A Evolução Histórica dos Tratados Internacionais


PorJeison- Postado em 10 dezembro 2012

Autores: 
GOMES, Milton Carvalho.

 

Introdução

 

O Direito dos Tratados, ramo do Direito Internacional, carece de produções literárias que versem sobre sua história, o que indica uma ausência de materiais disponíveis para o aprofundamento da questão. Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre a evolução histórica do Direito dos Tratados, abordando os tratados na Antiguidade, na Grécia, na Idade Média, os tratados de Westfalia e os Tratados nos séculos XVII e XVIII, utilizando como principal referência a rara Obra de Felipe H. Paolillo, “História dos Tratados (da Antiguidade até 1815)”.

 

Evolução Histórica

 

Quanto aos sujeitos do Direito Internacional, na antiguidade o chefe de Estado participava pessoalmente da elaboração e assinatura dos tratados. Os tratados, assim, eram considerados compromisso pessoal do monarca, e sua vigência coincidia com a vida do governante.

 

Após a transferência da soberania estatal para a população, o processo de celebração de tratados se complicou, passando a ser necessária a aprovação prévia do parlamento. Os governantes continuaram sendo os responsáveis pela assinatura dos tratados, porém passou a ser exigida a ratificação pelo parlamento. Não mais o governante era a pessoa de direito internacional, mas sim o Estado.

 

Atualmente não apenas os Estados são sujeitos de direito internacional, mas também os organismos internacionais, admitindo-se a existência de uma vontade orgânica independente das dos Estados. Pelo princípio da canalização, as organizações internacionais só podem celebrar tratados que digam respeito a suas atribuições, enquanto os Estados podem celebrar todo tipo de tratados internacionais.

 

Quanto ao conteúdo, os tratados internacionais no período clássico possuíam caráter essencialmente político, com uma tendência aos acordos em matéria de defesa, de extradição e de arbitragem. Eram comuns os tratados de aliança contra perigo comum.

 

Atualmente os tratados internacionais versam sobre todo tipo de matéria, regulando questões relativas à saúde, educação, trabalho, economia, etc.

 

Quanto ao procedimento de formação, inicialmente existiam muitas formalidades, os monarcas tinham caráter divino, e a violação de um tratado seria punida por penas dos deuses.

 

Posteriormente houve uma redução das formalidades, sendo desenvolvidas técnicas de acordos em forma simplificada, dispensando plenos poderes do negociador ou a ratificação, e atualmente se admite até mesmo tratados em forma verbal.

 

A ratificação era notificada por todo o procedimento interno, atualmente apenas se notifica que a ratificação foi feita, sem detalhes do procedimento interno.

 

Quanto aos efeitos dos tratados internacionais, inicialmente existiam 2 princípios: a) os sujeitos que são partes em um tratado são os mesmos que negociaram o tratado; b) os tratados não tem efeitos além das partes contratantes. Atualmente estes princípios vem sendo flexibilizados, com a criação de organizações internacionais, tratados multilaterais e a alteração do esquema contratual para um quase legislativo (organizações internacionais com possibilidade de determinar obrigações aos Estados que firmaram o tratado).

 

A regra de que os efeitos se restringem às partes permanece, havendo algumas exceções, como na carta das nações unidas, que se prevê eventual aplicação dos princípios da organização a estados que não façam parte da mesma.

 

Uma visão geral sobre a evolução dos tratados Internacionais é elaborada por Vasquez (2006, p.42):

 

Está se produzindo uma verdadeira quebra do esquema clássico contratual do tratado, para se converter em um instrumento de legislação internacional: a despersonalização dos negociadores, a multiplicidade/variedade dos sujeitos, as alterações fundamentais nos procedimentos de formação do tratado, a extensão do efeito dos mesmos a terceiros. 

 

Observando a realidade político-internacional, verificamos que os mais importantes tratados, são realizados de forma multilateral. No século XIX os conflitos internacionais surgiam entre grupos de estados, daí que o esquema contratual bilateral não atendia mais.

 

(...)

 

Por outro lado surge a questão das reservas: o Estado que fazia as reservas, não participava da Convenção Multilateral se os outros não aceitassem as reservas: na teoria clássica era necessária a unanimidade dos estados (depois se adotou o sistema Panamericano).

 

Nos tratados contemporâneos temos a adesão aos tratados multilaterais abertos, aonde não necessariamente se vincula a um grupo de estados (pela não ratificação ou renúncia), e também temos a possibilidade de obrigar a outros que não participem diretamente (Ex. Cláusula da Nação mais favorecida).

 

Os Tratados na Antiguidade

 

Para a existência e desenvolvimento de relações internacionais é necessária a presença de dois pressupostos principais: a existência de grupos humanos autônomos de caráter político; e a ocorrência de contato entre eles, de relações, comunicações.

 

Inexistia na antiguidade sociedades formando Estados, na forma hoje existente. As relações entre as pessoas, criando uma sociedade politicamente autônoma, ocorria de forma muito menos organizada que a atual. A inexistência de Estados, como conhecidos hoje, não impedia o relacionamento entre as sociedades organizadas, encontrando aí a origem das relações internacionais.

 

Foi em meados do quarto milênio A.C. que surgiram, na Mesopotâmia, os primeiros centros urbanos da humanidade. Grupos pequenos se integraram em cidades, as cidades absorveram territórios vizinhos e se tornaram cidades-estados. Com o desenvolvimento destes centros, formando uma grande civilização, com governo próprio e seus próprios deuses, surge a noção de soberania. A expansão destas civilizações colocou em contato cidades vizinhas, assim iniciando relações, pacíficas ou belicosas, cada vez mais freqüentes.

 

Por volta de 1500 A.C já se verifica uma verdadeira comunidade de nações, formada pelo Egito, Reino dos Hititas, Federação Cretense, Civilizações da Mesopotâmia e uma série de civilizações menores. Seus interesses conflitantes levavam a confrontos em suas regiões periféricas, criando zonas de interesse para a proteção de seus territórios.

 

O segundo pressuposto (a existência de contatos) para muitos autores inexistia no início das civilizações, que eram caracterizadas pelo isolamento. As primeiras relações internacionais não foram na forma de tratados, mas de guerra, sendo sobre esta matéria, certamente, as primeiras tratativas internacionais que se tem notícia, porém ainda sem a forma escrita.

 

O estudo da história dos tratados não abrange o período de acordos meramente verbais, ou regras consuetudinárias, pois não existem provas nem elementos concretos pelos quais se possa aferir sua existência. O estudo da história dos tratados toma como ponto de partida fontes bibliográficas, como a bíblia, e fontes epigráficas, como inscrições antigas em pedras, etc.

 

O tratado mais antigo de que se tem notícia data de 3000 A.C, firmado entre cidades da Mesopotâmia chamadas Logash e Umma, tratando da fixação de fronteiras, recorrendo-se à arbitragem do rei de uma terceira cidade, Kish, para a solução da questão. Deste tratado se pode inferir um certo desenvolvimento de algumas instituições de direito internacional, neste caso a arbitragem. Após este tratado, tem-se um período de 1000 anos até o surgimento de outro de que se tenha prova.

 

O período de maior desenvolvimento das relações entre as grandes potências da antiguidade é chamado de época de “Tel-el-Amarna”. Depois das invasões dos hicsos e dos movimentos de emigração no início do segundo milênio antes de cristo, as cidades mais importantes vão subjugando as menores e expandindo-se, ocupando regiões antes desabitadas e colocando seus povos em mais contato, proporcionando o surgimento de relações, especialmente na delimitação tácita ou expressa de zonas de influência.

 

Nesta época já podemos falar de uma “sociedade internacional”, formada por uma pluralidade de estados, soberanos e independentes, que mantém relações pacíficas e unidos por uma série de tratados em que as partes aparecem em situação de igualdade, considerando-se todos membros de uma mesma família de estados.

 

O mais notável grupo de tratados da antiguidade pertence aos hititas, nos arquivos de Bogazkoi ou Bogazkeui, observando-se uma prevalência das regras dispositivas sobre as religiosas, demonstrando a importância que este povo deu aos tratados. Os hititas celebraram inúmeros contratos de vassalagem, nos quais impunham as regras ao vassalo, que as aceitava e cumpria as obrigações assumidas, sendo notória a desigualdade entre as partes.Só mais tarde se desenvolvem os acordos paritários.

 

O mais famoso tratado da antiguidade é aquele firmado entre o rei dos hititas e o faraó Ramsés III.

 

O Egito estava em guerra com os hititas, que iam conquistando grande parte da região da Síria. Em dado momento, um tratado de paz passou a ser mais interessante para ambas as partes, tendo oferecido o rei dos hititas, ao faraó Ramsés III, sua filha em matrimônio. Este tratado firmou não somente a paz, mas também uma aliança e extradição entre os povos.

 

Alguns elementos desta tratado são de extrema importância para demonstrar o desenvolvimento das relações internacionais da época. Um deles é a formalidade utilizada: aparentemente foi celebrado na corte hitita, com a participação de emissários egípcios, escrito o texto em tabletas de prata, que foram enviadas para Ramsés III. Este, por sua vez, devolveu as tabletas com pequenas alterações, ao rei hitita, tendo por firmado o acordo. Outra observação interessante é a utilização de uma linguagem diferente das dos dois povos, daí se deduzindo a existência de uma língua diplomática na época.

 

O referido tratado é firmado com o objetivo expresso de paz entre os povos, fazendo-o para sempre, sendo uma exceção ao caráter pessoal do tratado, que era normalmente firmado para durar enquanto durasse a vida dos acordantes.Há ainda previsão de aliança contra inimigos de um dos dois povos, e disposições sobre a extradição de fugitivos, com a obrigação, neste caso, de que a nação que recebesse o extraditado não aplicasse determinadas punições.

 

As implicações pelo descumprimento do tratado são punições divinas, dos mil deuses egípcios e mil deuses hititas. Não se tem notícias do descumprimento.

 

Os tratados firmados na antiguidade eram formulados como dois atos separados, pois não se concebia ainda a existência de um só ato com duas vontades. Em regra, constituía-se de um ato de promessa de fazer ou não determinada coisa, por uma das partes (riksu), e um juramento de aceitar o proposto, quando não de se comprometer com obrigação semelhante, pela outra parte (mamitu).

 

Outras duas formalidades merecem destaque: a primeira é a sempre submissão do pacto à proteção divina. Existia uma interação forte entre direito, moral e religião, e a violação do tratado era considerada uma ofensa à divindade. Os deuses não garantiam o cumprimento dos tratados, mas asseguravam a punição àqueles que o violassem. A segunda é a constante utilização de rituais, fórmulas sacramentais, para a celebração dos acordos mais importantes.

 

Quanto ao conteúdo destes tratados da antiguidade, pode-se afirmar que em sua grande maioria possuíam um caráter político, de aliança contra um inimigo comum.

 

Por fim, verifica-se que o fundamento de validade dos tratados firmados na antiguidade não era a existência de uma ordem jurídica internacional, nem mesmo a obrigação de cumprimento dos acordos firmados, mas sim estritamente religioso. Os tratados firmados constituíam um juramento firmado em nome dos deuses nacionais de cada povo, advindo daí sua força obrigatória.

 

Os Tratados na Grécia

 

Após o período de “Tel-el-Amarna”, tem início um colapso das sociedades do oriente, causado pelas constantes invasões dos “povos do mar”, causando a queda do império hitita, a decadência do Egito e criando um espaço político particularmente propício à expansão dos assírios (por volta do século VI A.C.).

 

Os assírios, por sua vez, foram um povo caracterizado por sua agressividade, voltado à conquistas territoriais e submissão de outros povos, com a pura finalidade hegemônica mundial. Diferentemente do Egito, as invasões assírias não tinham o objetivo de manter o equilíbrio, a conservação e defesa do Estado, mas sim a expansão indefinida, com a idéia de domínio mundial. Neste período houve um retrocesso em matéria de tratados, até a aparição das cidades-estado gregas.

 

No século VIII A.C. os gregos estão organizados politicamente em cidades-estado, entes que possuíam, cada um, sua total independência e autonomia. Eram pequenas unidades políticas, que embora possuíssem semelhança de cultura, língua, raça e religião, permaneciam cada qual com sua individualidade.

 

Assim, muito se questiona se as relações mantidas entre estas cidades não seriam meras relações intermunicipais, cotrapostas às relações internacionais, colocando em dúvida a existência da independência destas cidades em relação às demais, numa estrutura política maior, que englobaria todas elas. No entanto, embora houvesse de fato grande semelhança entre os povos, todos eram plenamente conscientes de sua independência absoluta em relação aos demais, fato que os leva a serem tratados como verdadeiros sujeitos de direito internacional, constituindo os acordos firmados entre eles verdadeiros tratados internacionais.

 

Os tratados se fundamentavam sempre no respeito rigoroso à independência das cidades associadas, em relações marcadas com a nota da horizontalidade, apesar de, em muitos casos, os tratados serem na prática impostos por cidades mais poderosas a cidades menos influentes.  As cidades gregas vinculavam-se por meio de tratados, criando associações, alianças, ligas, confederações, que muitas vezes implicavam na redução da autonomia de cada uma, porém sempre de forma consciente e intencional, mantendo a noção de soberania intacta.

 

As Pólis gregas desenvolveram-se em um ambiente relativamente pequeno e propício às relações entre elas, com um sentimento muito grande de autonomia em relação às cidades vizinhas. O primeiro tratado que se tem registro foi um tratado de aliança, firmado entre as cidades de Elida e Herea, que reciprocamente se obrigaram a auxiliar uma a outra em situação de guerra. A punição pelo descumprimento era verter um talento de prata ao “Zeus Olímpico”.

 

Após um longo período de guerras entre as cidades, e de polarização das forças políticas nas cidades de Atenas e Esparta, finalmente surge um momento propício a uma aliança total, para lutar contra um inimigo comum, os persas. Com a vitória sobre os persas, Atenas atinge seu ápice, sobrevindo a decadência das cidades com a deterioração de suas autonomias.

 

Neste contexto, surge um ambiente favorável ao estabelecimento de relações internacionais pacíficas entre os gregos, que sentiam presente a força de coalizão entre eles, formadores que eram de uma mesma civilização. Atingindo este momento de paz e segurança, as polis gregas buscaram em primeiro lugar firmar tratados objetivando atenuar os rigores da guerra, e em segundo lugar evitar as guerras estabelecendo um equilíbrio entre as cidades, com pactos de alianças, confederações, etc.

 

Os tratados firmados pelos gregos possuíam algumas notas características, que os diferenciavam dos tratados da antiguidade. A primeira delas é a noção de igualdade. As cidades-estado gregas negociavam tratados com a plena convicção de sua autonomia e liberdade em relação umas às outras, situadas que estavam no mesmo plano hierárquico. Outra característica era a importância que se dava, em grande quantidade de tratados políticos e militares, ao indivíduo e à proteção de sua integridade física e espiritual.

 

Porém, o desenvolvimento dos tratados na Grécia não se deu apenas em questões voltadas à guerra, paz e segurança, mas também para a regulação das relações, cada vez mais intensas, dos indivíduos que circulavam intensamente entre as cidades, especialmente na realização de atividades comerciais. Daí surgem diversos acordos sobre o tratamento de estrangeiros e a concessão de direitos e garantias àqueles que se dirigiam a outras cidades para praticar negócios.

 

Dentro desse tipo de tratado, mas muito mais evoluído, foi o chamado “isopolitia”. Pelo tratado de isopolitia, as cidades gregas convencionavam reconhecer aos cidadãos de outra cidade igualdade de direitos civis com seus próprios cidadãos, como os relativos à família, propriedade, contratação em matéria comercial, indústria e agricultura, imunidade aduaneira, etc, exceto os direitos políticos. Outro tipo de acordo, chamado “simpolitia”, abrangia todos os direitos da “isopolitia” e mais os direitos políticos, sob condição de reciprocidade.

 

O tipo de tratado mais importante do mundo grego foi o chamado “simmakia”. Inicialmente, a simmakia constituía um tratado temporário, de aliança entre cidades para o combate em determinada guerra. Existia uma situação concreta e o acordo apenas durava até seu final. Posteriormente, foi-se alterando o conceito de simmakia, passando a definir tratados permanentes de cooperação bélica, formando-se verdadeiras ligas, com a finalidade de combater e também intimidar os inimigos comuns.

 

A simmakia mais antiga é a do Peloponeso, que durou do século VI ao ano 371 A.C., e era formada tendo como centro a cidade de Esparta. Possuía duas características fundamentais, a autonomia quase absoluta das cidades integrantes e a hegemonia de Esparta, que seria manifestada apenas ocasionalmente, em caso de contenda armada. Na assembléia da liga, as decisões eram tomadas por maioria, e cada cidade possuía apenas um voto. Esparta possuía o monopólio da iniciativa, o que lhe garantia que não seria obrigada a aceitar uma ação que não desejasse.

 

Outra liga importante foi a Atico-Délica, surgida aproximadamente no ano 477 A.C., que tinha como cidade central Atenas. O formato era bastante semelhante, com algumas diferenças em relação à do Peloponeso. As bases fundamentais eram as mesmas: a autonomia das cidades e o comando militar ao encargo de Atenas. Existia, por outro lado, a obrigação de contribuir com o “tesouro federal”, que era o capital da confederação. A autonomia, entretanto, apenas durou os primeiros anos da liga. Pouco a pouco Atenas passou a impor-se às demais cidades, interferindo em seus assuntos domésticos e intervindo a título de restabelecer ou manter a democracia, sendo este o único sistema aceito por Atenas para as cidades da liga. Por fim, o que se iniciou como uma liga fundada na autonomia, passou a constituir um império de Atenas, culminando com a incorporação do tesouro federal da confederação ao tesouro ateniense.

 

O fortalecimento de Atenas criou um ambiente propício para a guerra, e foi o que aconteceu. A guerra do Peloponeso foi vencida por Esparta, que subjugou Atenas e extinguiu a Liga de Delos, em 404 A.C.

 

Depois da guerra do Peloponeso, em 377 A.C., se estabelece a segunda liga ateniense, que foi uma nova tentativa de recuperação da hegemonia de Atenas na Grécia, o que foi favorecido pelo temor que muitas cidades tinham da hegemonia espartana. Diversos tratados bilaterais foram firmados, até que se celebrou um tratado de caráter coletivo, por iniciativa de Atenas.

 

Embora os tratados multilaterais só fossem se disseminar no século XIX, Atenas, Bizâncio, Tebas e outras cidades realizaram um tratado dessa espécie, que possuía ainda cláusula que previa a possibilidade de adesão por parte de outras cidades, o que também demonstra um desenvolvimento muito grande para a época, quando apenas se tinha tratados bilaterais. Este tratado permitia o ingresso de cidades não-gregas, desde que não fossem parte do império persa.

 

Esta segunda liga teve características diferentes da primeira, especialmente preocupando-se com a preservação da autonomia de cada uma das cidades, inibindo a intervenção de Atenas, e preservando o direito de cada uma delas estabelecer seu regime de governo, vislumbrando-se aqui o que hoje se convencionou chamar de autodeterminação dos povos. Houve adesão de 70 a 75 cidades, consagrando o sucesso desta segunda liga.

 

Novamente Atenas, por ser a cidade mais poderosa, passou a intervir nas demais cidades, o que, aliado a outros fatores, entre eles o desaparecimento do perigo espartano, uma das razões de formação da liga, provocou a saída de muitas cidades, sendo extinta a liga em 338 A.C.

 

Muitos historiadores apontam a Grécia como local onde surgiu o instituto da arbitragem. Considerado o ambiente jurídico propício existente entre as cidades gregas, a arbitragem foi bastante utilizada para a solução de conflitos surgidos entre elas. A chamada “cláusula compromissória”, que consistia em uma cláusula aposta aos tratados, pela qual os acordantes concordavam em submeter as questões divergentes à solução de um terceiro imparcial, foi usada com abundância, especialmente a partir da metade do século V A.C.

 

Os tratados firmados na Grécia eram negociados por representantes designados por cada cidade participante, não existindo, ainda, a figura do embaixador permanente, mas sim um designado pra cada missão. Acordado o texto do tratado, era ele levado para cada cidade, por seu representante, para que fosse ratificado, normalmente pelo órgão político mais representativo. Não havia obrigação de ratificar, ficando a decisão a critério do órgão competente.

 

Ratificado o tratado pelas cidades participantes, sua obrigatoriedade não existia senão após a realização das solenidades necessárias. O cumprimento do tratado era jurado pelos embaixadores, e geralmente era seguido do costume grego de derramar vinho na terra, representando o sangue daquele que o descumprir.

 

A invocação divina era elemento essencial, tendo o mesmo caráter dos tratados da antiguidade, assegurando a punição para os violadores. Igualmente, o fundamento da obrigatoriedade dos tratados era o caráter divino da obrigação originada do juramento feito.

 

Tratados na Idade Média

 

Com a decadência do Império Romano, passaram-se diversos momentos nos quais a organização política dos povos se alterou profundamente. Na mesma intensidade se alteraram as relações travadas entre os povos.

 

No tempo dos reinos bábaros-germânicos, os tratados firmados tinham por finalidade a criação de alianças, normalmente voltados a pôr fim a uma contenda. Por não possuírem o domínio da língua escrita, muitos acordos possuíam a forma verbal e, quando redigidos, possuíam formas extremamente simples. Em matéria de juramento, os bárbaros-germânicos juravam sobre as armas, não pela divindade, como ocorria na antiguidade.

 

Na época Carolíngia, as relações internacionais foram bastante intensas, especialmente com o contato direto entre os soberanos, e em menor freqüência por meio de correspondências ou com envio de representantes. A forma dos tratados já era a escrita, e a sua finalidade permanecia a mesma: firmar alianças, estabelecer a paz. Muito se utilizava de tratados para celebrar casamentos, e normalmente não existia igualdade entre os celebrantes. A divindade possuía importância fundamental na celebração dos acordos, sendo colocado o próprio Papa como garantidor do cumprimento.

 

A debilidade evidente do poder público, característica do feudalismo, influencia a sociedade a buscar a solução de seus conflitos através da instituição da arbitragem, tanto no âmbito interno, dos feudos, quanto no âmbito externo, dos soberanos. Geralmente o arbitro era o Papa, pois entendia-se que a força dos tratados advinha do direito natural, com força divina, e dessa forma nenhum outro árbitro poderia fazer melhor interpretação do tratado do que a do Papa.

 

Do século X ao XIII, o contexto histórico era marcado por relações entre senhores feudais, susseranos e vassalos. Os tratados tinham por objeto, ainda, a criação de alianças para a paz,repartição de territórios, fixação de fronteiras, etc. A forma era essencialmente oral, registrando-se em documentos apenas para a finalidade de prova. A garantia era moral, sendo que o juramento feito pelo soberano tinha valor enquanto fosse ele vivo. As conseqüências do descumprimento são diferentes, acrescentando-se, aqui, a excomunhão, o que na época possuía grande importância, além de garantias reais e pessoais.

 

Neste período, diversos tipos de tratados eram firmados, como acordos matrimoniais, tratados de comércio (normalmente de cidades italianas, como Veneza, Gênova e Pisa), tratados de asilo e extradição (raramente), e tratados para a realização das cruzadas.

 

Em 1417 se celebra um tratado no qual se crê ter aparecido, pela primeira vez, a cláusula da nação mais favorecida. O tratado estabelecia que os mercadores de cada parte podem transitar por qualquer meio, com seus bens e mercadorias, e podem comercializar reciprocamente, podendo permanecer em território do outro estado, assegurando-se o direito de estadia. Não se trata propriamente da cláusula da nação mais favorecida, pois as vantagens concedidas não se estendem a todos os demais estados, mas somente aos previamente determinados. A cláusula da nação mais favorecida vem aparecer efetivamente em 1486, em um tratado firmado entre Inglaterra e Bretanha, estabelecendo igualdade de tratamento.

 

Do século XV em diante se multiplicam os tratados de equilíbrio, firmados com a finalidade de conferir estabilidade à situação política formada, dada a pluralidade de centros políticos absolutos dentro de uma mesma esfera geográfica e política. Os tratados desta época tem por característica, ainda, é a pessoalidade. Continua-se a utilizar as formas e as garantias anteriores, sendo realizado o juramento sobre a cruz e o santo evangelho.

 

A força obrigatória dos tratados, na Idade média, possuía diversos fundamentos, uns herdados da antiguidade Greco-romana, outros originados na própria época. Quatro seriam os fundamentos da obrigatoriedade dos tratados: o religioso (da antiguidade), o jurídico (romano), o político social e o fundamento moral (estes últimos desenvolvidos na própria idade média).

 

Os Tratados de Westfalia

 

Os tratados de Westfalia foram firmados para pôr termo à guerra dos 30 anos, que envolveu quase todas as nações européias e durou de 1618 a 1648. Tinham um caráter estritamente político, e representaram um grande avanço no direito dos tratados, especialmente por estabelecer um sistema de equilíbrio entre as potências da época.

 

Alguns autores apontam os tratados de Westfália como o início do direito internacional, o que, embora esteja errado, serve para simbolizar a importância daquele acontecimento.

 

Estes Tratados consagraram no sistema jurídico internacional dois princípios fundamentais: o princípio da soberania e o princípio da igualdade. A importância dos tratados de Westfalia não provém de haver estabelecido um certo equilíbrio de forças na paisagem política européia, mas de ter manifestado a existência de uma consciência internacional, inexistente até então. Foi a partir de Westfalia que os Estados aceitaram a co-existência de várias sociedades políticas e aceitaram o direito de que estas sociedades fossem independentes, pudessem defender sua existência e fossem tratadas em igualdade de condições.

 

A maior importância de Westfalia está em seus pressupostos ideológicos. Foi, em suma, a admissão oficial da idéia de uma comunidade internacional integrada por Estados iguais e soberanos.

 

Por fim, cabe ressaltar que o fundamento da obrigatoriedade dos tratados de Westfalia não deriva de uma noção religiosa. A regra pacta sunt servanda é considerada como emanada do direito natural, e este direito natural vai adquirindo um caráter laico. O juramento religioso perde significado, a partir do momento em que as partes intervenientes pertencem a religiões diferentes.

 

Os Tratados nos Séculos XVII e XVIII (1648 a 1789)

 

Entre o congresso de Westfalia e a Revolução Francesa existe um período de muitas guerras na Europa. Vigora um desejo de conquista, e ao mesmo tempo uma tentativa de conter essas conquistas, buscando-se a manutenção de um equilíbrio entre os povos.

 

Neste período, os tratados firmados possuem caráter predominantemente voltado ao atendimento dos interesses pessoais dos monarcas, que sob a compreensão da divindade de sua posição política era o responsável pelo comprometimento exterior do Estado.

 

O absolutismo monárquico predominante nesta época influi sobre o jus tractum. Os tratados internacionais aparecem como acordos pessoais entre os monarcas, utilizando-se cada vez com maior freqüência o envio de embaixadores permanentes, para a negociação e a celebração dos tratados. Nestes casos, a ratificação do tratado era considerada obrigatória, salvo quando o enviado agisse com excesso de poder.

 

Neste período, os tratados tinham objetos políticos (alianças, acordos de paz, acordos para manter o equilíbrio, divisão de territórios, etc.), acordos sobre neutralidade, arbitragem, e acordos comerciais.

 

O caráter obrigatório dos tratados deixa de ser a religião, a moral, passando a advir de um fundamento estritamente jurídico, que é o direito natural. No século XVII ocorre uma grande desenvolvimento do direito natural, e é neste direito natural, ou seja, em uma concepção puramente jurídica, que se embasa o dogma da inviolabilidade dos tratados. Este direito natural pode ter origem divina ou não. Sendo divino, o pacto obriga porque o direito natural é ditado pelos Deuses. Não sendo divino, o pacto obriga pelo princípio de que aquilo que duas vontades fazem, uma só vontade não pode desfazer.

 

Conclusão

 

O estudo da história dos tratados mostra-se útil na medida em que permite o conhecimento dos contextos nos quais se desenvolveram muitos dos princípios e institutos de direito internacional atualmente vigentes nas relações internacionais.

 

A compreensão das origens históricas dos institutos referentes às relações internacionais, especialmente em matéria de Tratados, permite uma atuação jurídica mais consciente e precisa, pois fornece experiências positivas e negativas que demonstram o caminho no qual se deve atuar para a constante evolução deste ramo do Direito, estando nisso sua grande importância.

 

Bibliografia

 

PAOLILLO, F. H. (1966). Curso de Historia de los Tratados . Montevideo: Centro de Estudiantes de Derecho.

 

VÁSQUEZ, E. L. (2006). História dos tratados . Brasília: Rev. Jur., Brasília, v. 8, n. 79, p.38-46, jun./jul., 2006.

 

 

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.41065&seo=1>