Esterilização humana


Pormarina.cordeiro- Postado em 09 abril 2012

Autores: 
HENTZ, André Soares

O trabalho analisa as implicações legais, éticas e religiosas da esterilização humana, uma das formas mais utilizadas para o controle da natalidade e para o planejamento familiar em todo o mundo.

Sumário: 1. Considerações preambulares. 2. Conceito e tipos de esterilização humana. 3. Antecedentes históricos. 4. Evolução legal no Brasil. 5. Esterilização das pessoas absolutamente incapazes. 6. Ética médica e esterilização. 7. Esterilização e implicações religiosas. 8. Conclusão. 9. Anexo: Lei n. 9.263, de 12 de janeiro de 1996. 10. Bibliografia.


1.Considerações preambulares

Um dos principais objetivos dos seres humanos durante a passagem pela Terra é a reprodução, a fim de que a raça humana possa se perpetuar, posição com a qual concordam tanto a Igreja Católica como a comunidade científica. No que tange aos métodos contraceptivos, todavia, não podemos dizer o mesmo. O presente trabalho tem como escopo analisar as implicações legais, éticas e religiosas da esterilização humana, uma das formas mais utilizadas para o controle da natalidade e para o planejamento familiar em todo o mundo.

De início, procuramos conceituar o que é a esterilização humana e apresentar os seus tipos. Feito isso, analisamos o antecedente histórico de tal método contraceptivo e sua evolução no ordenamento jurídico pátrio. Por derradeiro, estudamos suas implicações com a Igreja Católica e a relação da ética médica com tal proceder.


2.Conceito e tipos de esterilização humana

A esterilização pode ser entendida como o ato ou efeito de esterilizar (-se), ou seja, de tornar infértil, infecundo, improdutivo (o animal, a planta, a terra) [1].

Nos seres humanos, a esterilização consiste no ato de empregar técnicas especiais, cirúrgicas ou não, no homem e na mulher, para impedir a fecundação. Antônio Chaves [2] classifica a esterilização em eugênica, cosmetológica, terapêutica e de limitação de natalidade.

A esterilização eugênica tem por finalidade impedir a transmissão de doenças hereditárias indesejáveis, a fim de evitar prole inválida ou inútil, bem como para prevenir a reincidência de pessoas que cometeram crimes sexuais. Ela foi utilizada em larga escala no século XX, sendo que alguns países lançam mão de tal procedimento até hoje. Para se ter um exemplo, na província chinesa de Gansu foi adotada uma lei em 1988 que somente admite casamento de mulheres com problemas mentais se elas forem esterilizadas, obrigando-as, se ficarem grávidas, a praticar o aborto. [3] No Brasil, tal prática nunca foi concebida, apesar de recente tentativa do deputado federal Wigberto Tartuce (PPB/DF). Em 20/6/2002 ele apresentou projeto de lei que modificaria as penas dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor (artigos 213 e 214 do Código Penal). Ao invés da pena restritiva de liberdade, o parlamentar propôs a adoção da pena de castração com a utilização de recursos químicos, cuja duração é temporária. No entanto, após apreciação pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, o projeto de lei foi arquivado, sob o argumento de que a Constituição Federal veda a aplicação de penas cruéis (art. 5º, inciso XLVII, alínea e).

Já a esterilização cosmetológica destina-se apenas a evitar a gravidez, tendo em vista que não é precedida de nenhuma indicação médica relacionada com a saúde. É o tipo de esterilização que somente leva em conta a estética. Esta prática não é permitida pelo nosso ordenamento jurídico.

De outro lado, a esterilização terapêutica está ligada à idéia de estado de necessidade ou de legítima defesa. Isso quer dizer que um médico deve diagnosticar previamente as injunções clínicas que autorizariam esterilizar uma pessoa, em razão da impossibilidade clínica de ter filhos. No Brasil, a esterilização terapêutica é aceita, mas deve ser precedida de relatório escrito e assinado por dois médicos, conforme preconiza a Lei n. 9.263/96 e a Portaria n. 144/97 da Secretaria de Assistência à Saúde.

Por fim, a esterilização para a limitação da natalidade visa restringir a prole das famílias, em virtude das condições sócio-econômicas de um dado país. É bem verdade que poucos países a utilizam, merecendo destaque a China, que adotou a campanha "um casal - um filho", dada a sua imensa população. Nossa Constituição Federal veda expressamente qualquer forma coercitiva de esterilização tanto por parte de instituições oficiais como privadas. Tanto é assim que o parágrafo único do art. 2º da Lei n. 9.263/96 é enfático ao proibir a utilização do planejamento familiar para qualquer tipo de controle demográfico.

A esterilização humana ainda pode ser classificada como acidental, resultante de erro médico e voluntária para fins de planejamento familiar.

No presente trabalho, cuidaremos tão somente da esterilização voluntária para fins de planejamento familiar, que passou a ser permitida pelo nosso ordenamento jurídico há menos de dez anos.


3.Antecedentes históricos

Pode-se dizer que a primeira operação de laqueadura da história se deu em 1881, quando o médico Luwdgren, durante uma cesária, fez o ligamento da tuba da gestante. A partir de 1910 o cirurgião Madlener passou a desenvolver a técnica com muito sucesso. A vasectomia, por seu turno, foi realizada pela primeira vez nos idos de 1889 pelo Dr. Harry Sharp. Sem ter suporte legal nenhum, ele iniciou a técnica em jovens do Reformatório do Estado de Indiana, EUA. Destaca-se que tais cirurgias até então eram realizadas com finalidade eugênica, punitiva ou terapêutica [4].

Somente em 9 de março de 1907, no Estado da Indiana, é que entrou em vigor a primeira lei referente à matéria. Em sua exposição de motivos, restou clara a intenção do legislador: impedir a transmissão hereditária da delinqüência, do idiotismo e da debilidade mental. Em 1934, 27 estados norte-americanos já haviam adotado leis de esterilização eugênica, sendo que em 1971 quase todos eles admitiam a esterilização por motivo eugênico, desde que houvesse autorização judicial. Contudo, a partir das emendas à Constituição americana de ns. 8 e 14, as leis que prescreviam tal prática foram tidas como inconstitucionais. [5]

Na Europa, a primeira lei acerca da esterilização foi promulgada em 1929 na Suíça -- mesmo ano em que surgiram legislações na Dinamarca e Suécia --, a fim de esterilizar os anormais e indigentes internados em manicômios.

Contudo, foi na Alemanha que a esterilização eugênica foi aplicada de forma mais cruel. O empenho na busca da pureza da raça ariana, aliado à campanha anti-semita, levaram à aprovação de diversas leis com tal desiderato.

Com efeito, em 1927 o Código Penal Alemão foi reformado, estabelecendo que "aquele que pratica uma lesão com consentimento do ofendido só será punido se o fato for contrário aos bons costumes". O Conselho Prussiano de Saúde, por sua vez, fez de tudo para que fosse promulgada lei que considerasse lícita a esterilização por indicação médica.

Nesse contexto, em 1933 foi promulgada lei que estabelecia que "aquele que sofra de enfermidade hereditária poderá ser esterilizado por intervenção cirúrgica se, de conformidade com a ciência médica, se possa presumir que sua prole padecerá de graves doenças hereditárias ou mentais". Além das doenças hereditárias, a lei determinou que as pessoas que padecessem de alcoolismo grave também poderiam ser esterilizadas. Importante frisar que na hipótese de o Tribunal Superior de Saúde Hereditária resolver definitivamente que determinada pessoa deveria ser esterilizada, a esterilização ocorria mesmo contra o seu consentimento, podendo inclusive ser requerido auxílio policial para tanto [6]. Apesar de referida lei ter sido revogada em 1946, após a derrota alemã na 2ª Guerra Mundial, atualmente permite-se no país a esterilização por motivos de eugenia e a esterilização compulsória de pessoa maior se a gestação puder constituir risco para sua saúde física e mental. [7]

É bom que se diga, contudo, que a Alemanha é um dos poucos países que permite atualmente esse tipo de esterilização. Em regra, com o passar do tempo, médicos, antropólogos, sociólogos e legisladores chegaram à conclusão de que o conhecimento sobre a hereditariedade humana era deveras limitado para permitir a limitação da concepção por razões eugênicas.

De outro lado, a idéia contraceptiva vem desde as sociedades primitivas. Sustenta-se que as pessoas sempre intervieram, de uma forma ou de outra, sobre o seu número. Antonio Chaves [8] destaca que nas sociedades primitivas havia muito de místico e de mágico, sendo que os métodos utilizados eram quase sempre ineficazes, quando não prejudiciais. À guisa de exemplo, as nômades dos desertos do norte da África ingeriam espuma da boca dos camelos misturada com pólvora, enquanto as chinesas comiam quatorze rãs vivas três dias depois da menstruação.

Na década de 60, os países em desenvolvimento, diante da explosão demográfica que enfrentavam, passaram a adotar políticas públicas de esterilização. No início, os governos incentivavam a esterilização mediante campanhas que mostravam os benefícios de tal método para o planejamento familiar. Como tal método não surtiu os efeitos desejados, mudou-se o enfoque e a esterilização passou a ter caráter repressivo. Para se ter uma idéia do que ocorria na época, a Índia chegou a promulgar uma lei que tornava a esterilização obrigatória, o que resultou em mais de sete milhões de esterilizações em apenas dez meses [9].

No final dos anos 70, a estratégia novamente foi a de mostrar para o povo as vantagens da esterilização voluntária, tanto feminina como masculina, a fim de controlar a crescente natalidade, o que vem dando resultados positivos até os dias de hoje.

Diante do exposto, é autorizado concluir que, com o passar dos anos, a esterilização teve seu enfoque mudado. Não se fala mais hoje em dia em esterilização com objetivos eugênicos ou punitivos, mas sim em esterilização com fins terapêuticos e contraceptivos. É de conhecimento geral que a esterilização voluntária é o método de contracepção mais utilizado do mundo, sendo certo que muitos países já adaptaram suas legislações nesse sentido, tendo em vista considerá-la como um direito do indivíduo ao próprio corpo.


4.Evolução legal no Brasil

A esterilização cirúrgica passou a se difundir no Brasil a partir da década de 70. Nessa época, a legislação pátria não proibia expressamente a esterilização, mas proibia a mutilação física. Assim, a esterilização era considerada como uma lesão corporal em que ocorria a perda ou inutilização de membro, sentido ou função (art. 129, § 2º, inciso III do Código Penal), passível de ser punida com pena de reclusão de dois a oito anos. Nessa linha de raciocínio, a maioria dos estudiosos do tema entendia que nem mesmo a autorização do paciente tinha o condão de afastar a ilicitude do ato. De outro lado, havia doutrinadores que preferiam enquadrar a esterilização voluntária no campo dos direitos privados da personalidade.

Na realidade, o primeiro diploma legal que, indiretamente, foi invocado para a não realização de esterilizações foi o Decreto Federal n. 20.391/32, que proibia o médico de praticar qualquer ato que tivesse por finalidade impedir a concepção (art. 16, alínea f).

É certo que a promulgação da Constituição Federal de 1988 abriu caminho para a legalização da esterilização em nosso país. Com efeito, ao considerar a família como base da sociedade, o Estado garantiu a liberdade de seus integrantes, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Nesse contexto, o planejamento familiar tornou-se livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito (§ 7º do art. 226).

Ocorre que a regulamentação de referido dispositivo legal somente se deu em 1996, com a aprovação da Lei n. 9.263, que foi fruto de amplo debate entre o Congresso Nacional e movimentos feministas.

Nos termos de referida lei, o planejamento familiar deve ser entendido como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

Dentro de uma visão de atendimento global à saúde, o Estado deve se preocupar com as ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, cabendo ao Sistema Único de Saúde - SUS, em todos os níveis, instituir e manter os programas essenciais que cumpram esta finalidade (pré-natal, parto, controle das doenças sexualmente transmissíveis, controle e prevenção do câncer cérvico-uterino, etc). Ademais, com a colaboração de toda a sociedade, deve promover ações preventivas e educativas que possibilitem o acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade.

Para fins de planejamento familiar são válidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção legais e cientificamente aceitos, desde que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas e lhes garanta a liberdade de opção.

Assim, a lei determina que a esterilização cirúrgica como método contraceptivo apenas pode dar-se por meio da laqueadura tubária nas mulheres e vasectomia nos homens, sendo vedada a histerectomia (retirada do útero) e a ooforectomia (ablação dos ovários).

Contudo, o artigo que tratava da regulamentação da esterilização foi vetado pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que baseou sua decisão em um parecer jurídico que considerava a esterilização uma mutilação.

O Congresso Nacional derrubou o veto em 27/11/97, quando então a rede pública de saúde passou a ser responsável pelas esterilizações no país, com o encargo de preparar os hospitais públicos para o cumprimento da lei. Para tanto, os hospitais deveriam se aparelhar com equipes multidisciplinares para aconselhar e desencorajar a esterilização precoce. A lei proíbe a esterilização de mulheres durante o parto ou aborto, "exceto nos casos de comprovada necessidade", como é o caso de cesarianas sucessivas.

É preciso distinguir, de início, a esterilização necessária da esterilização voluntária. No primeiro caso, há situação de fato que a recomenda como salvaguarda da mãe ou do neonato. Assim, havendo risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto (situação esta que deve estar previamente testemunhada em relatório escrito e assinado por dois médicos), é permitida a esterilização, independentemente da idade da mulher ou do número de filhos do casal. A lei não contempla hipótese de esterilização necessária para homens.

A esterilização voluntária somente é permitida a homens e mulheres capazes, maiores de 25 anos de idade ou que, pelo menos, já tenham dois filhos vivos. Os requisitos "idade" e "número de filhos" não são cumulativos. Basta um ou outro.

A pessoa interessada na esterilização terá, antes da cirurgia, que se inscrever num programa de planejamento familiar para, durante dois meses, se informar sobre várias formas de evitar a gravidez. Caso a pessoa opte pela esterilização, terá que expressar sua vontade, por escrito, e os médicos deverão comunicar ao Ministério da Saúde todas as cirurgias de esterilização que fizerem.

Mister se faz destacar que se a pessoa interessada em fazer a esterilização for casada, necessário será o consentimento de ambos os cônjuges para que a cirurgia se realize. José Henrique Pierangeli, antes mesmo da promulgação da Lei n. 9.263/96, sustentava ser imprescindível o consentimento de ambos os cônjuges para a realização da cirurgia, sob o argumento de que a capacidade procriativa não constitui bem estritamente individual, mas sim bem comum do casal. Ele também levantou outra polêmica: como é o casal que decidirá se é o homem ou a mulher que se submeterá à cirurgia, seria impossível determinar se o consentimento seria livre ou objeto de coação do outro cônjuge. [10]

Na hipótese de se tratar de pessoa absolutamente incapaz, a esterilização somente poderá ser feita com autorização judicial, sendo certo que referida problemática será abordada com maior profundidade no próximo tópico do presente trabalho. Para completar, toda esterilização cirúrgica deve ser objeto de notificação compulsória à direção do SUS, sendo do obstetra este encargo.

Recentemente, o deputado federal Wigberto Tartuce (PPB/DF) apresentou projeto de lei que permitiria a esterilização voluntária em homens e mulheres plenamente capazes. Isso quer dizer que todos aqueles que tivessem mais de 18 anos em nosso país poderiam se esterilizar. Contudo, o projeto de lei foi arquivado em 31/1/2003.

No mesmo diapasão, a deputada federal Almerinda de Carvalho (PSB/RJ) apresentou projeto de lei com o intuito de reduzir a idade permitida para esterilização para 21 anos de idade, tanto para homens como para mulheres. O projeto de lei foi remetido para a Comissão de Seguridade Social e Família em 24/4/2003, onde permanece até hoje.

De bom tom frisar que tais projetos de lei, para efeito comparativo, vão de encontro às legislações da Finlândia e Rússia sobre o assunto, que estabelecem que a idade mínima para a esterilização é de 30 anos e desde que o interessado já tenha 3 filhos. No país africano Níger, a exigência é ainda maior: a mulher deve ter pelo menos 35 anos e 4 filhos vivos. [11]


5.Esterilização de pessoas absolutamente incapazes

Como visto, a esterilização de pessoas absolutamente incapazes somente pode ser realizada desde que autorizada pelo Poder Judiciário. Entendemos que a postura adotada pelo legislador foi correta, tendo em vista que se é necessário tal proceder para a simples venda de um bem imóvel do incapaz, o que dizer então da perda de sua capacidade reprodutiva.

Interessante debate jurídico acerca da questão foi travado no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul antes mesmo de referida exigência legal entrar em vigor. O caso referia-se a pedido de irmão e curador de uma incapaz -- que estava interditada em estabelecimento próprio para psicóticos – para que fosse autorizada sua esterilização, já que ela mantinha freqüentes relações sexuais e já havia gerado um filho. O Desembargador Relator negou provimento ao apelo, nos seguintes termos:

"Se as condições de internamento da interdita são insatisfatórias, permitindo que ocasionais escapadas venham a ensejar o contato sexual com homens, o que poderá propiciar nova gravidez, o problema é do apelante, que deverá tomar precauções para que maior vigilância seja exercida sobre a enferma. O que não se pode é transferir para o Judiciário a responsabilidade por uma solução simplista, mas que representa uma forma fascista de resolver um problema individual. A medida judicial, se deferida, irá remeter-se à nefasta Lei racista alemã de 14 de julho de 1933, que previa a esterilização de anormais, por motivos eugênicos [12]".

Entretanto, a Desembargadora Revisora apresentou voto em separado, que restou vencido, sustentando a seguinte opinião:

"Não enxergo no pedido violação a qualquer dos direitos individuais. Fácil e cômodo é deixarmos ao curador, ou ao estabelecimento onde se encontra internada a interdita, a tarefa de impedir que mantenha contatos sexuais. Não consigo deixar de ver nessa postura um certo ranço preconceituoso de limitar o exercício da liberdade sexual, como única forma impeditiva da gravidez. Impedir a gestação de alguém que só tem a capacidade reprodutora física e não tem condições de manter um filho sob sua guarda não configura a tentativa de purificação da raça referida pelo relator".

Com base no voto vencido, o apelante opôs embargos infringentes [13], que foram julgados improcedentes. Em seu voto, o Desembargador Relator ressaltou que a excessiva preocupação com a interdita no que concerne à concepção ignorou perigos como a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis e com a AIDS. Além disso, consignou que o avanço da ciência poderá curar a psicose da interdita que, se esterilizada, perderia a possibilidade de procriar, indicando que outros meios menos drásticos de controle da concepção fossem utilizados.

Bem se vê, pois, que mesmo antes da entrada em vigor da lei que regulamentou a esterilização em nosso país, o assunto era motivo de grandes debates. Atualmente, a questão é tratada com mais naturalidade, sendo o grau e a possibilidade de reversão da incapacidade fatores determinantes para a autorização judicial.

6.Ética médica e esterilização

A última versão do Código de Ética Médica, em vigor desde 1988, determina em seus artigos 42 e 43, respectivamente, que é vedado aos médicos "praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação do país" e "descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou tecidos, esterilização, fecundação artificial e abortamento".

Bem se vê, pois, que até a promulgação da Lei n. 9.263/96 os médicos não podiam fazer a cirurgia de esterilização voluntária, ainda que contassem com o consentimento do paciente.

Prova disso é o parecer dado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo à consulta n. 20.613/94. O consulente indagou em que circunstâncias poderiam ser autorizadas as cirurgias de laqueadura tubária, cujo parecer foi no sentido de que:

"A prática de esterilização cirúrgica, sem que haja finalidade terapêutica, como método contraceptivo, frente as disposições contidas co Código Penal brasileiro é, então, considerada ilícita, passível de punição.

Dessa forma, considerando que o Código de Ética Médica faz remissão à legislação específica sobre o assunto, concluímos que a prática de esterilização cirúrgica também é considerada antiética.

Diante do exposto, respondendo ao primeiro quesito, podemos dizer que a laqueadura tubária só pode ser realizada diante de indicação médica. Esta deve se basear em dados clínicos da mulher que indique risco de agravamento da saúde e/ou risco de morte se houver nova gravidez".

Apesar de tal entendimento ter sido quase unânime entre os médicos, Maria Helena Diniz destaca que "há um parecer CRM/DF n. 367/80 sustentando que a função reprodutora, por não ser imprescindível à saúde e à vida, não está incluída naquele dispositivo penal, não sendo, portanto, a laqueadura de trompas e a vasectomia crime de lesão corporal, salvo se a intervenção for feita sem o consenso do paciente". [14]

Somente com a aprovação da Lei n. 9.263/96 e da rejeição do Congresso Nacional ao veto presidencial ao art. 10, que trata exatamente da esterilização, os médicos passaram a ter que observar o quanto nela disposto para realizarem cirurgias de esterilização.

Assim, o profissional que realiza esterilização cirúrgica sem observar as regras legais pratica crime, podendo sujeitar-se a prisão de dois a oito anos, além de multa. As penas são aumentadas de um terço, entre outras hipóteses, se a esterilização ocorrer durante os períodos de parto ou aborto -- exceto nos casos de risco de vida -- ou se houver indicação de cesárea exclusivamente para fins de esterilização.

Como a esterilização é sempre ato voluntário, a falta da documentação comprobatória da opção da paciente pode sugerir que a intervenção cirúrgica é resultante de induzimento ou instigação do próprio médico. Esta prática dolosa, se confirmada, também é prevista como crime, com pena de reclusão que varia de um a dois anos.

A falta de notificação à autoridade sanitária das esterilizações cirúrgicas realizadas também pode render ao profissional um processo criminal, com pena de detenção prevista de seis meses a dois anos, além de multa.

É considerado co-autor ou partícipe desses crimes, sujeitando-se às mesmas penas, os gestores e responsáveis por instituições que permitam a prática dos atos ilícitos.

Também há sanções administrativas para as hipóteses de violação da legislação. Agentes médicos e administradores das instituições públicas podem perder os seus cargos. O hospital ou a maternidade, se particular, sujeita-se a ser multado, sofrer suspensão de suas atividades ou até mesmo descredenciamento, ficando impedido de estabelecer convênios com órgãos públicos ou deles receber subvenção. Além disso, tanto os agentes quanto as instituições a que pertençam -- públicas ou privadas -- são responsáveis pela reparação civil dos danos morais e materiais decorrentes de esterilização efetuada em desacordo com a lei.

Cabe, assim, ao consciente profissional da saúde, na linha de atuação ética e legal, precaver-se em relação às responsabilidades que podem pesar sobre os seus ombros pelo não cumprimento dos comandos legais. Não são raros os casos de pessoas que se arrependem de ter se submetido a cirurgias de esterilização ou que, por outros motivos, até mesmo financeiros, acabem levando ao conhecimento das autoridades públicas a prática de atos que comprometem o médico ou as instituições que lhes atenderam.


7.Esterilização e implicações religiosas

É de conhecimento geral o repúdio da Igreja Católica aos métodos anticoncepcionais, mormente a esterilização humana. Ocorre que há no Evangelho de Mateus, no capítulo 19, versículo 12, uma frase que foi mal interpretada como autorizadora da esterilização por motivos religiosos: "Há os impotentes que assim se fizeram a si mesmos por amor do reino dos céus". Como exemplo do aludido mau uso, podemos citar o filósofo medieval Abelardo que se castrou para acabar com uma relação amorosa e das castrações feitas em cantores pré-adolescentes das capelas musicais romanas com o intuito de manter vozes brancas. É certo que em 1587 tal equívoco foi contornado pelo pontífice Sixto V, que condenou tal prática do ponto de vista ético [15].

Em 1930, por intermédio da encíclica Casti Connubii, o Papa Pio XI afirmou que aqueles que desviam o casamento da concepção de crianças agem contra a natureza e fazem uma coisa vergonhosa e intrinsecamente desonesta [16].

Pio XII, por sua vez, admitiu que os casais poderiam ser dispensados de procriar por muito tempo, até pela duração inteira do casamento, na hipótese de indicação médica.

Na encíclica Humanae Vitae de 1968, Paulo VI afirma que "deve-se igualmente rejeitar, como o Magistério da Igreja declarou por diversas vezes, a esterilização direta, quer definitiva, quer temporária, tanto do homem como da mulher".

Elio Sgreccia [17] destaca, contudo, que um dos principais documentos da Igreja Católica contra a esterilização humana foi o documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé sobre a esterilização nos hospitais católicos, de 13 de março de 1975. Isso porque trouxe a lume dois princípios de grande repercussão ética: o da não-disponibilidade ou inviolabilidade da pessoa humana e o da unidade e totalidade da pessoa.

A razão da não-disponibilidade da pessoa humana reside no fato de que o homem é criatura de Deus e, portanto, sua realidade pessoal é dom de Deus e propriedade de Deus. Assim, o homem tem a responsabilidade de si mesmo, mas não um domínio arbitrário que permitiria a ele fazer o que quisesse com seu corpo. Se se entender diferente, abrir-se-ia caminho para o direito ao suicídio, eutanásia, aborto, etc.

O princípio da unidade e totalidade da pessoa humana, por seu turno, defende que somente é possível interferir no corpo humano quando tal ato for o único remédio para salvaguardar o todo da vida física. Assim, não seria lícito suprimir um bem físico por um ato de vontade unilateral ou por uma facilitação psicológica e com detrimento do bem moral do todo. Ainda mais porque a esterilização, além de impedir a procriação, mortifica um órgão.

Dessa forma, nos dizeres de Elio Sgreccia [18], a Igreja Católica somente tolera a esterilização quando concorrerem as seguintes condições:

a)deve ter o consentimento do paciente;

b)deve estar ordenado ao bem próprio do organismo sobre o qual se intervém; pelo menos deve considerar e compreender também o bem da totalidade do organismo sobre o qual se intervém;

c)deve ser uma intervenção necessária, ou seja, que não apresente alternativas válidas;

d)a necessidade deve ser atual no momento da intervenção; e

e)a intervenção direta deve ser feita na parte doente para retirá-la; se daí resulta uma esterilização, esta deve ser indireta. Pode-se extrair a parte sadia somente quando é a causa real de uma patologia não eliminável de outro modo. É o caso da retirada do útero de uma mulher que, por via de conseqüência, torna-se estéril a partir daquele momento.

Por derradeiro, mister se faz esclarecer que atualmente, com base na encíclica Familiaris Consorti (1981) de João Paulo II, a Igreja Católica tem aceitado a regulação dos nascimentos dos fiéis, desde que os casais utilizem apenas os métodos anticoncepcionais naturais, como a tabelinha, cuja eficácia é amplamente contestada. A esterilização humana voluntária continua sendo amplamente combatida.


8.Conclusão

A esterilização já foi utilizada com finalidade eugênica e punitiva em inúmeros países, mas com o passar do tempo seu enfoque foi modificado para atender às necessidades terapêuticas e contraceptivas dos seres humanos. Atualmente, é o método contraceptivo mais utilizado no mundo.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 deu um grande passo ao garantir o planejamento familiar como política de Estado. Em que pese sua regulamentação ter tardado, a inovadora Lei n. 9.263/96 representou um avanço nas políticas populacionais do país, sempre respeitando a autonomia da vontade dos interessados.

Prova disso é o estudo denominado "Revisão 2004 da Projeção Populacional" recentemente realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. No estudo, ficou consignado que a inserção da mulher no mercado de trabalho e a difusão dos métodos contraceptivos, mormente a esterilização, devem levar a taxa de fecundidade da mulher brasileira a cair para 2,01 em 2023. Atualmente, o Brasil já está abaixo da média mundial de fecundidade, que é de 2,76, pois a projeção para esse ano é de apenas 2,31 filhos por mulher.

Há que se ressaltar, todavia, que os efeitos da regulamentação do planejamento familiar não atingem todas as camadas da população, uma vez que se verifica até os dias de hoje práticas abusivas e indiscriminadas de esterilização por todo o país, mormente nas regiões mais pobres e menos desenvolvidas.

Recente relatório das Organizações das Nações Unidas – ONU intitulado de "Situação da População Mundial 2004" dá conta de que cerca de 201 milhões de mulheres não têm acesso a meios de prevenção à gravidez. De acordo com o estudo, seria necessário aplicar US$ 3,9 bilhões ao ano em programas desse tipo para evitar 23 milhões de nascimentos não-planejados e outros 22 milhões de abortos induzidos em todo o mundo.

Nesse contexto, a grande luta que deve ser encampada pelo Estado brasileiro consiste em garantir a implementação e a efetividade das políticas de saúde reprodutivas, a fim de que todos os casais tenham acesso gratuito às informações e aos métodos contraconceptivos existentes, para que então optem pelo mais adequado à sua situação.

No processo de esterilização, é autorizado concluir que o médico tem importância ímpar, eis que cabe a ele não apenas desestimular as pessoas a assim proceder, como também deve seguir à risca a vontade do paciente, não extrapolando os limites de sua atuação profissional.

A posição da Igreja Católica sempre foi conservadora no que concerne à temática abordada no presente trabalho, eis que para Deus o ciclo vital consiste em nascer, crescer, reproduzir e morrer. Dessa forma, privar alguém de se reproduzir seria um grave pecado. Para sustentar sua posição, a Igreja Católica lança mão de dois princípios: o da indisponibilidade da pessoa humana e da unidade e totalidade da pessoa.

Como visto, o tema objeto do presente trabalho é árido e se constitui em mais um dos grandes embates existentes entre a Igreja Católica e a Ciência, cujos argumentos são sólidos de ambas as partes. A defesa ou a condenação de tal proceder, assim, depende quase que única e exclusivamente dos valores e da ideologia que cada pessoa carrega consigo.


9.Anexo

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS

LEI Nº 9.263, DE 12 DE JANEIRO DE 1996.

Regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DO PLANEJAMENTO FAMILIAR

Art. 1º O planejamento familiar é direito de todo cidadão, observado o disposto nesta Lei.

Art. 2º Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

Parágrafo único - É proibida a utilização das ações a que se refere o caput para qualquer tipo de controle demográfico.

Art. 3º O planejamento familiar é parte integrante do conjunto de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde.

Parágrafo único - As instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde, em todos os seus níveis, na prestação das ações previstas no caput, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre outras:

I - a assistência à concepção e contracepção;

II - o atendimento pré-natal;

III - a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato;

IV - o controle das doenças sexualmente transmissíveis;

V - o controle e prevenção do câncer cérvico-uterino, do câncer de mama e do câncer de pênis.

Art. 4º O planejamento familiar orienta-se por ações preventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade.

Parágrafo único - O Sistema Único de Saúde promoverá o treinamento de recursos humanos, com ênfase na capacitação do pessoal técnico, visando a promoção de ações de atendimento à saúde reprodutiva.

Art. 5º - É dever do Estado, através do Sistema Único de Saúde, em associação, no que couber, às instâncias componentes do sistema educacional, promover condições e recursos informativos, educacionais, técnicos e científicos que assegurem o livre exercício do planejamento familiar.

Art. 6º As ações de planejamento familiar serão exercidas pelas instituições públicas e privadas, filantrópicas ou não, nos termos desta Lei e das normas de funcionamento e mecanismos de fiscalização estabelecidos pelas instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde.

Parágrafo único - Compete à direção nacional do Sistema Único de Saúde definir as normas gerais de planejamento familiar.

Art. 7º - É permitida a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros nas ações e pesquisas de planejamento familiar, desde que autorizada, fiscalizada e controlada pelo órgão de direção nacional do Sistema Único de Saúde.

Art. 8º A realização de experiências com seres humanos no campo da regulação da fecundidade somente será permitida se previamente autorizada, fiscalizada e controlada pela direção nacional do Sistema Único de Saúde e atendidos os critérios estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde.

Art. 9º Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção.

Parágrafo único. A prescrição a que se refere o caput só poderá ocorrer mediante avaliação e acompanhamento clínico e com informação sobre os seus riscos, vantagens, desvantagens e eficácia.

Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações:

I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce;

II - risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.

§ 1º É condição para que se realize a esterilização o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção reversíveis existentes.

§ 2º É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores.

§ 3º Não será considerada a manifestação de vontade, na forma do § 1º, expressa durante ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas, estados emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou permanente.

§ 4º A esterilização cirúrgica como método contraceptivo somente será executada através da laqueadura tubária, vasectomia ou de outro método cientificamente aceito, sendo vedada através da histerectomia e ooforectomia.

§ 5º Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.

§ 6º A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da Lei.

Art. 11. Toda esterilização cirúrgica será objeto de notificação compulsória à direção do Sistema Único de Saúde.

Art. 12. É vedada a indução ou instigamento individual ou coletivo à prática da esterilização cirúrgica.

Art. 13. É vedada a exigência de atestado de esterilização ou de teste de gravidez para quaisquer fins.

Art. 14. Cabe à instância gestora do Sistema Único de Saúde, guardado o seu nível de competência e atribuições, cadastrar, fiscalizar e controlar as instituições e serviços que realizam ações e pesquisas na área do planejamento familiar.

Parágrafo único. Só podem ser autorizadas a realizar esterilização cirúrgica as instituições que ofereçam todas as opções de meios e métodos de contracepção reversíveis.

CAPÍTULO II

DOS CRIMES E DAS PENALIDADES

Art. 15. Realizar esterilização cirúrgica em desacordo com o estabelecido no art. 10 desta Lei.

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, se a prática não constitui crime mais grave.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço se a esterilização for praticada:

I - durante os períodos de parto ou aborto, salvo o disposto no inciso II do art. 10 desta Lei.

II - com manifestação da vontade do esterilizado expressa durante a ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas, estados emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou permanente;

III - através de histerectomia e ooforectomia;

IV - em pessoa absolutamente incapaz, sem autorização judicial;

V - através de cesária indicada para fim exclusivo de esterilização.

Art. 16. Deixar o médico de notificar à autoridade sanitária as esterilizações cirúrgicas que realizar.

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Art. 17. Induzir ou instigar dolosamente a prática de esterilização cirúrgica.

Pena - reclusão, de um a dois anos.

Parágrafo único - Se o crime for cometido contra a coletividade, caracteriza-se como genocídio, aplicando-se o disposto na Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956.

Art. 18. Exigir atestado de esterilização para qualquer fim.

Pena - reclusão, de um a dois anos, e multa.

Art. 19. Aplica-se aos gestores e responsáveis por instituições que permitam a prática de qualquer dos atos ilícitos previstos nesta Lei o disposto no caput e nos §§ 1º e 2º do art. 29 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

Art. 20. As instituições a que se refere o artigo anterior sofrerão as seguintes sanções, sem prejuízo das aplicáveis aos agentes do ilícito, aos co-autores ou aos partícipes:

I - se particular a instituição:

a) de duzentos a trezentos e sessenta dias-multa e, se reincidente, suspensão das atividades ou descredenciamento, sem direito a qualquer indenização ou cobertura de gastos ou investimentos efetuados;

b) proibição de estabelecer contratos ou convênios com entidades públicas e de se beneficiar de créditos oriundos de instituições governamentais ou daquelas em que o Estado é acionista;

II - se pública a instituição, afastamento temporário ou definitivo dos agentes do ilícito, dos gestores e responsáveis dos cargos ou funções ocupados, sem prejuízo de outras penalidades.

Art. 21. Os agentes do ilícito e, se for o caso, as instituições a que pertençam ficam obrigados a reparar os danos morais e materiais decorrentes de esterilização não autorizada na forma desta Lei, observados, nesse caso, o disposto nos arts. 159, 1.518 e 1.521 e seu parágrafo único do Código Civil, combinados com o art. 63 do Código de Processo Penal.

CAPÍTULO III

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 22. Aplica-se subsidiariamente a esta Lei o disposto no Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e, em especial, nos seus arts. 29, caput, e §§ 1º e 2º; 43, caput e incisos I, II e III ; 44, caput e incisos I e II e III e parágrafo único; 45, caput e incisos I e II; 46, caput e parágrafo único; 47, caput e incisos I, II e III; 48, caput e parágrafo único; 49, caput e §§ 1º e 2º; 50, caput, § 1º e alíneas e § 2º; 51, caput e §§ 1º e 2º; 52; 56; 129, caput e § 1º, incisos I, II e III, § 2º, incisos I, III e IV e § 3º.

Art. 23. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de noventa dias, a contar da data de sua publicação.

Art. 24. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 25. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 12 de janeiro de 1996; 175º da Independência e 108º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 15.1.1996


10.Bibliografia

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: <http://www.camara.gov.br. Acesso em 20 set. 2004.

CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao próprio corpo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª edição revista e ampliada, 1994.

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em: <http://www.cremesp.org.br. Acesso em 15 set. 2004.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2ª edição, 2002.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 275.

PARREIRA, Jaira Grandisoli. Aspectos legais da esterilização voluntária do homem e da mulher. Dissertação apresentada à Universidade de São Paulo – USP. Orientador: Álvaro Villaça de Azevedo. São Paulo, 1985.

PIERANGELI, José Henrique. O consentimento do ofendido (na teoria do delito). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª edição, 1995.

SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica. Tradução de Orlando Soares Moreira. São Paulo: Loyola, 1996.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em 22 set. 2004.

VIEIRA DA SILVA, Alberto José Tavares. Aspectos médico-jurídicos da esterilização feminina (laqueadura tubária). São Luís: Universitária da Universidade Federal do Maranhão, 1987.


11.Notas

1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 275.

2 CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao próprio corpo. São Paulo: RT, 2ª edição, 1994, p. 100-108.

3 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2ª edição, 2002, p. 146.

4 PANASCO, Wanderley Lacerda. A responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 282 apud PARREIRA, Jaira Grandisoli. Aspectos legais da esterilização voluntária do homem e da mulher. Dissertação de mestrado defendida na Universidade de São Paulo – USP, 1985.

5 DINIZ, op. cit., p. 145.

6 BETTOIL, Guiseppe. Esterilização e Direito Penal na Alemanha. Rio de Janeiro: Revista Forense, vol. 64, p. 555 apud PARREIRA, Jaira Grandisoli. Aspectos legais da esterilização voluntária do homem e da mulher. Dissertação de mestrado defendida na Universidade de São Paulo – USP, 1985.

7 DINIZ, op. cit., p. 146.

8 CHAVES, op. cit., p. 18.

9 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética – Fundamentos e Ética Biomédica. Tradução de Orlando Soares Moreira. São Paulo: Loyola, 1996, p. 469.

10 PIERANGELI, José Henrique. O consentimento do ofendido (na teoria do delito). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª edição, 1995, p. 217.

11 DINIZ, op. cit., p. 150.

12 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação cível n. 59.621.015-3, 7ª Câmara Cível, Desembargador Relator Eliseu Gomes Torres, j. 6/8/1997.

13 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Embargos infringentes n. 59.718.527-1, 4º Grupo de Câmaras Civis, Desembargador Relator Antonio Carlos Strangler Pereira, j. 12/12/1997.

14 DINIZ, op. cit., p. 144.

15 SGRECCIA, op. cit., p. 467.

16 PAUPERT, Jean-Marie. Dossier de Roma – regulamentação dos nascimentos e teologia. Lisboa: Moraes, p. 70 apud PARREIRA, Jaira Grandisoli. Aspectos legais da esterilização voluntária do homem e da mulher. Dissertação de mestrado defendida na Universidade de São Paulo – USP, 1985.

17 SGRECCIA, op. cit, p. 477.

18 SGRECCIA, op. cit., p. 481-482.