Empregado doméstico regido pela CLT. sonho ou meta a ser alcançada?


Porwilliammoura- Postado em 21 março 2012

Autores: 
SOUZA, Jefferson Augusto Castelo Branco Furtado

 

Empregado doméstico regido pela CLT. sonho ou meta a ser alcançada?


Jefferson Augusto Castelo Branco Furtado Souza

Fiscal Agropecuário do Estado de Alagoas

Inserido em 03/10/2011

Parte integrante da Edição no 752

Código da publicação: 2359

 


SUMÁRIO: 1 – Aspectos históricos; 2 – Recentes derrotas e conquistas da categoria; 3 – Empregado e empregador doméstico; 4 – Empregado doméstico regido pela CLT. Sonho ou meta a ser alcançada?; 5 - Conclusão; 6 – Referências bibliográficas.

1 - Aspectos históricos

A origem da palavra doméstico vem do latim e significa domus (casa), pois era comum os “senhores” transferirem alguns escravos das lavouras, para o trabalho doméstico em suas residências.

Talvez a sua origem tenha sido o motivo pelo qual o empregado doméstico tenha sido a ultima categoria a ter uma legislação que lhe amparasse direitos (Lei 5.859 de 19720).

A primeira legislação que se propôs a tratar acerca do empregado doméstico foi o Código Civil Português de 01 de julho de 1867. Destacamos a seguir alguns artigos do “Livro II, Titulo II, Capitulo IV, Secção I – Do serviço domestico”:

“ARTIGO 1370º - Diz-se serviço domestico o que é prestado temporariamente a qualquer individuo por outro, que com elle convive, mediante certa retribuição.

ARTIGO 1371º - O contracto de prestação de serviço domestico, estipulado por toda a vida dos contrahentes, ou de algum delles, é nullo, e póde a todo o tempo ser rescindido por qualquer delles.

ARTIGO 1374º - Na falta de convenção expressa ácerca da retribuição, que o serviçal deva receber, observar-se-ha o costume da terra, segundo o sexo, a edade e o mister do serviçal.”

O Código Civil Português de 1867, em seu artigo 1370, conceitua o empregado doméstico de forma inédita. No artigo 1371, observamos a intenção de se afastar hipótese de uma escravidão camuflada por um contrato de trabalho doméstico. No artigo 1374, visualizamos a inexistência da isonomia entre homem e mulher, no que tange à remuneração. 

Em 1886, o município de São Paulo, regulamentou em seu “Código de Postura Municipal” as regras para a atividade dos “criados e amas-de-leite”, em seu artigo 263º, assim expresso:

“toda pessoa de condição livre que, mediante salário convencionado, tiver ou quiser ter ocupação de moço de hotel, hospedaria ou casa de pasto, cozinheiro, copeiro, cocheiro, hortelão, de ama-de-leite, ama-seca, engomadeira ou costureira e, em geral, a de qualquer serviço doméstico”.

Obs: grifos nossos.

Observe que para ser contratado como empregado doméstico, a pessoa deveria provar sua “condição livre”, o que reforça nossa afirmativa, de que este ofício se originou no seio da escravidão. 

A abolição da escravidão, somente ocorreu de forma definitiva no Brasil em 1888, com a assinatura da Lei Áurea. Porém não foi dado nenhum meio de sobrevivência aos negros recém libertos, a não ser, pelo único meio e oficio que eles conheciam: a lavoura ou o trabalho doméstico.

Em 30 de julho de 1923, surgiu o Decreto nº 16.107, que definiu o trabalhador doméstico como: cozinheiros, ajudantes de cozinha, copeiros, arrumadores, lavadeiras, engomadeiras, jardineiros, hortelões, porteiros, serventes, enceradores, amas-de-leite, amas-secas, costureiras, damas de companhia. Sendo equiparados a trabalhador doméstico, todos aqueles que trabalhassem em hotéis, restaurantes, casas de pasto, pensões, bares, escritórios, desde que exercessem atividades de natureza doméstica. 

Em 27 de fevereiro de 1941 o Decreto-Lei nº 3.078 conceituou empregados domésticos como:

“de qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residências particulares ou em benefício destas”.

Desconstituindo assim, a possibilidade dos trabalhadores de hotéis, restaurantes, pensões, bares e escritórios, serem enquadrados como empregados domésticos.

Em 01 de maio de 1943 foi compilada e criada a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, com o intuito de regulamentar as relações de trabalho individuais e coletivas. Porém a referida Lei foi taxativa e cruel, ao excluir expressamente, o empregado doméstico, em seu artigo 7º, alínea “a”:

“Art. 7º - Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas”.

Até que em 11 de dezembro de 1972 surgiu a Lei 5.859 e em 09 de março de 1973 o Decreto 71.885, os quais foram criados com o intuito de regulamentar os direitos dos empregados domésticos, conceituando os mesmo em seu artigo 1º (Lei 5.859/72) e garantindo-lhes, por exemplo:

- O direito a férias anuais remuneradas de 20 (vinte) dias úteis, a cada período de 12 (doze) meses trabalhados à mesma pessoa ou família.

- Direito de inclusão na Previdência Social;

- Regulou o recolhimento das contribuições, que serão efetuadas pelo empregador, referentes à previdência social.

A Constituição Federativa do Brasil de 1988, tratou de ampliar os direitos dos empregados domésticos, expressamente em seu artigo 7º, P.Ú:

“Art. 7º, P.Ú – São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI, e XXIV, bem como a sua integração à previdência social”.

“Art. 7º, IV – salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXIV – aposentadoria”.

Mais tarde, a Lei 10.208 de 23 de março de 2001, acrescenta alguns dispositivos à Lei 5.859 de 1972, por exemplo:

- A possibilidade da inclusão no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, porém, a Lei facultou ao empregador à decisão de inclusão ou não do benefício;

- Uma vez o empregador efetuando o desconto relativo ao Fundo de Garantia por Tempo de serviço – FGTS do salário do empregado doméstico, este passará a ter direito, em caso de dispensa sem justa causa, ao seguro-desemprego.

2- Recentes derrotas e conquistas da categoria

Em 06 de março de 2006, o Governo apresenta a Medida Provisória Nº284, para análise do Congresso Nacional. Inicialmente, a MP em questão, tinha como objetivo primordial, incentivar a formalidade do trabalho doméstico, permitindo ao empregador, deduzir do Imposto de Renda a contribuição de 12% (doze por cento) referente ao valor pago ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), limitando-se a um salário mínimo. 

Durante a tramitação da MP, o Congresso Nacional, incluiu várias emendas em seu texto, assegurando à categoria dos empregados domésticos vários, outros direitos.

Em 17 de março de 2006, o Congresso nacional aprovou a Medida Provisória Nº 284. Porém, a mesma foi vetada parcialmente pelo Presidente da Republica, Luiz Inácio Lula da Silva em 19 de julho de 2006. 

Momentos antes do veto presidencial, o Ministro da Previdência Social, Nelson Machado, declarou em entrevista: “A linha de conduta será vetarmos aquilo que nós consideramos que não tem condição de levar à formalização ou que contrarie a política de formalização nesse momento e colocar esse conjunto de formulações e propostas em outra pauta”. Após o veto presidencial foi a vez do Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, tecer seu comentário: “Preservamos a lógica do projeto e a conquista da categoria, sem penalizar os empregadores”.

Destacaremos aqui os pontos controvertidos da MP que ensejou o veto parcial do Presidente da Republica:

- Obrigatoriedade do pagamento do FGTS: A MP tratava da obrigatoriedade do pagamento do FGTS, que abrangia o depósito mensal de 8%, para esse fim e em caso se demissão sem justa causa, o pagamento de 40% (quarenta pro cento) a titulo de multa indenizatória.

- Obrigatoriedade do pagamento do seguro-desemprego: O empregado doméstico passaria a ter direito ao seguro-desemprego, uma vez, demitido sem justa causa.

- Pagamento do salário-família ao empregado doméstico.

Uma vez retirados os pontos vetados pelo Presidente da Republica, a Medida Provisória Nº284 foi convertida na Lei 11.324/06.

A Lei 11.324 de 19 de julho de 2006 alterou o artigo 3º e incluiu outros dispositivos à Lei 5.859 de 1972, com podemos observar:

- Proíbe o empregador de efetuar descontos no salário do empregado doméstico, referente a despesas consideradas de necessidade básica para o ser humano como alimentação, vestuário, higiene ou moradia. Sendo que o ultimo poderá ser descontado, se a moradia ocorrer em local diverso da residência na qual o empregado doméstico labora e deverá estar expressa no contrato de trabalho;

- O empregado doméstico passou a ter direito ao gozo de férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias corridos, a cada 12 (doze) meses trabalhados à mesma pessoa ou família, tendo direito a receber um acréscimo de pelo menos 1/3 (um terço) de seu salário normal;

- Direito à estabilidade da empregada doméstica gestante, desde a confirmação da gestação até 5 (cinco) meses após o parto. 

Este é único direito à estabilidade percebido pelo empregado doméstico, porem trata-se de uma estabilidade relativa, por isso durante a licença-maternidade o empregador somente demitirá a empregada doméstica em situações de justa causa. Como esclarece a professora Vólia Bomfim Cassar:

“Como se trata de uma estabilidade relativa, pode o empregador demitir a doméstica sem justa causa, desde que em virtude de motivo técnico, econômico ou financeiro. O motivo disciplinar enseja a justa causa. Durante a licença-maternidade a dispensa só poderá ocorrer por justa causa.”

3 - Empregado e empregador doméstico

3.1 - Empregado doméstico: É o trabalhador que presta serviços de natureza não lucrativa e de forma contínua à pessoa ou família, no âmbito residencial.

3.1.1 – Natureza não lucrativa: Em nenhuma hipótese o empregado doméstico pode desempenhar atividade lucrativa. Esta finalidade não lucrativa deve ser observada sempre pelo prisma do empregador doméstico, ou seja, a força do trabalho doméstico não pode nem deve ser usada para fins lucrativos do empregador.

3.1.2 – Continuidade: A Lei 5.859 de 1972 define como uma das principais características do empregado doméstico, a prestação de serviço de forma “contínua”, já a CLT prevê a “não eventualidade” do serviço prestado. Existem duas correntes que abordam esse tema:

- A primeira corrente versa sobre a inexistência da diferenciação entre prestação de serviço de forma continua e não eventual, isto é, não importa qual das duas expressões se use, pois o resultado sempre será o mesmo.

- A segunda corrente, na qual me filio, versa que o legislador agiu de forma proposital ao diferenciar a forma “contínua” da Lei 5.859 de 1972, da prestação de serviço “não eventual” da CLT. Pois a forma contínua, trata basicamente da quantidade de dias trabalhados (mais de três dias semanais), como um dos requisitos de enquadramento ao empregado doméstico, enquanto a não eventualidade trata da atividade e fim do empreendimento, ou seja, deve ser vista sob o prisma do empregador. 

3.1.3 – Pessoa ou família: Somente será considerado empregador doméstico a pessoa física ou a família, ficando por exclusão proibidas as pessoas jurídicas de se igualarem a tal.

3.1.4 – Âmbito residencial: Será considerado como âmbito residencial não somente a casa do empregador, mas também suas extensões, por exemplo: a casa de praia, de campo, etc.

3.2 – Empregador doméstico: Não existe na Lei 5.859 de 1972 expressamente o conceito de empregador doméstico, porém, a contrario sensu, podemos defini-lo, como a pessoa física ou família que contrata de forma contínua e de natureza não lucrativa, empregado para servi-lo no âmbito residencial.

4 – Empregado doméstico regido pela CLT. Sonho ou meta a ser alcançada?

No dia 16 de junho de 2011 foi aprovado, na convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada em Genebra – Suíça, uma norma determinando que todos os trabalhadores domésticos no mundo, tenham direitos igualados aos demais trabalhadores, de acordo com as leis previdenciárias e trabalhistas de cada país.

Esta norma servirá de base aos países que integram a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estabelecendo as regras referentes aos contratos de trabalho doméstico.

É importante salientar, que esta norma não entrará em vigor de forma imediata, pois em primeiro momento ela será utilizada, por pelo menos, dois países integrantes da OIT por um prazo de 12 meses. Prazo este que servirá para analisar se os resultados das mudanças alcançaram resultados satisfatórios ou não.

Se após o prazo de 12 meses a OIT constatar os efeitos favoráveis da norma, esta passará a vigorar entre os países que a integram.

Alguns direitos que o empregado doméstico passará a ter com a integral adoção da norma no Brasil:

- Jornada de trabalho de até 08 horas diárias ou 44 horas semanais;

- Hora extra;

- Adicional de insalubridade;

- Adicional noturno, para que trabalha em horários entre 22:00 às 05:00 horas da manhã do dia seguinte;

- Salário família;

- Fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS);

- Seguro-desemprego em caso de demissão involuntária ou sem justa causa.

Porém, os países integrantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não serão obrigados a adotar a norma aprovada.

Entendemos que não há risco do Brasil se recusar a adotar a norma em questão, visto que seu voto foi favorável a mesma. 

No entanto, poderá não adotar a norma na sua integralidade, se recusando a aplicar cláusulas que considere prejudiciais a “formalização do emprego doméstico”.

Observe que existe uma tendência de que o Brasil se recuse a aplicar a norma em sua integralidade, pelos mesmos motivos e argumentos que ensejaram o veto parcial da Medida Provisória Nº284 de 2006, estudada anteriormente. 

Mais uma vez o debate se estende à obrigatoriedade do pagamento ao fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), pois os argumentos utilizados continuam sendo os mesmos: “Os empregadores domésticos não teriam condições de arcar com o acréscimo dos custos trabalhistas”, “A obrigatoriedade do FGTS será acompanhada do aumento da informalidade do trabalho doméstico e desemprego”.

5 - Conclusão

Observe que apesar da “evolução” dos direitos ofertados aos empregados domésticos, o fato, é que esta categoria ainda encontra-se à margem da sociedade contemporânea brasileira.

Para buscarmos a real Sociedade Democrática de Direito, temos que nos libertar de todo e qualquer resquício de discriminação ou preconceito, atingindo assim uma sociedade justa e igual para todos. 

Convido o caro leitor para uma ultima reflexão:

Atente novamente aos argumentos utilizados pelos que não concordam com a equiparação do empregado doméstico ao empregado regido pela CLT:

- Os empregadores domésticos não teriam condições de arcar com o acréscimo dos custos trabalhistas;

- A obrigatoriedade do FGTS será acompanhada do aumento da informalidade do trabalho doméstico e desemprego.

Agora veja alguns dos argumentos utilizados pelos escravocratas na tentativa de evitar a abolição:

- Eles (donos de escravos) não teriam condições de pagar os trabalhadores assalariados e a única saída seria aumentar os preços das mercadorias;

- Uma vez libertos, os escravos não teriam para onde ir, nem o que fazer, caindo inevitavelmente na marginalidade.

Percebeu alguma semelhança? 

6 – Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição 1988, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª Ed. – Niterói: Impetus, 2009.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª. Ed. – São Paulo: LTr, 2008.

Ministério da Previdência Social. Decreto Lei nº 71.885 de 09 de março de 1973. Disponível em: http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/23/1973/71885.htm. Acesso em: 04 de julho de 2011.

Ministério da Previdência Social. Medida Provisória nº 284 de 06 de março de 2006. Disponível em: http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/45/2006/284.htm. Acesso em: 04 de julho de 2011.

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª. Ed. – São Paulo: Atlas, 2010.

República Federativa do Brasil. Lei nº 5.859 de 11 de dezembro de 1972. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm. Acesso em: 04 de julho de 2011.

República Federativa do Brasil. Lei nº 10.208 de 23 de março de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10208.htm. Acesso em: 04 de julho de 2011.

República Federativa do Brasil. Lei nº 11.324 de 19 de julho de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11324.htm. Acesso em: 04 de julho de 2011.

Data de elaboração: julho/2011