NECESSIDADE HUMANA

 

Diante de tanta diversidade, a organização e catalogação dos diferentes tipos de resíduos revelam-se de grande pertinência do ponto de vista da normatização e regulamentação de determinada matéria. Eles (resíduos) são divididos em classe I, classe II e classe III. A classe I é representada pelos resíduos perigosos; a classe II pelos não inertes e a classe III pelos inertes. Os resíduos classificados como perigosos exigem tratamento do lixo no local da produção pelo responsável, enquanto os outros são destinados ao cuidado da coletividade como um todo – como tarefa de cooperação mútua e essencial à vida em sociedade – e ao Poder Público, em virtude do art. 182 da CRFB/88.

 

Art. 182  - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

 

É sabido que o ser humano depende, necessariamente, de produtos, alimentos, bens, entre outros. Tal hábito faz com que todos os indivíduos sejam considerados consumidores e, consequentemente, geradores de algum tipo de resíduo. As próprias funções fisiológicas, inerentes ao ser humano, geram algo que não poderá ser reaproveitado de forma plena. No entanto, a produção de tais resíduos não caracteriza violação ao direito constitucional do meio ambiente equilibrado, mas sim a ausência de tratamento adequado. A importância da referida cláusula constitucional é justificada pela ligação umbilical ao direito a vida, essencialmente vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana, epicentro do ordenamento jurídico.

 

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

 

         A caracterização do crime se dá pela irresponsabilidade de quem dá origem a atividade poluente, tornando-se leniente perante a violação do direito do próximo, em concurso com a ausência de políticas urbanas, que deveriam ser promovidas pelo Poder Público. A interpretação dada deve ser sistemática e ampla, levando em consideração o fato de que viver, simplesmente, não atende ao Direito. Deve-se viver bem, com qualidade e de forma digna. Este é o objetivo da carta constitucional e da legislação específica utilizada para efetivação da função social da cidade.

 

O desenvolvimento econômico é inevitável na atual sociedade, a população cresce de forma exponencial a cada dia e caminhos precisam ser criados com o objetivo de suportar tamanha carga de resíduos que serão simplesmente arremessados ao meio ambiente. A eterna persecução da indústria pelo lucro possibilita o aumento intensivo da poluição sob todos os aspectos, provocando a degradação – ainda que óbvia – do meio ambiente protegido constitucionalmente. A criação de regras visando estabelecer limites às empresas deve ter caráter pedagógico e tornar a poluição inviável do ponto de vista econômico e de produção.

 

O atual modelo de desenvolvimento econômico vem gerando grande desequilíbrio em todas as esferas Portanto, ao mesmo tempo em que o ser humano é capaz de usufruir de toda uma nova frota e diversidade de bens, serviços e tudo que possa ser consumido, por outro lado vive de forma miserável no aspecto de qualidade de vida e saúde. O lado positivo é que, gradativamente, o mesmo ser humano produtor de resíduo vem tomando ciência de sua mortalidade e do desconforto causado por um ambiente de baixa qualidade. Daí surge o conceito de desenvolvimento sustentável, baseado em atender a sociedade no que ela precisa e da forma menos danosa possível ao meio ambiente, de modo a potencializar o próprio conceito de produção através da reutilização do que era considerado lixo nos tempos de outrora.

 

As indústrias, que sempre atenderam o único objetivo de sempre – o lucro – passaram a visualizar grandes possibilidades através deste tipo de prática que só possui benefícios sob todos os aspectos. Neste caso, a melhor alternativa é usufruir o que restou da melhor forma possível em atender a função social.

 

A empresa Big Frango, do estado do Paraná, revela-se como exemplo de que os projetos nesse sentido são possíveis, atendem a sociedade, melhoram a imagem da empresa e, em muitos casos, até gera mais lucro. O projeto desenvolvido, chamado Eco Vida, baseou-se na coleta de óleo de cozinha para reutilização, ao invés da simples – e agressiva – deposição do mesmo em rios, degradando o meio ambiente e, consequentemente, a vida da sociedade em geral. Em termos práticos, o resultado da empreitada foi mais que satisfatório: retirou de circulação quase 1 milhão de litros de óleo saturado no comércio e residências de Londrina e região. A prática revela, em seu melhor sentido, o conceito de desenvolvimento sustentável, baseado na redução de resíduos e na potencialização dos resultados e da qualidade. Segundo o idealizador, Evaldo Ulinski, a conscientização é essencial e o primeiro passo a ser dado.

 

O Brasil anda conquistando vitórias no campo ambiental, dentre elas uma importante que será a responsável pela implantação da coleta seletiva em todo o país até 2014. Os municípios deverão se adaptar à Política de Resíduos Sólidos que proíbe, de forma expressa, os lixões e o simples descarte de resíduos que possam ser reutilizados ou reciclados de alguma forma. Os lixões tem fim marcado para o dia 3 de agosto de 2014, como regulamenta o art. 54 da Política Nacional de Resíduos Sólidos, responsável pelas diretrizes para a gestão, gerenciamento e manejo de resíduos sólidos.

 

7. CONCLUSÃO

 

O desenvolvimento sustentável materializa-se no desenvolvimento capaz de satisfazer as necessidades atuais sem comprometer as gerações futuras e tornou-se atraente aos olhos das empresas por diversos motivos: a necessidade da qualidade de vida em um mundo regrado por pressões, estresse e agitações de toda sorte, a potencialização alcançada através da redução de perdas e aproveitamento, o atual marketing verde, responsável pela imagem da empresa ou corporação perante seu público-alvo e a preocupação diante das gerações futuras, o que envolve o próprio instinto de sobrevivência. Apesar da satisfatória expansão da cultura ambiental, o aprofundamento dos estudos – principalmente no Direito – o maior desafio é a educação. Esta sempre ignorada pelo Poder Público, ainda faz falta nas escolas brasileiras, que são a base para um projeto de sociedade mais justa, consciente e igualitária. Não poderia ser diferente com a educação ambiental, espécie do gênero educação.

 

 A fonte do problema e sua resolução definitiva somente serão alcançadas quando houver satisfatório trabalho no começo da formação do indivíduo como pessoa. A conscientização só nascerá através da imposição da cultura, essencial aos seres pensantes e que cuja casa representa a fragilidade em toda extensão da palavra, sendo apenas um pequeno ponto no universo.

 

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas. Resíduos sólidos: classificação, NBR 10004. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/67992666/NBR-10004-04-Residuos-Solidos> Acesso em 18 out. 2012.

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 17. ed. atua. amplia. São Paulo: Saraiva, 1997.

 

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.

 

FREITAS, Adrian Soares Amorim de. A política nacional de resíduos sólidos e a responsabilidade ambiental. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8617> Acesso em 19 out. 2012.

 

LANFREDI, Geraldo Ferreira. Política ambiental – Busca da efetividade de seus instrumentos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

 

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