Eficácia do preâmbulo constitucional


PorJeison- Postado em 18 fevereiro 2013

Autores: 
RAMOS, William Junqueira.

 

Reverenciado por Peter Häberle como uma espécie de Constituição da Constituição, o preâmbulo, comum em Constituições escritas, aparece desde a primeira Lei Fundamental de 1824 em nossos textos constitucionais. Vejamos a forma em que foram redigidos ao longo da história:

 

Na Constituição Imperial de 1824:

 

“DOM PEDRO PRIMEIRO, POR GRAÇA DE DEUS, e Unânime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os Nossos Súditos, que tendo-Nos requerido os Povos deste Império, juntos em Câmaras, que Nós quanto antes jurássemos e fizéssemos jurar o Projeto de Constituição, que havíamos oferecido às suas observações para serem depois presentes à nova Assembléia Constituinte; mostrando o grande desejo, que tinham, de que ele se observasse já como Constituição do Império, por lhes merecer a mais plena aprovação, e dele esperarem a sua individual, e geral e felicidade Política: Nós Juramos o sobredito Projeto para o observarmos e fazermos observar, como Constituição, que d’ora em diante fica sendo deste Império; a qual é do teor seguinte:

 

Na Constituição Republicana de 1891:

 

“Nós os Representantes do Povo Brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.”

 

Na Constituição Republicana de 1934:

 

“Nós, os representantes do Povo Brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.”

 

Na Constituição Republicana de 1937:

 

“O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil:

 

Atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que uma notória propaganda demagógica procura desnaturar em lutas de classes, e da extremação de conflitos ideológicos; tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil;

 

Atendendo ao estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente;

 

Atendendo a que, sob as instituições anteriores, não dispunha o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem estar do povo;

 

Com o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas;

 

Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem estar e à sua prosperidade;

 

Decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o país: CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.”

 

Na Constituição Republicana de 1946:

 

“Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembléia Constituinte para organizar um regime democrático, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.”

 

Na Constituição Republicana de 1967:

 

“O Congresso Nacional, invocando a proteção de Deus, decreta e promulga a seguinte CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

 

Na Constituição Republicana de 1967, após a Emenda Constitucional nº 01, de 1969:

 

Os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, usando das atribuições que lhes confere o artigo 3º do Ato Institucional n. 16, de 14.10.1969, combinado com o § 1º do artigo 2º do Ato Institucional n. 5, de 13.12.1968, e,

 

Considerando que, nos termos do Ato Complementar n. 38, de 13.12.1968, foi decretado, a partir dessa data, o recesso do Congresso Nacional;

 

Considerando que, decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo Federal fica autorizado a legislar sobre todas as matérias, conforme o disposto no § 1º do artigo 2º do Ato Institucional n. 5, de 13.12.1968;

 

Considerando que a elaboração de emendas à Constituição, compreendida no processo legislativo, está na atribuição do Poder Executivo Federal;

 

Considerando que a Constituição de 24.01.1967, na sua maior parte, deve ser mantida, pelo que, salvo emendas de redação, continuam inalterados os seguintes dispositivos: (...);

 

Considerando as emendas modificativas e supressivas que, por esta forma, são ora adotadas quanto aos demais dispositivos da Constituição, bem como as emendas aditivas que nela são introduzidas;

 

Considerando que, feitas as modificações mencionadas, todas em caráter de Emenda, a Constituição poderá ser editada de acordo com o texto que adiante se publica;

 

Promulgam a seguinte Emenda à Constituição de 24.01.1967.”

 

E, finalmente, na Constituição Federal de 1988, o preâmbulo apresenta-se da seguinte forma:

 

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

 

De acordo com Jorge Miranda, o preâmbulo constitui uma "proclamação mais ou menos solene, mais ou menos significante, anteposta ao articulado constitucional não é componente necessário de qualquer Constituição, mas tão somente um elemento natural de Constituições feitas em momentos de ruptura histórica ou de grande transformação político-social."

 

Questão controvertida dentro da doutrina é saber qual a eficácia (se é que existe) ou a natureza jurídica do preâmbulo constitucional. Essencialmente, três são as posições elencadas pela doutrina: a) a tese da irrelevância jurídica, segundo a qual o preâmbulo não se situa no campo do Direito, mas sim no da política, desse modo, sem relevância jurídica; b) a tese da plena eficácia, que reconhece o preâmbulo como tendo a mesma eficácia jurídica das normas constitucionais; e c) a tese da relevância jurídica indireta, onde o preâmbulo desempena um papel orientador na identificação das características da Constituição, mas não se confunde com suas normas.

 

A celeuma de qual interpretação se deveria dar ao preâmbulo, no Brasil, chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio da ADI 2.076-5. No julgamento da ação, o STF julgou improcedente o pedido formulado pelo Partido Social Liberal contra o preâmbulo da Constituição do Estado do Acre, em que se alegava a inconstitucionalidade por omissão da expressão "sob a proteção de Deus", constante do preâmbulo da Constituição Federal.

 

A Suprema Corte brasileira considerou que a invocação da proteção de Deus no preâmbulo da Constituição não tem força normativa, afastando-se a alegação de que a expressão em referência seria norma de reprodução obrigatória pelos Estados-membros.

 

Para o Supremo Tribunal Federal,

 

“O preâmbulo (...) não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideológica do constituinte. É claro que uma Constituição que consagra princípios democráticos, liberais, não poderia conter preâmbulo que proclamasse princípios diversos. Não contém o preâmbulo, portanto, relevância jurídica. O preâmbulo não constitui norma central da Constituição, de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro. O que acontece é que o preâmbulo contém, de regra, proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta: princípio do Estado Democrático de Direito, princípio republicano, princípio dos direitos e garantias, etc. Esses princípios, sim, inscritos na Constituição, constituem normas centrais de reprodução obrigatória, ou que não pode a Constituição do Estado-membro dispor de forma contrária, dado que, reproduzidos, ou não, na Constituição estadual, incidirão na ordem local.” (ADI 2.076, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 15-8-2002, Plenário, DJ de 8-8-2003.)

 

Assim, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o preâmbulo da Constituição Federal não possui eficácia normativa e que a evocação da proteção de Deus não se trata de norma de reprodução obrigatória em Constituições Estaduais. O preâmbulo, destarte, situa-se no campo da política e não do Direito.

 

Importante destacar que o Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, outrossim, na análise do Mandado de Segurança 24.645/DF, onde parlamentares pediam a suspensão da tramitação da proposta que posteriormente veio a se consolidar na Emenda Constitucional nº 41/2003, por ofensa ao texto do preâmbulo da Constituição Federal, negou o segurança, deixando claro que o conteúdo do preâmbulo não impõe qualquer limitação de ordem material ao poder reformador outorgado o Congresso Nacional.

 

Como se nota, a eficácia do Preâmbulo da Constituição é política,não possuindo eficácia normativa.

 

Assim, o preâmbulo, por não significar uma norma constitucional propriamente dita, não poderá prevalecer contra o texto expresso da Constituição Federal. Pode ser usado, todavia, por traçar diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas, como linhas interpretativas do texto constitucional.

 

REFERÊNCIAS

 

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O preâmbulo da Constituição brasileira de 1988. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1649, 6jan.2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10823>.

 

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Cursode Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada legislação constitucional. 7. ed. - São Paulo: Atlas, 2007.

 

PAULO, Vicente. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 2 ed rev. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

 

Acórdão: STF, ADIn n. 2.076-5/AC, Min. rel. Carlos Velloso, DJ de 08/08/2003, , disponível em www.stf.jus.br

 

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42081&seo=1>