A função social do contrato e a crise do individualismo


PorJeison- Postado em 20 setembro 2012

Autores: 
SANDES, Hyran Ferreira.

 

RESUMO: O desenvolvimento humano foi baseado primordialmente nas relações interpessoais e os contratos tiveram fundamental importância para fortalecer essas relações. Hoje, o que parecia ser exclusivo da relação particular, não é mais, e é sobre essa mudança que o presente trabalho tratará. Baseado em fontes doutrinárias e legais, mostra o papel do contrato nesse novo cenário.

PALAVRAS-CHAVE: contrato; relações; particular; mudança.


1 – INTRODUÇÃO   

            Desde a antiguidade, o homem vem guiando a sociedade e desenvolvendo-a de maneira “correta”. Através do poder de se relacionar e de formar pensamentos, criou ideologias (capitalismo, por exemplo) que aos poucos, de maneira perversa e intrínseca, desenvolveram o desejo pelo consumo. O consumismo aliado à tecnologia tornou o homem um ser altamente materialista e para facilitar o relacionamento e a negociação deles (homens) diante dos objetos de desejo, surgiu o contrato.

            Com a influência forte do Liberalismo, o contrato sempre teve um aspecto individual, gerando mudança de estado econômico interpartes, e durante séculos foi orientado pelo direito privado, baseando-se em princípios como o da relatividade dos efeitos contratuais, o da liberdade contratual e o da obrigatoriedade de seu cumprimento. Porém, o Estado foi, aos poucos, tomando corpo e controlando todos os setores da administração e é com a sua influência na seara econômica, que o individualismo dos contratos começa a entrar em crise. A convivência social e o interesse público passam a ser mais efetivos em todos os aspectos e nesse novo cenário, o princípio da função social do contrato surge como resposta à necessidade de mudança.  

2 – A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

            O contrato, como assevera Victor Eduardo Rios Gonçalves é uma relação entre partes de prestações recíprocas.

O contrato corresponde ao vínculo obrigacional existente entre duas partes, em que uma deve prestação à outra, e esta, em contrapartida, deve à primeira um contraprestação, ou seja, o contrato é um acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir direitos (GONÇALVES. p. 103. 2010).

            Esse conceito, desenvolvido mais recentemente, sempre lastreou as relações contratuais e ainda as fundamenta. No ramo privado o contrato sempre foi uma relação particular e sua principal função era, e ainda é, a circulação de riquezas no âmbito social, pois, através dele as partes alteram (e para tanto o buscam) a sua situação econômica, seja pela dívida ou pelo crédito. Nesse sentido, a função primordial do contrato é a econômica e como tal, não vincularia terceiros na relação, afinal a alteração patrimonial era restrita aos contraentes que agiam amparados pelos princípios (só agora tratados legalmente) da autonomia da vontade e da liberdade de contratar.

            Durante muito tempo, a relação contratual foi vista dessa forma, mas, a partir do Estado Democrático de Direito e da ampliação de sua atuação no meio social, aliados ao senso de coletividade e ao interesse público, a idéia foi sendo alterada e o papel do Estado foi preponderante para tanto. A autonomia da vontade trazia às partes um poder exclusivo e se começou a questionar sobre a possibilidade de alteração, também, na esfera do terceiro não envolvido. O contrato poderia tomar rumos distintos do qual se propunha e acabaria prejudicando direito alheio pelo abuso da liberdade de contratar como, por exemplo, através do ajuste de contrato simulado para prejudicar terceiros ou do exercício da concorrência desleal, dentre outros.

            Uma nova interpretação começou a ser feita e com ela, emerge o cargo chefe da intervenção estatal nos contratos, qual seja o Princípio da Função Social do Contrato amparado pelo novo Código Civil de 2002, que, abrindo um capítulo dedicado à teoria geral dos contratos, consagrou esse importante preceito, nos seguintes termos: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” Como afirma Humberto Theodoro Júnior:

Trata-se de preceito que...procura a integração dos contratos numa ordem social harmônica, visando impedir tanto aqueles que prejudiquem a coletividade quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas...Logo só se pode pensar em função social do contrato, quando este instituto jurídico interfere no domínio exterior aos contratantes, isto é, no meio social em que estes realizam o negócio de seu interesse privado (JÚNIOR. p. 12 e 13. 2008).

            É importante observar que com a efetividade do princípio acima mencionado, a autonomia privada não desaparece, mas, é limitada no seu efeito. Nesse aspecto, a intervenção do Estado no processo econômico então, vem harmonizar a esfera do individual com o social, através primordialmente, da função social do contrato.

            Outro aspecto preponderante a se observar é que mais um princípio que vem a ser mudado no que diz respeito à sua interpretação, é o da relatividade dos efeitos contratuais, qual seja o princípio em que diz vincularem-se apenas as partes da convenção, seja beneficiando ou prejudicando. Nesse ponto, é clara a força da função social do contrato perante tal princípio específico da relação individual.

A nova função social atribuída ao contrato contrapõe-se, principalmente, ao princípio da relatividade – o qual, numa visão hoje questionada, postula o isolamento da relação contratual, circunscrevendo seus efeitos apenas aos contratantes. Em contraposição à concepção individualista, o princípio da função social serve como fundamento para que se dê relevância externa ao crédito, na medida em que propicia uma apreensão do contrato como fato social, a respeito do qual os chamados terceiros, se não podem manter indiferentes (JÚNIOR. p. 15. 2008).

            Nesse liame, a função social vem se apresentar, não como meta ou objetivo do contrato, e sim, como limitação da liberdade de contratar, da autonomia da vontade e da relatividade do contrato. Isso quer dizer que não anula os princípios tradicionais, mas, os acresce para então, modernizá-los e adaptá-los a realidade.

            Foi de fundamental importância o surgimento desse preceito, afinal, como nas próprias relações empresariais, em que o contrato possui interesse estritamente econômico e é objeto de investimento, não há que se permitir (por mais que o contrato empresarial seja realizado apenas por empresários) que essa espécie de contrato viole o direito coletivo, seja com o sofrimento do consumidor, dos próprios empresários ou do sistema econômico como um todo.

3 – CONCLUSÃO

            Os direitos coletivos amparados pelo Estado Democrático de Direito e regulamentados pela Constituição da República, são iminentes à realidade e de forma imprescindível perfazem as relações interpessoais de hoje. Eles têm fundamental importância para a democracia e no desenrolar das relações contratuais este preceito não seria indiferente e por isso, o princípio da função social do contrato surge como quebra de paradigma do contrato estritamente individual. È importante e correta a nova visão do contrato no meio social, pois realmente não há como concebê-lo para atender somente aos interesses das partes que o estipulam, porque essencialmente, amparado numa função social, está sempre ligado ao poder negocial que é uma das fontes do Direito, ao lado da legal e da jurisprudencial.  

            Dessa forma, através do princípio suscitado, os contratos não terão amparo unicamente de direito particular e a crise do individualismo se instala para que, na medida do possível, o interesse público se sobreponha ao interesse privado, não permitindo a violação daquele por causa desse.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JÚNIOR, Humberto Theodoro. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

FORRESTER, Viviane. O horror econômico. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1997.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. v. 3. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BRASIL, Código Civil: promulgado em 10 de janeiro de 2002. Obra coletiva de autoria da Editora Rideel com a organização de Marcos Antônio Oliveira Fernandes. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009.

REALE, Miguel. Função social do contrato. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em 01 de julho de 2012.

APOLINÁRIO, Marcelo Nunes & ABIB, Ângelo Reina. O principio constitucional da função social do contrato e sua aplicabilidade na órbita do direito civil. Disponível em: <http://www.eumed.net/rev/cccss/09/nara.pdf>. Acesso em 02 de julho de 2012.

Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.39426&seo=1