A eutanásia, o direito à vida e sua tutela penal á luz da Constituição


PorThais Silveira- Postado em 18 abril 2012

Autores: 
Américo Donizete Batista

A eutanásia, o direito à vida e sua tutela penal á luz da Constituição

Ano de elaboração: 2008

RESUMO

Este trabalho se propõe a analisar a questão da eutanásia no Direito Pátrio, por meio de uma discussão aprofundada de caráter filosófico, político, religioso e, fundamentalmente, jurídico. A eutanásia é uma forma de eliminação da vida, motivada na vontade de abreviar um sofrimento, de caráter iminentemente individual, de uma pessoa que está em grave situação de saúde, sem esperança de se curar. Essa conduta é atualmente ilícita no ordenamento jurídico penal brasileiro, enquadrando-se no crime do art. 121 do Código Penal. A Eutanásia confronta com os princípios de ordem religiosa, considerando que a sociedade brasileira é estruturada na fé cristã e isso gera uma oposição em relação à adoção desse tipo de excludente de ilicitude no país. A Constituição Federal consagra a vida como direito fundamental, que deve ser resguardada de todas as formas de ameaça ou lesão, de forma irrenunciável. Por outro lado, em razão da liberdade de escolha há quem defenda o direito do indivíduo em viver ou não. Isto gera um contraste entre o direito à vida e o direito de morrer, que precisa ser enfrentado para responder o questionamento sobre se é pertinente permitir ou recriminar a eutanásia. Entretanto, o maior dos direitos, sem dúvida, é o direito à vida. No entanto, o trabalho parte de uma comparação entre as posições favoráveis e contrárias, inclusive verificando o entendimento dos Tribunais, buscando resolver esse conflito de valores e interesses.

PALAVRAS-CHAVES

Direito à vida; eutanásia; liberdade de escolha; direito de morrer.

ABSTRACT

This work intends to analyze the question of the euthanasia in the Native Law, by means of a deepened discussion of philosophical politician, religious and basically, legal character. The euthanasia is a form of elimination of the life, motivated by the will to shorten a suffering, of imminently individual character, of a person who is in a bad situation of health, without hope of if cure. This behavior is currently illicit in the Brazilian criminal system, being fit in the crime of art. 121 of the Criminal Code. The Euthanasia collides with the principles of religious order, considering that Brazilian society is structured in the Christian faith and this generates an opposition in relation to the adoption of this type of exculpatory of illegality in the country. The Federal Constitution consecrates the life as a fundamental and irreversible right, that must be protected against all the forms of threat or injury, of inrenounce. On the other hand, due to the reason of the choice freedom there is who defends the right of the individual to live or not. This generates a contrast between the right to live and the right to die, which it needs to be faced to answer the question about the pertinence to allow or to recriminate the euthanasia. However, the greatest of the rights, without a doubt, is the right to the life. The work starts with the comparison between the favorable and contrary positions, also verifying the understandings of the Courts, in order to decide this conflict of values and interests.

KEYWORDS

Right to the life; euthanasia; choice freedom; Right to die.

RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo examinar la cuestión de la eutanasia la ley en el hogar, a través de un amplio debate de carácter filosófico, político, religioso y, sobre todo, legal. La eutanasia es una forma de eliminación de la vida, motivado el deseo de acortar el sufrimiento de carácter inminente, una persona que está en grave estado de salud, sin esperanza de cura. Esta conducta es actualmente ilegal en la legislación penal brasileña, se inscribe en el crimen de arte. 121 del Código Penal. La eutanasia se enfrentan con los principios de la orden religiosa, teniendo en cuenta que la sociedad brasileña se estructura de la fe cristiana y que crea una oposición en relación con la adopción de tal exclusión ilegal del país. La Constitución consagra el derecho fundamental a la vida, que debe ser protegido contra toda forma de amenaza o del agravio, de manera ineludible. Además, a causa de la libertad de elección son aquellos que defienden el derecho de las personas a vivir o no. Esto crea un contraste entre el derecho a la vida y derecho a morir, que hay que hacer frente para responder a la pregunta de si es conveniente para permitir la eutanasia o recriminate. Sin embargo, el mayor de los derechos, sin duda, es el derecho a la vida. Sin embargo, el trabajo parte de una comparación entre las posiciones a favor y en contra, incluida la comprobación de la comprensión de los tribunales, la búsqueda de resolver este conflicto de valores e intereses.

PALABRAS LLAVES

Derecho a la vida, la eutanasia, la libertad de elección, derecho a morir.

INTRODUÇÃO

Este estudo faz uma análise da questão da Eutanásia no Direito Pátrio, empreendendo uma discussão aprofundada, que abrange o caráter filosófico, político, religiosos e, fundamentalmente, o jurídico.

A eutanásia pode ser conceituada como a eliminação da vida alheia, praticada por um relevante valor moral, com o intuito de livrar um doente, sem esperança de cura, dos inúmeros sofrimentos que vem passando. O ordenamento brasileiro, de forma alguma, não exclui a ilicitude dessa conduta, haja ou não o consentimento do ofendido, enquadrando-a no crime do art. 121 do Código Penal, mas permite o reconhecimento do privilégio, configurando uma redução da pena de um sexto a um terço.

O anteprojeto da Parte Especial do Código Penal de 1984 previu, pela primeira vez, a isenção de pena da conduta eutanásica do médico que, com o consentimento da vítima, ou na sua falta, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão, antecipasse a morte iminente e inevitável do doente, desde que atestada por outro médico.

No entanto, o projeto foi abandonado, por diversos motivos, principalmente, por fortes influências de ordem religiosa, considerando que nossa sociedade é estruturada na fé cristã, onde a vida humana é entendida como uma dádiva, pois foi criada por Deus e somente por vontade Dele é que se termina.

A complexidade do tema chama a atenção, pois envolve um conflito de valores e interesses, não apenas de enfoque jurídico, mas, primordialmente, de enfrentamento religioso e moral. Por um lado tem-se a vontade de abreviar um sofrimento que prejudica um indivíduo e a família, de cunho iminentemente individual, e de outro lado tem-se a tutela integral do direito à vida como algo irrenunciável, a qual o homem não pode interferir.

A eutanásia envolve o direito mais sublime do ser humano, que é o direito à vida, consagrado constitucionalmente. Esse, por sua vez, consiste no direito de sobreviver, de defender a própria vida, de buscar meios de permanecer vivo, com saúde e com dignidade, impedindo que a mesma seja interrompida por qualquer meio que não seja a morte natural e inevitável. Nesse entendimento, exclui-se o direito de morrer das pessoas.

Há países, como a Holanda, em que a eutanásia não é mais tipificada. O tema da legalização da eutanásia é sempre atual e polêmico e, por isso, merece uma atenção especial, devendo ser abordado com total imparcialidade. Para tanto, fez-se necessário o estudo das correntes favoráveis e não-favoráveis à Eutanásia, contrapondo os argumentos de ambos, na tentativa de construir um posicionamento que contribua para o amadurecimento da questão no universo jurídico.

Em relação ao aborto, que também diz respeito à eliminação da vida, o Direito Penal permite duas hipóteses legais de excludente de ilicitude em casos considerados extremos e justificados. Perante este fato legal, este trabalho busca levantar a questão de que não seria pertinente o legislador prever algumas hipóteses de permissão da eutanásia, como fez com o aborto, cabendo analisar qual medida de valor que o legislador e a sociedade têm para permitir o aborto legal e recriminar a eutanásia.

Este estudo não visa resolver este impasse quanto à aceitação ou não da eutanásia, mas sim, alargar o campo de idéias quanto ao direito de viver e morrer do individuo em casos extremos, onde quando a única opção é o de viver vegetativamente, optando pela morte como a única forma digna de resolução da causa.

Enfoca-se também o papel do profissional da medicina quanto ao código específico da profissão e o juramento proferido por este de estar sempre ao lado da vida, objetivando a qualquer custo a sua continuidade.

O método utilizado na fundamentação teórica do trabalho é o Dialético, onde as diversas opiniões, devidamente fundamentadas, são valorizadas, buscando efetivamente confrontar as versões favoráveis e contrárias a legalização da eutanásia, elencando de forma imparcial, os pontos negativos e positivos da tese proposta, onde o resultado deste confronto será obtido através da síntese dos resultados.

Como fonte de pesquisa, foi realizada a leitura de livros e artigos sobre o tema; códigos do ordenamento jurídico brasileiro; código de ética da medicina, além de visualização de filmes e análise dos documentos oficiais da Igreja que tratam do tema, pois a religião tem forte influência na sociedade brasileira, e o legislador ao redigir as leis tem que se orientar pelo pensamento e valores do grupo.

1 A VIDA

1.1 O conceito de vida

Ao se tratar da morte, devemos explanar sobre a vida que pode-se definir fisiologicamente como um aglomerado protéico que se mantém ativo pela queima de Adenosina Tri-Fosfatada (ATP) obtida numa reação química em que o oxigênio é absorvido e o gás carbônico liberado. Outra forma de defini-la seria referir-se aos seres fotossintetizantes que obtém a energia do sol, absorvem gás carbônico e liberam oxigênio, sendo que nenhuma destas definições, obviamente, é suficiente para definir a vida humana. A vida humana não é apenas a síntese da luz em energia, tampouco é apenas a queima de ATP. Nem mesmo o mais insensível dos seres definiria a vida humana de maneira tão estritamente fisiológica (SANTOS, 2005).

Buscando parâmetros bem definidos do que venha a conceituar um ser vivo, para efeitos do reconhecimento dos sinais de vida em outras partes do universo, a Nasa estabeleceu uma definição simples e ampla, segundo a qual “a vida é um sistema químico auto-sustentável, capaz de evoluir de maneira darwiniana.” (Disponível em: <http://www.aventurasdaciencia.blogspot.com/2007>).

O Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa trata a vida como um conjunto de propriedades e qualidades pelo qual plantas e animais, opostos a organismos mortos, se mantêm em contínua atividade através do metabolismo, crescimento, adaptação ao meio, reação a estímulos e reprodução da espécie (FERREIRA, 2004).

Em se tratando das leis brasileiras, estas não conceituam o direito à vida, mas sim, o garante, fato descrito como garantidor encontra-se expresso no Artigo 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, e dos crimes contra a pessoa e a vida no artigo 121 do Código Penal brasileiro.

O conceito de vida humana tem que ser visto não simplesmente como sobrevivência, mas alberga o conceito de dignidade humana. O conceito de dignidade da pessoa humana é, inclusive, mais importante que o próprio conceito fisiológico.

O serviço a favor da vida deve ser unitário: não pode tolerar discriminações, já que a vida humana é inviolável em todas as suas fases e situações; é um bem indivisível. Trata-se de cuidar da vida toda e da vida de todos (JOÃO PAULO II, 87).

Portanto, ao se falar de vida humana requer uma vida plena, que respeite os direitos fundamentais, seja de liberdade, seja social, seja coletivo ou difuso. Dignidade é o elemento valorativo que secciona o mundo humano do mundo vegetal e animal. A dignidade é a gênese do conceito humano de vida (Disponível em: <http://www. realouimaginario.blogspot.com>).

A dignidade inerente da pessoa humana deriva obviamente, no primeiro direito, o da vida. Respeitar a dignidade do indivíduo implica, necessariamente, abster-se de qualquer ato objetivando seu fim (NINO, 1994).

De acordo com a tradição Cristã, o direito de morrer com dignidade é parte constitutiva do direito a vida, ou seja, implica que o significado que se atribui ao conceito de “morrer com dignidade” se distingue radicalmente da proposta dos defensores da eutanásia. O direito de uma morte digna é o direito de viver dignamente a própria morte (PAULINA, 2000).

1.2 O Direito à vida

O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos remete ao reconhecimento da dignidade intrínseca e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana, como base da liberdade, justiça e paz no mundo. O pacto internacional de Direitos Civis e Políticos iniciam seu preâmbulo reconhecendo a dignidade inerente a todos os membros da família humana, assinalando mais adiante, que os direitos iguais e inalienáveis do homem se derivam desta mesma dignidade (<http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo>).

No Brasil, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948 em seu artigo 1° diz que: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”, trazendo ainda em seu artigo 3° que: “Todo homem tem direito à vida, à liberdade e a segurança pessoal”, sendo considerado este modelo de declaração a ser seguido pelo constitucionalismo liberal. (PESSINI e BARCHIFONTAINE, 1997).

A Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, trata em seu artigo 5º dos direitos e deveres individuais e coletivos onde a inviolabilidade do direito à vida é tutelada, sendo tal direito limitado em face ao princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas pelos demais direitos igualmente delineados pela carta magna, onde o artigo em questão visa a preservação da vida em sua totalidade, quanto da liberdade, igualdade, segurança e propriedade (NELSON NERY JR. 2008).

O direito a vida se tornou um direito fundamentalmente reconhecido pelo direito internacional, fruto este, de uma difícil conquista da humanidade quando da violação de seus direitos fundamentais, suprimidos através dos tempos, onde a “Declaração Universal” se caracteriza, primeiramente, por sua amplitude sendo esta um conjunto de direitos e faculdades sem as quais o ser humano não pode desenvolver sua personalidade física, moral e intelectual. Traz também como característica a universalidade que é aplicável a todas as pessoas de todos os países, raças, religiões e sexos, seja qual for o regime político dos territórios nos quais incide. Desta forma a comunidade internacional reconheceu que o indivíduo é membro direto da sociedade humana, na condição de sujeito direto do Direito das Gentes o que naturalmente, o torna alem de cidadão de seu país, também cidadão do mundo, pelo fato mesmo da proteção internacional que lhe é assegurada (CASSIN apud PIOVESAN).

Segundo o parecer emitido pelo Comitê Nacional de Bioética da Itália, datado de 14 de Julho de 1995, sobre a “Questão bioética relativa ao fim da vida humana”, nenhuma legislação propriamente eutanásica pode ter valor bioético. Defende que é lícito e digno de respeito por parte do terapeuta o motivo do paciente desejar a terapia, sempre que de forma livre, atual e consciente, ou seja, qualquer intervenção de caráter paliativo, sendo um dever a suspensão por parte do médico de qualquer ensaio terapêutico. Por fim, este Comitê, considera ilícita qualquer forma de eutanásia eugenésica e sobre neonatos com má formação ou ainda, qualquer forma de eutanásia sobre um paciente que não demonstre seu consentimento.

Os Hospitais brasileiros também possuem código de ética, onde o artigo 8° esclarece que: “O direito do paciente à esperança pela própria vida torna ilícita – independente de eventuais sanções legais aplicáveis – a interrupção de terapias que a sustentem. Executem-se, apenas os casos suportados por parecer médico...” (PESSINE E BARCHIFONTAINE, 1997).

Quanto ao código de ética dos Profissionais de Enfermagem, Capítulo I, artigo 3°, diz que: “O profissional de enfermagem respeita a vida, a dignidade e os direitos da pessoa humana, em todo o seu ciclo vital, sem discriminação de qualquer natureza”, no Capítulo V, artigo 46 que: “Torna-se proibido promover a eutanásia ou cooperar em prática destinada a antecipar a morte do cliente” (PESSINE E BARCHIFONTAINE, 1997).

No juramento de Hipógrates, o profissional da medicina promete aplicar os regimes para o bem dos doentes e nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer que seja, não dando, nem para agradar, remédio mortal nem conselho que o induza a destruição (PESSINE E BARCHIFONTAINE, 1997).

1.3 O final da vida

Hipócrates, cerca de 500 anos antes do nascimento de Cristo, formulou uma definição clássica do instante da morte. Este texto se encontra no De morbis, 2º livro, parte 5:

Testa enrugada e árida, olhos cavos, nariz saliente, cercado de coloração escura. Têmporas deprimidas, cavas e enrugadas, queixo franzido e endurecido, epiderme seca, lívida e plúmbea, pêlos das narinas e dos cílios cobertos por uma espécie de poeira, de um branco fosco, fisionomia nitidamente conturbada e irreconhecível (PESSINE e BARCHIFONTAINE, 1997).

O conceito de morte até pouco tempo atrás era o da paralisação da função cardíaca e respiratória, mas, nos dias atuais, o critério diagnóstico de morte é a paralisação das funções cerebrais, o que resulta em uma intensa discussão técnica e ética (GOGLIANO, 1993).

Para os médicos neurologistas, a revisão do conceito de morte tornou-se imperiosa devido à capacidade da medicina moderna em prolongar indefinidamente uma vida por meios artificiais tornando imperativo que se defina a morte encefálica, cabendo a estes profissionais, a difícil tarefa de reconhecer, a despeito dos recursos disponíveis, a cessação irreversível da atividade encefálica (GOGLIANO, 1993).

Tais princípios a serem adotados quando da afirmação da morte irreversível, é tratada pelo Conselho Federal de Medicina através de atribuições que lhe confere a Lei n° 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto n° 44.045, de 19 de julho de 1958 e publicada no D.O.U. de 17 de Outubro de 1991, p. 22.731.

Através da Declaração de Sidney quando da 22ª Assembléia Médica Mundial em Sidney, Austrália, em 1968 e emendada pela 35ª Assembléia Médica Mundial em Veneza, Itália, em outubro de 1983, o momento da morte, na maioria dos paises, é de responsabilidade do médico, que poderá determiná-lo utilizando critérios clássicos conhecidos por estes profissionais, através da constatação da cessação definitiva das funções espontâneas cardíacas e respiratórias bem como a cessação irreversível de toda a função cerebral, pensamento idêntico ao estabelecido na Lei de Doação de Órgãos (http://www.dhnet.org.br/direitos/codetica/medica/22sidney.html).

2 A EUTANÁSIA

2.1 Conceito de eutanásia

A palavra eutanásia deriva da expressão grega euthanatos, onde eu significa bom e thanatos morte. Numa definição puramente etimológica, é a morte boa, a morte calma, a morte piedosa e humanitária, a morte sem sofrimento e sem dor.