A execução de título judicial e a supremacia da efetividade.


PorDiogo- Postado em 22 novembro 2011

Autores: 
DAMASCENO, Artane Inarde de Siqueira

O texto estuda a nova sistemática do processo civil na execução de título judicial, que retomou os valores da efetividade e da celeridade, propondo uma certa mitigação dos tradicionais princípios processuais, como o princípio da menor gravosidade, o da segurança jurídica, do devido processo legal e do contraditório.

É pior cometer uma injustiça do que sofrê-la, porque quem a comete transforma-se num injusto e quem a sofre não. (Sócrates)

RESUMO

Este estudo tem por objetivo comentar a nova sistemática do processo civil na execução de título judicial, que trouxe em seu bojo uma retomada dos valores da efetividade e da celeridade que devem nortear sua interpretação e aplicação, propondo uma releitura e até mesmo uma certa mitigação dos tradicionais princípios processuais, como o princípio da menor gravosidade, o da segurança jurídica, do devido processo legal e do contraditório. Inicialmente, faz-se uma análise histórica de como o processo de execução passou do modelo da actio judicati para o modelo sincrético. Observa-se, também, a evolução de uma execução cruel e infamante para uma execução mais humanizada, que busca o menor sacrifício do devedor, chegando a tornar-se inócua de tão ineficiente. Conclui-se, por fim, que a construção de uma justiça melhor, mais célere e capaz de produzir resultados é uma demanda social que somente poderá ser alcançada através da supremacia da efetividade, proposta deste estudo, que busca diminuir o formalismo e atingir a eficiência e a celeridade, em consonância com o espírito da reforma.

Palavras-chave: Execução judicial. Ação autônoma. Processo sincrético. Princípios da execução. Revisão principiológica. Supremacia da efetividade.


ABSTRACT

This study has for objective to comment the new systematics of civil process on the execution of judicial title, that brought in it’s core a retaking of the values of effectiveness and celerity that must guide it’s interpretation and application, proposing a rereading and even a certain mitigation of the traditional processual principles, like the principle of the less oppressiveness, the juridical security, the due process of law and the contradictory. Initially, it’s done an historical analysis of how the execution process passed from the actio judicati model to the syncretic model. It’s observed, as well, the evolution of a cruel and defamatory execution to a more humane execution, that pursuits the least sacrifice of the debtor, coming close to became innocuous of such inefficient. It’s concluded, at last, that the building of a better justice, faster and able to produce results it’s a social demand that will only be achieved through the supremacy of effectiveness, proposal of this study, that pursuits reducing the formalism and achieve efficiency and celerity, in consonance with the spirit of the reform.

Key words: Judicial execution. Autonomous lawsuit. Syncretic process. Execution principles. Principles review. Supremacy of effectiveness.

SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO. 1.1.Um resgate de valores. 1.2.A segurança jurídica sob novo prisma. 1.3.A instrumentalidade do processo. 2.DA AÇÃO AUTÔNOMA AO PROCESSO SINCRÉTICO .2.1 A evolução histórica da execução.2.2 Reflexos da reforma na execução de quantia certa. 3.OS PRINCÍPIOS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO REVISTOS . 3.1 A mitigação gradativa dos princípios tradicionais. 3.2 A unificação procedimental . 3.3. Da desnecessidade de citação do réu. 3.4 Da necessidade de intimação. 3.5 Da multa executiva coercitiva. 3.6. A sentença na nova execução de título judicial. 4.A SUPREMACIA DA EFETIVIDADE. 4.1 A Busca do equilíbrio. 4.2 O princípio da efetividade.. 4.3 O desvirtuamento de valores. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS


1. Introdução

A nova execução resgatou algo que nunca deveria ter faltado na execução, a valorização do direito do credor em relação ao do devedor. Inúmeras são as garantias concedidas ao devedor em nome do devido processo legal, da segurança jurídica e do princípio da menor gravosidade, que são de extrema importância, mas o que não se pode perder de vista é que há um direito mais importante a ser tutelado, o do credor. Aquele que foi lesado, que sofreu um injusto, que amargou um prejuízo e que bate às portas do judiciário clamando por uma solução rápida e eficaz. O credor deve ter assegurado o seu direito a uma justiça eficaz e à razoável duração do processo, direito este incluso entre os considerados fundamentais na Constituição.

A sistemática processual brasileira é, entretanto, excessivamente formalista, burocrática e marcada pelo inconformismo do brasileiro. Há, neste país, uma cultura do inadimplemento, da protelação e, por que não dizer, da impunidade. Afinal, a quem beneficia a existência de processos morosos, interminavelmente recorríveis, que se arrastam por anos a fio nos tribunais, sem solução definitiva, senão ao devedor? E como fazer entender o credor que, ao final de tudo isto, ele ainda precisará passar por outro processo para vir a satisfazer seu crédito? Esta situação de morosidade e ineficiência da justiça brasileira gera um grande descrédito perante o jurisdicionado, causando uma verdadeiramente insegurança jurídica.

1.2. A segurança jurídica sob novo prisma

Um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado na revista Veja (Veja, São Paula, edição 1881, 24 de novembro de 2004, Alexandre Oltramari), constatou que a insegurança provocada pela morosidade do judiciário atrapalha fortemente o crescimento do país. Segundo tal estudo, calcula-se que o Brasil deixe de produzir cinco bilhões de dólares em riquezas, o equivalente a 1% do PIB, apenas em razão da desconfiança dos investidores internacionais sobre o funcionamento do Judiciário. Explica-se. Nos Estados Unidos, uma disputa judicial dura em média quatro meses até ser julgada. No Brasil o tempo médio de duração de um processo é de doze anos. Existem, vergonhosamente, processos que tramitam há meio século na Justiça e, muitas vezes, a decisão final só ocorre quando o autor já está morto. Não é apenas na economia do país que a lentidão da justiça gera graves prejuízos, ela repercute direta e indiretamente na vida de todos os cidadãos. Gera prejuízos, insegurança, enriquecimento sem causa e um grande descrédito. Um judiciário que não oferece a confiança e previsibilidade de sua eficiência a seus jurisdicionados, não oferece também a necessária segurança jurídica.

Uma pesquisa de opinião feita pelo Instituto "Toledo & Associados" divulgada pelo Conselho Federal da OAB, em 10/11/2003, revelou a baixa confiança dos brasileiros na Justiça enquanto instituição. Essa realidade ainda não mudou. O direito à segurança jurídica possui muitos aspectos, e um dos menos abordados é o da sua eficácia e efetividade. Consideramos aqui que, para o cidadão, "a possibilidade de confiar na eficácia e, acima de tudo, na efetividade dos direitos que lhe são assegurados pela ordem jurídica já integra, de certo modo, um direito à segurança" [01]. Corroborando esses fatos, outro estudo recente, realizado por instituição internacional e divulgado pela imprensa, mostrou que somente 18% dos processos trazidos ao judiciário brasileiro são levados a bom termo, com a solução da causa e satisfação do credor.

1.3. A instrumentalidade do processo

A partir desta perspectiva de análise é que se defende a supremacia da efetividade em detrimento do formalismo processual. É de inarredável importância que o direito processual e os profissionais do direito busquem priorizar celeridade e eficácia, inclusive com certa mitigação do devido processo legal (pelo menos, visto sob o paradigma da perfeição formal), da ampla defesa e da segurança jurídica (utilizada aqui em sua acepção tradicional de realidade imutável). Neste diapasão, são extremamente benéficas e acertadas as mudanças na execução de título judicial, abandonando a natureza de ação autônoma e abraçando o processo sincrético.

Passa-se então a analisar a nova sistemática processual da execução dos títulos judiciais, suas principais alterações, seus pontos controversos e, principalmente, sob que prisma devem ser interpretadas e aplicadas, à luz da supremacia da efetividade. A proposta em tela é uma releitura dos antigos dogmas e princípios processuais, ressaltando o caráter instrumental do processo e relembrando que o processo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento que deve sempre ser utilizado na busca da justiça, fim maior de todo o sistema jurídico. Como afirma Dinamarco (DINAMARCO, 2007, pág. 23): "Reler os princípios, não renegá-los" [02].


2. Da ação autônoma ao processo sincrético

Na legislação anterior, havia um processo autônomo de execução, consubstanciado em ação independente do processo de conhecimento, a ele se aplicando todos os pressupostos processuais e condições da ação. Sendo imposto, ainda, à parte, o recolhimento de custas processuais. Não sendo dado ao juiz atuar com o simples requerimento do autor ao término da ação de conhecimento que tenha culminado em sentença condenatória.

A execução por via de ação autônoma foi inspirada no modelo da actio judicati do direito romano, que lhe deu um sistema formalista, demorado e sofisticado. Neste modelo, a execução dependia da propositura de nova demanda e a transferência, pelo magistrado, dos bens ao credor, ou a quem lhe assumisse a dívida, tinha como pressuposto sentença condenatória anterior, proferida pelo judex, que era um juiz privado, cidadão comum, que não tinha, portanto, poderes para realizar atos de constrição no patrimônio do devedor. Posteriormente, o juiz passou a dirigir o processo do início ao fim, permanecendo, entretanto, o sistema dualista.

O modelo da actio judicati já vinha sendo duramente criticado pelos doutrinadores, como o fez Humberto Theodoro Júnior em sua tese de doutoramento na Universidade Federal de Minas Gerais (publicada sob o título ‘A Execução de Sentença e a Garantia do Devido Processo Legal’, Ed. Aide, 1987), no qual sustentou a premente necessidade de retorno à simplicidade do processo sincrético.

O processo de execução sincrético também foi defendido por Alcalá-Zamora (apud CARNEIRO, 2005), que combate o tecnicismo da dualidade, e Carneiro (2005), afirmando que a nova sistemática da lei 11.232/2005 trouxe uma modernização na execução, apesar de ter havido um parcial retorno ao medievalismo [03]. Este mesmo doutrinador ressalta ainda que, como obra de arquitetura jurídica, o Código de 1973 pouco deixou a desejar. Mas que, todavia, não manteve o contato imprescindível com as realidades do foro e da sociedade, ou seja, utilizou a técnica do direito processual com requintes de refinamento, não observando, entretanto, o risco de deixar-se aprisionar na teia das abstrações e perder o contato com a realidade do cotidiano.

A lei n. 11.232 consagra o abandono do sistema romano da actio judicati, com o retorno ao sistema medieval pelo qual a sentença habet paratam executionem. Este modelo, que foi inicialmente adotado na idade média, manteve o princípio romano da necessária precedência da cognição e da sentença condenatória; mas afastou (salvo casos excepcionais) a actio iudicati, possibilitando-se a execução da sentença simplesmente per officium iudicis, sem necessidade de uma nova demanda.

Tal modelo, o medieval, trouxe uma inovação, atribuiu à sentença condenatória uma eficácia nova e desconhecida em épocas anteriores, a de ser, por si só, suficiente para permitir a execução, sem necessidade de nova ação e novo contraditório. Foi o início do processo sincrético que, infelizmente, não perdurou até os dias de hoje e não era adotado no Brasil até o advento da lei 11. 232/2005.

No código processual de 1973, o credor insatisfeito de obrigação de pagar quantia era obrigado a bater duas vezes, como já foi dito, às portas da Justiça para cobrar um só e mesmo crédito: primeiro, pelo processo de conhecimento, obtinha a certeza de seu crédito, depois, com base na sentença e mediante um novo processo, chegava aos atos executórios. Incongruência esta que as leis de reforma do Código de Processo Civil (doravante CPC) vieram corrigir.

2.2. Reflexos da reforma na execução de quantia certa

Para as obrigações de pagamento por quantia, pela sistemática da nova lei, que entrou em vigor em 22 de junho de 2006, o art. 4º diz:

Art. 4º. O Título VIII do Livro I da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 -Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescido dos seguintes artigos 475-I, 475-J, 475-L,475-M, 475-N, 475-), 475-P, 475-Q e 475-R, compondo o Capítulo X - "DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA".

Observa-se que, com a reforma, todas as normas diretamente voltadas à efetivação do comando sentencial passam a integrar o Livro I, inserindo-se no processo de conhecimento; e para abrigá-las, é aberto um novo Capítulo, numerado como Capítulo X, eis que antecedido pelos enunciados pertinentes à liquidação da sentença, reunidos sob o Capítulo IX.

A nova denominação "cumprimento de sentença" não trouxe, em verdade, novo significado, pois o cumprimento da sentença continuará sendo execução (meio de tornar efetiva a sentença). Neste sentido, Didier Jr. (2007) assevera: -"há execução sempre que se pretender efetivar materialmente uma sentença que imponha prestação (fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia), pouco importa a natureza desta prestação" [04]. Esta mudança terminológica veio apenas para quebrar a imagem de processo autônomo, dando nova roupagem ao que agora é fase processual, não mais ação.


3. Os princípios do processo de execução revistos

O processo de execução, consagrado no código de processo civil de 1973, assentava-se, fundamentalmente, nos princípios: da autonomia, da nulla executio sine titulo, da tipicidade das medidas executivas, do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da máxima efetividade e da menor gravosidade. Estes dois últimos serão comentados em momento distinto. Preponderava, também, a regra pela qual o executado não poderia ser compelido diretamente ao cumprimento da obrigação, preferindo o sistema a prática de atos executivos tendentes à obtenção do bem devido independentemente de sua participação.

Tais princípios, tidos por tradicionais, vêm sendo gradativamente mitigados através das reformas sucessivas pelas quais tem passado o CPC brasileiro. Como exemplo, observa-se as ações executivas lato sensu, anteriormente consideradas meras exceções ao princípio da autonomia; de maneira semelhante, antes da reforma ocorrida em 1994 pouco se discutia a respeito do cabimento de medidas coercitivas tendentes a subjugar o executado, compelindo-o ao cumprimento da obrigação. Hoje, o princípio do sincretismo entre cognição e execução predomina sobre o princípio da autonomia.

A alteração estrutural do procedimento de execução de sentença, na obrigação de pagar quantia pecuniária, atualmente regulada pelo art. 475-J e seguintes do CPC encerrou um ciclo reformador iniciado há uma década. De acordo com a lúcida lição de Luiz Wambier; Teresa Wambier; José Medina (2006):

"com efeito, considerando que o direito processual deve se amoldar ao fim a ser alcançado, as soluções jurídicas estabelecidas pelo sistema processual aos direitos veiculados nas ações judiciais não poderiam se condicionar à observância de proposições teóricas de pouca ou nenhuma relevância prática" [05].

3.2. A unificação procedimental

A primeira alteração relevante, decorrente do art. 475-J do CPC, está na eliminação da separação entre processo de conhecimento e de execução, já que as tutelas condenatória e executiva passam a realizar-se no mesmo processo. Houve, portanto, uma unificação procedimental entre a ação condenatória e de execução, quanto ao cumprimento de sentença que reconheça a existência de obrigação de pagar quantia certa.

Em verdade, o novo dispositivo veio a corrigir um contra-senso existente no processo civil brasileiro. Mesmo antes da reforma ora em comento, a execução da decisão que antecipa os efeitos da tutela (tutela antecipada) realiza-se no mesmo processo em que a decisão foi proferida, ou seja, no processo de conhecimento, enquanto que, para executar a sentença final que a confirmasse, ter-se-ia que instaurar um novo processo.

A regra unificadora veio, sem dúvida, tornar o processo de execução não apenas mais célere, mas também mais acessível ao jurisdicionado, uma vez que este não terá que constituir novo advogado nos autos, ou renovar-lhe o contrato, haja vista tratava-se de novo processo, nem tampouco pagar novas custas processuais (menor onerosidade).

3.3. Da desnecessidade de citação do réu

Outra alteração significativa é que, em decorrência de não ser iniciado um novo processo, não há mais a necessidade de citação do réu. Neste ponto, surge uma grande divergência doutrinária quanto à necessidade ou não de intimação do réu sobre o conteúdo da sentença condenatória para que possa se iniciar o prazo para o chamado "cumprimento espontâneo da sentença", sob pena da multa coercitiva de 10% que incidirá sobre o valor do débito. Ressalte-se que não há qualquer previsão legal sobre a necessidade ou não de intimação para o cumprimento da obrigação de pagar, previsto em sentença transitada em julgado ou passível de recurso não dotado de efeito suspensivo.

Pode-se, entretanto, investigar o espírito da nova lei quanto aos atos processuais contraditórios, observando os demais chamamentos ao réu, como é o caso do parágrafo primeiro do art. 475-J que determina a simples intimação na pessoa do advogado após a penhora, que é ato de constrição no patrimônio do devedor, ou seja, dotado de certa gravidade. In verbis:

Art. 475-J(...).

§ 1º Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005). (grifo nosso).

Alguns processualistas, influenciados pelo apego às premissas dogmáticas antigas e sob o fundamento de que tal dispositivo fere o princípio do contraditório e o devido processo legal, defendem que o réu deve ser intimado pessoalmente da sentença e não na pessoa do advogado, como determina o espírito da reforma. Há, também, outras razões que os levaram a entender que existe obrigatoriedade de que esta intimação seja pessoal.

Um dos adeptos desse posicionamento é Evaristo Aragão Santos (SANTOS, 2006), que se baseia na existência da multa que será aplicada em caso de inadimplemento, ou seja, para ele o devedor deve ser intimado pessoalmente para cumprir a obrigação, sem o que não se lhe poderá imputar uma penalidade pelo inadimplemento [06], mas ressalta ainda que essa intimação poderá ser perfeitamente feita pelo correio.

Reforça este posicionamento, a opinião de Luiz Wambier; Teresa Wambier; José Medina (WAMBIER, WAMBIER, MEDINA, 2007, pág. 02) de que é necessária a intimação pessoal do devedor para que se inicie o prazo para o cumprimento da sentença, pois a "intimação se dá para que seja cumprido ato pela própria parte, independentemente da participação do advogado, sob pena de sanção pecuniária que será suportada pela própria parte " [07]. Afirmam ainda, a necessidade de se distinguir os atos processuais que exigem capacidade postulatória dos atos materiais de cumprimento da obrigação. Nestes últimos, devendo ser as intimações dirigidas às partes e não aos advogados.

Tal entendimento não se coaduna com a busca da celeridade e da efetividade processual trazidas pela reforma do sistema jurídico-processual. Como já se afirmou, de nada adianta modificar a norma positiva sem se modificar o modo de vê-la. Pois, como brilhantemente afirma o mesmo José Medina (MEDINA, 2004, pág. 25):

"Os problemas surgidos após as reformas realizadas a partir de 1990 do sistema jurídicoprocessual evidenciam que sua análise exige do processualista um novo modo de pensar, distinto daquele apegado a premissas dogmáticas antigas, que influenciavam o sistema jurídico de outrora. Por isso, não é possível analisar um problema ‘novo’ valendo-se de uma metodologia ‘antiga’, assim como não se pode empregar os antigos conceitos jurídicos para explicar os novos fenômenos. Esta opção metodológica tem o grave defeito de, ao invés de elucidar os problemas, turvá-los, transmitindo a falsa idéia de que não houve alguma transformação ou evolução no direito processual civil". [08]

3.4. Da necessidade de intimação

Diferentemente do posicionamento supra mencionado, mas ainda defendendo a necessidade de intimação, e, portanto, não admitindo a aplicação automática da multa pelo inadimplemento, porém com entendimento intermediário, isto é, ponderando que a intimação é primordial, mas que deve ser feita por meio de publicação na imprensa oficial ou qualquer outra forma idônea prevista em lei, na pessoa do advogado constituído nos autos e não diretamente à parte, estão alguns doutrinadores, dentre eles Daniel Amorim Assumpção Neves, Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery, Antonio Notário Junior e Gilberto Gomes Bruschi.

O argumento dos que defendem a necessidade de intimação pessoal, de que, por se tratar de obrigação personalíssima, a qual cabe apenas à parte cumprir, não seria plausível que a intimação se aperfeiçoasse na pessoa de seu patrono, não deve prosperar. É dispensável a intimação pessoal, pois mesmo tratando-se de ato que deve ser praticado pela parte, esta necessita do acompanhamento de seu advogado para a elaboração do cálculo e comprovação do pagamento perante o juízo em que tramita o processo. Ademais, na sistemática do CPC (nova ou antiga), em qualquer processo, após a citação do réu, este será intimado dos demais atos processuais sempre na pessoa de seu advogado. Em mera decorrência de o advogado possuir capacidade postulatória.

Será, entretanto, intimado pessoalmente quando a lei taxativamente assim exigir, o que não é o caso do art. 475-J do CPC, que, aliás, nem menciona ser imprescindível a intimação para que se inicie o prazo para o pagamento da quantia objeto da condenação. Assim têm decidido, reiteradamente, nossos tribunais. Se a intenção do legislador e da reforma fosse pela necessidade de intimação pessoal, a teria previsto no art. 475-J do CPC. Ao contrário, não previu qualquer forma de intimação, que em tese seria esta até mesmo dispensável. Contudo, por excesso de preciosismo e para não esbarrar em óbice de natureza constitucional, que arranhe os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, bastaria que se adotasse o posicionamento aqui sustentado, segundo o qual a parte seria apenas intimada na pessoa de seu procurador constituído nos autos.

Malgrado possa-se afirmar que a falta da intimação pessoal do executado possa gerar incertezas e acarretar certa insegurança jurídica, na medida em que haveria apenas presunção de que a parte saiba do início do prazo para satisfazer a obrigação, não se deve buscar incessantemente por certezas processuais. Tal atitude desembocaria no travamento e no caos do próprio procedimento, sendo altamente prejudicial, "não se devendo pôr o princípio da segurança em posição tão elevada a ponto de comprometer a prestação jurisdicional, afrontando inclusive o princípio da inafastabilidade da jurisdição" [09].

Esta também é a posição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (NERY Jr, NERY, 2006, pág. 641):

"A intimação do devedor deve ser feita na pessoa de seu advogado, que é o modo determinado pela Reforma da L 11232/05 para comunicação do devedor na liquidação de sentença e na execução para o cumprimento da sentença. A intimação do advogado do devedor, que se faz, de regra, pela imprensa oficial, para o cumprimento do julgado é ato de ofício do juiz, em decorrência do impulso oficial do CPC, art. 262. Outra forma que pode ser adotada para a intimação do devedor é o juiz, no dispositivo da sentença, determinar algo como: ''transitada em julgado, intime-se o devedor, na pessoa de seu advogado, para pagar em quinze dias, sob pena de multa de 10% sobre o valor da condenação''. Pode fazer isso porque é providência que deve ser tomada ex officio" [10].

Seria, por fim, demasiadamente ingênuo concluir que alguém que acaba de passar por um processo de conhecimento e que teve contra si uma sentença condenatória, não possa vislumbrar que deve cumprir com sua obrigação ou que será, muito provavelmente, compelido a fazê-lo através de procedimento executório.

3.5. Da multa executiva coercitiva

Mais uma inovação estrutural importante diz respeito à multa de 10% sobre o valor da condenação. Trata-se de execução indireta da sentença, medida executiva coercitiva ope legis, já que o descumprimento da obrigação reconhecida na sentença condenatória acarretará a incidência da multa do art. 475-J. A referida multa atua como medida executiva coercitiva, e não como medida punitiva. Podendo inclusive ser cumulada com a multa do art. 14, V do CPC, que se destina a punir quem comete atos atentatórios à dignidade da justiça.

A multa do art. 475-J, após a já referida intimação do réu sobre o teor da sentença, e, expirado o prazo de 15 dias, incidirá automaticamente sobre o valor da condenação, não sendo necessária qualquer manifestação do autor. Incide, aqui, o princípio da tipicidade das medidas executivas, segundo o qual é a norma, e não o juiz, que estabelece quais medidas executivas devem incidir no caso.

Observa-se, entretanto, que a multa de 10% não é absoluta. Havendo casos em que ela não poderá incidir, ou seja, quando o cumprimento imediato da obrigação pelo réu seja impossível, ou muito difícil, causando-lhe gravame excessivo e desproporcional. Exemplo disso é o caso em que o valor da condenação seja maior que o patrimônio do réu, ou que seus bens estejam indisponíveis. Tais circunstâncias podem operar como excludentes, desde que o réu demonstre que o descumprimento da sentença decorre de fato alheio à sua vontade.

3.6. A sentença na nova execução de título judicial

Não sendo cumprida a obrigação no prazo de 15 dias, o credor poderá requerer a realização da execução. Incide, neste caso, o princípio dispositivo, pelo qual não cabe ao juiz, de ofício, determinar a realização de atos de constrição no patrimônio do devedor. O início dos atos expropriatórios, tais como a penhora e a arrematação, são condicionados, pelo art. 475-J, ao requerimento do credor. Portanto, apesar da unificação entre os procedimentos de cognição e executório, "a sentença mantém aspecto peculiar que a caracteriza como condenatória: o de depender, para a realização dos atos executivos, de requerimento realizado posteriormente ao seu proferimento pelo credor" [11].

A doutrina não é unânime ao classificar a sentença na nova execução de título judicial, havendo quem defenda até mesmo a existência de eficácia dúplice, como assevera Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina:

"A sentença prolatada ex vi do art. 475-J do CPC, deste modo, é dotada de duas eficácias executivas distintas: é sentença imediatamente executiva no que respeita à incidência da medida coercitiva; é sentença meramente condenatória, logo, mediatamente executiva, em relação à realização da execução por expropriação."

Ada Pellegrini Grinover (2006), comentando a lei 11.232/2005, afirma que não sobra mais espaço, no âmbito do novo sistema processual civil brasileiro, para as sentenças condenatórias puras, restritas agora ao processo trabalhista. Sendo as sentenças em execução por quantia agora consideradas executivas lato sensu. [12]

Quanto à indicação de bens a serem penhorados, houve também, importante modificação. De acordo com o disposto no § 3º do art. 475-J, há uma inversão de valores, que dá ao credor, e não mais ao devedor, o direito de indicar os bens a serem penhorados. Assim, evita-se que o devedor indique bens de difícil alienação ou de propriedade questionada, como meio procrastinatório ou visando a tornar infrutífera a execução.

A jurisprudência é uniforme no sentido de que a ordem dos bens nomeados à penhora, a que se refere o art. 655 do CPC, não é absoluta e não precisa ser obedecida a todo custo nem pelo exeqüente nem pelo executado. Cabe ao juiz, ponderando os princípios da máxima efetividade (CPC, art. 612) e da menor gravosidade (CPC, art. 620), determinar o bem que sofrerá a penhora.

3.7. O fim dos embargos à execução

Os embargos à execução na execução de título judicial foram abolidos.Tal ação deu lugar a um procedimento mais simplificado de mera impugnação. Ora, se a execução não mais tem caráter de ação autônoma, conseqüentemente os embargos à execução também deveriam sofrer a mesma alteração. Inovou a reforma, também, ao estabelecer que, em regra, a impugnação não suspenderá a execução, salvo se presentes os requisitos do art. 475-M do CPC.

Antes da reforma, vigorava no direito brasileiro, a regra segundo a qual os embargos à execução seriam sempre recebidos com efeito suspensivo. Buscava-se, com isso, privilegiar a "segurança do juízo", mas o que se observou foi, pelo contrário, a insegurança de execuções insatisfatórias tanto para o credor como para o devedor. Tal situação, estabelecida de modo abstrato pelo legislador, criou uma estrutura fechada e rígida que não admite que o juiz pondere os bens em jogo de acordo com as necessidades reais da causa.

A estrutura imposta pela antiga disciplina do CPC conduzia a uma extrema ineficácia da execução. Uma vez que os embargos, mesmo que manifestamente improcedentes e fundados em orientação jurisprudencial e doutrinária há muito tempo ultrapassada, suspendiam, ope legis, a execução.

A impugnação implementada pelo art. 475-M, que veio a substituir os embargos, não possui efeito suspensivo, exceto quando o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar grave dano de difícil ou incerta reparação. Sendo, entretanto, lícito ao exeqüente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos.

O credor, ao requerer a realização da execução, poderá também, além de indicar os bens sobre os quais recairá a penhora, poderá estimar o seu valor. Caso o executado concorde com o valor atribuído ao bem, será desnecessária posterior avaliação por assistente do juiz. O bem poderá também, na redação do art. 475-J, § 2º, ser avaliado por oficial de justiça.


4. A supremacia da efetividade

A busca do equilíbrio entre a máxima efetividade e a menor gravosidade ao executado têm sido a tônica do processo de execução. Excluindo-se desta discussão as peculiaridades do caso concreto, que imprescindivelmente devem ser analisadas pelo juiz na busca deste equilíbrio, pode-se dizer teoricamente que nunca se conseguirá atingir o perfeito equilíbrio. Esperar que a balança da justiça possa dar o mesmo peso e ponderar na mesma medida tais preceitos seria ignorar a sua falibilidade. Observando que a balança sempre penderá mais para um lado que para o outro, deve-se buscar pender sempre para o lado da maior eficácia. Sabe-se que o réu na execução, bem como em qualquer processo, já conta com uma aliada forte e silenciosa, que pesará sempre a seu favor na balança da justiça, que é a notória e conhecida morosidade da justiça. Desta forma, não se poderia vislumbrar um equilíbrio processual desconsiderando tão importante elemento.

Em alguns ramos do direito, como o direito do trabalho e o direito do consumidor, utiliza-se de preceitos que, à primeira vista, poderiam ser considerados discriminatórios. Exemplo disso é o princípio da maior proteção ao trabalhador ou a imposição de responsabilidade objetiva ao fornecedor nas relações de consumo, nestas situações, se privilegia uma das partes da relação processual, reconhecendo sua hipossuficiência. Assim, poder-se-ia vislumbrar, mesmo que em proporções muito menores, uma situação de natural desvantagem, e até mesmo hipossuficiência do credor em relação ao devedor, ante a tradicional lentidão do judiciário brasileiro e do sistema processual civil. Essa lentidão é que fomenta a impunidade e permite que o réu consiga protelar ad eternum o cumprimento de sua obrigação.

4.2. O princípio da efetividade

O princípio da efetividade da execução é um desdobramento do princípio da máxima utilidade da atuação jurisdicional, sintetizada na afirmação de que o processo deve dar a quem tem direito tudo aquilo e exatamente aquilo a que tem direito, confundindo-se com o próprio escopo de um sistema jurídico, qual seja o de efetivamente fazer justiça. Este princípio decorre também do princípio constitucional que garante a inafastabilidade da adequada tutela jurisdicional. O princípio da efetividade também está intimamente ligado ao direito à razoável duração do processo, haja vista que a efetividade requer não apenas a satisfação de um direito, mas também a sua efetivação em tempo razoável. Apesar de sua grande importância, o princípio da efetividade tem sido escanteado pelos doutrinadores e aplicadores do direito que, na busca do equilíbrio, acabaram por privilegiar o princípio do menor sacrifício do executado de maneira irrazoável.

O princípio da menor onerosidade ou gravosidade da execução surgiu com a humanização da antiga execução romana, na qual o devedor era tido por infame e sacrificado muito além do valor de sua dívida. É decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, devendo-se, na execução, preservar o patrimônio e a dignidade do devedor.

"O disposto no art. 620 do Código de Processo Civil situa-se no contexto de um estágio evoluído da execução civil, cuja história bi-secular mostra a caminhada de um regime extremamente severo e intolerante, vigente entre os romanos do período pré-clássico (antes do século II a.C.), no sentido de uma humanização compatível com os fundamentos político-filosóficos do moderno Estado-de-direito democrático." [13] (DINAMARCO, 2007, p.295).

Ao lado dos direitos da personalidade, que em si nada têm de patrimonial, existe na doutrina e jurisprudência brasileira uma crescente tendência no sentido de garantir um mínimo patrimonial indispensável à efetividade desses direitos. Para que a pessoa física não fique privada de uma vida digna ou para que a pessoa jurídica possa também sobreviver. Neste sentido, ressalta-se que não deve haver retrocessos que possam vir a privar o devedor de sua dignidade ou de seus direitos fundamentais. O grande cerne da questão é encontrar a medida razoável e eficaz que deve conduzir à justiça e coibir os abusos do direito de defesa na execução.

4.3. O desvirtuamento de valores

Apesar da tão antiga busca pelo equilíbrio entre os citados princípios na execução, o que se tem visto na prática é um desvirtuamento de valores, uma distorção que levou a uma patologia no sistema processual brasileiro, o surgimento de um novo direito para o devedor, o "direito de inadimplir", de protelar eternamente e criar empecilhos ao cumprimento da execução. Cândido Rangel Dinamarco (2007), comentando a busca pelo equilíbrio entre efetividade e preservação da dignidade do devedor, alerta que não se deve abrir espaço para exageros nem aceitar que estes possam conduzir ao comprometimento da efetividade da tutela executiva em nome de um suposto direito do devedor a resistir incontroladamente ao exercício da jurisdição.

Desta forma, deve-se priorizar a busca da efetividade na interpretação e aplicação do novo processo civil executório, para que possa haver verdadeiramente equilíbrio na execução. O verdadeiro equilíbrio impõe não crucificar o devedor, principalmente aquele desventurado e de boa-fé que simplesmente não paga porque não pode; nem também relaxar o sistema e deixá-lo nas mãos de chicanistas que se escondem e se protegem sob o manto de regras e sub-regras processuais e garantias constitucionais manipuladas para favorecê-los em sua obstinação a não adimplir.

À luz do princípio da máxima efetividade, deve-se considerar que atenta contra o exercício da jurisdição, devendo incidir a multa do art.14, V do CPC, os casos em que: o devedor, tendo dinheiro ou fundos depositados ou aplicados em banco, não paga desde logo quando intimado a fazê-lo em cumprimento a sentença condenatória civil ou quando citado no processo executivo por título extrajudicial; aquele que, tendo bens responsáveis (penhoráveis), não os nomeia à penhora e, principalmente, aquele que oculta bens para que não sejam penhorados ou deixa de indicar onde se encontram. Estas duas últimas condutas são atentatórias à dignidade da justiça (art. 600, II e IV do CPC), permitindo a imposição cumulativa de multas.

Não é dado ao devedor resistir indefinidamente à execução, nem se utilizar de todos os meios procrastinatórios possíveis, abusando de recursos e ardis. Não é lícito ao devedor protelar para ganhar tempo à espera de melhores oportunidades ou para pagar mais comodamente às custas do cansaço e sofrimento do credor, nem fazê-lo com o fito de forçar o credor a aceitar um acordo que lhe seja manifestamente desfavorável. Estes comportamentos não podem, de forma alguma, deixar de ser vistos como litigância de má-fé pelos juízes e tribunais deste país. É imperioso que os aplicadores do direito tenham uma visão mais comprometida com a justiça e combatam fortemente certos entraves absurdos à efetivação da tutela jurisdicional, em prol da moralização do processo executivo e de sua severíssima condução com vista aos resultados a obter.

Por fim, na impossibilidade de se encontrar um equilíbrio, mesmo que pífio, e se tiver que sacrificar muito uma das partes no processo, sem um meio termo possível, que se sacrifique o devedor, porque não seria legítimo deixar desamparado aquele que prestou um serviço, que sofreu um dano, que empobreceu às custas do enriquecimento ilícito de outrem.


5. Considerações finais

O processo civil passa por um momento de busca de sua própria identidade, e de construir um novo modelo mais eficaz e adequado às novas realidades sociais. Como instrumento que é para o fim de solucionar conflitos e alcançar a paz social, o direito processual deve acompanhar as mudanças sociais e evoluir com elas. Inúmeros são os problemas que o assombram, e o maior deles é o tempo, um inimigo silencioso que corrói direitos, prolonga injustiças e contra o qual o juiz deve travar uma guerra sem tréguas.

Houve muitos movimentos renovadores do processo civil ao longo da história. No começo do século XX, o austríaco Franz Klein (apud DINAMARCO, 2007) já combatia fortemente os formalismos exagerados em sua busca por um processo civil mais simples, econômico, rápido e acessível aos pobres. Houve ainda o modelo de Stuttgart, fruto de uma verdadeira revolução judicial encetada com vista a um processo célere, coexistencial e deformalizado, conduzido com a preocupação pela celeridade e aderência às necessidades do jurisdicionado.

A metodologia processual iniciou uma grande guinada com o movimento intitulado Projeto Florença, encabeçado por importantes juristas, como Mauro Cappelletti (apud DINAMARCO, 2007), que repudia o positivismo jurídico e proclama que o acesso à justiça é o mais elevado e digno dos valores a cultuar no processo. Dinamarco (2007) também encabeça essa idéia, de que "a solene promessa de oferecer tutela jurisdicional a quem tiver razão é ao mesmo tempo um princípio-sintese e o objetivo final, no universo dos princípios e garantias inerentes ao direito processual constitucional" [14].

No Brasil, as reformas do Código de Processo Civil começaram um movimento de tentativa de desburocratização da lei processual e agora se propõe a uma ampla revisão de todo o sistema, como é o caso da lei 11.232 de 2005, instituidora de um novo modelo de execução (ou cumprimento) das sentenças. Em verdade, muitas coisas vêm mudando no processo brasileiro, resta saber se estas reformas serão capazes de produzir os resultados esperados. Infelizmente, ainda não se pode dizer que se tenha chegado a resultados satisfatórios.

O que falta agora, diante da reforma do legislador, são mudanças doutrinárias no sentido de reler os princípios já consagrados e até de abandonar os velhos dogmas herdados ao longo de tradições seculares. Já começaram a surgir, na doutrina, propostas modernas e quase heterodoxas, mas que são muito bem-vindas. Afinal, para evoluir é preciso ter a coragem de inovar, estar aberto ao novo, pensar imbuído de um pouco de criatividade e idealismo. Aos poucos, algumas idéias novas vão se difundindo e ganhando credibilidade na comunidade jurídica, foi assim com a desconsideração da pessoa jurídica, que hoje tem acento no novo código civil, a súmula vinculante, proposta revolucionária que ainda encontra resistências, bem como a relativização da coisa julgada.

É natural e sadio que haja resistência a propostas inovadoras, especialmente quando se pensa em mudar substancialmente o modo de ver e ser das coisas na ordem jurídica. O direito positivado e praticado pelos tribunais, que vem sempre a reboque das mudanças sociais, políticas e econômicas, ou das exigências surgidas em conseqüência dessas mudanças, não deve ser submetido bruscamente a transformações que depois podem revelar-se inadequadas. Mudanças significativas exigem sempre uma sensata maturação das idéias, o que sempre leva tempo.

O grande objetivo das reformas por que passou o Código de Processo Civil foi o de aceleração da tutela jurisdicional e, como postura metodológica predominante, a disposição de se libertar de poderosos dogmas entranhados na cultura processualística ocidental ao longo dos séculos. O conceitualismo exagerado que dominou a ciência do processo a partir do século XIX e a intensa preocupação garantística que aumentou na segunda metade do século XX haviam levado o processualista a mergulhar num mar de princípios, de garantias tutelares e de dogmas que, concebidos para serem fatores de consciência metodológica de uma ciência, acabaram por se transmudar em grilhões de uma verdadeira servidão. Pois em nome dos elevados valores dos princípios do contraditório e do due process of law, incitaram-se formalismos que entravam a máquina e abriram-se espaço para a malícia e a chicana. Garantias como a do juiz natural e do duplo grau de jurisdição foram levadas ao extremo.

Os doutrinadores e aplicadores do direito tem que perceber que todos esses princípios e dogmas não são irremovíveis nem absolutos e, se assim tomados, ao invés de servirem para iluminar e nortear o sistema, irão concorrer para uma justiça morosa e insensível às realidades sociais e às angústias dos jurisdicionados.

Por fim, o papel de todos que atuam na justiça, em vista da reforma, é o de adotar essa premissa metodológica, de desfazer dogmas e ler os princípios sob um prisma evolutivo, o que não significa renunciar a eles. Para isso, todos os princípios e garantias constitucionais devem ser considerados como promessas da obtenção de resultados justos, sem receber o culto formalista que desfigura o sistema. É necessário, também, que eles sejam interpretados sistematicamente e em consonância com os valores vigentes ao tempo da interpretação. E, muitas vezes, será preciso sacrificar a pureza de um princípio, como meio de oferecer tutela jurisdicional efetiva e suficientemente tempestiva; bem como ler uma garantia constitucional à luz de outra, ou outras, sob pena de se conduzir o processo e os direitos pelos rumos errados que levam ao injusto.


REFERÊNCIAS

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Notas

01 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro. Artigo Divulgado no site: www.mundojuridico.adv.br Pág. 2.

02 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil.São Paulo, 2007. Malheiros Editores. Pág.23.

03 CARNEIRO, Athos Gusmão. Do ‘cumprimento da sentença’, conforme a lei 11.232/2005. parcial retorno ao medievalismo? por que não? Material da 3ª aula da Disciplina Teoria Geral do Processo e Recentes Inovações Legislativas: grandes transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual: grandes transformações – UNAMA – UVB – REDE LFG.

04 DIDIER, Fredie.Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador, 2007. Editora PODIVM.

05 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil, II: Leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006 e 11.280/2006 / Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier, josé Miguel Garcia Medina. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

06 Breves comentários sobre o "novo" regime do cumprimento da sentença. In: HOFFMAN e RIBEIRO (Coord.). Processo de execução civil – modificações da Lei 11.232/05. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 27 e 28.

07 Sobre a necessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC (inserido pela Lei 11.232/2005). Disponível no site: <http://www.tex.pro.br/wwwroot/00/060610sobre.php>. Acesso em: 14 de agosto de 2007.

08 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução Civil, 2ª ed.São Paulo, 2004. Editora Saraiva. Pág. 25.

09 NEVES; RAMOS; FREIRE. Reformas do CPC. São Paulo: RT, 2006. p. 216-218.

10 NERY Jr., Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 9 ed. São Paulo: RT, 2006. p. 641.

11 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil, II: Leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006 e 11.280/2006 / Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

12 GRINOVER, Ada Pellegrini. Cumprimento da sentença. In: BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Execução Civil e cumprimento da sentença. São Paulo: Método, 2006, p. 13-20. Material da 1ª aula da Disciplina Teoria Geral do Processo e Recentes Inovações Legislativas: grandes transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Processual: grandes transformações - UNAMA–UVB–REDE LFG.

13 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil.São Paulo, 2007. Malheiros Editores. Pág. 295.

14 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil.São Paulo, 2007. Malheiros Editores. Pág. 21.