A especialidade do bibliotecário jurídico: bases para uma interação com o usuário operador do direito


Porbgomizzolo- Postado em 26 março 2015

Artigo: A especialidade do bibliotecário jurídico: bases para uma interação com o usuário operador do direito

Regina Célia Campagnoli Loureiro

1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, numerosos estudos de usuários dos serviços de bibliotecas e centros de documentação têm sido realizados com o intuito de constatar perfis de interesse e, com base nestes, estruturar sistemas que possam suprir necessidades de informação provenientes de questões múltiplas. Figuram, nesse processo, dois pólos de ação. De um lado está o usuário, cuja satisfação é o fim último desses estudos e a quem cabe elucidar ao máximo os termos da pesquisa. Do outro, o bibliotecário, ou gestor da informação, cuja função é investigar o desejo do usuário e aparelhar o sistema de forma a dotá-lo de mecanismos eficazes de recuperação de dados. Nas bibliotecas especializadas em ciências jurídicas, no entanto, as práticas de atendimento ao usuário têm vislumbrado ações que transpõem a execução dos procedimentos básicos que mapeiam uma situação de demanda-oferta. O operador do direito, ao buscar os serviços da biblioteca, o faz movido pela angústia de ter de debelar o conflito para o qual foi acionado. Imbuído desse estado de espírito, não é raro observar que ele procura a biblioteca não apenas para localizar as informações de que carece, mas também com a expectativa de que, ao demandar a colaboração do bibliotecário, possa encontrar neste o conhecimento e a percepção indispensáveis para que se instale o processo de interação entre ambos. Nesse sentido, não é bastante afirmar que a interação entre bibliotecário e usuário encerra-se na identificação de perfil de interesse seguida da recuperação de informações relevantes – ainda que extremamente relevantes – adequadas a esse perfil. Pesquisas desse teor são realizadas freqüentemente por meio de consagradas metodologias, e, no entanto, seus resultados demonstram dados que, embora relevantes por retratar parte da realidade, são insuficientes para configurar a interação pretendida. Assim sendo, o que mais pode fazer o gestor da informação jurídica para potencializar a satisfação e o desempenho de seu usuário, além de constatar perfis de interesse, estruturar sistemas de informação e lançar mão de técnicas de marketing para atrair clientes?

AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, em seu Dicionário Aurélio Século XXI, sinonimiza o termo interação com “ação recíproca”. Nesta abordagem, a interação vai além das pesquisas de interesses e da correspondente estruturação dos sistemas de informação. É ação bilateral que tem como sujeitos bibliotecários e usuários, com responsabilidades igualmente indispensáveis no processo de transferência da informação jurídica. Portanto, a satisfação do usuário não pode atrelar-se apenas ao fato de ele ter sido suficientemente elucidativo ao formular sua questão, tampouco à complexidade do sistema informacional que utilizou para atender a sua demanda. Isso, por si só, não promove a interação. Nossa inquietude está orientada para o necessário estabelecimento do vínculo de confiança entre bibliotecários e usuários da informação jurídica. O fortalecimento desse vínculo ocorre ao tempo em que os bibliotecários se conscientizam da importância de ampliar seus estoques internos de conhecimento nas áreas do direito e da tecnologia da informação, criando, assim, novos canais de comunicação com o seu usuário. Para tanto, ele deve desprender-se das tarefas de cunho generalista e concentrar-se na especialidade dos conteúdos com os quais realiza suas atividades profissionais. Este trabalho propõe uma releitura do papel do bibliotecário no processo de transferência da informação em bibliotecas e centros de documentação jurídica. Ao mesmo tempo em que aqui se reconhece a imprescindibilidade de sua missão inquestionável de intermediador, alerta-se para a necessidade premente de sua especialidade nos conteúdos que habitam a massa de informações a que dá tratamento, adicionando valor ao seu status profissional. Trata-se, portanto, de um estudo que entende que o bibliotecário atuante em bibliotecas e centros de documentação especializados em direito não pode limitar-se a manejar a informação jurídica como simples matéria-prima; ele deve conhecer os conceitos que ela revela, para, ao relacioná-los, garantir a relevância do resultado da pesquisa, e assim, indiretamente, também operar o direito.

2. A ESPECIALIDADE DO BIBLIOTECÁRIO JURÍDICO

Na sociedade atual, globalizada e altamente competitiva, especializar-se em um tema significa ancorar-se num mar de possibilidades profissionais, estabelecendo-se como ponto de referência em determinada área do conhecimento. O valor do profissional, hoje, é diretamente proporcional ao seu apego à educação permanente. Especializarse é tornar-se mais competitivo. No que tange à profissão do bibliotecário, sua formação acadêmica o credencia para organizar massas documentais, habilitando-o com as técnicas de tratamento da informação geral e/ou específica. Nas práticas organizacionais de bibliotecas e centros de documentação gerais, ele exerce o papel de agente “intermediário” da informação, posto que o contato com assuntos diversos lhe proporciona uma visão ampla porém superficial do conhecimento humano. Nesse caso, seus esforços devem se concentrar na otimização dos serviços técnicos e de atendimento prestados pela unidade de informação, já que especializar-se em um ou outro assunto descaracterizaria sua função democrática de atender a uma comunidade com interesses heterogêneos. Nas bibliotecas especializadas em direito, em contrapartida, o métier do bibliotecário amplia-se a partir do momento em que, ao manejar freqüentemente a informação jurídica, adquire o status de “especialista” dessa informação, o que cria a possibilidade de lhe conferir a prerrogativa de “colaborador” do usuário no desenvolvimento de seus estudos, agregando-a à de consagrado “intermediário”. Para contextualizar a informação-objeto de seu trabalho, o bibliotecário necessita buscar o conhecimento jurídico, que pode ser adquirido pela educação formal ou não. A compreensão do sistema jurídico nacional, construído sobre os pilares do Estado Democrático de Direito, é condição sem a qual o bibliotecário não consegue dimensionar o alcance dos institutos jurídicos para coordenar os seus conceitos e aplicação. É esse conhecimento que vai instrumentá-lo para definir as estratégias de busca da informação e, com a previsível precisão dos resultados obtidos, garantir a credibilidade de sua relação com o usuário. Essa interação pessoal é o diferencial que se imprime ao corriqueiro processo de demanda-oferta dos sistemas de informação, pois ela vai além dos procedimentos elementares da pesquisa. É um processo que, antes de promover a interação homem-máquina, passa necessariamente pela interação homem-homem. Nele, demove-se a idéia de prescindibilidade do trabalho do bibliotecário, que equivocadamente anima o usuário a acessar fontes eletrônicas sem antes conhecer as ferramentas de que o profissional da informação dispõe para montar estratégias de busca que visam a garantir alto índice de precisão no resultado da pesquisa.

3. A ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO JURÍDICA DIANTE DAS NOVAS TECNOLOGIAS

O grande paradoxo da sociedade da informação já consagrada em países desenvolvidos e idealizada pelos emergentes por meio de políticas de inclusão digital é o fato de que, quanto maior o volume de dados e idéias colocados em circulação nas estruturas de redes, maior a desinformação e a desrazão do indivíduo face a esse universo, pois o tempo de que ele dispõe para acessar toda essa produção é inversamente proporcional ao crescimento da mesma. Tal situação requer dos profissionais da informação novas práticas de trabalho, direcionadas para a estruturação de serviços que dêem suporte analítico ao pesquisador. Assim, é imperioso que se desenvolvam estudos acadêmicos de efeitos práticos sobre a gestão do conhecimento virtual, cujo desafio é transformar em inovações científicas a informação pura e simples, desprovida de significado e lançada no universo por meio das tecnologias contemporâneas. Executada pelo bibliotecário, essa gestão deve pautar-se no princípio de que informação e conhecimento não se confundem e que o seu compartilhamento envolve tarefas intrinsecamente humanas exatamente para dar sentido à massa de dados processados pelas máquinas. Portanto, nas bibliotecas e centros de documentação jurídica as estratégias de busca da informação têm seu ponto de partida no diálogo (interação homem-homem), seguido da atividade de consulta ao sistema informatizado (interação homem-máquina). É nesse sentido que se posicionam BINDÉ (1) e GOUX (1): Informação e conhecimento são coisas distintas, embora relacionadas, na medida em que a informação é uma ferramenta do conhecimento. A informação é uma técnica que tem por objetivo eliminar o elemento do ruído na comunicação. Mas comunicação não é inovação. Calibrar as palavras e mensagens melhora a transmissão do conhecimento, mas não o cria. O ponto forte da informação também é sua limitação. A inovação ocorre apenas quando existe uma busca pelo que é novo; não existe pesquisa – logo, não há progresso – sem conhecimento e sem a curiosidade e a experiência, as falhas e as tradições que ele pressupõe. É o conhecimento que dá sentido à informação. O conhecimento inclui dimensões sociais, éticas e políticas que não podem ser reduzidas à tecnologia. Uma sociedade que fosse exclusivamente de informação seria um conjunto de enormes redes interligadas, eficazes e ágeis, mas que não iria produzir inovações. A informação não é base suficiente sobre a qual deve se erguer uma sociedade. Mas a sociedade se baseia no diálogo, não em bits de informação. Assim, “sociedades do conhecimento” parece ser uma expressão mais apropriada do que “sociedade da informação” para designar os fenômenos dos quais estamos tratando. Existe apenas uma sociedade da informação, já que existe apenas um padrão de dados e comunicações. As sociedades do conhecimento existem no plural, já que, na medida em que dizem respeito à criatividade, elas necessariamente implicam diversidade e partilha. Diante disso, qual o novo papel do bibliotecário jurídico nessa sociedade do conhecimento? Quais as práticas que ele pode adotar para incrementar o processo de criação de novos conhecimentos jurídicos, servindo-se do disponível compartilhamento de redes? m primeiro lugar, há que se reconhecer a nova natureza das necessidades informacionais do usuário. Hoje, o caos documentário não está mais nas bibliotecas convencionais, que já encontraram técnicas eficazes de organização de seus acervos. Ele repousa no espaço virtual, que clama por mecanismos de conexão de dados, não tecnológicos, que já têm possibilitado a circulação da informação no mundo, mas conceituais, base para a criação de novos conhecimentos. Proporcionar meios de compreensão e associação desses conceitos, esta, sim, é uma tarefa eminentemente humana, inerente ao bibliotecário da era digital. E este não poderá cumpri-la se não tiver o conhecimento específico da área com a qual trabalha. Conhecer os conceitos de uma especialidade, portanto, é condição sine qua non para o desenvolvimento de sistemas de recuperação da informação especializada; é, também, o fator de excelência no processo de interação homem-homem e homem-máquina, ou seja, a informação que se recupera por meio de uma busca estruturada por conexões conceituais para suprir uma necessidade específica é matéria prima qualificada para a geração de bons e sólidos conhecimentos. Isso não significa, entretanto, que o bibliotecário terá , ele próprio, de desenvolver um programa de computador, um novo esquema de classificação bibliográfica ou um vocabulário controlado de termos jurídicos, exceto se isto for alvo de seu interesse. Esses instrumentos já existem, e não há motivo nem tempo para extingui-los. Há que, no máximo, aprimorá-los. A conexão conceitual a que nos referimos é, antes de tudo, um processo mental, que pode ser articulado diante deste ou daquele sistema, esquema ou vocabulário controlado. Em resumo, o que queremos declarar é que, de nada adianta ter a posse dos mais ágeis instrumentos formais de pesquisa se não temos o conhecimento do conceito que um termo revela. Como agentes da informação especializada em ciência jurídica, não podemos reduzir nosso trabalho a uma mera intermediação. Antes de “encontrar” o Direito, é preciso “pensar” o Direito. Para enquadrar-se nesse novo perfil, o bibliotecário jurídico deverá arrojar sua atuação profissional buscando incrementos, primeiramente, no estudo do Direito. De posse da compreensão dos conceitos jurídicos e de suas inter-relações ele poderá desenvolver com maior habilidade os serviços de sua competência, e trafegar entre os especialistas da área interagindo em prol da criação de novos conhecimentos. Buscando trilhar essa linha de ação, relacionamos, a seguir, alguns serviços que podem ser desenvolvidos nas unidades de informação jurídica, tendo como pré- requisito, para bem executá-los, o conhecimento do Direito. São eles:  Selecionar sítios da internet (portais de acesso gratuito ou pago) que veiculem conteúdos substanciais para o usuário; criar e disponibilizar os links de acesso a esses portais na página da biblioteca;  Fazer a leitura, selecionar e editar os atos normativos publicados nos Diários Oficial e da Justiça da União, divulgando-os aos usuários no mesmo dia da publicação, antecipando-se à demanda. Para desenvolver este serviço com agilidade é necessário ser assinante do Diário Oficial Eletrônico publicado pela Imprensa Nacional;  Sempre que possível, complementar uma informação com outra, agregando valor ao serviço. Por exemplo, ao informar a publicação de uma nova lei que altera dispositivo da CLT, informar também a redação anterior da norma, conferindo agilidade à pesquisa do usuário;  Manter atualizado o catálogo de endereços eletrônicos de juízes, servidores e outros usuários para assegurar a disseminação da informação; Criar e manter atualizado um sítio da Biblioteca na internet e intranet, no qual devem estar concentradas as pesquisas de legislação, doutrina e jurisprudência, bem como o acesso direto a outros links que contemplam assuntos correlatos e as normas de documentação da ABNT. Conferir credibilidade ao site e torná-lo atraente são tarefas que dependem de criatividade e competência técnica;  Selecionar artigos de periódicos que comentam as atualizações legislativas e encaminhá-los aos usuários;  Promover a divulgação da produção intelectual interna do Órgão, dando destaque à iniciativa e estimulando a geração de novos conhecimentos;  Disponibilizar um sistema amigável de recuperação da informação, que possibilite a independência e satisfação do usuário;  Criar links para formação e comunicação de grupos de estudos jurídicos;  Criar serviços que promovam o detalhamento virtual do acervo, selecionando periodicamente um de seus itens para desvelar o seu conteúdo, apresentando-o como sugestão de leitura. Na impossibiblidade de flanar freqüentemente pelo acervo físico da Biblioteca, este é um serviço de grande utilidade para os seus usuários remotos. Estas alternativas de trabalho devem ser freqüentemente avaliadas, com vistas a conquistar a fidelidade do usuário pela garantia de qualidade dos serviços e atualização dos dados.

4. CONCLUSÃO

Diante de tantas inquietações frente à necessária estruturação da gestão do conhecimento em ambientes de redes – o que já vem sendo sistematicamente desenvolvido no plano acadêmico por teóricos da Ciência da Informação - cumpre àqueles que tem a missão diária e imediata de represar a informação jurídica relevante pulverizada na internet estabelecer soluções rápidas e criativas, independentemente de métodos científicos, até que estes se concretizem em paradigmas que deverão ditar a prática organizacional do conhecimento no espaço virtual. Autorizados por essa premissa, ousamos aqui expor estas reflexões e dar a nossa contribuição alternativa para a execução das tarefas de organização e disseminação da informação jurídica, enquanto o ideal está por vir. 

BIBLIOGRAFIA

(1) BINDÉ, Jèrôme; GOUX, Jean-Joseph. Quem sabe? Tradução de Clara Allain. Folha de S. Paulo. Caderno Tendências e Debates, 23/11/2003. Campo Grande, MS, 18 de março de 2005. * Bibliotecária do TRT da 24ª Região CRB-1/940 (biblioteca@trt24.gov.br)

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