Função social do contrato: e a teoria do direito de Miguel Reale


Porbarbara_montibeller- Postado em 17 abril 2012

Autores: 
SALGADO, Gisele Mascarelli.

Resumo: Este trabalho pretende estudar a função social do contrato, no âmbito do Direito Civil, ressaltando a parte conceitual dada pelo novo espírito do Código Civil de 2002. Para isso destaca-se a obra filosófica de Miguel Reale para entender o papel da função social do contrato.

Sumário:  Introdução, 1. Mudança no Código Civil, 1.1. Mudanças sociais e mudanças de posicionamento do legislador, 1.2. Histórico dos projetos de alteração do Código Civil, 2.Posição do novo Código Civil e a Teoria do Direito de Miguel Reale, 2.1. O Direito como fato, valor e norma, 2.2. Direito e o Estado, 3. A evolução do Contrato, 3.1. Pilares contratuais tradicionais, 3.2. Pilares contratuais modernos, 3.2.1. A boa-fé objetiva, 3.2.2. Eticidade,  Socialidade e Operabilidade, 4. Da Função Social do Contrato, 4.1. Previsão legal brasileira da função social, 4.2. Previsão jurídica no direito comparado, 4.3. Classificação, 4.4. Natureza jurídica, 4.5. Críticas da doutrina, 5. A Função social do Contrato e sua utilização, 5.1. Aplicação, 5.2. Interpretação, 5.3.Opção Legislativa, 5.4.  Jurisprudência, 6. Função Social do Contrato no Direito moderno, 6.1. Funções do direito, 6.2. Bem comum orientando o Direito, Considerações finais,  Bibliografia.


 

Introdução

            A função social do contrato é um tema relativamente novo na doutrina, porém que vem sendo abordado repetidamente por grande parte dos estudiosos na tentativa de esclarecê-lo. Isso ocorreu em grande parte porque o legislador não trouxe pistas para como aplicar, nem a definição da função social do contrato.

            Este trabalho tem como objetivo primeiramente apontar as mudanças ocorridas na legislação e a identificação de alguns elementos da função social do contrato (conceitos, natureza jurídica, classificação, etc.). O segundo objetivo do trabalho é identificar como uma nova concepção de Direito é introduzida na legislação nacional, utilizando-se dos conceitos de Miguel Reale.

No que diz respeito à metodologia, no âmbito da doutrina foram utilizados os livros e em especial artigos, indicados na bibliografia. Para os estudos da obra de Miguel Reale foram privilegiados alguns livros, listados na bibliografia, devido à imensidão da obra do jusfilósofo brasileiro. Quanto à jurisprudência foi feita a pesquisa de julgados, em alguns tribunais para levantamento de casos em que foi aplicada a função social dos contratos.

Buscou-se tratar o tema de uma maneira diferente do que é comumente apontado na doutrina. Isso porque a abordagem feita por grande parte da doutrina é repetitiva, e em sua grande maioria tratam do tema a partir do histórico dos contratos. Optou-se por não entrar na longa discussão sobre a natureza jurídica da função social do contrato. Essa opção foi feita, pois discutir sobre cláusulas gerais eou princípios, não parece estar no cerne da mudança propiciada pela função social do contrato, mas sim na questão da função do direito, que é pouco tratada pelos autores.

A hipótese levantada pelo presente estudo é que a função social do contrato é um dos conceitos que introduz na legislação um outro conceito de Direito, que vai além do conceito positivista. Assim um autor como Miguel Reale que pensa o direito como fato, valor e norma; é interessante para discutir essa mudança e dar pistas para o conceito e para a utilização da função social do contrato.

Não foi abordada a questão da função social do contrato no âmbito do Direito do Consumidor, pois buscou-se um enfoque mais voltado para o âmbito do Direito Civil. Há sobre isso um bom número de trabalhos específicos sobre a função social do contrato no CDC e outros que traçam paralelo do conceito no CDC e no CC 2002. Evita-se com isso a repetição, buscando mais espaço para se discutir o que é a função social do contrato.

            O capítulo primeiro trata das mudanças do contrato no Código Civil de 2002. Procura esse capítulo apontar as mudanças sociais e de posicionamento do legislador, para que se chegasse à inovação trazida pelo conceito da função social do contrato. O capítulo ainda trás um histórico dos projetos de lei, anteriores ao novo Código Civil que já traziam a necessidade de reformulação do Código de 1916. Nesse capítulo procura-se focar as transformações sociais, econômicas e legislativas.

            O capítulo segundo procura apresentar um pouco da teoria do jusfilósofo brasileiro Miguel Reale, destacando sua importância como coordenador do projeto do Código Civil. Busca-se indicar brevemente o conceito de Direito trazido por Reale em algumas de suas obras, e a importância desse novo posicionamento para ter quebrado padrão positivista e kelseniano de se tratar o Direito. Essa posição é de extrema importância para se entender o papel da função social do contrato, em especial na legislação civilista.

            O capítulo terceiro busca fazer um breve relato da evolução do Contrato na legislação, fazendo um paralelo entre os pilares contratuais tradicionais e os pilares modernos. Busca-se assim destacar a mudança de paradigma ao se instalar um novo conceito de contrato, destacando a boa-fé objetiva e os valores sociais. Os valores trazidos são os apontados por Miguel Reale como fundamentais para a interpretação do Código Civil: eticidade, socialidade e operabilidade.

            O capítulo quarto tem com finalidade apresentar algumas características e elementos da função social do contrato. Para isso inicia-se apresentando a previsão legal da função social do contrato no Brasil, para depois passar para a previsão no direito comparado. Em seguida apontam-se classificações da função social do contrato e discute-se a natureza jurídica do conceito. Grande parte dos problemas relativos ao conceito da função social, decorre da natureza jurídica dada à função social do contrato. O capítulo termina com a crítica da doutrina.

            O capítulo quinto procura estudar a função social do contrato no campo prático, ou seja, apontar sua utilização. Para isso é abordada a aplicação, interpretação da função social do contrato. É apresentada a função social do contrato como uma opção do legislador, naquilo que se costuma chamar na doutrina de política jurídica. Por fim destaca-se a utilização do conceito em alguns casos apresentados por doutrinadores e pela própria jurisprudência.

            O sexto e último capítulo visa fazer uma discussão sobre a função social do contrato e o Direito na modernidade. Esse capítulo visa apresentar como a mudança no conceito de Direito, trouxe uma nova visão para toda a legislação e deve inaugurar uma nova maneira de abordar o direito.

1. Mudança no Código Civil

1.1.            Mudanças sociais e mudanças de posicionamento do legislador

A positivação do Direito que se intensificou no século 19 exigiu do legislador um papel ativo na atualização. Isso porque a sociedade se modifica e pede que as legislações acompanhem seu desenvolvimento alterando sua legislação. A codificação restringe a legislação a um tempo e espaço, limitando a sua atuação. Quanto maior a especificação da legislação quanto à conduta humana, maior a necessidade de alteração da legislação, uma vez que a conduta humana tem um caráter mutável, bem como os valores protegidos pela legislação.

O Código de Bevilaqua foi escrito em uma época em que a maioria da população brasileira estava no campo. Havia pouco desenvolvimento industrial, as cidades eram relativamente pequenas, a economia era regional, etc. Os valores elencados por essa legislação se pautavam principalmente na proteção da família e da propriedade.

O Código Civil de 1916 estava destinado a uma sociedade diferente da sociedade atual, em que há uma grande complexidade e rapidez nas relações contratuais. A necessidade de mudança foi sentida pela sociedade e diversos juristas buscaram modificar o código civil através de diferentes projetos, que culminou na aprovação do Código de 2002 coordenado por Miguel Reale.

Os contratos civis aumentam na quantidade, na rapidez de realização e na especificidade. Há mais sujeitos contratando e que muitas vezes não pode se pressupor que há uma paridade entre as partes contratantes, devido a hipossuficiência de uma das partes. Mais contratos também indicam que há uma possibilidade de mais problemas decorrentes do não cumprimento, má formulação ou mesmo de erros decorrentes de contrato. Apenas a função punitiva do direito não basta para coibir esses problemas.

O Código de Reale veio fornecer algumas respostas para esses problemas, elegendo novos valores e dando especial atenção para a busca de um bem comum. Há uma preocupação com a função social do Direito e não apenas a função punitiva ou repressiva, como as legislações anteriores apontando. Surgia uma necessidade de uma nova proteção e com isso a necessidade de um novo Direito.

1.2. Histórico dos projetos de alteração do Código Civil

Antes do Código de Bevilaqua figuraram no Brasil na legislação civil, as ordenações do reino (Manuelinas, Afonsinas, Filipinas) e leis coloniais esparsas. O Código de Bevilaqua foi inspirado na tradição do Código Alemão, porém levou muito da inspiração da codificação francesa, que tem por base o Código Napoleônico, que está calcado em preservar os contratos e a propriedade. O foco central do sistema jurídico estava nos códigos, em detrimento da Constituição. Porém isso sofreu uma brutal mudança na atualidade. 

            O projeto coordenado por Miguel Reale teve como antecessores alguns projetos que não foram implantados, porém que possibilitaram, alterações na postura que vinha do Código Bevilaqua.  A sociedade tinha se transformado e pedia uma nova legislação civil, que possibilitasse tratar de relações que não podiam ser previstas pelo legislador do Código de 1916.

            Uma das primeiras tentativas nesse sentido foi do anteprojeto do Código das obrigações de 1941, elaborado pelos professores Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo E Hahnemann Guimarães, como aponta Alencar no seguinte trecho:

Os juristas deram prioridade à matéria obrigacional em função da unificação dos preceitos que passariam a reger todas as relações de ordem privada. Caracterizam a proposição por uma defesa extrema de boa fé, pelo anseio de coibir os abusos egoísticos, e bela busca da verdadeira liberdade das partes na formação do vínculo e na execução, tendo em vista os interesses da ordem social. Nessa síntese entrelaçam-se a tônica filosófica e o cunho social sempre presente na edificação da comissão[1].

            O anteprojeto de Haroldo Valadão em 1942 visava alterar a lei de introdução do Código Civil, e trazia inovações na interpretação que deveria se pautar pela busca do bem comum, da justiça social e da equidade, sempre privilegiando uma posição não egoística[2]. O anteprojeto de Orlando Gomes de 1963 não tratou das obrigações. Foi o anteprojeto de Caio Mário da Silva Pereira o próximo a tratar das obrigações em geral, já com uma preocupação que social que se distancia do Código de 1916.

            O Código Civil sofre uma proposta de mudança ampla em 1965, estruturada no anteprojeto de autoria de Orlando Gomes. Essa mudança previa conjuntamente o estabelecimento de um Código das Obrigações. Por veto do poder Executivo à época, os projetos não se transformaram em lei[3]. Porém não se pode negar que a sociedade se modificava e necessitava de uma nova legislação. A legislação proposta parece ter sido afastada mais pelo momento histórico que o Brasil passava no regime ditatorial militar, do que pelos méritos do projeto. Finalmente o anteprojeto de Código Civil coordenado por Miguel Reale, é oferecido em 1972, depois de amplamente discutido na comissão nomeada três anos antes.

            Como bem aponta Renan Lotufo o anteprojeto do Código foi submetido ao público em 19 de março de 1973, revisto por comissão e apresentado ao Congresso. Na Câmara tomou a forma de projeto 634, sofrendo 1063 emendas. Foi para o Senado em maio de 1984, sendo denominado agora de projeto 118/84. Desta data até 1997 não houve tramitação no Senado e após essa data sofreu atualização com mais 332 emendas e nova apreciação da Câmara e Senado. A atualização foi feita pelo Senador Josaphat Marinho, membro do senado e professor de Direito Constitucional. Na Câmara o Deputado Ricardo Fiúza propôs reorganização e adaptação do Código de acordo com a Constituição de 1988[4].

            É possível de se analisar nesses anteprojetos citados uma crescente preocupação com a regulamentação dos contratos, e com a necessidade de se assegurar uma crescente proteção às partes. Há uma mudança de mentalidade do Código de 1916 que se evidencia no Código de 2002, que foi num crescente na alteração de valores do legislador. A valorização do social frente ao interesse privado e egoístico torna-se evidente.

2. Posição do novo Código Civil e a Teoria do Direito de Miguel Reale

O Código Civil de 2002 não é obra de uma só pessoa e sofreu influência de diversos juristas, doutrinadores, profissionais do direito e membros da sociedade. Destacam-se entre os juristas convocados para elaboração do Código: José Carlos Moreira Alves (Parte Geral), Agostinho Alvim (Direito das Obrigações), Silvio Marcondes (Direito da Empresa), Erbert Chamoun (Direito das coisas), Clóvis Couto e Silva (Direito de Família) e Torquato Tarso (Direito das Sucessões).

Assim o projeto do Código Civil era na sua origem um ser de várias cabeças, que sofreu ainda a interferência das inúmeras emendas a que foi submetido na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Porém regendo a orquestra das mônadas, como o deus leibniziano, estava Miguel Reale coordenando o projeto de renovação do Código Civil de 1916. É o próprio Reale quem afirma que o legislar não pode ser mais obra de um único legislador, como nos tempos da Ática clássica e que o Código Civil elaborado se caracteriza por ser uma obra transpessoal[5]

A influência de Reale é patente ao ditar muitas das posições e valores, escolhidos pelos grupos de juristas, para figurar na nova legislação. Em alguns pontos o Código novo apresenta mudanças interessantes que seguem a necessária atualização para os padrões da sociedade moderna. Por outro lado, o código novo repete muitas fórmulas já consagradas pela tradição que estavam presentes no Código de 1916.

Porém o novo Código Civil não deixa de ressaltar os novos valores que pautam a sociedade moderna brasileira. Reale destaca que a mudança dos valores no código é reflexo de uma mudança social. O Brasil do Código de 1916 não é o mesmo do novo Código Civil, e ficou evidente a necessidade de uma reestruturação para adequação.

 Essa mudança, como destaca o coordenador do projeto do Código, “assinala a passagem de um sistema de regras destinado a reger uma nação fundamentalmente agrária, à qual se destinava o Código de 1916, para uma estrutura cultural marcada por novos valores sociais, e pelas mais avançadas conquistas da ciência e da tecnologia”[6].

A obra de Miguel Reale aponta para um novo olhar sobre o Direito, que busca ir além da mera norma posta, integrando valores éticos na interpretação e na aplicação do direito, visando uma sociedade mais justa.  Uma breve análise de alguns pontos de sua obra é fundamental para identificar essa nova maneira de entender o Direito, que passa a figurar no novo Código Civil, e que irá motivar a positivação da “função social do contrato”.

2.1. O Direito como fato, valor e norma

Miguel Reale busca construir uma nova teoria do Direito, a partir de um ponto de vista humanista, incorporando novamente alguns elementos no conceito de Direito, que foram deixados de lado pela tradição positivista.  Hans Kelsen é um dos autores da tradição positivista com o qual Miguel Reale irá dialogar. Para o jusfilósofo austríaco o Direito em sua essência corresponde às normas do ordenamento jurídico. Não há espaço em sua teoria pura do direito, para elementos que são diferentes da norma, pois estes estariam contaminados por valores que não foram eleitos pelos legisladores.

Buscando um direito que pudesse ser utilizado como regras lógicas, Kelsen exclui do Direito qualquer elemento que possa ter intersecção como outras ciências como a sociologia, psicologia, antropologia, gnoseologia, etc. A opção de Kelsen é metodológica, voltada para o estabelecimento de uma teoria do direito e não da prática.

A reação a essa mais famosa posição positivista foi ampla, especialmente após a metade do século XX, com as guerras mundiais e a discussão de limites éticos. Ao Direito não era mais permitido permanecer apenas no campo da lógica. Em busca de uma cientificidade do Direito este fora despido de muitos elementos que faziam parte do próprio conceito de Direito.

Miguel Reale através de sua teoria busca colocar alguns desses elementos, que antes eram recorrentes na definição do Direito Natural e que foram abandonadas pelo positivismo. Em seu livro Fundamentos do Direito, Reale traça um panorama do direito enquanto doutrina filosófica. Analisa a Escola histórica que defende em regras gerais que o direito como fato histórico ou social; passando na seqüência para o pensamento de Jellinek que defende o direito como fato e norma.

Reale segue fazendo a crítica à Escola de Marburgo e em especial à Kelsen, quanto trata do direito como norma pura. O próximo movimento analisado é a Escola de Baden e o direito como fato cultural, para em seguida considerar o direito como fato institucional destacando Hauriou[7]. Reale visa com esse percurso apontar as escolas e as idéias dos jusfilósofos, buscando sempre um progresso científico que tende a chegar a uma teoria mais completa. Essa teoria é a teoria tridimensional do direito, que não se detém a apenas um aspecto, mas engloba os diversos aspectos que foram historicamente considerados na doutrina.

A teoria do Direito proposta por Miguel Reale é aparentemente de fácil compreensão, porém devido à apropriação de uma série de conclusões de outros filósofos e juristas, torna-se um palimpsesto difícil de desvendar. Tércio Sampaio Ferraz Junior aponta como influências de Reale:

(...) contribuições da jurisprudência sociológica de Ehrlich, Duguit, Roscoe Pound, os princípios exegéticos da escola da ‘livre investigação’ de Geny e do ‘Direito Livre’ da ‘jurisprudência axiológica’ de Westermann e Reinhardt que se propõe um reexame da antiga ‘jurisprudência dos interesses de Heck, sem falar do ‘realismo americano’, assim como da ‘lógica do humano e do razoável’.[8]

Uma análise pormenorizada de sua obra extrapola os objetivos desse trabalho, porém é importante analisar o que esse novo conceito de Direito leva a transformações que foram incorporadas como vigas mestras no Código Civil de 2002. A definição de Direito que se tornou clássica está expressa na sua Teoria Tridimensional do Direito, que diz que o direito não é apenas norma, mas sim possui três dimensões que se integram: fato, valor e norma.  O direito para Miguel Reale não se reduz as normas, pois ele é fruto da experiência jurídica.  Isso leva ao jusfilósofo brasileiro afirmar:

Todavia, o que me parece fora de constatação é que a Lógica Jurídica formal não cobre, nem pode cobrir, todos os momentos do processo normativo peculiar à experiência do Direito, quer no que se refere à gênese dos modelos jurídicos e suas mutações, por tratar-se de um sistema normativo dinâmico cheio de insurgências e recorrências; quer no tocante aos problemas de validade e eficácia; quer no concernente à sempre aberta captação hermenêutica de seus significados; quer quanto aos critérios de sua aplicação judicial...[9].

            O Direito visto como uma experiência tem relação com o que Reale, sob influência de Husserl chama de Lebenswelt, ou seja, o mundo da vida comum. O Lebenswelt é definido por Reale como um “complexo de formas de ser, de pensar e de agir não categorizadas... que condiciona, como consciência história transcendental, a vida comunitária e a vigência de suas valorações...”[10].  O Direito como parte da vida humana está inserido no Lebenswelt, sofrendo assim mudanças que são decorrentes deste último. Assim o Direito não se reduz a experiência, mas não pode ser bem compreendido sem esta. Reale em sua teoria Tridimensional do Direito que é construída a partir da Ontognoseologia jurídica, e se desenvolve em três linhas de estudos:

Deongologia Jurídica, estuda o direito segundo os seus pressupostos axiológicos; a Culturologia Jurídica estuda o direito segundo seus pressupostos ônticos; e a Epistemologia Jurídica ou Teoria transcendental da Ciência do Direito estuda o   direito segundo os seus pressupostos lógicos[11].

Outras teorias tridimensionais consideravam o direito nessas três dimensões, porém não de uma forma integrada, como faz Reale. O que torna sua teoria original é exatamente a dependência dos três elementos, como afirma o jusfilósofo:

Em suma, a minha tese é a de que fato, valor e norma são dimensões do direito, o qual é, desse modo insusceptível de ser partido em fatias, sob pena de comprometer-se a natureza especificamente jurídica da pesquisa[12].

Assim para Reale não há uma oposição entre essas três esferas em que o Direito se insere, mas sim uma complementaridade. O mundo da cultura e o mundo da natureza não se opõem, mas se complementam porque existe o espírito humano. Desse modo Reale pretende superar o idealismo dos jusfilósofos anteriores, instaurando um culturalismo. Nas palavras do próprio Reale:

A nossa concepção culturalista do Direito pressupõe, entretanto, o abandono da antítese entre ser e dever-ser, o que não era possível alcançar no campo do idealismo. O nosso culturalismo desenvolve-se no plano realista e assenta-se sobre a consideração de que a pessoa humana é o valor fonte e que são os valores que atribuem força normativa aos fatos. Assim sendo, o Direito é uma ordem de fatos integrada em uma ordem de valores, sendo objeto de estudo ao mesmo tempo da Jurisprudência e da Sociologia Jurídica[13].

A função social do contrato parece estar inserida na teoria do Direito de Miguel Reale, no que se refere aos valores, ou seja, tem natureza axiológica e está ligado à hermenêutica jurídica. Reale destaca algumas características do ato interpretativo, dentre elas: que é condicionado pela história e pela sociedade, atualiza e renova o texto normativo integrando fatos segundo valores; tem um sentido existencial.

É importante considerar o Código Civil como um todo e não apenas os artigos que o compõem, isso porque há uma diretriz ditada pela legislação, que é fundamentalmente pautada nos valores. Essa complementaridade normativa é destacada por Reale no seguinte trecho:

O ordenamento jurídico não é, pois, formado por uma série de normas ideais,      em função das quais os fatos vão valorativamente se desenvolvendo, mas sim uma realidade concreta de três dimensões que desde o início se correlacionam em unidade plural. Fatos, valores e normas coordenam-se em unidades concretas de ação, as quais se confundem com a própria experiência jurídica. Tais unidades são de natureza histórico-cultural de conformidade com uma dialética de complementaridade, caracterizada pela oposição e polaridade dos elementos que a compõem[14].

Para um bom estudo da função social do contrato é preciso levar em conta todo o sistema do Código Civil e sua escolha de valores. Somente assim, pode-se entender as escolhas do legislador do Código Civil, que tem como uma de suas figuras, o próprio Miguel Reale.

É preciso também que se atente para a mudança de orientação quanto ao Direito, isto porque o Direito deixa de ser só norma, como na visão kelseniana. Passam a integrar o Direito outros fatores e não se pode mais utilizar os mesmos padrões do velho Código Civil, em que o direito era entendido como o Direito positivado.

2.2.            Direito e o Estado na Teoria de Reale

A posição adota por Miguel Reale quanto ao conceito de Direito, pressupõe a presença de um Estado que detém em regra o monopólio da legislação e tem presença atuante na vida do cidadão ditando e exigindo que as regras sejam respeitadas. O Estado é aquele que diz o único direito, que é o direito oficial positivado. Não há para Miguel Reale um direito que está fora do Estado.

            O Estado por sua vez é um Estado centralizado autônomo, detentor de uma soberania. O conceito de Miguel Reale é de um Estado Integral, por isso sua aproximação com a teoria integralista, que irá permanecer durante toda a sua obra, porém com nuances diferentes. Reale define o Estado como:

(...) um organismo complexo de forma jurídica, mas de conteúdo político-histórico, tendente a se identificar com a nação, não materialmente no sentido de absorver os indivíduos e os grupos, mas espiritualmente no sentido de exprimir seus valores mais altos[15].

             O Estado ao exprimir os valores da sociedade, muitas vezes o faz através de sua legislação ao escolher alguns valores em detrimento de outros. Um dessas escolhas que o Estado positiva na legislação, é a função social do contrato. Desse modo o Estado para Reale representa valores acima do indivíduo, não tendo um fim egoístico e visando o bem de todos, mas também não deixando de considerar o indivíduo. Nesse sentido diz Reale:

O Estado representa os fins particulares, mas está acima de cada um deles precisamente porque é a expressão de todos. O Estado é um fim e um meio (...)., fim; porque age como agiria a sociedade toda se tivesse consciência própria, e não apenas segundo resultante mecânica das vontades individuais, meio; porque é através dele que o homem consegue atuar as forças que tem em potencialidade[16].

            Reale busca com o Integralismo ir além da noção do Estado Liberal e do Estado socialista, visando um meio termo. Por não abraçar na totalidade a teoria socialista, Reale prefere a utilização do termo “humanista”, quando se refere a valores que visam à melhora da sociedade e do indivíduo. Miguel Reale busca fazer essa mistura, por entender ser mais ética. Porém fica evidente que a questão de Reale é uma escolha política. Esse posicionamento fica evidente no seguinte trecho:

O homem tem uma face voltada para si mesmo, outra voltada para a sociedade. Só considerando a primeira, o liberalismo sacrificou a maioria nas mãos dos mais fortes; só considerando a segunda, o socialismo ameaça sacrificar a todos no altar do mito coletivo. Ambas as soluções são contrárias à ordem ética. A economia integral considera os aspectos individualista e comunitarista do homem, equacionando com segurança a questão social[17].

            O Estado faz assim uma mediação entre os valores individuais e o bem comum da sociedade, e para isso necessita intervir na economia. Essa intervenção é o que Reale chama de “economia dirigida”, que é reafirmação do humanismo integral. A intervenção que Reale aponta como necessária para o Estado Integral, não é tão forte quanto à implantada pelo socialismo, nem tão ausente como no liberalismo, e depende do Direito para ser implementada.

            É interessante notar que o Estado, de acordo com Miguel Reale, não se subordina totalmente ao Direito, apesar de ser dependente deste. Assim defende Reale: “O Estado subordinado ao Direito, como única e suprema realidade e colocando no mesmo plano do indivíduo, acabou sacrificando o fundo moral do direito conformando-se com o jogo material das fórmulas jurídicas”[18]. O Estado ao apresentar os valores sociais relevantes, que por sua vez irá fazer parte do ordenamento jurídico, dita os rumos do Direito.

            Os conceitos utilizados por Miguel Reale de Estado se aproximam daquilo que foi idealizado pela teoria integralista de forte influência fascista. A Ação Integralista Brasileira é fundada em 1932 por Plínio Salgado, buscando uma terceira via entre o liberalismo e o comunismo, e tendo como forte inspiração a Doutrina Social da Igreja. Reale foi um dos participantes do movimento integralista, e não é de se espantar que sua teoria tenha um grande enfoque na moral, na ética e nos valores elevados da sociedade.

            Reale destaca a importância da ética na relação contratual, em especial quando trata dos objetivos do novo Código Civil, que nas palavras do autor visa:

(...) tornar explicito, como princípio condicionador de todo o processo hemenêutico, que a liberdade de contratar só pode ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores primordiais da boa-fé e da probidade. Trata-se e preceito fundamental, dispensável talvez sob o enfoque de uma estreita compreensão do Direito, mas essencial à adequação das normas particulares à concreção da ética da experiência jurídica[19].

3. A evolução no Contrato

            O contrato que o Novo Código Civil estabelece permite que seja aplicado a uma sociedade complexa, em que grande parte das relações se dá em contratos individuais ou em sua grande maioria coletivos. O Código de 1916 apresentava a matéria de contratos, porém esse era voltado para outra realidade, em que as relações não se davam de forma quase instantânea, nem em tão grande volume. O Código de 2002 veio trazer uma série de inovações, quanto aos tipos de contratos positivados e também quanto à maneira de interpretar esses contratos.

 3.1. Pilares contratuais tradicionais

            De acordo com a doutrina os princípios tradicionais que guiam a interpretação dos contratos, estão pautados nos valores do liberalismo individualista, que teve como máxima expressão o Código Civil Napoleônico de 1804. Esses valores foram incorporados por diversos Estados através de suas legislações, e potencializados pelo capitalismo. Pefere-se adotar o termo “pilar contratual” por dois motivos. Primeiro. O termo princípio encontra-se desgastado na doutrina e muitas vezes é utilizado de maneira equívocada, sem muita precisão técnica, e sem um consenso dentre os doutrinadores dos critérios para caracterizar um princípio de direito. Segundo. Há uma discussão entre os próprios juristas sobre a natureza jurídica da função social do contrato, que é considerada como: princípio, e/ou cláusula aberta.

            Os pilares contratuais tradicionais são estabelecidos para serem utilizados em uma sociedade que respeite os valores da liberdade e da igualdade. Assim presume-se serem as partes iguais em seu poder econômico e jurídico, para que haja uma maior liberdade ao contratar. Costuma-se destacar quatro grandes pilares tradicionais dos contratos: autonomia privada, obrigatoriedade dos contratos, relatividade dos efeitos dos contratos, consensualismo. Prefere-se a palavra pilares e não princípios, pois essas são estruturas utilizadas na interpretação independente se estão positivadas ou não no ordenamento jurídico.

            A autonomia da vontade significa para grande parte dos juristas a possibilidade de auto regulação que ocorre entre as partes, sem que haja interferência jurídica estatal. Assim as partes podem se auto regular, de onde vem a palavra autonomia, que literalmente é dar a sua própria lei (auto= própria, nomos= lei, regra). A autonomia da vontade não se contrapõe as normas estatais, mas atua na esfera de liberdade residual, ou seja, onde não há regras é possível pactuar. Esse pilar não foi abandonado pelo novo código, que o apresenta no seu artigo107.

             Obrigatoriedade dos contratos é mais conhecida por seu adágio latino “pacta sunt sevanta”, que literalmente diz que os contratos devem ser cumpridos. Não basta estabelecer um contrato através da vontade das partes, é preciso que as partes também se obriguem a cumprirem o que foi estabelecido. Esse pilar é necessário para garantir que os contratos sejam exigíveis, trazendo certa segurança nas relações sociais.

Com o estabelecimento desse pilar se garante também que as partes não alterarão unilateralmente o contrato (a não ser em situações especiais isso é permitido), uma vez que o contrato é obrigatório na maneira que foi estabelecido.

             Relatividade dos efeitos dos contratos  é um pilar que tem como conteúdo que os efeitos dos contratos atingem as partes contratantes, não aproveitando nem prejudicando terceiros. Isso porque os terceiros não puderam manifestar sua vontade no contrato, não podendo ser surpreendidos por contratos que não firmaram. Esse pilar mesmo na sua concepção tradicional admite diversas exceções, como o contrato por terceiro, contrato por pessoa a declarar, etc..

            Consensualismo significa que os contratos devem ser pactuados a partir de um consenso entre as partes, ou dito de outra maneira, as partes a partir de acordos resolvem entre si o conteúdo dos contratos, sua forma de cumprimento, local, data, etc. Por meio do consenso é que a vontade das partes é que deve estar expressa no contrato.

 3.2. Pilares contratuais modernos  

 

            Os pilares contratuais modernos foram estabelecidos com base em uma sociedade pós-moderna, em que há contratos sendo formados a todo tempo em uma economia capitalista de alta complexidade. Muitos desses contratos não ocorrem entre partes iguais e não raro há pouca liberdade para discutir seu conteúdo. Esse é o caso dos contratos de adesão, contratos eletrônicos, contratos coletivos, contrato dirigido, etc..

            Frente a essa desigualdade entre as partes o Estado como positivador das normas, buscou estabelecer critérios para que não ocorressem abusos, restringindo a inicial “ampla” liberdade ao contratar. Nesse sentido alguns autores falam de um Estado com uma postura intervencionista, visando proteger os hipossuficientes, buscando um direito com um cunho contratual-social. Os pilares tradicionais não foram afastados, porém foram relativizados frente ao novo panorama econômico. Sobre a manutenção dos pilares antigos, comenta Humberto Theodoro Jr.:

A teoria geral do contrato, portanto, enriquece-se com três novos princípios, que  não podem, todavia, ser encarados como, doravante, os únicos a dominar e explicar os fundamentos da figura jurídica da mais importante categoria dos negócios jurídicos. Na verdade, os três novos princípios – boa-fé objetiva, equilíbrio econômico e função social – não eliminaram aqueles em que a ideologia liberalista havia se fixado (liberdade de contratar, força obrigatória do contrato e eficácia relativa da convenção). O que se deu foi o acréscimo aos clássicos, de princípios forjados sob o impacto das atuais idéias de sociedade e solidarismo que a ordem constitucional valorizou[20].

            Os pilares contratuais antigos foram mantidos, porém todos sofreram modificações, devido os novos padrões sociais, econômicos e jurídicos. A autonomia privada ainda persiste nos contratos, mas agora a vontade não pode levar a um desequilíbrio jurídico decorrente de um desequilíbrio econômico, entre os contratantes. A obrigatoriedade dos contratos também é mantida, mas com interferência da teoria da imprevisão e da cláusula rebus sic stantibus (art. 478 CC 2002).

            O pilar que sofreu maior alteração foi o dos efeitos dos contratos. Não se pode mais entender que o contrato apenas interessa a quem contratou, pois não apenas um ou outro terceiro, podem ser interessados ou influenciados pela situação jurídica decorrente do contrato. Toda a sociedade pode sofrer influência de um contrato, e este passa a interessar a todos. Assim o contrato tem efeitos internos entre os contratantes, porém tem efeitos externos. Esse é o caso dos contratos de consumo e os de massa. Nesse sentido comenta André Soares Hentz, ao tratar da função social do contrato:

Ocorre que tais princípios já não conseguiram tratar com necessária plenitude dos contratos, na medida em que se tornou necessário contextualizá-los com as   novas relações sociais, políticas e econômicas ocorridas durante quase um século de vigência do Código Civil de 1916. Era preciso mitigar o postulado da autonomia da vontade o da obrigatoriedade dos contratos, instituindo mecanismo de combate à desigualdade substancial entre as partes, com a assunção de uma postura mais ativa e participativa do Estado, assim como reconhecer a projeção externa dos efeitos dos contratos sobre os interesses de terceiros. Dessa forma, o advento do Código Civil de 2002 deu nova roupagem ao direito contratual, atualizando-o e elevando-o ao nível das legislações mais desenvolvidas e avançadas acerca do tema[21].

            3.2.1. A Boa-fé objetiva

            A boa-fé contratual surge como um dos grandes pilares contratuais modernos, e deste derivam todos os outros. Trata-se da boa-fé objetiva. Essa não é apenas a boa-fé que visa impedir um dano a um contratante e é oposto da má-fé, que é se saber sobre o ilícito praticado e mesmo assim ocorrer na ação.

A boa fé é objetiva uma vez que não recai nos sujeitos que contratam, mas sobre o próprio objeto do contrato. Ela tem como expressão: equilíbrio de prestação e contraprestação, o dever de lealdade, dever de informação, dever de guarda e do dever de proteção. Assim a boa fé objetiva está ligada a um padrão de comportamento a ser seguido que é determinado por valores sociais.

Sobre essa distinção é interessante destacar as palavras de Fernando Noronha, para quem há dois tipos de boa- fé e não apenas duas concepções. Diz o autor:

 (....) mais que duas concepções da boa-fé, existem duas boas-fés, ambas jurídicas, uma subjetiva e outra objetiva. A primeira, diz respeito a dados internos, fundamentalmente psicológicos, atinentes diretamente ao sujeito, a segunda a elementos externos, a normas de conduta, que determinam como ele deve agir (...) Uma é a boa fé estado, a outra boa-fé princípio[22].

            Miguel Reale entende que a boa-fé presente no artigo 113 do Código Civil Novo, é uma norma fundante de todo o sistema, pois dita a diretriz para as outras normas do sistema[23].

            O texto do Código Civil de 2002 diz em seu artigo 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como na sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Deste modo a boa-fé pode ser entendida como um dever de conduta, que deve ser observado em todas as fases do contrato: pré-contratual/ tratativas, contrato, pós-contratual. A boa-fé engloba os deveres principais e acessórios, destacando os seguintes deveres: a) dever de cuidado, previdência e segurança; b) dever de aviso e esclarecimento; c) dever de informação; d) dever de prestar; e) dever de colaboração e cooperação, f)dever de proteção e cuidado; g) dever de sigilo, etc.. Estes deveres decorrem da lei e não é apenas um mero acordo de vontade das partes.

A boa fé busca limitar as liberdades de contratar introduzindo deveres aos contratantes. A boa fé é um exemplo como a clássica divisão entre direito público e privado, na modernidade se torna menos clara, por haver uma crescente interseção entre essas áreas. Isto porque não é só o direito público que está preocupado com questões que se referem à sociedade como um todo, mas também o direito privado através da introdução de novos conceitos como a boa-fé e função social do contrato.

É instalada com a boa-fé a proteção de ambas as partes do contrato e não apenas um lado ou outro. Não há a presunção de que uma parte do contrato seja hipossuficiente, como ocorre no direito do trabalho, direito da criança e do adolescente ou no direito do consumidor. A proteção se dá em face dos contratantes e entre o contrato e a sociedade.

Os deveres que decorrem da boa-fé não se confundem com outras proibições presentes no Código Civil, como aquelas que geram vícios de consentimento. A boa-fé pode ser utilizada em casos em que foi cumprida a estrita legalidade, porém não foram respeitados os deveres acima citados, que por si só, não são ilícitos.

Na doutrina alemã a boa-fé objetiva pode ser tida como um exemplo das “normas de proteção” (Schutzgesetze), que gera automaticamente um direito à indenização, sem que se tenha de provar o nexo causal entre o dano e o elemento subjetivo[24]. Porém para a caracterização dessa responsabilidade objetiva, seria necessário a configuração de dano individual ou grupo determinado, sendo vetado a defesa dos interesses difusos.

Mariana Santiago cita alguns autores como Nery Júnior que entendem que a boa fé é distinta da função social do contrato, pois um contém a outra; e outros como Cláudio Godoy, que adotam a posição daqueles que não fazem distinção dos conceitos[25]. A posição mais comum entre os autores é entender que a boa-fé é conceito que engloba a função social do contrato. Humberto Theodoro Jr. entende que há uma diferença entre função social do contrato e boa fé. Para o autor:

A função social do contrato consiste em abordar a liberdade contratual em seus reflexos sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das relações entre   as partes que o estipulam (contratantes). Já o princípio da boa-fé fica restrito ao relacionamento travado entre os próprios sujeitos do negócio jurídico[26].

            Reale entende que a boa-fé é condição essencial da atividade ética, é tanto forma de conduta como norma de comportamento. Nas suas palavras:

Pode-se-ia concluir afirmando que a boa-fé representa o superamento normativo, e como tal imperativo, daquilo que, no plano psicológico se põe como intentio leal e sincera, essencial à juridiciadade do pactuado[27].

3.2.2. Eticidade, Socialidade e Operabilidade

            A eticidade, socialidade e operabilidade são três dos princípios fundamentais do novo Código Civil, segundo Miguel Reale. Esses princípios também regem os contratos, assim como todo o novo código.      Ao elencar princípios como elementos fundamentais do Código, o legislador brasileiro optou por um caminho teórico, que visa um alargamento na possibilidade hermenêutica. Miguel Reale evidencia essa diferença comparando com a opção do legislador alemão:

 (...) ao contrário dos juristas alemães denominados pandectistas, que pretendiam resolver todos os problemas jurídicos somente mediante categorias jurídicas – tal como se dá com o Código Civil alemão de 1900, o BGB – os elaboradores da nova Lei Civil brasileira optaram pela compreensão do Direito em função de princípios jurídicas e metajurídicos, como os da eticidade e da socialidade[28].

Reale ressalta a eticidade como um princípio do Novo Código Civil. A partir de uma crítica ao formalismo jurídico, Reale entende que a legislação deve conter princípios éticos que atual principalmente através da hermenêutica jurídica. Assim ao interpretar o jurista não se atém somente à letra da lei, mas a critérios ético-jurídicos que levem a uma solução mais justa. Reale nesse sentido afirma:

O novo Código, por conseguinte, confere ao juiz não só poder para suprir lacunas, mas também para resolver, onde e quando previsto, de conformidade com valores éticos, ou se a regra jurídica for deficiente ou inajustável à especificidade do caso concreto[29].

            A socialidade é princípio norteador do Código Civil de 2002, uma vez que visa segundo Reale a promover valores de sentido social, abandonando um pouco a ótica individualista do código civil anterior. Há uma nítida preferência de valores coletivos, quando confrontados com os valores individuais. Não há a primazia somente dos cinco personagens do Direito Privado tradicional, como diz Reale, ao se referir ao: proprietário, contratante, empresário, pai de família e o testador. Miguel Reale destaca essa mudança como uma transformação de sentidos do velho para o novo Código Civil. Assim diz o autor:

(...) perceber-se-á logo a diferença entre o código atual, elaborado para um pais  predominantemente rural, e o que foi projetado para uma sociedade, na qual prevalece o sentido da vida urbana. Haverá uma passagem do individualismo e do formalismo do primeiro para o sentido socializante do segundo, mais atento às mutações sociais, numa composição eqüitativa de liberdade e igualdade[30].

            O direito se mostra deslocando o foco do individual para o coletivo. Não é somente o indivíduo que importa, mas sim uma coletividade e quando não, a própria sociedade. É um grande passo para o Direito que desde sua origem se foca no sujeito singularizado. Essa grande mudança ainda não foi acompanhada por um código processual que permita que direitos coletivos e homogêneos sejam implantados, apesar do grande esforço de muitos processualistas brasileiros. O direito do sujeito não-individual ainda é tímido, seja esse direito material ou processual, mas já aponta para um grande avanço no ordenamento jurídico.

            Reale afirma que o princípio da socialidade não se confunde com o socialismo. Cita como principais exemplos da implementação do princípio da socialidade: alteração da expressão “poder familiar” por “pátrio poder” e o surgimento do conceito de posse “pro labore” em que o prazo da usucapião é reduzido[31].

            Operabilidade é o princípio que dita, segundo Miguel Reale, que as normas devem ser operadas com facilidade pelos juristas, permitindo que o direito das normas seja executado e assim realizado. Ao buscar um código mais fácil de operar, o legislador resolve na letra da lei algumas polêmicas doutrinárias que somente dificultavam a aplicação do direito. Esse é o caso da prescrição e da decadência, que o novo código buscou resolver o problema doutrinário. O princípio da operabilidade também tem outra faceta, segundo Reale, que leva:

à redigir certas normas jurídicas, que são normas abertas, e não normas cerradas, para que a atividade social mesma, na sua evolução, venha a alterar-lhe o conteúdo daquilo que denomino estrutura hermenêutica[32].

Para Reale esse princípio leva a outro, que é o princípio da concretude. Esse princípio é definido pelo coordenador do novo código, como :

(...) obrigação que tem o legislador de não legislar em abstrato, para um indivíduo perdido na estratosfera, mas quando possível, legislar para o indivíduo situado: legislar para o homem enquanto marido; para a mulher enquanto esposa; para o filho enquanto um ser subordinado ao poder familiar[33].

            Esses três princípios não são vistos de forma separada por Miguel Reale, e somente podem ser vistos no ordenamento jurídico em conjunto uma vez que são interdependentes. Esse entendimento fica claro na seguinte passagem:

Além disso, é superado o apego a soluções estritamente jurídicas, reconhecendo-se o papel que na sociedade contemporânea voltam a desempenhar os valores éticos, a fim de que possa haver real concreção jurídica. Socialidade e eticidade condicionam os preceitos do novo Código Civil, atendendo-se às exigências de boa-fé e probidade em um ordenamento constituído por normas abertas, suscetíveis de permanente atualização[34].

            Renan Lotufo ao ressaltar a importância dos valores no Código Civil de 2002 comenta:

Este Código, pelas suas próprias raízes metodológicas e filosóficas (eticidade – socialidade- praticidade), não tem a aspiração de ser um código fechado. É um código que está permeado por valores que vão contra o puro individualismo e ao individualismo exacerbado. É um código que está imbuído do que o Professor Reale chamou de princípios da socialidade, ou seja, todos os valores do código encontram um balanço entre o valor do indivíduo e o valor da sociedade. Não exacerba o social tanto quanto procura não exacerbar o individualismo[35].

4. Da Função Social do Contrato

4.1.            Previsão legal de função social

A função social do contrato está prevista no Código Civil de 2002 no artigo 421, que tem a seguinte redação: “A liberdade de contratar será exercida em razão dos limites da função social do contrato”. O legislador não conceituou a função social do contrato, deixando essa tarefa a cargo do aplicador do Direito. Esta é a única referência legal no Código Civil à função social.  Alguns doutrinadores entendem que por não existir uma definição legal, tal conceito seria uma “clausula aberta” e outros que seria um princípio.

É possível tentar rastrear o conceito de função social a partir de outros conceitos semelhantes que também tem previsão legal, mas assim como o novo Código Civil não apresenta uma definição expressa. Um desses conceitos semelhantes é o da “função social da propriedade”, que está previsto na Constituição Federal de 1988 nos artigos: art. 5°, XXIII como limitador da propriedade; art. 170 como princípio da ordem econômica e social; art. 186 ao tratar dos critérios e exigências da função social da propriedade rural. Antes mesmo da legislação constitucional cuidar do tema, o Estatuto da Terra (Lei 4504-64), já trazia em diversos artigos a necessidade de observânvia da função social da propriedade, dentre eles: art. 2 caput e alínea b, art. 12 e art. 13.

O Código do Consumidor (Lei 8078/1990) devido a seu caráter inovador e de proteção, de acordo com os novos ditames do direito, apresenta alguns artigos que se aproximam da função social dos contratos no Código Civil. No CDC é possível destacar o artigo 4, I, (que trata da mitigação da autonomia da vontade frente à vulnerabilidade do consumidor),  artigo 12, 14, 18 ( responsabilidade objetiva), artigo 51 (trata da cláusula abusiva). Há outros artigos que tratam implicitamente e expressamente da boa-fé no âmbito contratual nas relações de consumo.

O espírito protecionista do Código do Consumidor contaminou outros ramos do direito, em especial o Direito Civil. Isso porque a proteção passou para o ramo do direito privado, em que geralmente não era pautado por tal necessidade, uma vez que as partes consideradas juridicamente iguais poderiam contratar com maior igualdade. Desse modo a proteção comumente existente no direito público, passa a figurar também no direito privado.

Para aqueles que acreditam que a função social da propriedade é um princípio, entendem que a função social do contrato figurava no ordenamento jurídico, antes mesmo de sua previsão no Código Civil, porém não de forma expressa. Com a positivação há uma afirmação de tal instrumento, e a elevação de sua importância.

Como a função social do contrato deriva da função social da propriedade, segundo entendimento de grande parte dos juristas, é possível encarar o conceito também como decorrente dos direitos de terceira geração. Esse é o entendimento de Talavera, pois a função social do contrato tem como características a solidariedade e a fraternidade social[36].

É importante ressaltar que o Código Civil e suas discussões é que influenciam essas legislações. Isso ocorre porque o projeto do Código Civil publicado em 2002 ficou aproximadamente 25 anos em discussões, levando muitos conceitos para outras legislações que foram feitas nesse período. Apesar da data posterior do Código Reale é ele que irradia o conceito de função social, que fica mais abrangente do que somente a função social do contrato.

4.2.            Previsão jurídica no direito comparado

Alguns ordenamentos jurídicos inseriram a função social do contrato em seu texto legal expressamente, outros admitem implicitamente, pois apresentam em seus textos legais mecanismos que levam a essa proteção, como a boa fé objetiva, função social da propriedade, etc.. Nesse último caso estão países como: Alemanha, Portugal.

Alguns países por possuírem legislação mais antiga não inseriram a função social do contrato, nem outro mecanismo semelhante. Porém é possível encontrar um movimento em quase todas as legislações, de abandono de uma posição rígida em relação à liberdade contratual.

Um dos poucos ordenamentos jurídicos que faz menção expressa é o Código Civil Italiano, que no artigo 1322, diz: As partes podem livremente determinar o conteúdo do contrato nos limites impostos na lei e nas normas corporativas. As partes podem ainda formar contratos que não fazem parte dos tipos disciplinados na lei, contanto que sejam direcionados à realizar os interesses de tutela  segundo o ordenamento jurídico.[37].

4.3.            Classificações

As classificações somente são úteis quando podem aclarar conceitos a partir de distinções, que levam a uma identidade específica do objeto estudado. Umas das classificações da função social do contrato diferencia dois aspectos: intrínseco e extrínseco. Essa diferenciação é proposta por Everaldo Augusto Cambler. Diz o autor sobre a função social do contrato sob o aspecto intrínseco:

Cuidar da função social do contrato sob o aspecto intrínseco significa avaliá-la na dimensão do vínculo estabelecido entre os próprios integrantes da relação jurídica. Como exemplo, mencionamos o estabelecimento da cláusula penal   progressiva, denunciadora do interesse de uma das partes no descumprimento do contrato, o que evidentemente, desnatura sua clausula final precípua, qual seja o      cumprimento.[38]

Sobre a função social do contrato sob o aspecto extrínseco o autor tece o seguinte comentário:

Nesta, o contrato, tanto em sua formulação clássica como na standard, é avaliado   em razão das implicações positivas ou negativas sentidas junto à coletividade, que se beneficia ou não das características formais e materiais do negócio, da circulação de riquezas, da garantia do crédito, etc.[39].

4.4.            Natureza jurídica

Uma das maiores controvérsias que gera em torno da figura da função social do contrato é sua natureza jurídica. A doutrina aponta duas principais posições quanto à natureza jurídica da função social do contrato: princípio e/ou cláusula geral. Há algumas variações dentro dessas duas posições, sendo que alguns doutrinadores entendem que a função social do contrato é um meta-princípio ou sobre-princípio.

Há muita confusão na doutrina o que venha a ser princípio e cláusula geral, pois cada autor adota um ponto de vista a partir de sua posição frente ao conceito de direito. A doutrina costuma adotar um conceito de princípio/clausula geral, sem fazer referência à concepção de direito adotada. Assim para se entender a natureza jurídica da função social do contrato é necessário que se atente para esses conceitos.

No sistema jurídico é possível identificar a presença de princípios que estão positivados, ou seja, atuam como normas, porém apresentam um conteúdo normativo aberto, possibilitando uma gama ampla de interpretações do aplicador do direito. Há também princípios que atuam como conteúdo de normas, podendo ser implícitos ou explícitos. Nesse caso o princípio também tem função interpretativa, porém sua utilização, existência e validade são discutidas pela doutrina e jurisprudência.  Portanto há o princípio que se confunde com a norma jurídica, tendo o mesmo estatuto desta, e o princípio que é conteúdo da norma jurídica.

A doutrina nacional e internacional não há consenso sobre o tema. Bobbio entende que os princípios são normas fundamentais, normas gerais; para Del Vecchio os princípios teriam o estatuto de resquícios do Direito Natural, presente no ordenamento positivo; para Dworkin os princípios deveriam ser entendidos como o próprio Direito, mas com um status diferente das regras, pois não estipula solução particular; para Emilio Betti os princípios são idéias germinais, critérios de avaliação; para Crisafulli princípios são normas jurídicas e não apenas critérios ou diretrizes; Alexy entende que princípio é uma das espécies de normas e diferencia os princípios das regras[40]. A doutrina nacional também vai pela mesma esteira.

Adota-se aqui a posição de Tércio Sampaio Ferraz Jr.  para quem as normas não se confundem com os princípios. A norma tem imperatividade e é entendida como uma relação entre o emissor e o receptor na relação comunicacional, a partir da teoria da pragmática da comunicação humana. Os princípios atuam como calibradores das normas, organizando de uma maneira ou de outra o sistema jurídico. Assim os princípios apontam como o conteúdo da norma deve ser entendido, possibilitando que se restrinja ou amplie os conceitos presentes na norma.

Cláusulas gerais ou abertasé entendida pela doutrina como uma técnica legislativa que consiste em não restringir no próprio texto normativo o conteúdo dado a determinado conceito. A positivação do texto legal não se dá pelo casuísmo, mas através de uma hipótese legal com possibilidade de grande extensão interpretativa dos termos.

Visa-se com isso permitir que a norma tenha maior longevidade, pois o conceito pode sofrer alterações ao longo do tempo, sem que isso venha a interferir no texto da norma. Outro objetivo é propiciar que os conceitos possam ser entendidos de mais de uma maneira, possibilitando uma gama maior de interpretações a partir de um mesmo conceito.

Essa técnica legislativa das cláusulas gerais tem inspiração na generalklauseln, muito utilizada no Código Alemão (BGB). O Código Civil de 2002 possui alguns artigos enunciados em forma de cláusulas abertas, enquanto que grande parte dos artigos ainda segue a forma tradicional da casuística. Utiliza-se de uma técnica legislativa mista.

As clausulas abertas são um instrumento que necessita sempre do intérprete como aplicador da norma. Somente na interpretação da norma no caso concreto, é que o sentido do conceito presente nelas será restringido. Deste modo a ampliação dos sentidos trazida pelas clausulas abertas é apenas aparente, pois o intérprete seleciona os sentidos dos possíveis a partir de uma posição política, jurídica, econômica, previamente definida. Ou seja, nem todos os possíveis significados da clausula aberta, são realmente aplicáveis na prática. A jurisprudência e da doutrina ao interpretar e julgar restringe o sentido da clausula geral, estabelecendo a posição dominante ou muitas vezes determinante.

Essa é a posição adotada, por exemplo, pelo Conselho de Justiça Federal nos enunciados do Centro de Estudos:

Enunciado 21 – A função social do contrato, prevista no novo Código Civil, constitui cláusula geral, a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito

Enunciado 22 – A função social do contrato, prevista no artigo 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas

Enunciado 23 – A função social do contrato, prevista no artigo 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, interesses meta-individuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”

A posição defendida aqui é que as cláusulas gerais, assim como os princípios, não são fontes de flexibilidade e insegurança como a doutrina costuma apontar. Essa posição doutrinária é apontada aqui no comentário de Teresa Alvim sobre a posição conservadora sobre o tema. Diz a autora:

Este dispositivo (do artigo 421 do C.C.), como tantos outros integrantes do  Código Civil, causa certa dose de surpresa e até mesmo perplexidade nos estudiosos mais conservadores, já que, indubitavelmente, contém uma regra cuja formulação é extremamente vaga e imprecisa, podendo muito facilmente transformar-se em brecha para todo tipo de arbitrariedade do Judiciário[41].

A segurança jurídica é um dos grandes pilares do direito brasileiro atual, que lida com a previsibilidade das situações jurídicas. Através de uma possibilidade de se prever situações jurídicas futuras com base em situações jurídicas passadas. Apesar de tão festejado entre diversos autores e juristas, a modernidade vem colocando em discussão se é possível a previsibilidade frente a tamanhas modificações na sociedade e na economia.

 Somente é possível controlar as situações jurídicas através de uma hermenêutica que assegure um padrão de julgamento frente a uma ação jurídica determinada. Assim a segurança jurídica não é assegurada pelo sistema jurídico através de uma imutabilidade legal, mas sim por uma constante nos julgamentos. Esse mecanismo é feito através de súmulas, orientações, julgados modelos, dentre outros.

A doutrina parte para essa posição que as clausulas gerais e princípios são inseguros juridicamente, pois apenas aprecia o sistema jurídico do âmbito do legislativo, que produz as normas. Quando se considera também o âmbito do aplicador da lei, ou seja, primordialmente função do judiciário e subsidiariamente do Executivo, percebe-se que a clausula geral e os princípios, passam por um forte crivo político e ideológico, possibilitando poucas variações dentro da universidade dos possíveis, e com isso trazendo ao sistema jurídico uma espécie de “enclausuramento” que ocorre na esfera da hermenêutica jurídica.

Como cláusula geral ou como princípio a função social do contrato tem busca uma limitação, uma restrição dos sentidos. Deste modo pode a limitação não tem um sentido negativo, pois pode ser uma limitação que vise que os contratos sejam realizados de uma maneira mais justa.

4.5.            Críticas da doutrina

A função social do contrato sofre críticas por parte de alguns doutrinadores, que consideram o texto impreciso. Isso porque o artigo 421 que trata do tema, fala: “liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Para Giselda Hironaka a melhor técnica seria utilizar-se da expressão “liberdade de contratar” e não “liberdade contratual”, uma vez que a primeira diz respeito a liberdade de celebrar o contrato ou não e a segunda a liberdade de decidir o conteúdo do contrato[42]

Uma das críticas da função social do contrato foi transformada em projeto de lei, para alteração de sua redação. O texto do artigo 421 do Código Civil, de acordo com o Projeto 6960/02, será alterado para: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”. O projeto de lei de autoria de Ricardo Fiúza propõe alterações em aproximadamente 188 artigos no novo Código Civil, muitas delas trazidas de sugestões de renomados doutrinadores para aprimorar o texto original.

Ricardo Fiúza ao comentar sobre o aperfeiçoamento do artigo 422 do Código Civil esclarece sobre a mudança da redação inicial. Nas palavras do autor:

(...) atendendo a sugestão dos Professores Álvaro Villaça de Azevedo e Antônio Junqueira Azevedo, objetiva inicialmente substituir a expressão ´liberdade de contratar’ por ‘liberdade contratual’. Liberdade de contratar a pessoa tem, desde que capaz de realizar o contrato. Já a liberdade contratual é o de poder livremente discutir as cláusulas do contrato. Também procedeu-se à supressão da    expressão ‘em razão’. A liberdade contratual está limitada pela função do contrato, mas não é sua razão de ser[43].

A proposta de mudança do projeto foi rejeitada pela Comissão de Constituição Justiça e Redação da Câmara dos Deputados, e o artigo 422 do Código Civil ainda apresenta a redação original. Isso porque considerou-se que a proposta de mudança não acarretava grande diferença, piorando o texto do legislador principal.

Outros autores são contra a posição trazida no Código de 2002 preferindo a liberdade contratual. Porém para esses críticos há o grande peso de que a lei já está vigente e deve ser respeitada enquanto tal, independente da posição doutrinária adotada.

Conceituar “função social dos contratos” é tarefa difícil e não há consenso na doutrina. A dificuldade se encontra em grande parte, pois somente é possível uma descrição da função social da propriedade a partir dos seus efeitos. Assim se define a função social dos contratos pelo que ela gera no mundo jurídico. Muito das definições doutrinárias derivam também da apreciação da natureza jurídica.  Adriano Parra entende que a função social do contrato pode ser conceituada como:

uma premissa, estabelecida pelo interesse social, a todos os princípios, aplicações e interpretações jurídico contraturais devem tomar como diretriz básica e fundamental a ser seguida, objetivando a procura do bem comum, sob pena de ocorrer um desvio de finalidade da norma e sujeitar-se a uma interferência estatal para a harmonização do interesse particular com o da coletividade[44].

Mariana Santiago entende que a função social do contrato é:

um princípio social do contrato, compatibilizando-o com os ideais do Estado social, limitando a autonomia privada e ao mesmo tempo fundamentando outras limitações a esta autonomia, a exemplo do que ocorre no caso do    reconhecimento da lesão como vício do consentimento, da boa-fé objetiva e da resolução por onerosidade excessiva, estando a dita função social numa posição hierarquicamente superior a estas outras limitações[45].

Godoy entende que a função social do contrato é tanto um princípio quanto um limite interno. Esse entendimento decorre dos seguintes posicionamentos:

(....) a função social do contrato é um limite interno, constante e de vertente  também positiva, promocional de valores básicos do ordenamento”[46], “... a função social do contrato corresponde, hoje a uma nova concepção do instituto, a que atinentes novos ou relidos princípios e voltado, é certo, a possibilitar a circulação econômica, mas com efeito, de modo a, mais que garantir, promover, mesmo valores constitucionais reputados fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e o solidarismo social[47].

5.  Função social do contrato e sua a sua utilização: 

5.1.             Aplicação

A função social do contrato é utilizada sempre que se tenha uma relação contratual em que apesar de cumpridas as cláusulas contratuais, ocorreu um problema que fez com que o contrato apesar de válido entre as partes e apto a produzir efeitos, não atingiu os objetivos sociais de um contrato, e logo deve ser revisto ou anulado. 

Entre as partes não pode não haver qualquer problema, o que levaria o contrato a ser mantido, de acordo com a doutrina tradicional. Porém pode haver um problema no contrato que venha afetar à sociedade, e deste modo, mesmo que as partes queiram, este não pode ser efetivado. Busca-se com isso o bem maior, que é o bem da sociedade, em detrimento do particular, do egoístico.

Assim a função social do contrato atua conjuntamente com o princípio da autonomia da vontade privada, ou como é modernamente denominado, princípio da autonomia privada. Deste modo não basta o adágio do pacta sunt servanda, ou seja, o pacto faz lei entre as partes. Isso porque é superior a vontade acordada entre as partes, um bem maior que é o respeito ao bem comum. Miguel Reale ao tratar da função social dos contratos, esclarece quanto a busca de valores coletivos:

Como se vê a atribuição de função social ao contrato não vêm impedir que as pessoas naturais ou jurídicas livremente concluam, tendo em vista a realização dos mais diversos valores. O que se exige é apenas que o acordo de vontades não se verifique em detrimento da coletividade, mas represente um dos seus meios primordiais de afirmação e desenvolvimento[48].

É importante ressalvar que a “função social do contrato” e o “pacta sunt servanda” não se excluem, mas se integram. Os contratos ainda são respeitados quando feitos entre as partes, tendo sua força de lei, porém este agora sofre a limitação de estar de acordo com uma função social. A aplicação da função social do contrato deve ser conjunta com outros princípios, inclusive o da boa-fé objetiva. Esse é o foi o um dos objetivos do novo Código Civil, nas palavras de Reale, que visava:

tornar explicito, como princípio condicionador de todo o processo hermenêutico, que a liberdade só de contratar só pode ser exercida em consonância com os fins  do contrato, implicando os valores primordiais da boa-fé e da probidade[49].

Há na doutrina juristas que entendem que a função social do contrato tem aplicação interna nos contratos, e outros que admitem também a influência externa. A posição majoritária é a que admite o domínio externo. É defensor dessa posição Humberto Theodoro, quando afirma: “Logo só se pode pensar em função social do contrato, quando este instituto jurídico interfere no domínio exterior aos contratantes, isto é, no meio social em que estes realizam o negócio de seu interesse privado”[50].  Para Calixto Salomão é necessário para a aplicação da função social do contrato:   

(...) a individualização de cada uma das obrigações do contrato e a verificação d de sua compatibilidade com o conceito supra definido, como requisito de eficácia da obrigação principal, perante terceiros e entre as partes[51].

Porém quando o contrato já foi adimplido se feriu a função social do contrato, para o autor citado, somente resta a responsabilização com a conseqüente indenização do dano sofrido independente da prova da culpa.

5.2.            Interpretação

Na elaboração do ordenamento jurídico das relações privadas, o legislador se encontra perante três opções possíveis: ou dá maior relevância aos interesses individuais, como ocorria no Código Civil de 1916, ou dá preferência aos valores coletivos, promovendo a “socialização dos contratos”, ou então, assume uma posição intermediária, combinando o individual com o social de maneira  complementar, segundo regras ou cláusulas abertas propícias a soluções eqüitativas e concretas. Não há duvida que foi essa terceira opção a preferida pelo legislador do Código Civil de 2002. É a essa luz que deve ser interpretado o  dispositivo que consagra a função social do contrato, a qual não colide, pois, com os livres acordos exigidos pela sociedade contemporânea, mas antes lhes assegura efetiva validade e eficácia[52].

Reale destaca a importância da hermenêutica frente às normas, em especial ao papel da doutrina. Diz o jurista:

(...) no meu modo de entender, a estrutura hermenêutica é um complemento  natural da estrutura normativa. E é por isso que a doutrina é fundamental, porque ela é aquele modelo dogmático, aquele modelo teórico que diz o que os demais modelos jurídicos significam[53].

Para André Hentz a função social do contrato é utilizada como um princípio e também como uma cláusula geral, quer permite que o jurista interprete com mais abrangência, do que vinha sendo feito com as normas do Código Civil anterior. Porém para esse autor há limites para a interpretação do conceito de função social do contrato, para não ferir a segurança jurídica. Nas palavras do autor:

O princípio da função social do contrato (...) não tem função criativa, mas apenas repressiva e sancionatória, eis que atua apenas como limitador dos princípios da liberdade de contratar e da relatividade dos efeitos dos contratos.   Nesse contexto os juízes não poderão aplicá-lo em nome do princípio da socialidade, para dar  convenção das partes que não foi por elas avançado[54].

Adriana de Mello destaca a importância do papel do interprete quanto à função social do contrato, que deve se pautar por parâmetros objetivos. Diz a autora:

 Essa intervenção (através da função social do contrato), entretanto, não se faz    em nome de uma subjetiva compreensão do que seja justo para o aplicador do direito, mas segundo critérios objetivos retirados da realidade econômica, dos dados do comércio, das práticas do mercado e dentro da equação econômica     eleita pelas partes, que em princípio são livres para dispor do patrimônio segundo suas conveniências e devem responder obrigatoriamente pelos próprios atos. Não pode, pois, o juiz tentar, no caso concreto, reequilibrar as diferenças  sociais e promover a distribuição de riquezas. São a equação e a finalidade  econômica e social do próprio contrato que deverão ser fiscalizadas para orientar a interpretação das cláusulas e obrigações ajustadas[55].

5.3.            Opção Legislativa

Entendemos que a função social do contrato trata-se de um conceito que está ligado, com uma postura de se adotar uma política pública frente ao contrato. O legislador adotou a função social do contrato, como uma possibilidade de se rever judicialmente o contrato quando este se distanciou de sua função que é permitir que algumas relações sociais possam ser firmadas.

Assim a função social do contrato não fere a segurança jurídica. O grau de incerteza ocasionado pela função social do contrato, não é diferente de outros conceitos adotados pelo direito. Isso se dá para aqueles que entendem que a função social do contrato é cláusula geral, um princípio, ou qualquer outra definição.

 A insegurança jurídica também é um dos topos mais discutidos no âmbito do direito, e não deixa de ser uma presunção legal para que o sistema jurídico possa funcionar sem maiores complicações, mas nunca uma realidade nesse mundo de intensas e rápidas mudanças.

5.4.            Jurisprudência

A jurisprudência trás a função social do contrato em grande parte das vezes relacionada com a eticidade, lealdade negocial, probidade, boa fé objetiva. Muitos são os casos de lesão, vício negocial, abuso de direito em que a função social do contrato entra como auxiliar para possibilitar a constatação de nulidade, com uma possível revisão contratual ou da declaração do contrato nulo. Humberto Theodoro Jr. aponta como exemplos de casos de função social do contrato prejudicada por abuso da liberdade de contratar:

a) induzir a massa de consumidores a contratar a prestação ou aquisição de certo             serviço ou produto sob influência de propaganda enganosa; b) alugar imóvel em zona residencial para fins comercias incompatíveis com o zoneamento da cidade; c) alugar quartos de apartamento de prédio residencial, transformando-os em pensão; d) ajustar contrato simulado para prejudicar terceiros, e)qualquer       negócio de disposição de bens em fraude de credores; f) qualquer contrato que, no mercado, importe o exercício de concorrência desleal; g) desviar-se a empresa licitamente estabelecida em determinado empreendimento, para contratação de operações legalmente não permitidas, ....; h) agência de viagens que sob a aparência de prestação de serviço de seu ramo, contrata na realidade o chamado turismo sexual, com a mediação no contrabando ou em atividades de penetração em ilegal em outros países; i)enfim, qualquer tipo de contrato que importe desvio ético ou econômico de finalidade com prejuízo para terceiros[56].

Arruda Alvim apresenta um importante e emblemático caso em que foi utilizada a função social do contrato:

Eu mesmo já tive um caso no nosso escritório que foi julgado pelo Tribunal de     Justiça do Rio de Janeiro e é claro eu todos nós somos vítimas das nossas      circunstâncias, inclusive vítimas até da nossa idade. Um colega que tem metade      da minha idade, em face de um contrato de uma companhia aérea, idealizou um      pedido com base na função social. Esse caso foi julgado pouco tempo antes da  entrada em vigor do vigente Código Civil. Nesse caso uma companhia aérea tinha que deixar em mãos do arrendante uma determinada importância em dólar, uma verdadeira caução para socorrer a determinadas eventuais e futuras despesas e, quando essa caução fosse usada, essa arrendadora tinha o prazo de 5 dias para repor o dinheiro, que desempenharia novamente a função de garantia e m mãos do credor arrendante. Era um contrato liberal e, numa linguagem crítica,     quase leonino. Então esse colega construiu uma argumentação muito bem feita, submeteu a mim e ai se disse e se postulou que, em nome da função social, esse prazo de 5 dias não adiantava nada porque a situação econômica não estava fácil e ele queria que a juíza desse um prazo de 120 dias. E, na verdade, o que se pediu foi uma dilação desse prazo de 5 para 120 dias. A decisão foi favorável tanto no 1 grau quanto no 2 grau, em nome da função social do contrato[57].

Grande parte da jurisprudência sobre a função social do contrato, trata de temas relativos ao Código de Defesa do Consumidor. Porém pouco a pouco a função social do contrato é levada para áreas em que não se pensava em aplicar esse conceito, com é o caso do Direito do Trabalho. È interessante ressaltar que uma área como a trabalhista que tem o contrato como base nas relações de emprego, a função social do contrato começa a ser utilizada, mesmo não prevista nas legislações trabalhistas. Isso porque a função social do contrato também apresenta um princípio protetivo, assim como a legislação material trabalhista. Um exemplo disso é o

No âmbito do Direito do Trabalho ressaltamos três jurisprudências que tratam da função social do contrato. A primeira delas ressalta que a questão discutida não é propriamente injurídica, mas se trata de caso de abuso de direito e lesão, afrontando a boa fé e a função social do contrato. [58]    A segunda jurisprudência levantada trata-se de mandado de segurança, em que um empregado foi despedido às vésperas da eleição da CIPA[59]. Também trata-se de abuso de direito e não cumprimento da função social do contrato. A terceira jurisprudência a função social do contrato é utilizada apenas para dar suporte à ampla legislação protetiva presente na Constituição e na CLT[60].

No âmbito civil geralmente a função social do contrato é utilizada como um argumento de reforço, em casos de lesão, boa-fé contratual, etc. Destaca-se  um julgado do Tribunal do Rio Grande do Sul em que em um embargo à Execução, que trata de contrato de abertura de crédito e contrato de execução de dívida.[61] O julgado entendeu que trata-se de contrato em que se assemelha a contrato de adesão, pois não foram discutidos as clausulas e logo fere a função social do contrato.

Do Tribunal de Justiça de São Paulo apresenta dois casos exemplificativos da utilização da função social do contrato. O primeiro deles é relativo aos deveres pós-contratuais, no caso de estabelecimento comercial que não pode ser instalado no mesmo lugar que o concorrente[62]. O segundo caso trata-se de rescisão de contrato de franquia, em que há manutenção do vínculo comercial[63]. Nesses dois casos está presente a função social do contrato, pois não há descumprimento do contrato em si, mas o contrato do modo em que se encontra, não é bom para a sociedade e assim deve ser evitado.

Do Tribunal do Paraná selecionou-se também um julgado em que a função social do contrato em caso de juros contratuais. Esse julgado entende que deve-se afastar a tabela price, mesmo sendo a combinada contratualmente. Isto porque essa tabela leva a capitalização dos juros. Assim é preservado a moradia, em detrimento do contrato[64].

6.         Função Social do Contrato no Direito  moderno

6.1.            Funções do direito

Na doutrina que trata sobre a Função Social do Contrato há uma grande dificuldade de se definir a origem e o significado da expressão. Não é corrente na doutrina civilista o questionamento sobre a própria função da norma civil. Isso ocorre uma vez que o direito positivo está pautado na discussão sobre a estrutura da norma e não sobre sua função. A estrutura escalonada em uma hierarquia é imagem presente na cabeça da maioria dos estudantes de direito e juristas, na tão famosa imagem da pirâmide de normas kelseniana.

O questionamento sobre a função do Direito começa a se despontar na década de 70, nos estudos dos jusfilósofos do direito que buscavam transcender a teoria kelseniana. Entre esses está o estudo de Norberto Bobbio “Da estrutura à função”, que pretende se perguntar sobre a função do direito e não como o Direito é, ou seja, como está estruturado. A mudança do método de pergunta leva a questões totalmente diferentes. Bobbio destaca que a preocupação com a função do direito nunca foi relevante, pois os juristas (entre eles Kelsen, Jhering) acreditavam que a função do direito não importava, mas sim o modo pelo qual os fins eram perseguidos[65].

Bobbio elenca diversas funções do Direito entre elas: repressiva, protetiva, eqüitativa, protetiva, social, transformadora, conservadora, etc. A função principal adotada pela legislação e pelos doutrinadores durante muito tempo foi à função repressiva, que visava uma sanção ao comportamento não desejado pelo legislador.

A teoria da funcionalista do Direito visa a dar relevância a uma outra função que é a promocional, através do estimulo de comportamentos desejados. Ao legislador não basta reprimir um comportamento é preciso que se incentivem comportamentos desejados, para que sociedade se aprimore nas suas relações sociais. Há nessa postura um maior controle da reação do indivíduo e com isso um maior poder, uma vez que as opções de comportamentos se reduzem. Não há uma violência típica da sanção negativa, mas sim uma violência velada (simbólica), muito mais eficaz e que abrange um maior número de pessoas.

A função social do contrato é uma das funções promocionais do Direito pós-moderno. Isso porque não visa à repressão com sanções negativas, mas visa promover um comportamento desejado dos contratantes. Trata-se de uma espécie de norma totalmente diferente das normas de conduta, que implicam uma sanção negativa a uma das partes contratantes.

Não se pode usar o padrão de sanção meramente negativa para essas normas, pois foge da sua lógica. Não há uma preocupação com a sanção negativa, mudando completamente o que se entende por: responsabilidade, direito privado e direito público, negócio jurídico ou mesmo de contrato.

Grande parte da dificuldade de se lidar com a “função social do contrato”, está em entender que a lógica foi alterada e que o padrão estruturalista não serve mais para explicar esse novo tipo de direito. Quando a discussão vai parar no judiciário é porque a “função social do contrato” não foi cumprida. Nesse ponto não há mais de se falar especificamente em “função social do contrato”, mas sim em dolo, erro, etc., que é próprio da sanção negativa e da visão estrutural do direito. Isso porque o conceito de função social do contrato é mais presente na prevenção do que na repressão, pois o direito protegido é mais promocional do que punitivo.

Essas normas são próprias do Direito da pós-modernidade, como bem aponta Bobbio. Elas privilegiam o que se costumou chamar de “Estado de bem estar social”, em que há uma grande proteção da sociedade e não apenas do indivíduo.

A Constituição de 1988 busca os valores de um “Estado de bem estar social”, chegando a ser tratada por “constituição cidadã”, devido ao caráter democrático e protetivo e garantidor de direitos. O Código Civil de 2002 buscou incorporar essas alterações e introduzir na sua legislação uma preocupação com a sociedade, enquanto sujeito de direitos. A função social dos contratos é um dos exemplos dessa alteração de mentalidade do legislador, que está sendo má compreendida por muitos intérpretes da norma.

6.2.             Bem comum orientando o Direito

O bem comum é um ideal que remonta à Grécia Antiga e que foi muito bem tratado por Aristóteles. Buscava-se com a noção de bem comum trazer o bem para a sociedade, que não é um bem individual, mas de um todo. Eduardo Santos sobre a função social do contrato e o bem comum, diz:

A função social do contrato deve ser entendida a partir de dois elementos. Em    primeiro lugar, nos contratos deve ser observado o princípio do equilíbrio   contratual...O segundo elemento é o atendimento ao bens comum, aos interesses sociais[66].

O Direito sempre teve como um dos seus principais pontos, propiciar o bem comum da sociedade, ao mesmo tempo, que assegurava os interesses individuais. Essa equação entre o individual e o coletivo sempre foi difícil para equacionar, uma vez que um não podia suplantar o outro a ponto de um deles desaparecer. Um pouco dessa problemática está presente na discussão entre Direito público e privado.

Hoje o bem comum está associado aos direitos humanos, ou seja, aqueles direitos que garantem de algum modo uma melhora da qualidade da vida humana, propiciando a dignidade da pessoa humana. O bem comum também está presente no Direito público, e começa a ganhar importância no Direito privado, como é o caso do Direito Civil.

Os contratos que eram permeados eminentemente pelos padrões individualistas, passam também a ser pautados pelos padrões e valores da coletividade. O contrato interessa não só as partes, mas a toda a sociedade uma vez que há contratos por todos os lados e esses geram efeitos para todos. Assim não se pode pautar pelo bem do indivíduo somente, mas sim por um bem comum. Como aponta André Soares Hentz:

O que importa hoje não é mais a exigência pura e simples do cumprimento das cláusulas contratuais, pois o Estado interventor obriga que as relações sejam pautadas pela confiança, lealdade, boa-fé, não onerosidade excessiva, sem abuso de direito da parte mais forte economicamente a mais vulnerável. Várias são as possibilidades encontradas para o contratante prejudicado buscar a proteção de seus direitos enquanto pessoa, não apenas nos caso de vício de vontade e consentimento. Para que um contrato faça jus a tutela do Direito necessário sua destinação social. Dessa forma, o contrato, além de desempenhar a função de propiciar a circulação de riquezas – função econômica, possui uma função social[67].

Somente a partir da busca de um bem comum é que se pode chegar a uma sociedade mais justa. A função social do contrato visa estabelecer no âmbito contratual uma melhora da sociedade, fazendo com que os efeitos do contrato sejam bons para os contratantes e que o contrato seja interessante também para todos.

Considerações finais

Pode-se afirmar que Miguel Reale ao permitir que a função social do contrato figurasse no Código Civil, apontava para um outro rumo da legislação civilista ao introduzir um novo conceito de direito. Esse conceito de direito incorpora valores e não está adstrito apenas as normas positivadas.

Rompe-se assim com toda uma tradição da legislação civilista de fixação nos conceitos restritos e na pouca autonomia do juiz ao interpretar. O direito de Miguel Reale não é apenas norma, e assim exige do intérprete uma postura mais ativa. Isso não fere a segurança jurídica, mas sim instaura um novo jeito de se lidar com o direito, que não se pauta somente pela sanção. Outros valores são relevantes e não podem ser colocados de lado, como por exemplo: a boa-fé, a eticidade e a solidariedade nos contratos.

A função social dos contratos somente pode ser entendida com base nesse novo conceito de direito que vai além da mera norma. Padrões antigos somente tornam difícil a aplicação da função social do contrato, pois esta não foi formulada nesse cânone. Trata-se de um desafio para o jurista utilizar desse novo conceito e incorporá-lo, pois pressupõe aceitar um novo conceito de direito.


 

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Notas:

[1] ALENCAR, Ana Valderez. Código Civil: anteprojetos. Vol.1.. P, 4[2] Código Civil: anteprojetos. Vol.1

[3] ALENCAR, Ana Valderez. Código Civil: anteprojetos. Vol.1.. P, 6[4] LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil. P, 19.

[5] REALE, Miguel. Visão Geral do novo Código Civil.

[6] REALE, Miguel. Discurso do Prof.Miguel Reale: Supervisor da “Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil”.

 [7] REALE, Miguel. Fundamentos do Direito.

[8] FERRAZ JR, Tércio Sampaio. A noção de norma jurídica na obra de Miguel Reale. In: Miguel Reale na Unb. P, 102.

[9] REALE, Miguel. O Direito como Experiência. p, XXI.

[10] REALE, Miguel. O Direito como Experiência. p, XXVII.

[11] REALE, Miguel. O Direito como Experiência. p, 55.

[12] REALE, Miguel. O Direito como Experiência. p, 59.

[13] REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. P, XXVIII

[14] REALE, Miguel. Variações sobre o poder. (artigo, 31/07/2004)

[15] REALE, Miguel. Obras Políticas (1931-1937). O conceito de Estado. P, 134.

[16] REALE, Miguel. Obras Políticas (1931-1937). O conceito de Estado. P, 132.

[17] REALE, Miguel. Obras Políticas (1931-1937). O conceito de Estado. P, 146.

[18] REALE, Miguel. Obras Políticas (1931-1937). O conceito de Estado. P, 136.

[19] REALE, Miguel. O projeto do novo Código Civil Brasileiro. P, 71.

[20] THEODORO JR, Humberto. O contrato e sua função social. P, IX.

[21]  HERTZ, André Soares. O sistema das cláusulas gerais do Código Civil de 2002 e o princípio da função social do contrato.  

[22] NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios. P, 132.

[23] REALE, Miguel. Um artigo-chave do Código Civil.

[24] SALOMÃO FILHO, Calixto. Função Social do Contrato. P, 75.

[25] SANTIAGO, Mariana. O principio da função social do contrato. P, 105.

[26] THEODORO JR, Humberto. O contrato e sua função social.  P, 29

[27] REALE, Miguel. Um artigo-chave do Código Civil.

[28] REALE, Miguel. A Constituição e o Código Civil.

[29] REALE, Miguel. Visão Geral do Projeto de Código Civil.

[30] REALE, Migual. Sentido do Código Civil.

[31] REALE, Miguel. Visão Geral do Projeto de Código Civil.

[32] REALE, Miguel. Visão Geral do Projeto de Código Civil.

[33] REALE, Miguel. Visão Geral do Projeto de Código Civil

[34] REALE, Miguel. Sentido do Novo Código Civil.

[35] LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil. P, 27.

[36] TALAVERA, Glauber Moreno. A função social do contrato no Novo Código Civil. P, 94

[37] “Le parti possono liberamente determinare il contenudo del contratto nei limiti imposti dalla legge e dalle norme corporative. Le parti possono anche concludere contratti che non appartengano ai tipi aventi uma disciplina particolare, purché siano diretti a realizzare interesi meritevoli di tutela secondo l´ordinamento giuridico”

[38] CAMBLER, Everaldo Augusto. Comentários ao Código Civil Brasileiro: do direito das obrigações. P, 11.

[39] CAMBLER, Everaldo Augusto. Comentários ao Código Civil Brasileiro: do direito das obrigações. P. 15.

[40] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p, 228-266.

[41] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as cláusulas gerais do Código civil de 2002: a função social do contrato. P, 57.

[42] HIRONAKA, Giselda. Contrato....

[43] FIÚZA, Ricardo. O Novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamento. P, 76.

[44] PARRA, Adriano. Função social do contrato. Dissertação de mestrado PUC-SP. Resumo.

[45] SANTIAGO, Mariana. O princípio da função social do contrato. P, 83.

[46] GODOY, Cláudio Luiz Bueno. A função social do contrato: os novos princípios contratuais. P, 252.

[47] GODOY, Cláudio Luiz Bueno. A função social do contrato: os novos princípios contratuais. P, 239.

[48] REALE, Miguel. Função Social do Contrato.

[49] REALE, Miguel. O projeto do novo Código Civil. P, 71.

[50] THEODORO JR, Humberto. O contrato e sua função social. P, 13.

[51] SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato. P, 85.

[52] REALE, Miguel. Função Social do Contrato.

[53] REALE, Miguel. Visão Geral do Projeto de Código Civil.

[54] HERTZ, André Soares. O sistema das cláusulas gerais no Código Civil de 2002 e o princípio da função social do contrato.

[55] MELLO, Adriana de. A função social do contrato e o princípio da boa-fé no novo código civil brasileiro. P,29

[56] THEODORO JR, Humberto. O contrato e sua função social. P, 57.

[57] ARRUDA ALVIM. A função social dos contratos no novo código civil. P, 72.

[58] RECURSO ORDINÁRIO    DATA DE JULGAMENTO: 06/10/2005 RELATOR(A): ROVIRSO APARECIDO BOLDO  REVISOR(A): LEILA APARECIDA CHEVTCHUK O. DO CARMO   ACÓRDÃO Nº:  20050697050 PROCESSO Nº: 01098-2003-032-02-00-7     ANO: 2004      TURMA: 8ª          DATA DE PUBLICAÇÃO: 18/10/2005

PARTES: RECORRENTE(S): TRANSPOEIRA TRANSPORTES RODOVIARIOS LTDA/   RECORRIDO(S):  ELCIO RAVELHA

EMENTA: Resolução contratual. Ausência de elementos fático-jurídicos. Lesão da boa-fé objetiva. Vulneração da função social do contrato. Abuso de direito. Ainda que a dispensa sem justa causa seja ato arbitrário, a volição do empregador não remonta à injuridicidade; a proteção da lei ao emprego procura restringir o exercício do direito subjetivo do empregador, que, se exercido, é sancionado com o pagamento da indenização respectiva (CLT, art. 477). Destarte, a opção pela resolução contratual, sem elementos fático-jurídicos que a justifiquem, representa igualmente o exercício de um direito subjetivo. Nesse caso, contudo, a pretensão é colidente com o princípio da boa-fé objetiva (CC, art. 422), e atenta contra a função social do contrato, estribada no princípio da solidariedade (CF, art. 3º, inciso I). Configurado o abuso de direito, nos moldes do CC, art. 187.

[59]  MANDADO DE SEGURANÇA  DATA DE JULGAMENTO: 01/02/2005 RELATOR(A): JOSE CARLOS DA SILVA AROUCA  REVISOR(A): MARCOS EMANUEL CANHETE ACÓRDÃO Nº:  2005002800   PROCESSO Nº: 10036-2004-000-02-00-2        ANO: 2004          TURMA: SDI   DATA DE PUBLICAÇÃO: 04/03/2005   PARTES: IMPETRANTE(S): ADAILTON FERREIRA DE OLIVEIRA E CLAUDECI TONEZI    IMPETRADO(S): ATO DA MM. JUÍZA DO TRABALHO DA MM. 3ª VARA DO TRABALHO DE S ÃO BERNARDO DO CAMPO

LITISCONSORTE(S): MACISA COMERCIO E INDUSTRIA S/A

EMENTA:1. Ação cautelar. Medida liminar. Concessão e revisão recursal. Cabimento. A concessão liminar da medida cautelar, inclusive sem audiência da parte contrária, constitui faculdade do juiz, que, todavia, não pode escusar-se quando presentes os pressupostos necessários, isto é, sempre que verificar-se a possibilidade de, sendo citado, torná-la ineficaz, como se extrai do art. 804 do Código de Processo Civil. Presentes a aparência do bom direito e o perigo da mora, e negada a medida excepcional, contém-se no devido processo legal, o direito de revisão, assegurado pelo art. 5º, inciso LV da Constituição. 2. Direito potestativo de despedir. Eleição para composição da CIPA. Abuso de direito. CC. arts. 421 e 422. Inteligência. O Código Civil no art. 421 estabelece que "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato". Completa-o a disposição do art. 422: "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé", restringindo destarte o chamado poder potestativo de despedir por despedir, sem necessidade de qualquer justificação, às vésperas do prazo aberto para registro de chapas junto à CIPA. Assinale-se que a CIPA não se constitui em órgão auxiliar da empresa, mas em organismo paritário dirigido para assegurar aos trabalhadores um meio ambiente de trabalho saudável e seguro.

[60]  RECURSO ORDINÁRIO EM RITO SUMARÍSSIMO  DATA DE JULGAMENTO: 03/02/2004 RELATOR(A): RICARDO VERTA LUDUVICE REVISOR(A): ACÓRDÃO Nº:  20040020163 PROCESSO Nº: 01521-2003-462-02-00-3        ANO: 2004          TURMA: 5ª DATA DE PUBLICAÇÃO: 06/02/2004 PARTES: RECORRENTE(S): JOAQUIM ALVES DOS SANTOS  VOLKSWAGEN DO BRASIL LTDA

EMENTA: Prescrição nuclear relativa às diferenças de 40% sobre o FGTS (CF/ADCT, art. 10, I), decorrentes de expurgos inflacionários (LC 110/2001): o prazo para contagem há de fluir a partir da extinção do contrato laboral (CF, art. 7º, XIX, e TST, Enunciado 362, com a redação de 21.11.2003), sob pena de transgressão à natural hierarquia das normas jurídicas e do fomento à indesejável insegurança nas relações jurídicas. No mesmo senso e por analogia (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 8º, 'caput'), a Lei n. 8.036/90 (art. 18, parágrafo 1º), a O.J. n. 254/TST-SDI 1, e até mesmo os arts. 421 (função social do contrato) e 422 (probidade e boa-fé na conclusão contratual), do Código Civil

[61] EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO E CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. INCOMPATIBILIDADE COM OS PRINCÍPIOS GERAIS DA BOA-FÉ E DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. -- 1. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. 2. Novação em se tratando de relação negocial continuada, é perfeitamente possível em se tratando de relação negocial continuada, e perfeitamente possível examinar-se o contrato originário e seus subsequentes, pois se tratam de mera continuidade negocial. 3. Revisão contratual e limitação dos juros. Os juros encontram-se limitados em 12% a.a., não em função da aplicação do art. 192, § 3º da CF, uma vez que o STF já decidiu que esta norma possui eficácia contida, nem da chamada Lei da Usura (Decreto nº 22.626), e sim, pelo art. 51, IV do CDC, bem assim, em razão de toda a legislação pátria que historicamente adotou como parâmetro razoável de juros remuneratórios o percentual de 12% ao ano. 4. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Filio-me a corrente que entende ser o contrato de abertura de credito e o contrato de confissão de dívida como contratos de adesão, eis que suas cláusulas foram preestabelecidas unilateralmente pela instituição financeira, que e economicamente mais forte, sem que o autor pudesse discutir ou modificar substancialmente o conteúdo destas. 5. Capitalização. Vedada a capitalização dos juros, com base na Súmula 121 do STF. 6. Juros moratórios. O percentual a ser observado é aquele de 6% ao ano, na forma dos artigos 1.062 e 1.262 do CC, quando não houver pactuação. Em havendo disposição expressa acerca dos juros moratórios, esses ficarão em 1% ao mês. 7. Multa. A multa contratual representa o ressarcimento pelo atraso no cumprimento da obrigação e deve ser fixada em 2% sobre o saldo devedor. Preliminar rejeitada. recursos desprovidos.

[62] Processo                   : 1347234-3 , Relator                     : J. B. Franco de Godoi , Órgão Julgador           : 4ª Câmara (Extinto 1° TAC) , Data do Julgamento   : 30/03/2005

Ementa-----CC MULTA ESTABELECIMENTO COMERCIAL LIMINAR ART. 473 PERICULUM IN MORA FUMUSBONI JURIS TUTELA ANTECIPADA   TUTELA ANTECIPADA - Liminar - Determinação judicial para a continuidade do   exercício das atividades da agravante nas dependências da agravada - Instalação, todavia, de concorrente no mesmo local - Descabimento - Negócio que   impedirá a agravante de obter lucro na prática de seu comércio - Aplicação   do princípio da função social dos contratos - Artigo 473 do Código Civil   - "Fumus boni iuris" e "periculum in mora" demonstrados - Fixação de multa   diária enquanto o 3º permanecer no mencionado estabelecimento, pois a agravante deve desenvolver suas atividades negociais com exclusividade, até de   cisão final da ação - Recurso provido para esse fim.     wtcn/vl - 25. 07.05 

[63] Processo : 1324099-6 , Relator: Maia da Rocha , Órgão Julgador : 3ª Câmara - B
Data do Julgamento   : 07/12/2004

Ementa--- REQUISITOS CPC CONTRATO RESCISAO LIMINAR ART. 273 TUTELA ANTECIPADA novo codigo civil   TUTELA ANTECIPADA - Ação de rescisão de contrato de franquia - Manutenção do vínculo comercial - Liminar concedida ante a presença dos requisitos do art. 273 do CPC - Vigência do pacto depois da edição do Código Civil de 2002   - Aplicação do princípio da função social do contrato - Antecipação da tutela mantida - Agravo de instrumento não provido.     WTCN/acv - 07.01.05  

[64] Nº do Acórdão:753, Documento 146 de 295, Órgão Julgador:17ª Câmara Cível         

Tipo de Documento: Acórdão, Comarca: Curitiba, Processo:   0282088-0

Recurso:  Apelação Cível   Relator: Rosana Amara Girardi Fachin,  Revisor:      Paulo Roberto Vasconcelos, Julgamento:                10/05/2005 15:56, Ramo de Direito: Cível  Decisão:                Unânime, Dados da Publicação:    DJ: 6882

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL (SFH) - FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO - PLANO DE COMPROMETIMENTO DE RENDA - SISTEMA APLICÁVEL - AFASTAMENTO DA TABELA PRICE  - TR NÃO SERVE DE CRITÉRIO DE REAJUSTE DEVENDO SER SUBSTITUÍDA PELO INPC - AMORTIZAÇÃO - INCIDÊNCIA DA LEI 4.380/64 - ART. 6º LETRA "C" - SEGURO MANTIDO - SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO - HONORÁRIOS- PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA. 1. O princípio da boa-fé objetiva configura-se como uma das principais ferramentas a concretizar a função social do contrato. E, deste modo, emergem valores que devem orientar a interpretação contratual - no caso, do mútuo que objetiva a aquisição da casa própria, perfazendo-se o direito à moradia, garantido pelo artigo 6º da Constituição Federal. 2. A legislação que rege o Sistema Financeiro de Habitação possibilita a utilização de dois sistemas de reajuste das prestações: o PES e o PCR. Sendo pactuado o PCR, não há porque afastá-lo, pois além de não incidir em onerosidade excessiva, preserva o equilíbrio financeiro do contrato, vez que o mutuário tem a prestação vinculada à sua renda que pode ser comprometida, no máximo, em até 30%. 3. A aplicação do sistema PRICE conduz à capitalização dos juros, a qual deve ser afastada pois só é admitida em casos definidos por leis especiais, não se aplicando aos contratos de financiamento habitacional. 4. A TR não é índice de atualização monetária, mas uma taxa vinculada aos valores de mercado, contrariando o disposto no artigo 5º, §1º, da Lei 4.380/64, que determina que o reajuste das prestações reflita as "variações do poder aquisitivo da moeda nacional". 5. O reajuste das prestações antes de descontado o valor pago desnatura e desvia a real finalidade da atualização que é tão somente a de corrigir monetariamente o valor do débito. 6. O prêmio de seguro vinculado ao financiamento habitacional deve ser mantido na forma pactuada, pois sua estipulação vem em benefício dos próprios mutuários, máxime quando estes não comprovam a alegada abusividade dos valores cobrados pelo agente financeiro. 7. Não apenas por estar sub judice a delimitação do crédito indicado pela instituição financeira exeqüente, mas também por restar afastada a mora e o inadimplemento dos devedores, não há como admitir-se o prosseguimento puro e simples da execução, enquanto pendente essa celeuma judicial. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

 [65] BOBBIO, Norberto. Da estrutura à Função. P, 85.

[66] SANTOS, Eduardo Sens dos. O novo código civil e as cláusulas gerais: exame da função social do contrato. P, 101.

[67] HENTZ, André Soares. O sistema das cláusulas gerais no Código Civil de 2002 e o princípio da Função social do contrato. P, 12.